A INDIGNAÇÃO NÃO
SUBSTITUI A LEI
(“quem pode o mais pode
o menos”)
É bem verdade que a sociedade brasileira se encontra perplexa
e indignada, sinais de uma crise moral profunda, plenamente percebível com as
investigações da Lava Jato e as respectivas repercussões jurídicas.
Encontra-se em xeque os valores morais, bem como o arcabouço
valorativo das normas jurídicas, a hermenêutica jurídica. Devemos interpretar
as normas jurídicas de acordo com uma nova valorização, sob um novo prisma,
esquecendo e jogando para a lata do lixo tudo o que foi construído, os seus
alicerces? Não penso que sim e acredito que muito do que foi feito permanece de
pé.
Mais uma vez em nossa história os acontecimentos têm trazido
uma quantidade infinita de problemas nunca antes vivenciados, que repercutem tanto
a nível social quanto político e jurisprudencial. Infelizmente é a nossa
história.
Após a desilusão com a esquerda, que nunca foi esquerda,
assistimos os mais diversos pronunciamentos radicais, que nos chegam através do
Facebook e outros meios de comunicação, pregando abertamente uma ruptura total
com ordem social estabelecida. Outros dentro de uma legalidade se posicionam a
favor de uma direita, bem à direita. Pelo menos são mais prudentes e sensatos.
Mais uma vez a imprensa não ajuda e confunde os cidadãos. Muitos
“fazedores de opiniões” estão no mesmo nível do cidadão comum e alimentam esperanças
irreais, além de não procurarem esclarecimentos com pessoas que estão mais
afinadas com os temas jurídicos e outros.
Quanta confusão. Não deixa de ser verdade que os fatos tomaram
proporções gigantescas e por isso as pessoas afrontadas em suas dignidades, com
tantos escândalos, propõem medidas extraordinárias de regulação social, com
lembranças de um passado não tão distante, mas que também foi superado pelas
forças sociais, por não atenderem aos princípios que regem a sociedade moderna.
Talvez, por isto a nossa Constituição foi tão detalhista, se
preocupando com os direitos e garantias individuais, alinhada com a defesa dos
princípios democráticos, ínsitas no Texto Constitucional, mormente nos seus artigos
5º e 6º.
Em princípio resta saber se “restabelecer” uma ordem social
que vigorou durante quase três décadas e que foi substituída por uma nova seria
suficiente para fazer brotar as esperanças dos agentes sociais.
É lógico e bem sei disto que uma transformação social desta envergadura geralmente não se dá através de razoabilidades e debates, mas através
da força.
Diante de tanto incerteza e descrença mudo a minha visão
histórica e consigo ver a grandeza do gesto de Getúlio.
A crise também bateu nas portas da “justiça”, com decisões
que não agradam aos radicais, aos democratas e todos os demais espectros sociais.
Mas, a meu ver, muitas decisões não colocam em xeque os princípios que regem a
interpretação das normas jurídicas.
Particularmente creio que não existe espaço para um regime de
força.
Entretanto, o propósito deste artigo não é apontar soluções
para problemas tão complexos, mas expor minha opinião sobre algumas decisões
jurisprudenciais, mormente do Supremo Tribunal Federal.
Para isto me socorri de um artigo postado pela Conjur, por
Vladimir Passos de Freitas, que o leitor poderá encontrar em Conjur – Segunda Leitura:
os poucos conhecidos e lembrados brocardos jurídicos, https://www.conjur.com
.br.
Este artigo trata especificamente da importância dos
brocardos jurídicos, que assim como os princípios constitucionais norteiam as
decisões jurídicas.
Permitam-me reproduzir algumas passagens para situar bem o
leitor no que eles representam:
“Os brocardos jurídicos, também chamados de axiomas ou de máximas
jurídicas, constituem um pensamento sintetizado em uma única sentença, que
expressa uma conclusão reconhecida como verdade consolidada.
Miguel Reale ensina com clareza “que, se nem sempre traduzem princípios
gerais ainda subsistentes, atuam como ideias diretoras, que o operador de
Direito não pode a priori desprezar”.
E para R. Limongi França “não é forçada e nem constitui novidade, a
aproximação entre a noção e brocardo jurídico e a de princípio geral de Direito”
Assim também conclui Orlando Gomes, ao afirmar que os brocardos jurídicos
“representam uma condensação tradicional de princípios gerais”.
E o autor cita alguns brocardos que fundamentam as decisões
jurídicas.
Bem chega de citações. Aqui me interessa particularmente o
brocardo jurídico “Quem pode o mais pode o menos” (ou para os eruditos “im eo quod plus est semper inest et minus”)
que conforme cita o autor está na discussão sobre alargamento dos poderes do Ministério
Público.
Ora, em princípio, e isto não é por conta do brocardo em
questão, é importante afirmar que Constituição Federal é hierarquicamente
superior ao Código Penal e todos os demais Códigos e Leis Extravagantes, segundo
os ensinamentos de Kelsen.
Bem se diga que este princípio hierárquico está previsto em
todos os regimes legitimamente democráticos e, simplesmente, por este motivo o
Supremo Tribunal Federal é o Órgão Jurídico máximo do país.
Então, conclui-se que, contrariamente ao que muitos pretendem,
inclusive juristas (não é o momento de exemplificar), os Códigos Penal e de
Processo Penal não podem ir de encontro ao Texto Constitucional e deverão a
Este estarem submetidos. E não se trata de opinião pessoal.
Adentrando um pouco mais sobre no Texto Constitucional, as normais
sobre a prisão de parlamentares encontram-se dispostas no artigo 53 e
parágrafos:
Art. 53 - Os deputados e Senadores
são invioláveis, civil e penalmente por suas opiniões palavras e votos:
§ 2º - Desde a expedição do diploma,
os membros do Congresso Nacional ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso os autos serão
remetidos dentro de vinte e quatro horas à casa respectiva, para que, pelo voto
da maioria de seus membros, se resolva a prisão.
No parágrafo 3º poderá do mencionado artigo está posto que a casa poderá sustar o andamento da ação,
proposta ao Supremo, Órgão Jurisdicional máximo incumbido, constitucionalmente,
de julgar os parlamentares, de conformidade com a prerrogativa de “foro
privilegiado”.
Os leitores poderão encontrar comentários sobre este artigo e
seus §§ em diversos livros de Direito Constitucional. Infelizmente não posso
dar mais sugestões porque me desfiz de diversos livros.
E que se diga que estes privilégios são decorrentes do “Princípio
da Separação dos Poderes” e da “Indelegabilidade de Atribuições”, ínsitas na
Constituição. Que fique claro que não estou discutindo se concordo ou não com esses
privilégios, mas somente ressaltando que estes princípios estão “assentes” no
Texto Constitucional. Evidente que poderiam tomar outras formas, não tão
exageradas.
E quais seriam os fundamentos destes princípios?
Reproduzo texto do livro “Direito Constitucional esquematizado, de Pedro Lança, 18º Edição:
Reproduzo texto do livro “Direito Constitucional esquematizado, de Pedro Lança, 18º Edição:
“Dimitri, com precisão, observa que “seu
objetivo fundamental é preservar a liberdade individual, combatendo a
concentração de poder, isto é, a tendência “absolutista” de exercício dom poder
político pela mesma pessoa ou grupo de pessoas”. A distribuição do poder entre
órgãos estatais dotados de independência é tida pelos partidários do
liberalismo político como garantia de equilíbrio político que evita ou, pelo
menos minimiza os riscos do abuso de poder”.
Tudo isto decorre de uma “evolução” histórica rumo à
democracia que começa com a “gloriosa revolução” inglesa, cujos princípios foram
posteriormente expostos de modo mais sistematizado por Montesquieu (1689-1755),
em “O espírito das leis” (confesso que não li o autor mencionado, mas o livro é
muito citado nos cursos de Direito).
Por outro lado a Constituição não trata da questão do “afastamento do parlamentar” para o exercício
de suas funções e nem de “medidas
cautelares”.
Neste último caso estas medidas redundam em privação de
liberdade. Suprir as normas Constitucionais com leis que foram editadas após a
sua promulgação me parece uma medida inadequada, porque privação de liberdade,
queiramos ou não, está associada à prisão. A Constituição é a Lei Maior e não deve
ser interpretada de acordo com uma lei hierarquicamente inferior, inclusive
vinda posterior.
Ora, diante deste impasse e levando em consideração o
referido brocardo, seria legítimo
perguntar se este deveria ser aplicado ao caso em questão, ou seja, afastamento do parlamentar.
Se para prender o parlamentar, mesmo em caso de “flagrante e
crime inafiançável”, caso grave, será necessário submeter o caso à casa, porque
para afastá-lo não seria? Ou seja, porque razão neste caso a casa estaria
afastada da decisão?
A prisão, ou privação de liberdade, no direito penal é o caso
extremo, ao que a lei submete o cidadão.
E o mais importante: se for admitido o caso de afastamento,
estará aberta a porta para a prisão,
como aconteceu anteriormente com outros parlamentares. Isto seria um caso “flagrante”
(repito a palavra) de se contornar o
Texto Constitucional para impor uma penalidade, que a princípio, estaria fora
de cogitação, ou melhor, deverá ser submetida à casa, conforme nos diz a
Constituição.
Neste caso, por meios transversos
agride-se a Constituição, o que seria impensável, pelo menos enquanto perdurar
um regime democrático, que preza pelo estado de direito e garantias
constitucionais.
Os mais “afoitos” pretendem rasgar a Constituição, mas caso
acontecesse seria necessário uma Nova Constituição. Não se governa sem lei e o “ideal”
seria procurar uma alternativa levando a lei em consideração, fazendo os
ajustes necessários. Mas até lá prevalece o que está.
Deixo claro que neste artigo não estou preocupado com as
vozes de indignação, pois lembro Rui Barbosa: “fora da lei não há salvação”. Para uma lei “revogada” ou rasgada
outra posta.
Ou ainda, deveria o Supremo julgar com base nos anseios da
população? Neste caso não precisaríamos da justiça, que tanto custa aos cofres
públicos. Basta fazer uma enquete popular.
E os ladrões comuns seriam executados de acordo com os
anseios dos mais exaltados. Estaríamos, assim, “legitimamente” dentro do Estado
de Direito, que muitos querem apenas para si?
Em que pese a indignação com os rumos que a política tomou,
temos que julgar de conformidade com a lei, neste caso a Constituição, independentemente
se Ela já não se ajusta aos novos valores morais da sociedade.
Então que se mude a Lei Maior. E aí o leitor perguntará como
mudar esta Lei se Ela é elaborada pelos próprios parlamentares? Além de ter que
obedecer, normas específicas, mais rigorosas, para mudá-la. Pergunta sem resposta visível. Que os agentes
sociais criativamente encontrem uma solução.
Da mesma forma, podemos gostar ou não de um Ministro ou Juiz,
não gostar de suas decisões e até fazer críticas sobre a sua vida particular,
se para isto tivermos acesso às informações sobre os conchavos e outras coisas
mais. Mas seria no mínimo insensato reprová-lo apenas pelo fato de que as suas
decisões não atenderam às nossas expectativas. Teríamos de verificar se os seus
argumentos estão enquadrados dentro da legislação.
Verdade seja dita que existem muitas lacunas e uma névoa
cinza permite navegar e interpretar as leis de acordo com interesses escusos, a
favor das facilidades e do jogo do poder.
Muito mal faz a imprensa em eleger um Magistrado ou Ministro
Superior para contrapô-lo sempre aos anseios da população. Que critiquem suas decisões com base em argumentos jurídicos e não simplesmente morais, pois que vota-se de acordo também com a moralidade quando ela se enquadra no texto legal. E não poderia ser diferente.
Acredito que se existe alguma reparação a ser feita sobre a
decisão dos Ministros do Supremo e de outros Magistrados diz respeito à questão
da “segurança jurídica”, que nada
mais é que a sinalização da lei para a sociedade, a sua referência para os
agentes sociais, muito bem explorada em matéria da revista Veja em sua edição
de 18 de outubro, no artigo “Teatro Jurídico”.
Segundo o professor Rubens Glezer, da Fundação Getúlio
Vargas:
“Acredito que a autoridade do Supremo
está em cheque, mas não necessariamente pelo conteúdo da decisão. [...] Esse é
um resultado da percepção da inconsistência das decisões que mudam ao sabor da
ocasião e do voluntarismo dos ministros que agem como bem querem”.
E a revista vai além: “Para piorar, o Supremo não é a única
instituição a agir segundo os ventos da hora”. Sinal de que a sociedade está em
crise, moral, política, jurisdicional.
Pelo que expus neste artigo não precisa dizer que concordo
com o resultado, com o devido respeito à indignação das pessoas, principalmente
os desafortunados.
Mas é a Lei Maior que está em jogo.
E para finalizar, me choca mais ver Magistrados e Ministros
fugirem ao Texto da Constituição, para abraçar ideias que vão de encontro às
suas normas e princípios.
Por isso concluo que "A indignação não substitui a lei".
Nenhum comentário:
Postar um comentário