quinta-feira, 1 de outubro de 2020

 CONTINUAÇÃO: 2ª PARTE              


               A NOVA GEOPOLÍTICA

(FUNDAMENTOS E IDEOLOGIA)

-A geopolítica Pós Guerra-Fria-



A DEMOCRACIA COMO FUNDAMENTO DA PAZ MUNDIAL

O cientista político Joseph S. Nye discorrendo sobre o novo contexto destas relações internacionais (Uma nova ordem internacional?, p. 261) e os sistemas políticos, dando coro às posições ideológicas dos Estados Unidos, vaticina:

A concepção de que a paz irrompeu entre as principais democracias liberais é exata, mas não constitui uma panaceia quando muitos estados, incluindo algumas grandes potências, não são democracias liberais” (p. 274).

“De fato é difícil encontrar exemplos de democracias liberais que tenham combatido contra outras democracias liberais, apesar de terem existido muitas situações nas quais as democracias combateram contra estados autoritários” (p. 42).

Lamentavelmente, esta não é uma ideia nova e muito menos possui um conteúdo “científico”, se é que podemos falar em cientificidade no seio das ciências sociais. Ou pelo menos lógica se procurarmos os fundamentos das guerras e suas histórias.

Ela não é mais do que uma simples afirmação ideológica, deduzida das noções de democracia como uma panaceia que agora vigoram, inversa e oposta, mas que não deixa de ser similar, às afirmações dos socialistas de que os países socialistas não entram em guerra, porque a guerra tem raízes na sociedade de classes burguesa, na ganância dos capitalistas. Uma teoria associada ao Imperialismo do final do século XIX, quando as nações tentaram a partilha do mundo, notadamente da África e que desencadeou, juntamente com outros fatores, a Primeira Grande Guerra Mundial. Trata-se de uma noção ultrapassada. A guerra existe desde os primórdios e sempre acompanhou o ser humano em sua história, ver Anexo

O geopolitólogo Pascal Boniface insurge contra estas concepções:

“Embora devamos aceitar a ideia do alargamento da democracia a todo o planeta, não é certo que isto baste para assegurar a paz. [...] Os Estados Unidos, potência democrática por excelência ao longo de toda a sua história, nunca hesitaram em lançar-se em aventuras militares contra os países de sua alçada, nas Caraíbas ou na América Central; Israel apresenta-se como a única democracia no Oriente Médio, mas foi este país que geralmente tomou a iniciativa do conflito. [...] Desde logo porque, ao contrário do que se costuma dizer, Slobodan Milosevic não era um ditador no sentido tradicional do termo, pois fora levado ao poder através de eleições; além disso, foram os 19 membros da Aliança Atlântica, todos democracias confirmadas, que tomaram a iniciativa do conflito”.

Por último. A população russa apoia maciçamente Putin (confortavelmente eleito) no seu braço de ferro contra a Ucrânia” (p. 204).

Para Pinto (“Bárbaros ...”) a tese neoconservadora de que não haveria guerra entre os Estados democráticos, vem da concepção de Fukuyama sobre o fim da História, que se daria com o término da Guerra-Fria (p. 209).

Mas isto não basta porque existem diversos tipos de democracia, que se diferenciam pelos contextos sociais, da relação entre os poderes e destes com o povo e suas conquistas ao longo da história, concepções e expectativas.

Por exemplo, consideremos dois conhecidos sistemas de democracia: o Presidencialismo e  o Parlamentarismo (Monarquias Parlamentares e Repúblicas Parlamentares). No que concerne ao Parlamentarismo a legitimidade do chefe de governo está submetida ao Poder Judiciário. Nas monarquias parlamentares o Poder de Estado pertence ao monarca como no Reino Unido, Suécia e Japão. Em algumas outras, Repúblicas Parlamentares o chefe de governo (primeiro-ministro, chanceler) não concentra o Poder de Estado (Índia, Irlanda, Itália, Alemanha), mas há exceções. O Parlamento é eleito pelo voto popular, mas existem diferentes sistemas de eleição (em Parlamentarismo – Wikipédia, a enciclopédia livre, em pt.wikipedia,org>wiki).

No Presidencialismo o presidente concentra os poderes de Estado e de governo. Mas há pormenores quanto a eleição. No Brasil o povo vota diretamente para presidente. Nos Estados Unidos o presidente é escolhido pelo Colégio Eleitoral composto por 538 delegados. Cada Estado tem um número de delegados proporcional à sua população, cabendo a cada um decidir como escolher seus delegados (por exemplo: “dois Estados têm uma regra na qual o vencedor da disputa conquista todos os votos do colégio eleitoral”). O Presidente eleito é aquele que conseguir 270 votos dos delegados. Na verdade um paradoxo porque um candidato pode ter um maior número de votos dos eleitores, mas menor número de votos no Colégio Eleitoral (“Um guia simples para entender as eleições nos EUA”, em BBC News Br e “Como é eleito o Presidente dos EU”, em mundo educação.uol.com.br>política).

Tal fato acorreu quando da eleição de Bush Filho que teve mais voto no Colégio Eleitoral, mas menos votos populares, e em outras poucas ocasiões.

N’algumas nações as eleições são fraudadas, em outras são democracias “formais”, mais assemelhadas às verdadeiras ditaduras. Até mesmo no “país da democracia” quando da eleição de Bush (Filho) à presidência houve suspeita de fraude.

Por este motivo, para afirmar que as democracias liberais não entram em guerras, teríamos que estabelecer um padrão que fosse elegível como o exemplo de democracia. De qual tipo específico de Democracia se refere o autor?

É bem verdade que o conceito de Democracia evoluiu através dos tempos, desde Aristóteles e hoje significa, de maneira distorciva, um regime político pelo qual o governante e os demais poderes são eleitos pelo povo.

A adição do vocábulo liberal, não resolve o problema, traz mais ambiguidades, porque também está sujeito aos diferentes contextos político-sociais e históricos, “assumindo diferentes conotações” em diversos países, sendo difícil o seu uso no “campo da história das ideias”, com diferenças entre o liberalismo continental do inglês, Liberalismo ético e utilitarista, conforme nos esclarece Bobbio, em Liberalismo, texto de Nicola Matteucci (vide Nota 5).

Para salientar a dificuldade de entendimento, O Dicionário Básico de Filosofia traz concepções de liberalismo político e liberalismo econômico, sem entrar em detalhes sobre as diversas concepções e diferenças de liberalismo, de que trata Bobbio. Para citar um simples exemplo, basta comparar o liberalismo americano com os das correntes europeias no que tange às políticas sociais, mormente na saúde e educação.

Por conseguinte, destas observações, constatamos que o que está em xeque é o próprio conceito de Democracia.

Mas filosoficamente não é assim. Segundo o Dicionário Básico de Filosofia democracia é:

“O regime político no qual a soberania é exercida pelo povo, pertence ao conjunto dos cidadãos que exercem o sufrágio universal”.

Ora, o sufrágio universal é apenas um dos requisitos para se alcançar a democracia, porque ela diz respeito à soberania exercida pelo povo. Nesta concepção não teria sentido chamar de democrático um regime político em que houvesse eleição, mas que o exercício do poder fosse dirigido contra o povo “soberano”.

Então, poderíamos conceituar em latu senso que a democracia seria o regime político em que:

“O poder, eleito pelo povo, será exercido em proveito do povo”.

Dito isto e levando em consideração a difusão do conceito de democracia “a la americana” caberia indagar até que ponto o regime político americano faz jus, ou se ajusta, a uma concepção filosófica e aos seus princípios basilares, e se ela serviria de padrão (referência) para as outras nações

Ora, a concepção que prevalece nos organismos e instituições internacionais é a que corresponde a uma democracia ideologicamente moldada à concepção americana. Em princípio, isto seria sociologicamente inconcebível porque as culturas são diferentes e os seus fundamentos diversos.

Em adição devemos ainda nos referir às formas pelas quais os povos exercem os seus direitos, que seriam as participativas e as representativas.

Sabemos que Rousseau, que se dedicou bastante ao tema, tinha uma certa “aversão” ou cautela quanto a democracia representativa, muito embora reconhecesse a dificuldade em estabelecer uma democracia participativa, em decorrência da dimensão populacional dos estados.

E mesmo as democracias representativas são bastante diferentes porque suas culturas são diferentes e consequentemente suas leis diferem acentuadamente. Existem algumas que não passam de ditaduras camufladas.

Podemos imaginar e conjecturar os motivos de tais cautelas, por parte de Rousseau, se levarmos em consideração os problemas que enfrentam as democracias representativas nos dias de hoje, desacreditadas por grandes parcelas das populações em diversos países.

Em princípio, podemos afirmar que elas têm uma possibilidade bastante elevada de se distanciar dos anseios e concepções do povo. Mas também elas estão suscetíveis a alguns problemas básicos que distorcem o conceito de democracia. Com base nos escândalos que estamos sempre a verificar podemos dizer que: existe um certo corporativismo entre os eleitos, independentemente dos partidos que representam (ou filiação ideológica), quando se tratam dos benefícios estabelecidos em leis, por eles aprovadas, que contrariam as opiniões dos eleitores; todo o corpo de representantes está bastante vulnerável à corrupção, ou aprovação de leis que beneficiam determinados seguimentos das sociedades, onde estão concentrados os poderes financeiros, nomeadamente líderes empresariais; a perda de sensibilidade para as questões que dizem respeito diretamente às necessidades da população; conchavos políticos para se perpetuarem no poder; a falta de compromissos com os eleitores, que são sempre surpreendidos com ações contrárias às das promessas em campanha, sem que haja qualquer consequência.  

Dito isto, tomemos o exemplo dos Estados Unidos da América que se arvoram, pela liderança econômica, política e ideológica que detêm, em ser o exemplo de democracia no mundo, e pela qual lutam, baseados na ideologia do Destino Manifesto. Ver tópico seguinte. (6).    

Com base nesta ideologia os Estados Unidos vêm o mundo à sua feição e tentam implantar a todo custo democracias que lhes sejam vantajosas. Mas, será este país tão democrático quanto propaga, de acordo com os fundamentos filosóficos e morais democráticos?

No país que quer ser o exemplo da democracia, 16% (dezesseis), ou 50 (cinquenta) milhões da população não possuem plano de saúde. Em 2014 50 (cinquenta ) milhões viviam abaixo do limiar da pobreza  (11.670 dólares por ano), 15,7% (quinze vírgula sete) e 1,7 milhões de pessoas viviam na pobreza extrema, com menos de 2 dólares por dia, segundo Boniface, p. 118.

Continuo com o autor:

“Em 2014, existem 2,4 milhões de pessoas encarceradas nos Estados Unidos, num população de 316 milhões, ou seja, 767 prisioneiros por 1000.000 pessoas. Por contraste, a China, com 1,3 mil milhões (ou seja, 1 bilhão e 300 milhões) de adultos conta com 1,7 milhões de prisioneiros (124 em 1000.00) e a Rússia conta com 675 mil para 142 milhões (ou seja, 470 por 100.000). 2% da população dos Estados Unidos estavam colocados sob autoridades correcionais, ou seja, um adulto em cada 35, o que representa 7 milhões de indivíduos. Todas estas pessoas estão privadas do seus direitos cívicos. Os Estado Unidos representam 5% da população mundial  e 25% da população carcerária”(p. 118/9).

O país conta ainda com grandes problemas de coesão social e raciais, com gangues de brancos, negros, latinos, asiáticos, em constantes desavenças mortais, um “cocktail explosivo”, nas palavras de Boniface (7A). O governo Trump acirrou estes conflitos.

O seu sistema político democrático é dominado por fortíssimos lobbies de grandes corporações, incluindo os media, que põem em xeque os fundamentos da democracia, ao atuarem tanto nas eleições quanto nas formulações e aprovações de leis, nada republicanas.

O seus sistemas policial e judicial são altamente repressivos, principalmente com as minorias, além de possuírem um corpo de agências secretas que agem por si sós e podem, como fazem, invadir a privacidade e abusar das liberdades individuais sem serem percebidos. 

Os grandes lobbies e a corrupção generalizada foram responsáveis pela crise de 2007/2008, uma ciranda financeira, capitaneada pelos grandes corporações financeiras e por construtoras, e, como resultado, milhares de pessoas ficaram endividadas e perderam a casa própria.

No país “exemplo” de democracia a promiscuidade entre o público e o privado não tem limites, com os representantes das grandes companhias (principalmente petróleo e finanças) transitando livremente entre os dois setores, num vai-e-vem contínuo e ininterrupto, defendendo interesses escusos e fazendo conluios, em prol de seus interesses pessoais e de seus representados. Condoleezza Rice, Dick Cheney (vice-presidente), Henry Paulson (Secretário do Tesouro) e o próprio Presidente Bush (filho), este com interesses no setor petrolífero, apoiando ditaduras árabes (para citar apenas estes poucos exemplos; a lista é enorme; se duvidarmos maior que a do Brasil).  

Wolf cita Sachs:

“Jeffrey Sachs, também da Universidade da Colúmbia, defende, em Price of Civilization, que a crise é um resultado do colapso moral nas elites americanas. A crescente desigualdade, o governo ineficaz e impopular, a finança fora de controlo e a deterioração da competitividade externa são, nesta perspectiva, sintomáticos de um mais profundo fracasso social e ético (Wolf, p. 329).

Por sua vez, o economista Nouriel Roubini, que previu a crise de 2007/2008, numa entrevista à rede Bloomberg News, em Davos, perguntado se seria possível os E.U.A. superarem o problema da desigualdade entre ricos e pobres respondeu que:

“será muito difícil os Estados Unidos superarem a desigualdade entre ricos e pobres, porque o sistema político dos E.U.A. opera baseado na <<corrupção legalizada>>, o que significa que os ricos, sempre com mais recursos para subornar políticos (ea imprensa-empresa), prevalecerão sempre” (em Nouriel Roubini em Davos: Governo dos EUA opera com “corrupção legalizada”).

Escusado dizer que esta "falsa" democracia está ameaçada, mesmo com a retórica atual dos países líderes (leia-se EUA e seus aliados). Em conjunto com os problemas citados, o desmantelamento agressivo dos sindicados, a globalização e o monetarismo anglo-saxão (leia-se “neoliberalismo”, capitaneados por Tatcher e Reagan) e o debacle do socialismo na União Soviética e repúblicas contribuíram para liberar as rédeas do capitalismo, desvencilhando-o dos seus entraves externos, ou melhor, da ameaça ideológica do socialismo em favor das classes desfavorecidas, os seus benefícios e os seus níveis de vida. Os líderes do capitalismo não tinham mais com o que se preocupar, se fortaleceram e lançaram uma contraofensiva ideológica bem sucedida.  

Não precisamos de muito para constar que o contraponto ideológico e teórico do socialismo, mesmo sendo um blef das repúblicas soviéticas que não foi detectável durante o período da Guerra-Fria, ajudou a moldar um Estado do Bem Estar Social, um sonho, uma utopia, que as leis “às soltas” do capitalismo acabariam por destruir. Outrossim, no momento em que o socialismo da China se converteu ao capitalismo estatal-dirigido também deixou de ser ameaça socialista. Vide  Pinto em "Bárbaros e Iluminados", mormente cap. 4º.   

Os resultados não tardaram por vir, em diversos países, alguns num elevado grau de contágio. No país líder, Estados Unidos, já nos meados dos anos 80 ocorreu a crise de “poupanças e empréstimos”; crise asiática nos finais dos anos 90 (no rescaldo da pressão pela liberalização dos mercados financeiros asiáticos e russo, apoiada pelo FMI); especulação e bolha nas empresas ponto.com, início de 2000; crise financeira de 2007/8 (a maior depois da Grande Depressão); desemprego, salário mínimo federal defasado durante anos, concentração de renda exacerbada e pauperização da classe média (os leitores poderão consultar o livro de Reinhart e Rogoff, para verificar o número de crises e países). No Japão a crise imobiliária de 1992 se propagou por mais de dez anos. 

 

A POLÍTICA EXTERNA AMERICANA

Não há qualquer fundamento em acreditar que um país com uma democracia principalmente representativa adotará, consequentemente uma política externa democrática, conforme conclusão de Nye (Ver Anexo).

E isto se aplica aos EUA. A sua política externa expansionista se pauta por uma realpolitiik e tem como fundamento a ideologia do “Destino Manifesto”. De que trata esta ideologia?

        “Desde o século XIX a explicação dos americanos para seu “sucesso” diante dos vizinhos da América hispânica e portuguesa foi clara: havia um “destino manifesto”, uma vocação dada por Deus a eles, um caminho claro de êxito em função de serem um “povo escolhido” (Karnal, p. 25).

“Outras explicações para esta política externa ressaltam a afirmação do “Destino Manifesto”, sob a forma do anglo-saxonismo: a crença de que a nação norte-americana “anglo-teutônica” era superior do ponto de vista racial e tinha uma missão civilizatória a realizar; nesse sentido, o mundo estaria sendo beneficiado com a expansão, bem como a guerra mantinha virtudes morais altas e espíritos disciplinados, em pressupostos bem próximos aos do darwinismo social” (idem, p. 170).   

Esta ideologia foi utilizada para justificar o expansionismo americano anexando o Texas e apropriando o Novo México e a Califórnia, com o fim da guerra com o México, através do Tratado de Guadalupe e também conquistando os estados  do Arizona, Nevada, Utah e parte do Colorado (Karnal, p. 128).

No final do século XIX (1898) os EUA declaram guerra a Espanha e assumiram o controle de Cuba e também sobre Porto Rico, Guam e as Filipinas.

Segundo Marshall, em “Prisioneiros da Geografia”, nos dá conta deste expansionismo:

“A América estava a mover-se rapidamente. No mesmo ano em que conquistou Cuba, o Estreito da Flórida e, em grande medida, as Caraíbas, também anexou a ilha de Havaí, no Pacífico, protegendo-se, assim das aproximações da sua Costa Oeste (p. 75).   

Entretanto, não existia nada de especial nas concepções republicanas dos americanos, pois seus líderes revolucionários se inspiraram nas ideias do filósofo inglês John Locke (1632-1704) e do Iluminismo, que pregavam os princípios de liberdade, igualdade, fraternidade e dos direitos naturais, que levaram à Revolução Francesa.

Por outro lado, adotam a realpolitik nos assuntos internacionais, o que contraria a posição de Nye, como se pode observar em Kissinger, especialmente no livro “Ordem internacional”, que não passa de uma apologia dos governos americanos ao longo de sua história, enaltecendo os seus diversos presidentes e justificando até mesmo a Guerra do Iraque em razão de suas armas destrutivas, com uma concepção de que o mundo deve muito aos Estados Unidos.  

“Definido desse modo, a expansão dos Estados Unidos e o sucesso de seus esforços coincidiam com os limites dos interesses da própria humanidade (p. 238).

Talvez a devoção fanática de Kissinger pela política agressiva americana encontre seus motivos nesta declaração, um sentimento de gratidão que lhe cega:

“Tendo passado minha infância como integrante de uma minoria discriminada num sistema totalitário e depois como imigrante nos Estados Unidos, vivenciei os aspectos libertadores dos valores americanos. Disseminá-los por meio do exemplo e da assistência civil, como o plano Marshall e por meio de programas de ajuda econômica, é um ponto importante e honroso da tradição americana (Ordem Mundial, p. 326).

Pode-se alegar que os Estados Unidos entraram na Primeira Grande Guerra sendo decisivos na vitória dos aliados. Mas, é bom que se diga que só entraram na guerra em 1917, quando as potências em conflito já estavam bastante desgastadas. Quem sabe, por uma simples questão  geopolítica (estratégica), de desgastar econômica e militarmente os beligerantes até um limite, embora nunca tivesse sido levantada tal hipótese. Durante a guerra se beneficiaram extremamente ao transportarem armamentos e forneceram vultosos empréstimos bancários à Inglaterra.

Segundo Stone e Kuznick, o banqueiro J. P. Morgan Jr. financiou o Império Britânico em ter os anos de 1915 e 1917. Em 1919 a Grã Bretanha devia aos EUA a quantia de 61 mil milhões de dólares em valores atuais (p. 30). Desta forma os EUA, que eram devedores do Império Britânico, tornou-se credor.

De acordo com alguns especialistas os motivos que levaram os americanos a entrar na guerra ao lado dos aliados foram: os bombardeios alemães aos navios americanos que transportavam armas e outros produtos, inclusive alimentos para os aliados (mormente Grã-Bretanha); o receio de que os alemães vencessem a guerra e inviabilizasse o retorno dos grandes empréstimos feitos à Inglaterra; os receios de que as aliados perdessem a guerra e com isto os países adversários, sobretudo a Alemanha, ocupassem os territórios ingleses e franceses próximos aos Estados Unidos; uma correspondência interceptada pelos ingleses em que os alemães propunham ao México um apoio para recuperar as terras que eram mexicanas e foram incorporadas pelos americanos nas guerras do século XIX.

Os motivos da 2ª Grande Guerra Mundial todos sabemos que foi o ataque a Pearl Harbor. Após estas guerras os americanos capitalizaram a opinião pública mundial com uma propaganda massiva que os colocavam como os defensores da democracia.

Sem dúvidas, o Plano Marshall foi importante para a recuperação de uma Europa totalmente devastada, mas permitiu um domínio econômico-financeiro das empresas multinacionais americanas por décadas, que, por sinal, ainda perdura. Resta advertir que sob esta “generosidade” existiam (como não poderia deixar de ser) interesses econômicos e geopolíticos (Judt, Nota 7B). Sobre a dívida da Grã Bretanha com os EUA ao final da 2ª Grande Guerra e a dificuldade de sua recuperação e modernização da indústria no pós-guerra, em decorrência da dívida, ver Judt, p. 199.

Com suas economias devastadas e o consequente  temor dos europeus de caírem em mãos soviéticas,  e todos estes fatos permitiram que os Estados Unidos, no pós-guerra, moldassem o mundo ocidental e parte da Ásia à sua feição e dominassem política e militarmente a Europa através da OTAN.

De fato, este largo domínio já se prenunciava no Acordo de Bretton Woods quando adotaram o dólar como moeda internacional, conversível em ouro, rejeitando a proposta de Keynes que visava um comércio internacional mais justo, equilibrado e compensatório para os países deficitários.

O resultado foi a crise da conversibilidade que se instaurou em 1971, quebrando os acordos de Bretton Woods. Posteriormente, pressionaram os governos de diversos países para liberar os fluxos de capitais que resultou na crise asiática de 1997 e contribuiu, de forma capital, para a crise financeira mundial de 2007/8. Sobre o assunto consultar Turner, mormente capítulo 9 e Wolf.

Esses assuntos são polêmicos, mas como dizia Greenspan, “não existe almoço grátis” (uma das poucas coisas em que acertou).

Contrariamente à concepção de que os EUA adotam uma política externa baseada no idealismo e na moralidade, cito Vesentini, sobre a realpolitik;

“Henry Kissinger e Zgbigniew Brzezinski, dois ex-secretários de Estado dos EUA [...] partilham uma recusa do idealismo (a política externa sendo comandada por ideais de democracia, ou “da luta entre o bem e o mal”) e uma identificação com o realismo., que consistiria “na defesa dos interesses americanos por meio de valores relativos” (p. 95).

Realpolitik (em alemão política realista) refere-se a política ou diplomacia baseada em considerações práticas, em detrimento de noções ideológicas. O termo é frequentemente utilizado pejorativamente, indicando tipos de política que são coercitivas, imorais ou maquiavélicas” (https://pt.m.wikipedia. org>wiki>Realpolitik). Parece-me que a palavra  “ideológicas” está mal colocada, diga-se “norteadas por princípios morais”.

É notório que apoiam ditaduras cruéis, em total contradição aos alardes de protetores da ordem democrática, mundo afora. Saíram das Duas Grandes Guerras como verdadeiros heróis e capitalizaram a farsa de defensores da democracia.

Os livros de Bandeira, ricos em pormenores, são fundamentais para um melhor entendimento da política internacional norte americana.

“Realmente, em 28 de maio de 2003, Paul Wolfowitz dissera que, por “bureaucratic reasons”, a questão das armas de destruição em massa fora selecionada para justificar a invasão do Iraque, dado ser a única com a qual todos – dentro e fora dos Estados Unidos – poderiam concordar. Posteriormente, porém, o próprio Paul Wolfowitz confessou que o petróleo foi a principal razão para a guerra contra o Iraque, perante os delegados dos Estados asiáticos em uma cúpula sobre segurança ...” (Bandeira em “A Segunda Guerra Fria”, p. 140, fonte citadas BLIX, 2005b, p. 266 e Sophie Muhlmann “Wolfowitz: Iraque War Was About Oil”, The Guardian, june 4, 2003)

Por outro lado, não se pode descartar a possibilidade da invasão também por questões geopolíticas, tendo em vista que os Estados Unidos se infiltraram entre dois países inimigos (Síria e Irã) e ficaram mais próximos do Cáucaso e Ásia Central, região riquíssima tanto em petróleo quanto em gás natural, considerada o Heartland, “zona pivô” do mundo, pelo geopolítico Mackinde. De acordo com o seu ponto de vista quem controlasse essa região seria o “senhor” do mundo, pois inacessível a uma força naval, na qual se baseava os fundamentos geopolíticos do EUA, traçados por Mahan, conhecida por himland, cuja síntese era “Quem domina o mar domina o globo” (Correia e Bandeira).

O petróleo tornou-se o “calcanhar de Aquiles” dos Estados Unidos e um dos pontos chave da sua geopolítica, responsável pela anarquia no Oriente Médio, com apoio à rebeliões, golpes, ditaduras, assassinatos, corrupções e todas as outras coisas imagináveis e, por incrível que pareça, nunca à democracia.

Segundo Bandeira a conta petróleo representou de 35% a 40% do déficit comercial de todos os Estados (p. 142). Portanto, não seria exagero dizer que os Estados Unidos foram e continuam a ser um dos grandes (de longe o principal) pivots da desordem do Oriente Médio.

A invasão do Iraque beneficiou empresas americanas de diversos setores além do petrolífero, com destaque para a Halliburton Company, ligada ao ramo de petróleo e prestadora de serviços de engenharia e construção, na qual o vice-presidente dos EUA, Dick Cheney foi charmain e CEO de 1995 a 2000.

Segundo Lopez, antes da invasão companhias americanas de petróleo apoiavam o retorno de do oposicionista Ahmed Chalabi, com o compromisso de criar um consórcio, no qual as empresas americanas deveriam assumir uma “posição dominante”, em detrimento da francesa Total, da italiana Agip e das russas (p. 333). Além de servir ao propósito de pressionar a OPEP e, principalmemte, a Arábia Saudita a negociar com as empresas americanas (p. 334).

Com a invasão passaram a controlar o Golfo Pérsico com bases militares em Kuwait (13.000 militares), Bahrein (7.000), Qatar (13.000), Emirados Árabes Unidos (5.000, com base de apoio à 5ª Frota), em www.poder360.com.br>infográficos. Enfronharam-se entre dois inimigos: Síria e Irão. Além destas têm posições militares no Iraque, Turquia e Afeganistão, colocando em cerco o Irão.

Segundo ainda o autor (Bandeira):

“A militarização da região (o autor se refere ao Oriente Médio) ocorreu não apenas por motivos geopolíticos, mas também para atender os interesses da indústria bélica, vendendo armamentos à Arábia Saudita, ao Egito, à Turquia, ao Qatar, a Israel e a outros países (p. 149).

Além de constarem da planície com acesso ao Mar Negro, que fragiliza militarmente a Rússia, o leste e sudeste da Ucrânia, que era bastante integrada à URSS, possui uma base industrial na região de Donbass, que concentrava a produção de equipamentos militares de tecnologia avançada, como mísseis e aeronaves, estreitamente vinculadas ao complexo militar da antiga URSS. Levando em consideração os laços e vínculos históricos entre a Ucrânia e a Rússia, incluindo, principalmente, o período em que pertenceram à URSS, aproximadamente 50% da população do leste e sudeste “era de origem russa ou etnicamente entrelaçada por vínculos familiares” (Bandeira).

Tendo em vista as vulnerabilidades geopolíticas e econômicas em caso de “cedência” pela Rússia da região, os países ocidentais e OTAN, seduziram, incentivaram e apoiaram de todas as formas a discórdia entre a população ucraniana, através de ONGS da parte ocidental, para depor o presidente eleito Victor Yanukovych em 2010, na denominada Revolução Laranja e colocar no poder um presidente que compartilhasse com os ideais ocidentais.

Segundo Bandeira, Kissinger comentou:

““the West must understand that, to Russia, Ukraine can never be just a foreign country”. Explicou que a Rússia fora, nos primórdios, a Kievan-Rus; a Ucrânia havia integrado seu território durante séculos, a história dos dois países se entrelaçava e “Ukraine has been independant for only 23 years;”” (p. 267).

Convém, ainda, destacar que a Criméia, que faz parte da Rússia há dois séculos, tem uma população 60% etnicamente russa e uma grande base naval russa em Sebastopol, que permite o acesso naval russo ao Mar Mediterrâneo, passando pela Turquia (Bósforo, Dardanelos e Mar Egeu) e Grécia, aliadas da OTAN. A Rússia terá ainda que cruzar o Estreito de Gibraltar para ter acesso ao Atlântico. E um dos problemas geopolíticos da Rússia é que não tem acesso direto aos mares de águas quentes. Saindo do Báltico terá que passar pelo Estreito de Skagerrak, controlado pela Dinamarca e Noruega, membros da NATO (OTAN).

Para quem quiser se inteirar sobre os problemas geopolíticos com relação à Criméia e Ucrânia sugiro os livros “A desordem mundial”, de Bandeira, rico em pormenores, e de Marshall, “Prisioneiros da geografia”, dos quais transcrevo algumas passagens (8).   

Não pretendo me deter muito nesses problemas do Oriente Médio e do Petróleo, que são bastante conhecidos, e por isso, tenciono direcionar o assunto para a guerra do Kosovo, onde os grandes interesses geopolíticos passaram despercebidos.

Refiro-me ao livro “Kosovo” de autoria do Major-general Raul Cunha, com larga experiência nas guerras dos Balcãs, Jugoslávia e do Kosovo, participando diretamente desde 1991 das referidas guerras, estando no QG da KFOR (Kosovo Force, em 2000). As suas conclusões são bastante diferentes da grande maioria dos geopolíticos, inclusive os mais esclarecidos e críticos da atual geopolítica, com fundamento nos direitos humanos.

“Finalmente (note-se, acabada a guerra), os EUA compraram legalmente os terrenos e construíram no Kosovo, a maior base militar americana na Europa, Camp Bondsteel, capaz de receber 20.000 militares dos EUA que poderiam então ser empenhados em qualquer outro lugar (p. 140).

Em jeito de síntese conclusiva e resumindo, podemos identificar os seguintes objetivos estratégicos para a intervenção militar dos EUA contra a Sérvia: (1) Impedir qualquer expansão da Rússia nos Balcãs e afastá-la do Mediterrâneo; (2) Bloquear o acesso da Europa e da Rússia aos hidrocarbonatos das repúblicas mulçumanas da Ex-URSS, controlando a rota do gás e petróleo até seus terminais ocidentais; (3) Alargar e reforçar o papel da OTAN numa fase em que se discutia um novo conceito estratégico para esta Organização; (4) Criar um dispositivo de bases americanas no sudoeste da Europa para poder intervir facilmente em 3 direções-Europa Ocidental, Médio Oriente e Comunidade de Estados Independentes” (p. 142).

[...[ acredito que os Estados Unidos, tantas vezes descrito – as mais das vezes por si próprios – como o bastião da democracia, da liberdade e dos valores cristãos, durante muito tempo reconhecidos como “líderes do mundo livre”, são na realidade e sobretudo desde o final da 2ª guerra mundial, uma força perigosa e agressiva, que desdenha do direito internacional , indiferente ao destino de milhões de pessoas que sofrem com as suas ações ... preocupada apenas em manter o seu poder econômico e pronta para rapidamente proteger esse poder por meios militares ... “ (p. 145).

O autor levanta a hipótese que o alegado massacre de Racak foi forjado (conforme os europeus), o de Trepca não existiu (p. 78), segundo relatório de peritos; os EUA constituíram um Tribunal Penal a parte (TPIJ) para evitar julgar os crimes de guerra contra americanos e o julgamento de Milosevic não foi imparcial, conforme tópico 5.6.3 intitulado “O julgamento de Milosevic – um Juiz indigno”(9).

Por sinal, não é por acaso que os EUA têm procurado impulsionar a expansão da OTAN depois do debacle da URSS, em total desacordo com os pacifistas, que vêm nesta (debacle) os indícios da paz mundial.

Sabemos que a Turquia ocupa uma posição  geograficamente estratégica para os Estados Unidos por controlar o acesso do Mar Negro (através do Bósforo, Mar de Mármara, Dardanelos, Mar Egeu), ao Mediterrâneo, dificultando o acesso da força naval russa, instalada na Criméia, em Sebastopol. Marshall nos dá uma ideia da política dos EUA na região:

“Os EUA, que nutrem alguma simpatia pelos curdos, dificilmente irão ajuda-los – especialmente tendo em conta que a Turquia, que agora combate os curdos no Iraque e na Turquia, é um membro da NATO (OTAN). Os curdos ficam sempre por sua conta” (p. 113, em “A era dos muros).

E Kissinger completa:

“Também se receava que uma república curda independente pudesse desestabilizar a Turquia, abalando o seu compromisso de apoiar a política americana no golfo (p. 177, em “Precisará a América uma política externa”). 

E a Síria paga o seu preço pela sua ousadia em ser um país com ligações diplomáticas com a Rússia e permitir a presença de uma base naval russa em Tartus.

Os Estados Unidos desejavam se libertar do Oriente Médio (Friedman) e passaram a diversificar as suas importações de petróleo, principalmente depois dos atentados de 11 de setembro. Acreditavam que a Arábia Saudita, seu grande aliado, já não era fiável, porque financiava terroristas internacionais (Sébille-Lopez). Tentaram e fizeram algumas alianças com os países do Cáucaso e Ásia Central, ex-União Soviética.

Com a exploração do xisto poderão se libertar da dependência excessiva. Mas a história da geopolítica não termina aí. Assim como a produção do petróleo o seu escoamento é fundamental e estes escoamentos, por navios ou dutos estão, mais uma vez, submetidos à geografia e à geopolítica.

 

NOTAS:

(5). “Ainda hoje a palavra liberal assume diferentes conotações conforme os diferentes países: em alguns países (Inglaterra, Alemanha) indica um posicionamento de centro, capaz de mediar conservadorismo e progressismo, em outros (Estados Unidos), um radicalismo de esquerda defensor agressivo de velhas e novas liberdades civis, em outros, ainda (Itália), indica os que procuram manter a livre iniciativa econômica e a propriedade particular.

Conforme já dissemos, mesmo ao nível das ideias o termo liberal se revela ambíguo: muitas vezes isto se deve ao fato de o termo ser usado em contextos disciplinares bastante diversos entre si.

Outro motivo que torna difícil o uso do termo liberal no campo da história das ideias é a diversidade das estruturas sócio-institucionais em que as mesmas se manifestam. De acordo com o Iluminismo francês [...] e do utilitarismo inglês, Liberalismo significa individualismo; por individualismo entende-se, não apenas a defesa radical do indivíduo, único real protagonista da vida ética e econômica contra o Estado e a sociedade [...]; em consequência, no mercado político, bem como no mercado econômico, o homem deve agir sozinho.

[...] Onde, como na Inglaterra, a sociedade veio se libertando, desde o século XVII, automaticamente, da estrutura corporativista, o indivíduo se apresenta “naturalmente” inserido na sociedade, e este espaço de liberdade individual é sempre visto como contraposição ao governo, considerado um mal necessário” (tópico Liberalismo).

(6).Capítulo 7 - “Agindo em nome de toda a humanidade”: Os Estados Unidos e seu conceito de ordem. “Imbuído da convicção de que o curso que tomasse acabaria por moldar o destino da humanidade, os Estados Unidos, ao longo de sua história, têm desempenhado um papel paradoxal na ordem mundial: se expandiu através do continente alegando um Destino Manifesto enquanto negava solenemente quaisquer propósitos imperialistas; exerceu influência fundamental em importante episódios da história ao mesmo tempo que negava qualquer motivação associada ao interesse nacional; tornou-se uma superpotência enquanto desmentia qualquer intenção de pôr em prática uma política de poder. A política externa americana tem refletido a convicção de que seus princípios domésticos eram claramente universais de que sua implementação era sempre algo positivo: de que o verdadeiro desafio do engajamento americano no exterior [...], mas um projeto de disseminação de valores que, na sua visão, todos os povos aspiravam a reproduzir” (Kissinger, Ordem mundial, p. 235);

“Os americanos, cuja história é o relato de um sucesso, são levados a crer que os valores que retiraram de sua própria experiência têm aplicação universal. Recusam a admitir que estes valores estão ligados às condições particulares que possibilitaram o sucesso americano” (Boniface, p.112).

(7A).”O mundo não é multipolar (nenhuma potência se iguala aos Estados Unidos) nem unipolar. Apesar de o desejarem, os Americanos não podem impor a sua política ao mundo. Num mundo unipolar a paz seria imposta ao Oriente Médio, o Irão teria renunciado a dez anos ao seu programa nuclear, Indianos e Paquistaneses renunciariam às suas armas nucleares, os Europeus aceitariam as concessões comerciais que Washington lhes solicita, a China se inclinar-se-ia diante dos Estados Unidos e, entre outras decisões, aumentaria o valor d e sua moeda, o Iraque e o Irão seriam pacificados, a Rússia não anexaria a Crimeia...”( Boniface, p. 123).

(7B). Inexistia qualquer possibilidade de guerra entre as grandes nações ocidentais. Não somente o Japão e as principais nações europeias saíram destroçadas da 2ª Grande Guerra Mundial. Isto permitiu que os EUA, em virtude principalmente de sua posição geográfica e, por isto, não ter sofrido danos matérias, surgissem como a única potência ocidental. Tratados sobre limitação de armas forma impostos aos países derrotados. Na França, a cidade de Paris foi poupada da destruição, ao contrário de Londres, nas as cidades costeiras do Atlântico, onde se deu o desembarque dos aliados na Normandia foram devastadas (Caen, Rouen, Le Havre). Neste cenário os EUA assumiram a liderança como protetores dos países ocidentais frente a ameaça socialista, com a criação da OTAN, fato que permanece até os dias atuais.

Segundo Judt:

“Na Europa Ocidental os transporte os transportes e as comunicações estavam gravemente afetados: de 12.000 locomotivas em França antes da guerra, apenas 2.800 estavam ao serviço quando os alemães se renderam. [...] Só em 1944-1945 a França perdeu 550.000 habitações.

No entanto, os Franceses, tal como os Britânicos, os Belga, os Holandeses (que perderam 219.000 hectares de terras, alagadas pelos Alemães, e em 1945 ficaram reduzidos a 40% dos transportes por caminhos-de-ferro, estradas e canais que existiam antes da guerra)  os Dinamarqueses, Os Noruegueses (que perderam 14% do seu capital durante a ocupação alemã) e mesmo os Italianos foram comparativamente afortunados, embora o desconhecessem. Os verdadeiros horrores da guerra foram vividos no leste. [...] Na Europa do Leste e do Sudeste, os ocupantes alemães foram impiedosos, o que não se ficou a dever apenas ao fato de os guerrilheiros locais, sobretudo na Grécia, Jugoslávia e na Ucrânia, os terem combatido implacavelmente, embora sem esperança”(p. 37).

Sobre o Plano Marshall:

“Tal como o entusiasmo dos liberais ingleses pelo comércio livre na época anterior a 1914, estes apelos dos Americanos ao movimento livre de mercadorias não estavam inteiramente isentos de interesse próprio.

No entanto, o interesse próprio era manifestadamente esclarecido. Afinal, como afirmou o diretor da CIA Allen Dulles: <<O Plano pressupõe que desejamos ajudar a recuperar a Europa, que poderá competir conosco, e ira fazê-lo, nos mercados mundiais e por esta mesma razão poderá comprar uma quantidade substancial dos nossos produtos. [...] Em grande parte Dulles tinha razão: o Plano Marshall iria beneficiar os Estados Unidos ao recuperar o maior parceiro comercial, em vez de reduzir a Europa a uma dependência imperial” (Judt, p, 124).

Também existiam outros interesses, não estritamente econômicos, em vista do estado de ânimo e decepção dos europeus:

“[...] um relatório da CIA de Abril de 1947, <<[o] maior perigo para a segurança do Estados Unidos é a possibilidade do colapso da Europa Ocidental e a consequente subida de elementos comunistas ao poder>>.

[...] do departamento de Estado ..., datado de 21 de Abril de 1947: <<É importante manter em mãos amigas as áreas que contenham ou protejam fontes de metais, petróleo e outros recursos naturais, onde se integram objetivos estratégicos ou locais estritamente situados. Que tenham um grande potencial industrial, que possuam efetivos importantes de mão-de-obra ou de forças militares organizadas ou que, por razões políticas ou psicológicas, que permitam aos Estados Unidos exercer uma influência mais significativa a favor da estabilidade, da segurança e da paz mundial” (idem, p. 124).

(8). Conforme destaquei, para entendermos os problemas da Criméia e Ucrânia, temos que nos socorrer da geopolítica.

“Assim sendo (o autor se refere a Putin), é possível que. todas as noites, quando se deita, faça as suas orações e pergunte a Deus: <<Porque não puseste montanhas na Ucrânia?>>.

Se Deus tivesse posto montanhas na Ucrânia, a grande extensão do terreno plano que forma a Planície do Norte não seria território tão ideal como ponto de partida para ataques repetidos à Rússia. Assim, Putin não tem alternativa: precisa de, pelo menos, tentar controlar as planícies a oeste (Marshall, p. 11, em” Prisioneiros...)”.

Porque queriam os russos conquistar a Moldávia? Porque enquanto os Montes Cárpatos se curvam para sudoeste, transformando-se nos Alpes Transilvanos, a sudeste encontra-se uma planície que se estende até o Mar Negro. Essa planície pode também ser vista como um corredor plano de acesso à Rússia; e, tal como os russos gostariam de controlar a Planície do Norte Europeu no seu ponto mais estreito, na Polônia, também lhes agradaria controlar a planície junto ao Mar Negro” (idem p. 34/5).  

“Com aproximadamente 25.900 km², abrangendo Kharkov, Dnipropetrovsk, Donetsk ... a Bacia de Donetsk (Donbass), possuía o maior parque de produção industrial da Ucrânia, uma das maiores concentrações industriais do mundo, ademais de que lá havia consideráveis reservas de titânio, níquel , zinco, mercúrio, petróleo, gás natural, bauxita, carvão e mineras ferrosos.

Caso aderisse à área de livre comércio da União Europeia, as indústrias de mineração de ferro e siderúrgicas, a maior parte em Donbass, perderiam a competitividade, devido à alta do preço da energia, exigido pelo FMI e  ... .

[...] Todo esse potencial econômico cairia sob o domínio da União Europeia, entretanto, muito pouco poderia oferecer à Ucrânia ...” (Bandeira, p. 271/2).

“A derrubada do governo de Viktor Yanukovych tornava-se fundamental para os objetivos estratégicos dos Estados Unidos, entre os quais, máxime, impedir que a Rússia recuperasse a influência na Ucrânia e restabelecesse seu imperial status na Eurásia, conforme a percepção de Zbigniew Brzezinski. O acordo com  a Ucrânia, portanto, encapava vários e complexos objetivos, não apenas econômicos e comerciais” (Bandeira, p. 289).

Sobre a Criméia: “Este imperativo geográfico, assim como todo o movimento da NATO (OTAN) para leste, era precisamente o que Putin tinha em mente quando, num discurso sobre a anexação, disse: << A Rússia viu-se numa posição da qual não podia recuar. Se se comprimir a nascente até o limite, ela brotará com grande vigor. Devemos sempre lembrar-nos disto>> (Marshall, p. 29).

(9).”Durante os bombardeamentos, quase todo o ocidente, apoiou a ação da OTAN. No entanto, com o passar do tempo e através de uma mais aprofundada análise dos fatos, foram suscitadas algumas dúvidas: afinal os órgãos de comunicação social apenas deram algumas vertentes da problemática, vertentes estas, cuidadosamente selecionadas de forma a escamotear tudo o que fosse contra a opinião que interessava aos agressores da Jugoslávia (p. 78).

Quanto ao suposto massacre de Racak: A facção americana da KVM (Kosovo Veriication Mission) imediatamente emitiu um comunicado alegando que as tropas sérvias eram os responsáveis, enquanto a outra facção (europeia) levantou suspeitas, no que foi acompanhada pelos sérvios, ao alegar que o UÇK havia tudo encenado para parecer que houve um massacre de civis, enquanto aqueles corpos eram de membros da UÇK que tinham mortos em combate pela polícia no dia anterior...” (p. 74).

Os Estados Unidos pressionaram o secretário-geral da ONU Kofi Annan para iniciar o processo que iria – assim se pensava – resultar num Kosovo independente (p. 86).

[...] e quando começou o desmoranamento da Jugoslávia, Clinton viu aí uma ocasião para dar novo impulso à sua intervenção ‘humanitária’ e també aproveitou para ‘limpar’ a sua reputação, manchada pela questão da senhora Mônica Lewwinsky (p. 136). 

O senador americano Joe Biden mencionou que, se os EUA pudessem promover a independência do Kosovo, convenceriam ou pelo menos provariam a outros líderes muçulmanos do mundo que a “guerra contra o terrorismo” não era uma guerra contra os muçulmanos.

A presença militar no Kosovo significa que os seus estrategas não preveem que a Sérvia se junte à OTAN num futuro próximo, e então avançaram para a Ucrânia e os combates que agora aí têm lugar são-no exclusivamente por influência dos Estados Unidos e devido às políticas de alargamento do OTAN, contra as tentativas da Rússia ser novamente uma superpotência global (p. 140).

Desde o final da última guerra mundial os Estados Unidos têm vindo a exercer uma manipulação do poder em todo o mundo de uma forma sustentada e clínica, enquanto pretendem ser uma força em prol do bem universal. Ou, em outras palavras, assumindo-se com polícia do mundo ( p.144).

O ocidente, liderado pelos Estados Unidos, entrou mais tarde nesse conflito, eventualmente bombardeando as forças e o país desse homem mau (refere-se a Milosevic) para proteger os albaneses do Kosovo. O ocidente organizou esse Tribunal (refere-se ao TPIJ) em 1993 pata lidar com os crimes de Milosevic e de outros, e esse Tribunal, embora com alguma dificuldade, dada a lenta cooperação do Ocidente e a obstrução por parte dos Sérvios, prestou o serviço encomendado, se bem que não se possa concluir que tenha de algum modo contribuído para a causa da justiça e reconciliação (p. 175). 

É interessante que os Estados Unidos tenham recusado qualquer cooperação com o Tribunal Criminal Internacional, devido a suposta ameaça de poderem ser apresentadas acusações contra cidadãos dos EUA com base numa agenda ‘politicamente motivada’ do TCI. Contudo, os EUA nunca temeram isso do PTIJ Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia), devido ao seu papel crucial na organização do Tribunal, financiando-o (juntamente com os seus mais próximos aliados da OTAN), fornecendo pessoal, escrutinando os seus juízes e promotores, garantindo-lhe a força a sua força policial, fornecendo-lhe informações e dando-lhe apoio político (176).

A proteção às testemunhas de acusação foi uma das especialidades do juiz Richard May no julgamento de Milosevic. [...] O experiente advogado canadense Edward Greenspan ficou indignado com o facto de May ter violado “o conhecido princípio de nenhum juiz poder arbitrariamente fixar um limite de tempo ou interferir num interrogatório”.

[...] o funcionário judicial britânico, observou que “em nenhum momento durante este processo o juiz (...) determinou um limite de tempo para a acusação. No entanto, quando foi a vez de Milosevic interrogar a testemunha, o juiz May instruiu que fosse colocado um prazo nesse procedimento”.

Que quando o Sr. Buyo “um comandante do UÇK na área do Racak, este foi pressionado por Milosevic quando o apanhou em contradição e com a testemunha claramente em apuros, o juiz May instruiu: “Passe adiante Sr. Milosevic, já elaborou o bastante sobre este ponto””.

Em contraste, o juiz May não permitiu que Milosevic citasse os artigos do “Le Monde” e do “Le Figaro”, que levantam sérias dúvidas sobre a natureza do incidente de Racak, no seu contrainterrogatório a William Walker” (p. 194/5/6/7).

 


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