1ª PARTE
A NOVA GEOPOLÍTICA
(FUNDAMENTOS E IDEOLOGIA)
-A geopolítica Pós Guerra-Fria-
“A guerra
assume tantos disfarces que às vezes é chamada de paz” (Drummond).
“A própria
guerra não precisa de motivos especiais, pois parece estar enxertada na
natureza humana” (Kant, apud Baños).
Parece
não ser mais novidade e nem mistério que em razão da conectividade do mundo
atual surgem situações que não estão mais em questão interesses específicos de
determinados países (sociedades), mas sim situações que dizem respeito à
sobrevivência da humanidade em si, ou seja, a preservação da espécie humana.
É
neste contexto, de pós Guerra Fria, que se insere a Nova Geopolítica, cujos fundamentos
seriam, em princípio ou supostamente, divergentes da Tradicional Geopolítica,
baseada esta em interesses específicos dos Estados-nações, em relação aos seus
concorrentes imediatos ou potenciais.
Assuntos
que dizem respeito à letalidade das armas nucleares ou mesmo químicas, bem como,
a poluição de rios, mares, ar, o efeito estufa e suas consequências, que põem
em risco a sobrevivência da humanidade e demais seres vivos, passam a ter uma
nova dimensão nos assuntos internacionais, porque não bastam os esforços ou
medidas de um ou poucos estados para controlar e sanar os danos causados à
natureza.
Em
paralelo com a preocupação específica da sobrevivência da humanidade surgem
interesses “altruístas” com a espécie
humana (e até mesmo os demais seres vivos), relativos à realização da
potencialidade do ser humano como tal, colocando em destaque as causas
humanitárias que dignificam o ser e impedem de denegri-lo diante de situações
sociais, como: liberdade de expressão, antirracismo, escravismo, igualdade de
direitos entre os sexos, liberdade de cultos, respeito à diversidade, democracia,
etc. Valores estes previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
Organização Nações Unidas e que constam das Constituições de diversos países
democráticos, que a ela aderiram.
Este
artigo procura descortinar o véu por trás dos fundamentos políticos e
humanitários que regem a Nova Geopolítica, sem se deter nas teorias que deram
vida a Tradicional Geopolítica, para que possamos avaliar no que elas divergem.
Advirto
que não tenho a pretensão de esgotar um assunto tão vasto, mas colocar de uma
forma mais resumida possível alguns pontos polêmicos da política internacional
no presente, que confundem os leitores através do poder dos media e das versões oficiais, geralmente manipuladas e distorcidas.
Preliminarmente,
é importante destacar três questões que irão orientar este artigo: 1) não
haverá uma preocupação em distinguir as diferenças conceituais entre geografia
política, geopolítica e geoestratégia, porque as diferenças não serão
necessárias e elas até se tocam em determinados pontos, sendo irrelevantes (1);
2) o foco da análise será a Nova Geopolítica vista numa perspectiva das nações
econômica e militarmente mais poderosas, que regem a política mundial; 3) optei
por colocar o problema do petróleo sob uma perspectiva geopolítica mais global,
mesmo reconhecendo a sua importância como matéria-prima e deflagrador de
décadas de conflitos, mormente no Oriente Médio, que culminou com a Guerra do
Iraque. Os interesses pelo petróleo e gás convencionais ainda permanecem, se
deslocam para outras regiões, como África, Cáucaso, Ásia Central e com a
exploração do xisto poderão advir novas situações, ainda não previsíveis,
possibilitando aos países “globais” diminuírem suas dependências do petróleo do
Oriente Médio. De qualquer forma a geopolítica continuará com ou sem o
petróleo, mas os interesses pelos controles do petróleo e gás dão-lhe uma
conotação especial.
Os
politólogos que teorizaram sobre a Nova Geopolítica fizeram-no no contexto de
fim da Guerra-Fria, projetando suas concepções para o restante do globo.
Portanto, focaram as suas conclusões no término da Geopolítica bipolar da
guerra-fria, ditada pelas nações que disputaram a liderança mundial. Por este
motivo evitamos uma concepção abrangente e genérica, fundamentada numa
perspectiva de um mundo bipolar que, no presente, se tornou unipolar. Veremos
que eles falharam por 2 vezes.
Confesso
que eu mesmo estava alheio aos acontecimentos e aos bastidores das guerras nos
Balcãs. As versões apresentadas por Branco e Cunha, que tiveram presenças ativas
nas guerras, nos dão uma visão bastante pormenorizada e aprimorada dos
acontecimentos e do contexto atual da geopolítica, inacessíveis ao público e
até mesmo aos especialistas mais bem informados.
Os
comentários sobre estas guerras e os papéis desempenhados pela ONU e OTAN
naqueles contextos nos dão uma grande visibilidade sobre as questões
geopolíticas, fornecendo ferramentas essenciais para uma “projeção” dos
aspectos geopolíticos atuais, pós debacle da URSS.
Em
relação aos conflitos sobre a anexação da Criméia e os combates nas regiões
fronteiriças da Ucrânia e Rússia os leitores poderão consultar os livros de
Bandeira, que são fundamentais, por trazerem muitas informações pormenorizadas.
Cabe
informar aos leitores que sobrecarreguei um pouco o texto principal com
transcrições que julguei fundamentais porque tenho verdadeira aversão às notas;
para dar mais fiabilidade ao artigo; evitar expor com as minhas palavras
situações deveras importantes que poderiam trazer dubiedade.
Objetivando
colocar à disposição mais detalhes sobre as guerras da Jugoslávia e Kosovo e
reduzir tanto quanto possível o texto original, julguei oportuno transcrever
passagens dos referidos livros para as Notas.
Com
o mesmo intuito de redução, abri um Anexo com comentários sobre as tipologias e
os motivos das guerras, segundo Darwin, Sun Tzu, Correia, Keegan. Tal assunto,
como não poderia deixar de ser, resvalou para o terreno controvertido sobre a
agressividade “inata” ou “adquirida” do ser humano.
O
primeiro tópico traz alguns conceitos da Geopolítica Tradicional e da Nova Geopolítica,
e as respectivas diferenças segundo as análises e expectativas de politólogos,
com comentários adicionais da minha parte.
No
segundo tópico procuro por em destaque alguns aspectos históricos das diversas
formas de democracias, colocando em questão os seus fundamentos, principalmente
a forma da democracia americana.
No
tópico seguinte (3º) analiso os aspectos da política externa americana,
fundamentada na ideologia do “Destino Manifesto”, que trarão subsídios para
entender o novo contexto em que se insere a Nova Geopolítica, acentuando o
enquadramento da política externa americana como uma verdadeira realpolitik.
No
4º (quarto) tópico trouxe uma inovação porque procurei destacar uma associação
entre o liberalismo político e o liberalismo econômico, visando entender melhor
o enfoque ideológico da Nova Geopolítica (diga-se americana), que visa a
intervenção em países para "defender" os direitos humanos (em sentido lato),
garantir a sobrevivência dos seres vivos e promover o desenvolvimento econômico
das nações mais pobres, de acordo com uma cartilha econômica liberal (ou neo),
proclamada principalmente pelos EUA. Neste tópico acrescento novos argumentos
que contestam a viabilidade desenvolvimentista desta cartilha liberal, seguindo
a linha de meus artigos anteriores. Enriqueço o texto com o auxílio de Hanshall
e do economista sul coreano Ha-Joon Chang sobre o desenvolvimento do Japão e da
Coréia do Sul, respectivamente. Também trago passagens do livro de Michael
Porter que ajudaram a fortalecer os meus argumentos anteriores.
Desnecessário
dizer que sempre procuro um enfoque geopolítico, destacando neste também os
papéis desempenhados pelos Organismos e Instituições Internacionais e mesmo
quando se apresentam questões que aparentam ser exclusivamente de ordem econômica.
Por fim a Conclusão e, posteriormente, o citado Anexo.
Considerando a extensão do artigo e, principalmente, para facilitar o acesso e a consulta às Notas e aos tópicos dividi a publicação em 5 (cinco) partes, cada uma acompanhada das respecticas notas: 1) Introdução e os conceitos sobre A tradicional e Nova Geopolítica; 2) “A democracia como fundamento da paz” e “A política externa americana”; 3) Liberalismo político e econômico e a privatização; 4) Conclusão; 5) Anexo, sobre A agressividade e a Guerra. Dessa forma os leitores poderão selecionar os tópicos que mais lhes interessam.
No tópico “Liberalismo Político e Econômico e Privatização” procurei evitar o quanto possível o economicismo sofisticado colocando o assunto de uma maneira mais lógica, fortalecendo com comentários e exemplos dos autores citados. As críticas pessoais à Teoria ricardiana das vantagens comparativas, no sub-tópico Liberalismo Econômico, seguem e complementam os passos do artigo "A ideologia das vantagens comparativos" e de outros artigos sobre a industrialização do Brasil. Advirto que as notas são relevantes.
A TRADICIONAL E A NOVA GEOPOLÍTICA
(CONCEITOS)
Em
princípio, com o apoio na obra de Correia apresentamos alguns conceitos de Geopolítica
na concepção de Rudolf Kjellén, “considerado
o fundador da geopolítica” na sua concepção clássica, “assente no determinismo geográfico”, conforme o autor inicialmente
citado:
“Teoria do Estado enquanto fenômeno do espaço”.
“conjunto de princípios e de relações que se
estabelecem entre os Estados, as suas políticas e leis da natureza, estas
determinando aquelas”.
“A geopolítica é o estudo do Estado considerado como
organismo geográfico, ou ainda como fenômeno espacial, isto é, como uma terra,
um território, um espaço, ou melhor ainda, um país” (pgs 95/96).
Uma
síntese das diversas tendências é apresentada por Pierre Gallois, conforme
Correia:
“é o estudo das relações que existem entre a condução
de uma política de potência levada ao plano internacional e o quadro geográfico
em que se exerce” (p. 97).
O
leitor não familiarizado com assunto poderá observar quão vago se trata o
conceito (ou conceitos), fato que não lhe permite determinar o objetivo, quais
são as ferramentas utilizadas, suas armas ou os diversos meios de que se
utiliza para pô-la em ação (2). A 1ª questão que se coloca é quanto às
relações. Que tipos de relações? Evidentemente, não se trata de questões apenas
“amistosas” que visam a prosperidade e o bem comum. Incluem pactos contra
outras nações e todos os tipos de relações que almejam o benefício próprio
(trapaças, ameaças, etc). Percebe-se claramente que evitam mencionar que por
trás destas relações existem interesses muito específicos, nada republicanos,
ou mesmo desavenças históricas, que motivam os conflitos e as guerras
(voltaremos ao assunto).
Para
dar um novo sentido à noção de geopolítica recorro às teorias de 4 grandes
teóricos que nortearam as políticas internacionais das grandes nações (3).
É
interessante destacar que os grandes teóricos, nos primórdios da “ciência”, que
traçaram as linhas mestres da geopolítica e são referências em todos os
estudos, tais como Kjellén, Ratzel, Mahan, Mackinder e, num momento posterior,
Spykman, estavam intimamente associados às grandes nações e seus respectivos interesses
hegemônicos. Em outras palavras, traçaram os seus planos e suas teorias visando
interesses específicos, em detrimento de outras nações.
Kjellén,
embora sueco, foi influenciado por Ratzel e juntamente com este “lançou as bases da geopolítica alemã” (pt.wikipedia.org>wiki>Rudolf
_Kjellér)
Por
este motivo, embora todas ou quase todas nações tenham as suas geopolíticas, e desde
os primórdios os povos fizessem uso de seus conceitos (ver Sun Tzu), até de
modo “instintivo”, uma conceituação generalizada perde muito em significância.
A geopolítica é uma relação hierárquica de poder a nível internacional e como
tal possui suas peculiaridades que não podem ser especificadas num conceito
genérico, muito embora possamos fazer uso dele, com ressalvas.
Para
maiores detalhes sobre as teorias ver Correia pgs 149 a 214, “Manual de
geopolítica” e Bandeira capítulo I, em “A
segunda Guerra Fria”
Sobre
a Nova Geopolítica:
“Hoje, se vier a consolidar-se a emergência da nova
geopolítica, despida de qualquer objetivo de justificação de poder, de
hegemonia, de domínio, de condução de conflitos e orientada para a gestão do
meio, do espaço, acentuar-se-á o esvaziamento da vocação polemológica da
geopolítica, vocação que ficará, em exclusividade, no âmbito da geoestratégia,
que é a sua área natural. E, assim, a distinção entre os dois conceitos
tornar-se-á muito mais clara” (Correia, p. 106).
“Tratando-se sempre de uma disciplina que estuda a
interação do espaço e do poder, da geografia e da política, na geopolítica
clássica o espaço é visto como instrumento de hegemonia e do exercício do
poder, enquanto na nova geopolítica se pretende que o poder seja o instrumento
de gestão e preservação do espaço” (p. 244).
Para Griffith Taylor, “ao estudo da geografia para
promover a conquista contrapunha outro extremo, a geopacifics, ou seja o
estudo da geografia para promover a paz, a que também chamou <<geografia
humanizada>> (Correia, Manual ..., p. 242);
O’Sullivan, “procura apresentar uma geopolítica que
sirva para fazer a paz (...) que se distancie dos mitos geopolíticos
(...) e constitua a base de uma política alternativa” (Correia, Manual ...,
p.244). Nota (4).
Ou
seja, para diversos autores e politólogos que tratam do assunto, com a debacle
da União Soviética encerra-se o mundo bipolar, baseado no confronto ideológico
e consequentemente militar, entre esta (US) e os Estados Unidos da América, e
inicia-se a fase do mundo unipolar, ou Pax
Americana (Nye, p. 275), alicerçada também nos conceitos do neoliberalismo econômico
e político, que seriam o pilar para o desenvolvimento das nações, com
fundamento também nos Direitos Humanos.
Portanto,
as conclusões genéricas sobre a Nova Geopolítica têm um viés e não se aplicam
às demais nações. Algumas são nações hegemônicas, outras procuram hegemonias regionais
e muitas não têm tanta relevância a nível regional e consequentemente internacional.
Por este motivo evitamos um conceito genérico e procuramos identificar as
especificidades das grandes potências, que possuem relevância mundial.
Nos
dizeres de Vesentini: “Haveria uma
associação, ideológica, entre mercado, desenvolvimento e democracia” (p. 78).
E,
para estes estudiosos, o marco para esta viragem unipolar, se dá com a guerra
nos Balcãs (ex-Jiuguslavia), para alguns, ou com a Guerra do Golfo (Desert Storm, 1991), para outros, quando
as operações militares conjuntas dos países “aliados” (diga-se OTAN),
capitaneados pelos E.U.A.
Neste
contexto pós Guerra-Fria verifica-se que os organismos internacionais são
extremamente politizados, baseados numa hierarquia onde os países mais
poderosos detêm um poder informal, hierarquizado, baseado não só no poderio
econômico e militar, mas também ideológico.
Esta
nova ordem internacional que se prenunciava com a debacle da União Soviética
levou o politólogo americano Francis Fukuyama a escrever um artigo polêmico
sobre o novo contexto, sob a égide americana, intitulado “The end of History?”,
com grande repercussão nos meios acadêmicos e midiáticos:
“O que testemunhamos (a perestroika e o colapso da URSS,
a queda do muro de Berlim) não é apenas o final da guerra fria, mas o fim da
história como tal, ou seja, o ponto final na evolução ideológica da humanidade
e a universalização da democracia liberal ocidental como forma final do governo
humano” (Fukuyama apud Vesentini, p. 63).
Para
os cientistas políticos que enaltecem e visualizam uma nova geopolítica (e o
fim da geopolítica clássica), baseada na solidariedade e gestão comum dos
problemas que dizem respeito ao destino e a segurança da humanidade e a política
internacional, caberia a uma Instituição ou Organismo Internacional, tal qual a
ONU, comandar esta gestão, com vistas à paz mundial.
“Não há dúvidas de que a Organização das Nações Unidas
seria a instituição mais legítima para representar este governo mundial”
(Boniface, p.71)
Após
30 (trinta) anos de exercícios de futurologia, o andar dos acontecimentos não levou
às previsões dos diversos cientistas políticos.
Vê-se
claramente pelas extensas citações que com a inclusão de novos fatores, que
alteram e influem nas perspectivas geopolíticas, os politólogos, chefes de
estados e “think tanks” acreditavam
que uma Instituição Internacional seria capaz de trazer a paz e eliminar a guerra. Mas para concretizar estas suposições e
esperanças a condição sine qua non é
que os estados e principalmente as potências econômicas e militares abdiquem de
seus interesses “egoístas”, ou quem sabe estratégicos, delegando seus poderes a
uma entidade supra-estatal, em busca de um consenso e solidariedade, diante dos
novos desafios à sobrevivência da humanidade e de respeito aos direitos
humanos.
Infelizmente,
os acontecimentos não apontam nesta direção, pois existem muitos atores que
atuam no cenário internacional (empresas multinacionais, organizações não
governamentais, os media, opinião
pública através de ONGS e internet,
atores ilegais, grupos terroristas), incluindo outros Organismo Internacionais que
“competem” em poder e importância com a ONU, tais como OTAN (Organização do
Tratado do Atlântico Norte ou NATO), OMC (Organização Mundial do Comércio),
FMI, Banco Mundial, G20.
O
poder da ONU como gestora dos conflitos mundiais foi posto em xeque na guerra
do Kosovo e na guerra do Iraque em 2003, deflagradas sem as aprovações do
Conselho de Segurança (Boniface, pgs 75 e 244).
“A posição dos EUA era que a OTAN podia fazer o que
quisesse” (Cunha, em “Kosovo”, p. 72)
Em
complemento, lembramos que até hoje Israel, com proteção incondicional dos EUA,
não cumpriu as decisões da ONU para retornar às fronteiras anteriores a 1967 e
continuam a ocupar a Cisjordânia e as Colinas de Golã, e, ao mesmo tempo,
impede a Palestina de adquirir o “status” de “Estado não membro” e incentiva o
assentamento dos colonos, dificultando a conciliação e o processo de paz
(Moraes e Franco, pgs 175, 183, 190).
E
para muitos a ONU já é uma Organização envelhecida que não acompanhou as
mutações políticas, econômicas e militares, cujo Conselho de Segurança é
formado por 15 membros, com 5 permanentes e poder de veto (E.U.A., Rússia, Grã-
Bretanha, França e China), deixando a largo a Alemanha, Japão, Índia, Itália,
Austrália, Canadá, África do Sul e há até mesmo os que consideram o Brasil, mas
que são seguidamente bloqueados pelos interesses dos E.U.A., China e Rússia.
Cito
Boniface, sobre a existência de uma comunidade internacional:
“Se é verdade que vivemos no mesmo mundo, não há um
governo mundial, não temos os mesmos objetivos, os mesmos problemas a resolver
nem as mesmas soluções para os grandes desafios globais (p. 91).
Vesentini
coloca nestes termos a questão da ingerência na soberania nacional, conforme
Tratado do Paz de Vestfália, de não ingerência, que estariam sendo revistos em
razão da nova ordem internacional:
“O grande problema é que nem todos os Estados são
iguais. Será que alguém – inclusive a ONU – se atreveria a desrespeitar a
soberania dos Estados Unidos? É muito fácil fazer isso com Estados fracos, com
potências regionais como talvez seja o caso da Indonésia, da África do Sul ou
do Brasil. Mas quem teria a coragem de pressionar seriamente a Alemanha, com
ameaças concretas de retaliação [...]? E quem ousaria intervir na China para
proteger os direitos humanos dos tibetanos ou mongóis?
A apologia da democracia liberal e do enfraquecimento
da soberania nacional em prol dos direitos humanos, apesar de encerrar um
aspecto positivo (ou seja, o ideal da
democracia sendo operacionalizado também nas relações internacionais), na
realidade generaliza demais e cai num otimismo infundado” (pgs 71/72).
Segundo
dados colhidos em 2016 o ranking dos países mais poluidores do mundo, ou seja,
emissão de gases de efeito estufa em toneladas de CO2, seria: 1º) China,
12.700; 2º) Estados Unidos, 6.570; 3º) Índia, 2870; 4º) Japão, 1.310; 5º)
Brasil, 1.050; 6º) Alemanha, 918 (em
https://ncultura.pt).
Em
2017 a União Europeia, que engloba 27 países, era o terceiro maior emissor com 4.323 ton, depois
da China e Estados Unidos. Somente a França 464,5 ton e a Alemanha emitiam mais
que o Brasil. Os 2 países têm uma população de 150.148 milhões (estimativa para
2017, 2018) e uma área total de 901.016 km² e o Brasil 210.147 milhões
(estimativa para 2019) e 8.515,767 km², respectivamente (https://www.europarl.europa.eu, 07.03.2018)
Enquanto
isto, os países mais poluidores continuam poluindo, sem grandes preocupações e sem
repressões, cabendo mencionar que os EUA se recusaram a assinar o Protocolo de
Kyoto, com o argumento de que “seria
prejudicial à economia do país”, segundo o presidente Bush (Moraes e
Franco, p. 260). E o presidente Trump com a sua política “America First” continua
negando a escalda do aquecimento global e a importância do “efeito estufa”.
Imbuído
do espírito de governança universal gerida
de acordo com os interesses das grandes potências, mas sob o disfarce de
um interesse comum mundial e em
conformidade com os princípios da Nova Geopolítica, o Sr. Macron “diz que discutir o status internacional da
Amazônia é <<questão que se impõe>>” (folha- uol.ago 2019) e
que “A Amazônia é nosso bem comum”
(https://g1.globo.com).
Deixarei
para o tópico sobre a política externa dos EUA os comentários sobre a guerra do
Kosovo e a guerra do Iraque.
NOTAS:
(1).
“Também a discussão sobre as eventuais distinções entre geografia política e
geopolítica fica acentuadamente marcada por essas contradições, a tal ponto que
não são poucos os autores que preferem passar ao largo dela. Como veremos, ela
não deixa de ser, de certo modo, estéril ou até mesmo inútil”. [...] identifica
como geografia política o conjunto de estudos sistemáticos mais afetos à
geografia e restritos às relações entre o espaço e o Estado , questões
relacionadas à posição, situação, características das fronteiras etc., enquanto
à geopolítica caberia a formulação das teorias e projetos de ação voltadas às
relações de poder entre Estados e às estratégias de caráter geral entre os
territórios nacionais e estrangeiros ... .” (Costa, p. 18).
“Situando-se
entre a política e a tática, a estratégia obedece à política e comanda
(coordena) a tática, tendo de fato uma dimensão superior à tática ... .”
(Correia, “Manuel ...”, p. 30).
“[...]
tendo em conta os meios disponíveis, a estratégia tem de gerar os meios em
função dos objetivos determinados pela política” (Idem, p. 36).
“A
geopolítica insere-se numa área científica em que se cruzam cinco disciplinas,
com pontos de contato e dependências mútuas. São elas a política, a estratégia,
a geografia – nesta incluindo o ramo específico da geografia política -, a
geoestratégia e a própria geopolítica” (Correia, Manual .... , pg 92).
Conceito
de estratégia, segundo André Beaufre: “É a arte de usar a força para atingir os
objetivos políticos”;
Segundo
Jean-Paul Charney: “Função racionalmente organizadora e diretora da totalidade
das forças (...) das entidades sociais nas suas negações (...) recíprocas” (pg
26).
“Dito
de outro modo, a geoestratégia é a
conexão e a concretização de linhas de ação para alcançar os objetivos
designados pela geopolítica” (Baños, p. 15).
(2).
Geopolítica. Segundo Samuel Cohen: “A essência da análise geopolítica é a
relação entre o poder político internacional e o meio geográfico” (Correia,
Manual...);
Correia
(Manual ...): “Nesta perspectiva, a geopolítica é essencialmente uma disciplina
explicativa do poder”;
Yves
Lacoste: “a geopolítica (ou
geoestratégia) é sobretudo o raciocínio cujo objetivo é vencer o adversário
– tendo em conta a situação e os meios disponíveis e demonstrar ao mundo, e até provar a si
próprio, que se tem razão (...) Não se trata portanto de ciência, nem de uma
investigação de leis, mas de saber pensar o espaço terrestre e as lutas que
nele se desenrolam, para penetrar melhor nos mistérios do que está em vias de
se passar, a fim de se agir com maior eficácia” (Correia, Manual ... pgs 96/97);
(3).
Friedrich Ratzel (1844-1940). Teórico do “espaço
vital”, forneceu os substratos ideológicos que fundamentaram o
expansionismo alemão, levando o país às 2 (duas) Grandes Guerras. Segundo
Correia: <<o espaço vital seria o de espaço indispensável à vida das
espécies animais e vegetais>>. Dessa forma faz uma analogia com a
necessidade do povo germânico se expandir e dar vazão às suas “forças vitais”.
Alfred
Mahan (1840-1914). A teoria do almirante americano, influenciado pelo exemplo
da Grã Bretanha, enfatiza o poder marítimo, também conhecida como Rimland, pode ser resumida na premissa:
“Quem domina o mar domina o globo”.
Halford
Mackinder (1861-1947). Identificada com o poder terrestre, esta teoria elege
uma “zona-pivô”, designada como “Heartland”, localizada na Eurásia
(limitada pelos Montes Urais), nas grandes planícies russas, região riquíssima
em recursos naturais. Para Mackinder quem dominasse esta zona dominaria o
mundo, estando ela protegida do poderio naval. Integram o Heartland os países da ex-União Soviética.
Nicolas
Spykman (1893-1943). Embora se tenha identificado com Mackinder, destacava a
posição geográfica única dos Estados Unidos como vantagem, pois com o acesso a
dois oceanos de águas quentes estava protegida de um bloqueio e ao mesmo tempo enfatiza
a importância do poder aéreo para dar suporte a teoria americana do Rimland.
(4).
Josué de Castro: “o que chamamos de geopolítica não é uma arte de ação política
na luta entre Estados”, mas uma disciplina que “estabelece as correlações
existentes entre fatores políticos e os fenômenos da categoria política a fim
de demonstrar que as diretrizes políticas não têm sentido fora dos quadros
geográficos, isto é, destacados das realidades e das contingências do meio
natural e do meio cultural (...). É apenas o método de interpretação da
dinâmica dos fenômenos políticos em sua realidade espacial, com as suas raízes
mergulhadas no solo ambiente” (Correia, Manual ... , pg. 98).
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