DESENVOLVIMENTO E
LIVRE COMÉRCIO
( o desenvolvimento
sob uma perspectiva cultural)
Objetivo
O debate entre os
partidários do livre comércio e intervencionistas sobre o
desenvolvimento econômico ainda não terminou, por sinal, recomeçou
e ganhou novas dimensões.
Com o "relativo
fracasso" do modelo de substituição de importações os
debates vieram novamente à tona.
Digo "relativo
fracasso" porque ainda não existe um estudo aprofundado, um
balanço definitivo, que demonstre se houve realmente fracasso total
ou se foram obtidos ganhos, mesmo com desperdícios.
Na verdade, um
veredito sobre o assunto parece um tanto improvável porque a
história não se escreve com o "se" e, assim sendo, fica
difícil avaliar e fazer conjecturas conclusivas sobre novos
contornos e situações que não aconteceram.
Tornou-se um
"fracasso" porque não conseguiu alcançar os objetivos
traçados, almejados e esperados, muito embora estejamos longe de
realçar alguns dos aspectos positivos, se é que existiram. Foi uma
tentativa que infelizmente nâo deu certo, por falha de programação
e por motivos culturais.
Ao longo do trabalho,
terei oportunidade de expor que o sucesso do processo de
desenvolvimento não repousa apenas em motivos estritamente
econômicos, mas também em fatores sociais, políticos, culturais e
ideológicos.
Espero conseguir
demonstrar que o fracasso do modelo de substituição de importações
adotado pelo Brasil não siginifica a vitória inquestionável do
livre comércio como motor necessário para alcançar o
desenvolvimento.
Este breve artigo é
uma tentativa de demonstrar a impossibilidade teórica de se alcançar
o desenvolvimento econômico através da livre circulação de
mercadorias (livre comércio) e livre movimentação do capital.
Em tópico específico
faço comentários sobre a impossibilidade do processo de
substituição de importações, por si só, alcançar o
desenvolvimento econômico. Os argumentos são basicamente oas
mesmos.
Este trabalho está
dividido nos seguintes tópicos: 1) o conceito de país desenvolvido;
2) Os primórdios do liberalismo; 3) Produção e circulação
(capital produtivo, mercantil e financeiro; 4) a substituição de
importações (PSI) como etapa para o desenvolvimento; 5) Conclusão.
O CONCEITO DE PAÍS
DESENVOLVIDO
O conceito de país
desenvolvido ou "subdesenvolvido" (não vou entrar na
polêmica sobre o termo) sempre foi um percalço para os estudiosos,
mormente os economistas.
Isto, porque os
parâmetros que os definem sempre foram relativos e somente em
conjunto adquirem relevância, para se analisar em concreto uma dada
situação.
Além dos tradicionais
parâmetros como renda per capita, qualidade de vida, escolaridade,
infraestrutura, marginalidade da população (acesso ao mercado),
percentagem de atividades agrícolas, pauta das exportaçõs e
importações, inchaço de um terciário retógrado, outros no
decorrer dos anos, por motivos concretos, foram sendo adicionados:
instituições frágeis, judiciário moroso, parque industrial
diversificado, atividades industriais preponderantes, setor de bens
de capital diversificado e dinâmico.
Os conceitos são
relativos e só adquirem importância quando analisados
conjuntamente em concreto.
Não bastasse isto,
acredito ser possível admitir que um país seja cultural e
socialmente desenvolvido e modermo, sem que possua um parque
industrial bastante diversificado e avançado. Isto se aplica àqueles
países de pequenas dimensões territoriais e com pequenas
populações, como seria o caso de alguns países europeus. Ou seja,
em outras palavras, um país culturalmente desenvolvido, aberto para
as inovações, sem no entanto possuir um desenvolvimento econômico
correspondente.
Mas, ao contrário, um
país economicamente desenvolvido, com um setor de bens de produção
(PI) diversificado e dinâmico, leva indubitavelmente a um
desenvolvimento cultural. Um PI capaz de criar produtos de consumo,
meios de produção e métodos de trabalho que introduzam e ditem o
modo e o estilo de vida da população, em resumo tecnologia de
produtos e serviços. Neste caso, teríamos um país desenvolvido
sobre todos os aspectos.
Desse modo, torna-se
evidente que aos países com grandes dimensões territoriais e
populacionais não se pode aplicar os mesmos critérios de avaliação.
Nestes, um parque industrial diversificado, com um PI dinâmico,
autóctone e ao mesmo tempo aberto, não xenófobo, e criativo
(inovador), aliado aos outros parâmetros mencionados, é de suma
importância para definí-los como desenvolvidos.
Em suma, é
incontestável que um país de granes dimensões que não preencha
estes requisitos, tomados em conjunto, não pode ser classificado
como desenvolvido.
Este é o caso do
Brasil. Um país com um parque industrial diversificado, mas que não
consegue imprimir a sua marca, com referência e em relação a sua
expansão territorial e populacional. Um parque industrial dominado
por empresas multinacionais que não criam, apenas reproduzem aqui o
que suas matrizes determinam e criam. Enfim, um país importador de
tecnologia, de bens de consumo e capitais novos, que moldam o estilo
de vida de sua população, e exportador principalmente de produtos
primários ( em torno de 70/75%).
Ao longo do artigo,
terei oportunidade de citar outros aspectos culturais e ideológicos,
enraizados na nossa cultura, assimilados por nossa herança colonial
"portuguesa", que entravam o desenvolvimento do país.
OS PRIMÓRDIOS DO
LIBERALISMO
Não
há dúvidas de que a doutrina do liberalismo é uma invenção
inglesa, que acontece com o surgimento da revolução industrial,
cujo berço foi a Inglaterra.
Entretanto, ela surge
quando a Inglaterra já ocupa uma posição dominante na economia
mundial, ou melhor quando as estruturas do capitalismo já se
encontram plenamente fincadas na sociedade, gozando a mesma desta
primazia.
Ora, não deixa de ser
estranho que esta doutrina esteja vinculada a um domínio econômico
e que, por este motivo, beneficiava a economia inglesa em comparação
a outras economias nacionais que ainda não tinham alcançado a
modernidade tecnológica inglesa.
É
importante ressaltar este paradoxo, porque a acumulação primitiva
do capital, considerada fundamental para o surgimento do capitalismo,
como modo de produção, se deu as custas de pilhagem interna e
externa, colonialismo e bloqueio
ao livre comércio.
"A fase de
acumulação primitiva é conhecida por pilhagem interna (da própria
população dos países centrais) e/ou externa (contribuição da
periferia na acumulação primitiva). O primeiro modelo foi bem
explicado por Marx, porém o segundo foi subestimado pelo autor de O
Capital.
De
acordo com Benakouche (1980, p. 40), a pilhagem externa foi de grande
importância para a consolidação do modo de produção
capitalista". (Acumulação primitiva de capital, em
www.eumed.net/...).
Esta conclusão também
pode ser tirada dos comentários de Marx sobre a Companhia das Índias
Orientais, que se instalou na Índia e estabeleceu políticas
econômicas, inclusive militares, de interesse da Inglaterra:
"
Pouco a pouco, os partidários da Companhia das Índias Orientais
tornaram-se mais audaciosos e pode-se notar, como uma curiosidade
nada estranha nessa história indiana que os monopólios do
comércio na Índia foram os primeiros apóstolos do livre cambismo
na Inglaterra.
Novamente a
intervenção parlamentar foi reclamada com respeito da Companhia das
Índias Orientais, não pelo pessoal do comércio, mas pela classe
industrial em todo o decorrer dos últimos anos do século XVII e
durante a maior parte do XVIII; foi então proclamado que a
importação de tecidos de algodão e de sedas das Índias Orientais
arruinariam as pobres manufaturas inglesas.
O
Parlamento interviu então. Pelos atos 11 e 12 Guilherme III,
capítulo 10, o porte de sedas manufaturadas e de peças impressas
ou tingidas, importadas da Índia, daPérsia e da China, foi
proibida e toda pessoa que as possuissem ou vendessem eram passíveis
de uma multa de 200 libras esterlinas. Leis análogas foram
promulgadas sob George I, II e III em consequência das lamentações
reiteradas dos manufatureiros britânicos, tão "esclarecidos".
Assim, durante a maior parte do Século XVIII os produtos
manufaturados indianos foram geralmente importados pela Inglaterra
para serem vendidos no continente, estando
excluídos do próprio mercado inglês."
(em A Companhia das Índias Orientais: sua História e as
Consequências de sua Actividade - Karl Marx, junho de 1953) .
Em
decorrência desta política "liberal" a Inglaterra
conseguiu aniquilar a produção manufatureira local, inundando o
mercado indiano de produtos manufaturados ingleses, alavancando a
revolução industrial.
"Durante
todo o século XVIII os tesouros que afluiam da Índia para a
Inglaterra eram bem menos o fruto de um comércio comparativamente
insignificante do que da exploração direta deste país e das
fortunas colossais que lhe eram extorquidas
e transferidas para
a Inglaterra. Em pouquíssimo tempo, após 1813, o comércio com a
Índia mais que triplicou. Mas isso não era tudo. O caráter deste
comércio tinha mudado. Até 1813 a Índia tinha sido
principalmente um país exportador, tornando-se agora importador, e
essa progressão foi tão rápida .... A Índia, o grande atelier do
cotonifício para o mundo desde tempos imemoriais, se encontrava
agora inundada de fios e de tecidos de algodão ingleses. Com seus
produtos excluídos
da Inglaterra, ou admitidos somente sob as mais duras condições,
ela agora via afluir para dentro de sua economia os manufaturados
ingleses, gravados de um direito módico, puramente nominal, para
a ruína de sua indústria de algodão outrora tão célebre"(idem).
E
o assunto não se resume nisto. Pelo Tratado de Methuen, datado de
1703, Inglaterra e Portugal assinaram um acordo em que o primeiro se
especializaria na produção de tecidos e o segundo no fornecimento
de vinhos para o primeiro.
Embora o assunto seja
polêmico quanto a importância do Tratado para a decadência
econômica de Portugal, que já se anunciava há tempos, parece
inquestionável que o acordo coroa a submissão deste país à
Inglaterra, posto que contribuiu para travar o desenvolvimento de
outras atividades manufatureiras. As condições desvantajosas do
acordo fez com que Pombal tentasse reverter a situação, no que foi
impedido pela aristocracia.
Interessante
é que mais de cem anos após a assinatura do Tratado David Ricardo
elabora a sua teoria de custos comparativos, demonstrando as
vantagens de cada país se especializar na produção e
comercialização de determinados tipos de produtos, para quais
possuia vantagens econômicas. Sobre o assunto, consultar neste site
"A ideologia das vantagens comparativas" em
www.melisiofrota.blogspot.com.br.
Este fato, mostra que
a teoria econômica sempre vem a reboque das situações políticas e
comerciais, servindo muitas vezes apenas para justificar as práticas
já consolidadas.
No entanto, convém
mencionar que esta teoria se enrraizou na cultura e na elite
brasileira, dando, enfim, a sua contribuição para dificultar uma
escolha alternativa política para o desenvolvimento.
Cabe mencionar que não
só a Inglaterra incorreu neste paradoxo ideológico. Também os
Estados Unidos da América após adotarem uma política expansionista
e não liberal abraçaram a teoria liberal, como ferramenta de sua
política externa, principalmente depois que os estrondos dos canhões
dos países europeus jogaram suas economias para uma posição
secundária.
Sobre a expansão do
capitalismo inglês cito José Luiz Fiori:
"O
milagre econômico inglês, que deu origem ao capitalismo moderno,
começou no século XVII, muito antes da chamada Revolução
Industrial..... portos ingleses aos navios estrangeiros e se
transformou no primeiro ato mercantilista agressivo da Inglaterra
fechando as fronteiras de sua econmia nacional.... Ao mesmo tempo,
no cam po econômico, promoveu uma fusão revolucionária das
instituições financeira holandesas - que eram mais avançadas -
com as finanças inglesas, criando o Banco da Inglaterra e um novo
sistema de financiamento da dívida pública inglesa atrelado à
bolsa de valores e ao sistema de crédito da banca privada (em
"História, Estratégia e Desenvolvimento", capítulo "O
Desenvolvimento Inglês", Boitempo Ed., 2014, p.78)
v) o próprio protecionismo
de
Cromwell se manteve até o século XIX , e só foi abandonado
depois que a inglaterra já era potência militar e econômica
mundial ( p. 69)
Agora
bem: o que é importante destacar é que por trás da ficção
ideológica liberal, o modelo de desenvolvimento econômico da
Inglatterra foi sempre expansivo e agressivo, e foi construído à
sombra do movimento de projeção do poder do Estado inglês, dentro
e fora da própria Inglaterra, segundo a estratégia proposta pela
economia política clássica de William Petty" (idem p. 70) .
O mesmo se diga sobre
o desenvolvimento americano, que não se deu sob a égide do
liberalismo:
ii)
o
sucesso do capitalismo americano não foi puramente endógeno, nem a
apenas um obra das grandes corporações e do capital financeiro
que nasceram à sombra da guerra civil;
"iv) a guerra
contínua teve um papel estratégico no desenho da política
industrial e agrícola, e no desenvolvimento científico e
tecnológico;
v) e por fim, a
expansão política, territorial e bélica dos Estados Unidos foi à
frente do processo do processo de internacionlização das grandes
corporações, do capital financeiro e da moeda americana (Fiori, em
"O capitalismo americano", p.73)
Ambos
incorreram em guerras expansionistas e estabeleceram colônias além
mar. Com a doutrina Monroe os Estados Unidos estabelecem a sua
política de influência nas econiomias americanas.
PRODUÇÃO E
CIRCULAÇÃO (CAPITAL PRODUTIVO, MERCANTIL E FINANCEIRO)
Inicio este tópico
reproduzindo texto de Karl Marx, em Introdução a Economia Política,
letra c, Troca e Produção:
"A
circulação propriamente dita ou não é mais do que um momento
determinado da troca, ou é a troca considerada em sua totalidade.
Na
medida em que a troca não é mais do que um momento mediador entre,
por um lado, a produção e a distribuição que aquela determinae,
por outro lado, o consumo - e dado que o próprio consumo aparece
também como um momento da produção - é evidente que a troca se
inclui na produção, e é também um seu momento.
Em
primeiro lugar, é evidente que a permuta de atividades e capacidades
que ocorre no interior da produção faz diretamente parte desta
última - é até um de seus momentos essenciais. Em segundo lugar,
o mesmo se aplica à troca de produtos, pois esta é um meio que
permite fornecer o produto acabado, destinado ao consumo imediato. No
que até agora vimos, a troca é um ato incluído na produção. Em
terceiro lugar, a chamada exchange entre dealers
é, dada a sua organização, completamente determinada pela
produção; representa uma atividade produtiva. Somente na sua
última fase - no momento em que o produto é trocado para ser
consumido imediatamente - é que a troca se apresenta independente
e exterior à produção e, por assim dizer, indiferente a esta.
Porém observamos que: 1) não existe troca sem divisão do
trabalho, quer seja natural, quer seja um resultado histórico; 2) a
troca privada pressupõe a produção privada; 3) a intensidade da
troca, assim como a sua extensão e a sua estrutura, são
determinados pelo desenvolvimento e pela estrutura da produção....
Portanto, a produção compreende e determina a troca em todas as
suas formas.
A
conclusão a que chegamos não é de que a produção, a
distribuição, a troca e o consumo são idênticos; concluimos,
sim, que cada um deles é um elemento de um todo, e representa a
diversidade no seio da unidade. Visto que se determina
contraditoriamente a si própria, a
produção predomina não apenas sobre o setor produtivo, mas
também sobre os demais elementos; é a partir dela que o processo
sempre se reinicia.
É
evidente que nem a troca nem o consumo podem ser os elementos
predominantes. O mesmo se verifica em relação à distribuição
tomada como distribuição dos produtos.
Para
uma crítica da economia política de produção, ela é um momento
da produção. Por conseguinte, uma
dada produção determina um dado consumo, uma dada distribuição e
uma dada troca;
determina ainda as relações recíprocas e bem determinadas entre
esses diversos elementos. Sem dúvida que a produção em sentido
estrito é também determinada pelos outros elementos. ... Por
último, as necessidades de consumo influem na produção.
O que podemos extrair
deste texto, para os nossos propósitos, é que o capital produtivo,
mercantil e financeiro são as formas que o capital adquire no seu
processo de valorização. No entanto, o capital mercantil
encontra-se "limitado", por assim dizer, pelo capital
produtivo.
Este capital mercantil
não cria valor, apenas faz circular e distribuir os produtos, que se
tornam mercadorias. Estão, portanto, limitados à produção. O
produto torna-se mercadoria, mas a mercadoria já é um produto
transformado em mercadoria.
Dessa forma, o
circuito mercantil do capital está alicerçado nas relações de
produção, que por sua vez, contêm uma relação política de poder
(distribuição do bolo) e uma relação ideológica, que dão coesão
ao modo de produção.
A circulação e a
distribuição se dão em relação aos produtos que foram produzidos
e não em relação aos produtos que ainda nem sequer foram
concebidos. Nesse sentido a circulação e a troca não podem criar
as condições materiais necessárias à produção. Podem, sim,
quando muito, comprometer a produção de produtos passíveis de
produção.
Por ser apenas uma
etapa de valorização do capital, a circulação de mercadorias não
tem o poder de criar ou agregar valor aos produtos nem eliminar os
obstáculos que estão presentes no processo produtivo.
Caso ocorresse a
mobilidade elevada do capital, o que não é o caso, seria mais
provável que este capital mercantil se deslocasse para o setor de
substitução de importações, porque o risco do negócio seria
menor, já existia uma demanda a ser atendida, os processos de
criação e desenvolvimento dos produtos já foram efetuados, os
problemas de infraestrutura para a pesquisa, invenção e inovação
são menores ou inexistentes e, portanto, mais fáceis de serem
resolvidos.
Esta etapa de
circulação permite apenas, em condições sociais e econômicas
muito peculiares, dependendo inclusive da capacidade e aptidão
empresária para o risco, que se dê um deslocamento preliminar para
o processo de substituição de importações no setor pordutivo,
cuja dinâmica fica atrelada a importação de bens de capital e a
capacidade em adquirí-los.
Por este motivo, o
mais provável e lógico é que a industrialização de um país
subdesenvolvido, sujeito à política do livre comércio, se dê
através do processo de substituição de importações. Foi o que
sucedeu no final do século XIX, com a produção industrial de bens
de consumo, antes importados.
Daí, que o processo
de substituição de importações, em si, não é capaz de alavancar
o setor produtivo de bens de capital e de novos produtos e processos
produtivos, mas apenas de acelerar a industrialização, na esperança
e expectativa de que no futuro, por um passe de mágica, este setor
adquira as condições dinâmicas para autogerar novos processos
produtivos e inovações, capazes de comandar o processo de
desenvolvimento.
Admitir que a troca e
a circulação de mercadorias são capazes de criar condições para
a inovação, invenção e produção de novos produtos e tecnologia
é inverter as relações determinantes de cada etapa do capital.
Ora, a produção, ou
seja o capital produtivo, para se realizar e prosperar de forma
dinâmica encontra limites na estrutura social (cultural), econômica
e política e o capital mercantil não é capaz de eliminar os
obstáculos e as amarras que se impõem na esfera produtiva. Ele não
resolve nem elimina os obstáculos ligados a escolaridade,
infraestrutura, gargalos da economia, porque a sua função,
simplesmente não é esta e, sim, fazer circular e distribuir o que
foi produzido ou o que pode ser produzido, porque já concebido em
determinadas condições materiais e passível de ser produzido.
O processo de
desenvolvimento requer não só medidas econômicas, mas também
políticas de cunho social e ideológico, enfim compromissos gerais
da classe dirigente (política, empresária), da intelligentsia e da
população, com um projeto desenvolvimentista.
Um dos grandes
desafios neste processo, é que torna-se impossível transformar
emoções, sentimentos, conexões sociais, valores que estão
enraizados na cultura e no espírito do povo, em variáveis
econômicas quantificáveis.
Estes fatores, valores
sociais e psico-sociais têm relevância no mundo econômico, mas não
podem ser captados por modelos por serem incomensuráveis os seus
efeitos sobre as varáveis e atividades econômicas. São um imput de
que necessitam as atividades econômicas para alcançar seus
objetivos, moldando-as dentro de possibilidades práticas e
políticas.
Valores como
perseverança, determinação, esperança, eficiência, patriotismo
(compromissos sociais), auto-estima, ambição, coesão cultural,
ideologia, criatividade, predisposição para o risco, etc, são os
ingredientes indispensáveis para fazer com que o país possa trilhar
o caminho do desenvolvimento econômico.
Sobre
a influência desses fatores na cultura do país ver "A
ideologia das vantagens comparativas", tópico 6ª Consideração,
"O imigrante", em www.melisiofrota.blogspot.com.br,
onde menciono:
"O
imigrante traz consigo um ideário de vida, hábitos, amor próprio,
autoestima, ambições, preconceitos, desejos de liberdade, espírito
empreendedor, que são próprios de sua sociedade e que tentarão
reproduzir no novo país. Estes comportamentos (acrescento: para se
reproduzirem ou não) irão depender das condições materiais que
irão encontrar nas novas sociedades.
E Portugal já era um
país de segunda ou terceira ordem no cenário internacional. Qual o
ânimo deste povo imigrante, os seus anseios, as suas aspirações?
Em que se espelhavam?
Poderíamos
acrescentar a predisposição para o risco, fundamental para a
dinâmica de uma sociedade em constante transformação, como a
capitalista.
É de suma importância
que a classe dirigente não esteja comprometida e impregnada com a
ideologia do livre comércio e das vantagens comparativas como
motores do desenvolvimento. Com isto, evita-se desempenhar um papel
secundário no processo produtivo, ao ocupar os espaços econômicos
pré-determinados pela divisão internacional do trabalho, com sérias
repercussões sobre a auto-estima social.
E que o risco do
empreendimento não esteja atrelado ao que já existe e possa ser
substituido, como no processo de substituição de importações, mas
um compromisso com o devir, com o processo criativo, que poderá ou
não moldar os novos costumes da sociedade.
Cito José Luiz Fiori:
"Entretanto,
desde sua independência os Estados Unidos foram governados por uma
elite
coesa e
com um intense
commitment
imperial, e mantiveram um ritmo de expansão política e territorial
contínua por meio da guerra, da diplomacia e do comércio" (em
"História, Estratégia e Desenvolvimento", capítulo "O
capitalismo americano", Boitempo ed, 2014, p.72)
Em cada etapa do
processo de valorização do capital existe funções específicas e
determinadas a serem cumpridas por agentes econômicos a elas
vinculados.
Portanto, dando
consistência a estas funções específicas estão os agentes
econômicos com seus hábitos e costumes profissionais, expertise,
feeling, percepções de risco, familiarização com os
procedimentos, que cada etapa requer e que, de certa forma, inibem as
expertises e as habilidades requeridas por outras atividades.
Por este motivo, o
capital não tem esta mobilidade surpreendente que o faça preencher
todos estes espaços de forma independente. De ser capital financeiro
ou mercantil e de repente se transmudar em capital produtivo, sob uma
mesma perspectiva administrativa, de comando e propriedade.
O que pode ocorrer é
a integração dessas diferentes formas (esferas) em conglomerados
sob a direção de um segmento, financeiro ou industrial,
dificilmente mercantil, que comanda o processo de acumulação e dá
maior consistência às decisões econômicas, dependendo das
realidades políticas e sociais de cada país, como os Zaibatsu e
posteriormente os Keiretsu, que originariamente remontam a
reestruturação Meiji.
Mas a formação
destes conglomerados não impediu a crise imobiliária do Japão nem
a crise financeira que se abateu na àsia em 1997/8, incluindo a
Coréia do Sul. O que confirma a relativa independência das esferas
econômicas (produção, circulação, sistema monetário), umas em
relação às outras.
Esta integração se
dá também numa etapa posterior do capitalismo através da
concentração e centralização do capital, que culmina numa nova
fase de capitalismo monopolista, com as suas respectivas nuances
políticas que dão novos contornos à concorrência, como
salientaram os diversos autores marxistas (Lenin, Bukarin,
Hilferding).
Mas isto não que
dizer que estas novas formas sejam capazes de alavancar o processo de
desenvolvimento, bem como de eliminar as crises destas sociedades. Os
problemas de integração continuam, as dificuldades de suplantar
problemas de infraestrutura e culturais persistem e o capital se
reproduz de acordo com as possibilidades encontradas.
Este capital de
empréstimo não se desloca para o setor produtivo a fundo perdido,
mas tem que ser remunerado, mesmo que esteja sob comando de um
conglomerado, para dar coesão ao sistema e não gerar prejuízos
para os investidores e correntistas, que devem ser remunerados pela
taxa de juros vigente, inclusive por questões institucionais.
Esta remuneração irá
depender do sucesso ecomômico do empreendimento para o qual o
capital foi destinado. E o sucesso do capital produtivo em remunerar
o capital financeiro irá depender das condições materiais de sua
reprodução, que encontra entraves estruturais econômicos e
cultuarais, como foi salientado.
O conglomerado não
elimina o problema de mobilidade do capital, principalmente no que
tange ao desenvolvimento econômico. Mesmo sob o comando de um
conglomerado, o capital financeiro tem que cumprir as suas funções
específicas, e por isso, não tem o poder de comandar o processo de
desenvolvimento. Este processo se dá primordialmente na esfera
produtiva, desempenhando esta uma função determinante, conforme
Marx.
O processo de
desenvolvimento econômico é uma conquista social e não se dá
através de decisões particulares, individuais, de pessoas ou grupos
econômicos, com interesses imediatos em explorar as possibilidades
de lucro. Exige comprometimentos das elites, política e empresária,
da intelligentsia e dos demais classes com o futuro.
Este
fato (imobilidade do capital) ocorre até mesmo dentro de um mesmo
setor produtivo. Esta é a razão porque a elite cafeeira não foi
responsável pelo início do processo de indistrialização da
economia brasileira (consultar "A ideologia das vantagens
comparativas" em www.melisiofrota.blogspot.com.br).
Desde os seus
primórdios coube ao capital "financeiro" o papel de
fornecer fundos tanto ao capital produtivo quanto mercantil, através
de uma concentração de dinheiro posta à disposição àqueles
agentes que teriam dificuldades em adquirir fundos para desempenhar
suas atividades (capital de giro e empréstimo). Esta seria a sua
função básica: concentrar recursos financeiros (capital dinheiro)
para serem colocados à disposição daqueles que necessitam.
Posteriormente passaram a fornecer empréstimos ao consumidor.
O fato de em
determinados momentos específicos da história este capital ter se
transformado em capital verdadeiramente financeiro (Hilferding),
associado a empresas não financeiras, não muda o caráter de suas
funções específicas, pois são apenas formas de prover fundos e de
melhor tirar proveito da administração para remunerar e garantir
suas aplicações.
O mesmo se diga quanto
aos bancos de investimentos que atuam em situações de alavancagem
para fusão e aquisição de empresas e lançamento de ações na
bolsa. Eles não assumem funções específicas de capital produtivo,
mesmo que em determinados momentos tenham que assumir o controle
administrativo de empresas endividadas.
O capital financeiro
(e consequntemente o mercado financeiro), em razão de suas próprias
características, notamente alta alavancagem e volatilidade,
possibilidades de ganhos imediatos, reflexividade, mobilidade
(transferências on line), operações com câmbio, volume
movimentado, sensibilidade às questões políticas e política
monetária, é propenso à especulação, para não dizer que é
essencialmente especulativo, independentemente de ser partícipe de
um conglomerado. Falo em especulação no sentido empregado por
Kindleberger e Singer.
Não entro no mérito
se a especulação é importante e necessária ao funcionamente e
operacionalidade dos mercados financeiros, dando-lhes liquidez,
principalmente na bolsa de valores, porque a bolsa também é
especulativa, e caso a resposta seja afirmativa mais uma razão para
que assim seja considerada.
Assunto corriqueiro:
"Nova
York: seis
grandes bancos US$ 6 bilhões mais pobres. E isso porque foram
multados por manipular
taxas
de câmbio entre 2007 e 2013. Cinco instituições - Citigroup, JP
Morgan Chase, Barcleys, The Royal Bank of Scotland e o suiço UBS -
assumiram a culpa pelas irregularidades apontadas por autoridades
americanas e britânicas. .... A infração é recorrente. Um total
de US$ 9 bilhões em multas já foi aplicado a grandes bancos
internacionais por
manipulação do mercado de câmbio que
movimenta US$ 5,3 trilhões por dia. ... Em novenbro, JP Morgan
Chase, Citigroup, Royal Bank of Scotland, UBS e HSBC já haviam sido
multados em US$ 4,2 bilhões" ( "OGlobo", Economia,
p. 23, de 21.05.2015).
Com a transformação
social e o surgimento dos conglomerados e do capitalismo financeiro
"novas" funções adquiriram proeminência no circuito
financeiro do capital, tais como: alavancagem para fusão e aquisição
de empresas, mesmo hostis, através da bolsa, lançamentos de ações
nas bolsas de valores, administração de fundos, subscrição e
aquisição temporária de títulos e valores mobiliários para
negociações futuras, repasses externos, empréstimos especulativos,
hedges, swaps, securitização, etc. E estas atividades estão
desconectadas dos compromissos com o desenvolvimento das atividades
produtivas, especificamente falando.
Com as inovações
financeiras as fronteiras foram alargadas e o circuito
"estritamente" financeiro aumentou as possibilidades de
ganhos especulativos, ou seja, dentro da própria esfera financeira.
Ele não está
comprometido com o capital produtivo em todos os sentidos, mas apenas
enquanto necessário para ser remunerado por suas aplicações.
Possui a sua própria esfera de atuação, que possui vida própria
em relação as demais formas, em busca de valorização de ativos
financeiros, embora, de certa forma, a elas vinculado.
Por este motivo, não
é de se estranhar que em determinados momentos da atividade
econômica se desconectem das demais atividades, alçando vôos
independentes que colocam em risco as atividades econômicas como um
todo.
Reproduzo
neste texto o que escrevi no artigo "A ideologia das vantagens
comparativas", tópico 3º, "As características dos
produtos e os modelos", postado no site
www.melisiofrota.blogspot.com.br:
"Como
corolário, o desenvolvimento tecnológico, as inovações e as
invenções de novos produtos e processos necessitam dos
conhecimentos previamente acumulados e materializados, da
aprendizagem e, consequentemente da produção prévia de outros
produtos, que passam a ser, em sentido figurado, algo como as
"matérias primas" dos novos produtos tal como se
tratasse de uma cadeia produtiva.
A aquisição de
conhecimento e aprendizado, e a sua aplicação teórica e prática,
é um processo eminentemente social, uma conquista social.
Sem qualquer
menosprezo, os gênios só florescem em determinadas condições
históricas e sociais, quando o desenvolvimento social e técnico
permitem e viabilizam as novas descobertas. Elas são possíveis e
se apoiam em aprendizados teóricos e práticos anteriormente
acumulados, que fornecem os meios necessários para que as novas
ideias desabrochem. Nessas circunstâncias as suas ideias encontram
eco e promovem estímulos e novas descobertas.
Essa
interface cria um ciclo vicioso, difícil de revertido por outras
nações, mesmo por aquelas que inicialmente, antes, no início do
processo, se encontravam em situações de desenvolvimento
equivalentes, porque as vantagens adquiridas passam a ser vantagens
consolidadas, pois reforçam e dão novos ímpetos às inovações e
invenções".
Tratam-se aqui das
externalidades e sinergias, da familiarização com os procedimentos
e novas técnicas, forças fundamentais no processo de inovação e
invenção de produtos e métodos de produção (bens de capital).
Uma sociedade
desenvolvida sob o aspecto econômico possui dinamismo que se
realimenta também com as renovações, modernizações e
melhoramentos dos mesmos produtos, enfim com a capacidade de recriar
e reinventar. Com a incorporação de novas tecnologias, inclusive
com a utilização de novas matérias primas aprimoradas e
desenvolvidas, como acontece com a aplicação da eletrônica na
indústria automobilística, aeroespacial, naval, como exemplos, e
nos processos produtivos. Um processo que se realimenta, em que se
cria e se aprimora, ao mesmo tempo que abre novas fronteiras, como a
biotecnologia.
Quanto
a mobilidade ilimitada do capital reproduzo o que escrevi em "A
ideologia das vantagens comparativas, 5ª Consideração, "A
mobilidade do capital", em www.melisiofrota.blogspot.com.br:
"É
uma ilusão acreditar em uma mobilidade ilimitada do capital. Os
economistas clássicos não analisam os óbices, falam da mobilidade
como uma coisa natural e normal que se dá a qualquer tempo
(acrescento, e em quaisquer situações). Por isso tudo, não tem
sentido pressupor que o país não desenvolveu outras atividades de
exportação, que num futuro lhes poderiam ser benéficas, é porque
não gozavam das ditas "vantagens comparativas", se assim
se quiser chamar. E que aquelas que permaneceram são as que possuem
essas vantagens. Trata-se de puro empirismo, sem valor científico,
de uma conclusão a posteriori", resultado de uma situação
que apenas ajusta os argumentos aos fatos já concretizados, de
acordo com suas comodidades.
A SUBSTITUIÇÃO DE
IMPORTAÇÕES COMO ETAPA PARA O DESENVOLVIMENTO
Confesso que este é
um tópico bastante tormentoso para ser abordado por qualquer
estudioso do assunto, porque foi o caminho escolhido e trilhado pelo
Brasil ( e por países latini-americanos) para atingir o
desenvolvimento econômico, com base nos ensinamentos teóricos dos
cepalinos, num momento recheado de aspectos políticos impactantes,
com uma riqueza de detalhes impossível de ser prevista por uma
teoria econômica, posto que a realidade política nacional e
internacional desempenharam papel de relevo.
Tormentoso também
porque este processo nunca é adotado em sua pureza, mas vem
conjugado com outras medidas que maculam a sua própria natureza.
No caso
especificamente do Brasil, embora houvesse a predisposição teórica
e política para a adoção do modelo, outras medidas de caráter
político foram adotadas em conjunto, de acordo com o cenário
político, o que dificulta em demasia uma abordagem mais realista dos
seus efeitos, embora predominasse essa perspectiva. Por isso, vou
procurar me deter apenas ao aspecto teórico e não a forma concreta,
de como ele foi aplicado.
Diante deste desafio e
desta dificuldade procuro ficar apenas no plano teórico deste
modelo, de modo a avaliar se ele é capaz de levar ao desenvolvimento
econômico ou uma etapa necessária para tal.
O meu objetivo é
tentar demonstrar teoricamente que o PSI, iniciando-se com a
substituição de produtos para o consumo, ao contrário do que se
propunha e imaginava, não leva necessariamente ao desenvolvimento.
Para isto será necessário um salto de qualidade, que ele é incapaz
de gerar.
Potanto, evito entrar
em assuntos já bastante comentados, relativos ao PSI, como:
concentração de renda, endividamento externo, competitividade,
estrangulamento do balanço de pagamentos, efeitos sociais das
tecnologias importadas, etc.
No Brasil existe uma
gama de estudos sobre esses assuntos, não havendo, portanto,
necessidade de repetir os diversos argumentos teóricos sobre o tema,
daí a irrelevância de tecer comentários específicos sobre eles e
consequentemente sobre a realidade concreta.
Preliminarmente, cabe
realçar que outros países adotaram políticas de desenvolvimento
que não passaram necessariamente pela adoção do modelo de
substituição de importações, tal como foi concebido pelos
teóricos da Cepal. E diga-se com relativo sucesso. Portanto,
conclui-se que não se trata de uma etapa necessária para alcançar
o desenvolvimento.
Bem mais difícil é
avaliar se tal modelo traz em si o germe do desenvolvimento
econômico. Em outras palavras: se a adoção deste modelo implica
necessariamente em desenvolvimento.
Para tanto vou me
socorrer de passagens do trabalho "A propósito do chamado
processo de substituição de importações", de Paulo de Tarso
P.L. Soares, capítulo 12 do livro "Formação econômica do
Brasil", Org. José Márcio Rego e Rosa Maria Marques, Ed.
Saraiva, 2003, que nos dá um panorama de tudo o que foi dito sobre o
assunto, tendo como ponto de partida:
"Lídia
Goldeinstein, num livro
que
reproduz sua tese de doutorado em economia na Unicamp, intitulado
Repensando
a dependência,
acompanha a periodização do clássico Dependência.
Em 1950 incicia-se um processo de substituição de importações
viabilizado pela empresa
multinacional que,
tendo consolidado sua expansão nos países centrais, deslocou-se
para a periferia, transferindo plantas
industriais
para os países então chamados de subdesenvolvidos. Tal expansão
internacional foi a solução
(o
grifo é da autora) para os problemas causados pela concorrência
interna dos países centrais.
Com
grande volume de capitais acumulados, pressionados pela concorrência
internacional e contando com enorme estabilidade das instituições
financeiras, as empresas nada mais fizeram do que atuar segundo o
padrão de competição adequado ao paradigma tecnológico em vigor,
o
fordismo (
p. 287, os grifos são meus).
O
processo de substituição de importações, conforme Maria da
Conceição Tavares, em Auge
e declínio,
não concluiu a montagem do parque industrial brasileiro, tendo-se
esgotado na virada dos anos 1950 para 1960. ( p. 287).
O
problema principal a ser levantado é se o processo de substituição
de importações se esgota e o que significa para os diferentes
autores a palavra "esgota".
"Bonelli
e Malan, num artigo bastante influente, afirmam que, em meados dos
anos 1970, ainda faltava completar o setor de bens de capital. Isso,
no entanto, como dependia
da forte paticipação das
empresas estrangeiras, encontraria sérios problemas, que iam da
excessiva desnacionalização da economia brasileira até a
incapacidade para solucionar os problemas de balanços de
pagamentos (p. 288).
Antônio
Barros de Castro, num texto intitulado Ajustamento
e transformação: a economia brasileira de 1974 a 1984 (1990),
afirma
que, depois do II PND, a economia brasileira havia rompido a
barreira do subdesenvolvimento. Alexandre Shuwartsman, numa premiada
dissertação de mestrado intitulada Auge
e declínio do Leviathan: mudança estrutural e crise da economia
brasileira,
afirma que o II PND
é a derradeira onda de substituição de importações
porque, depois dele, não serão mais necessárias importações
para sustentar a produção corrente" (p. 288).
Do
que foi dito, dois pontos merecem destaque: 1) o processo foi
comandado por empresas multinacionais; 2) ao que tudo indica, com
pequenas diferenças nas ênfases, "esgotar" signifca que
cumpriram a sua etapa e missão, quer antes do II PND, quer depois. E
que depois disso viria automaticamente a outra fase, no caso a
consolidação do desenvolvimento, com um setor de bens de capital
dinâmico, propulsor da economia, gerando tecnologia.
Ledo engano.
Infelizmente a realidade é mais complexa e daí as dificuldades de
encontrar as respostas e soluções adequadas para os problemas
correntes. Não restam dúvidas que sempre a análise a posteriori é
mais fácil, mas é indispensável fazê-la, sem desmérito para os
que procuraram solucionar os problemas.
Na minha opinião, se
analisarmos o processo de substituição de importações em sua
dinâmica, primeiro com a substituição de bens de consumo, o seu
esgotamento só se daria em situações muito específicas, ou melhor
a tendência é ele não se esgotar, principalmente se ocorre sob o
comando de empresas multinacionais.
O
processo
de substituição de importações não tem capacidade de criar
automática e subsequentemente um um setor produtivo de bens de
capital autóctone, de vanguarda, capaz de criar e conceber novos
produtos e métodos de produção, mas joga para o futuro esta
perspectiva, de que a economia irá engendrar e alavancar este setor,
por razões puramente econômicas.
Esta política de
substituição de importações, largamente utilizada por paises
latino-americanos, notadamente no pós-guerra (no Brasil a partir da
década de 30), sob a orientação teórica da CEPAL, não alcança
os objetivios almejados.
Em primeiro lugar,
porque também relega os fatores sócio-culturais, dando demasiada
ênfase aos aspectos econômicos, sem atacar os obstáculos culturais
e mesmo econômicos, pois acreditava que a industrialização, por si
só, seria capaz de gerar automaticamente o desenvolvimento, como que
por um passe de mágica.
Em
segundo lugar, o processo de substituição de importações de bens
de consumo não se esgota e não passa imediatamente para uma fase
dinâmica, notadamente criativa (invenção, inovação,
aperfeiçoamento, renovação de produtos
e processos produtivos). Não existe motivos e nem razões teóricas
para se acreditar nisto.
As padronizações de
bens de consumo e de processos produtivos em escala internacional,
ditada pelas corporações multinacionais, aliados a um poder
financeiro e a um processo bastante dinâmico de introdução de
novos produtos no mercado, faz com que o processo de substituição
de importações marque passo rumo ao desenvolvimento. Ele está
sempre correndo contra o tempo. Ao mesmo tempo ele condicona o
aprendizado, dificultando a superação dos obstáculos culturais e
econômicos, que são característicos das sociedades não
desenvolvidas.
Em terceiro lugar, na
maioria dos casos, a substituição de importações se dá (deu) sob
o comando das empresas multinacionais, que desempenham um papel
fundamental, através de patentes, e que podem ditar o ritmo deste
processo, que está condiconado à valorização do capital a nível
internacional, obedecendo certas regras ditadas pela dinâmica desta
valorização, como a divisão internacional do trabalho, bem como e
a forma e o conteúdo da transferência de bens de capital, para
citar apenas como exemplos. Convém repetir:
"Em
1950 incicia-se um processo de substituição de importações
viabilizado pela empresa
multinacional que,
tendo consolidado sua expansão nos países centrais, deslocou- se
para a periferia, transferindo plantas
industriais
para os países então chamados de subdesenvolvidos".
Encontramos
em Celso Furtado (sempre é bom citá-lo), "A nova dependência",
Ed. Paz e Terra, 5ª ed, 1983, trechos que dão ênfase ao que venho
querendo explicar:
"No
período que se seguiu a segunda guerra mundial essa industrialização
dirigida exclusivamente ao mercado interno teve o concurso crescente
das empresas transnacionais. Utilizando tecnologia e , em muitos
casos, equipamentos
já amortizados,
essas empresas puderam contornar as dificuldades criadas pela
estreiteza dos mercados, que então começava a apresentar-se. Se é
verdade que as transnacionais tiveram que realizar um esforço de
adaptação a mercados estreitos e ainda em formação, não o é
menos que elas em seu natural empenho em maximizar a rentabilidade
de seus investimentos fizeram de tudo para que os mercados em que se
instalavam se adaptassem
o mais possível aos padrões de consumo que prevaleciam nos países
centrais.
Vimos que nestes as empresas transnacionais operavam no sentido de
homogeneizar os mercados nacionais, pois isso lhes permitia
maximizar as vantagens derivadas das economias de escala e do
controle
da inovação.
Nos países periféricos a
homogeneização era condição necessária para o uso de tecnologia
e/ou equipamentos amortizados" (grifos
meus, p. 122).
Diga-se
de passagem que estes problemas de padronização e de transferência
de tecnologia ultrapassada, obsoleta ou amortizada, como queiram,
estão associados a diluição do risco dos empreendimentos.
Entretanto, não é
difícil concluir que, nestes casos, estes procedimentos não
impulsionam a economia rumo ao desenvolvimento, mas reforçam o
processo de centralização de criação e desenvolvimento de novos
produtos e processos nos países centrais. Na verdade trata-se de uma
sangria de recursos, onde se compra gato por lebre. Pois, retardam a
introdução de novas tecnologias, de acordo com as conveniências
das empresas transnacionais.
Então
o problema que se coloca não é que faltava completar o setor de
bens de capital, porque o setor de bens de consumo já tinha se
esgotado e o passo seguinte seria o processo de substituição de
importações de bens intermediários e de capitais. O processo é
dinâmico, não para, não se esgota, requer transformação o tempo
todo. O capitalismo é impulsionado pela busca do novo.
Ou
seja, a lógica de valorização do capital a nível internacional,
comandado por empresas multinacionais, não permite supor nem
imaginar que elas estão interessadas no desenvolvimento, exercendo
um papel fundamental para que ele se concretize. Em alguns momentos
podem até auxiliar, mas em geral são entraves.
Dependendo da dinâmica
e da velocidade de introdução de novos produtos e processos
produtivos, em escala internacional, irá ocorrer a obsolecência
técnica e tecnológica, dos bens produzidos nos países
subdesenvolvidos. Não precisa ir longe para perceber que muitos dos
produtos fabricados nos países subdesenvolvidos, mesmo por empresas
multinacionais, sofrem de defasagem tecnológica, em relação a
produtos similares, concebidos e produzidos nos países centrais.
Foi efetivamente o que
aconteceu no II PND. Nas palavras de Lídia Goldenstein:
"Lídia
Goldenstein, em
Repensando, também
concorda que a culminação da montagem do parque industrial, com o
II PND, não significou liberdade para o crescimento da economia
brasileira. A razão para tanto é a de que o II PND cristalizou-se
numa posição tecnológica atrasada. O mundo estava passando por
uma verdadeira revolução tecnológica, produtiva e financeira, que
tornava obsoleto o nosso padrão de industrialização.
As bases materiais do
mundo foram transformadas em menos de vinte anos. A infra- estrutura
fornecida pelo desenvolvimento das tecnologias de informação
(micreeletrônica, informática, telecomunicações), em torno das
quais foi surgindo uma enorme gama de descobertas (biotecnologia,
novos materiais, laser, energias renováveis, etc), permitiram a
transformação da e economia mundial em um espaço único de
prodção e troca.
A
revolução tecnológica que está ocorrendo inaugurou um novo estilo
de desenvolvimento, baseado em novas formas de produção e
administração, no qual o motor da acumulação não é mais o
lançamento de novos blocos de investimentos, mas
a inovação sistêmica. ...
Exige-se, hoje, mão-de-obra qualificada, cérebros e
infra- estrutura organizacional dificilmente encontráveis na maior
parte dos países.
O II PND leva ao
limite um determinado padrão de financiamento. A deixar privilegiar
velhos setores, a dificuldade para disciplinar o processo de
acumulação de capital rompendo com interesses estabelecidos"
( p. 290).
Neste sentido, forçoso
concluir que o II PND não se deu como uma consequência lógica do
processo de substituição de importações, que numa primeira fase
se esgotou, nos dizeres dos estudiosos sobre o assunto.
O II PND se deu por
força de uma situação de extrema gravidade, ou seja, pela
necessidade de fazer frente a uma crise econômica internacional, que
viria mudar diversos paradigmas políticos, econômicos e sociais.
A necessidade de se
lançar um II PND, em tal situação, novamente com a participação
ativa e discricionária do Estado, para os setores de bens
intermediários e de capitais, nos mostra que não existem etapas que
se esgotam e que espontânea e necesserariamente nos levariam a
outras etapas, rumo ao desenvolvimento econômico.
E mesmo com a
industrialização dos setores de bens de capital e intermediários
não significa que o país havia alcançado o desenvolvimento
econômico, no sentido que aqui damos e que os economistas supunham.
É prematuro,
precipitado, analisar a pauta de importações e concluir, através
da constatação de uma grande movimentação, que o parque
industrial para estes bens estava consolidado e que, por isso, o país
havia alcançado o desenvolvimento. Nada sabíamos sobre a qualidade,
o nível de tecnologia embarcado nos produtos, a complementariedade
dos bens importados e as externalidades. E pouco se consegue ver além
do horizonte.
A tecnologia já
amortizada, ultrapassada ou obsoleta tecnologicamente estimula ainda
mais a critividade, a invenção, a inovação nos países
exportadores (centrais), sem solucionar os problemas dos
importadores. Além de não gerar competividade a nível
internacional, os agentes terão que se familiarizar com estas
tecnologias defasadas, com elevado custo social.
E se ela se deu
através de empresas transnacionais a probabildade de ter ocorrido
uma importação de bens obsoletos aumenta em demasia. Por isso, não
tínhamos elementos suficientes para chegar a tal conclusão
otimista.
E ao que tudo indica a
cadeia ascendente do setor de bens de produção é mais complexa do
que parece a primeira vista. E além disto, existe o setor de bens de
capital que produz bens de capital para o setor de bens
intermediários, setor este bastante dinâmico, que caminha a passos
largos.
Não basta importar
bens de capital e criar expectativas de que tudo se resolve, como que
por um passe de mágica. Não existe este "Deus ex-machina".
Por trás da tecnologia, existem aspectos fundamentais das relações
humanas, formais e informais, todo um sistema cultural, educacional,
estrutura e cultura organizacional, resistências sociais à mudança,
disciplina, compromissos, técnicas de comercialização, mudanças
de hábito e atitudes, indispensáveis e adequadas ao seu
funcionamento.
Cito passagens do
livro "A máquina que mudou o mundo", de James P. Womack,
Daniel T. Jones & Daniel Roos, Ed. Campos, 2ª ed, 1992, sobre as
mudanças da produção em massa no setor automobilístico:
"A
questão óbvia: como isto é possível? Dos resultados de nossas
pesquisas e visitas às fábricas, chegamos à conclusão de que
as fábricas de lata tecnologia mal organizadas acabam adicionando
tantos técnicos indiretos e pessoal de manutenção extra, quantos
trabalhadores diretos são removidos das tarefas manuais de
montagem.
Ainda
mais, ela tem dificuldades para manter um rendimento elevado, pois
colapsos na complexa
maquinaria
reduzem a fração do tempo total de operação, em que a fábrica
está realmente produzindo veículos. Observando a avançada
tecnologia robótica em
várias fábricas, chegamos a um axioma simples: a
organização enxuta precisa anteceder a automação de alta
tecnologia de processos,
se a companhia deseja desfrutar plenamente dos benefícios"
(grifos meus, p. 85).
"Isso, por sua
vez, implica em trabalho de equipe na linha de montagem e um sistema
simples, mas abrangente., de disseminação de informações
possibilitando qualquer um na fábrica responder rapidamente aos
problemas e conhecer a situação global. Nas antiquadas fábricas
de produção em massa, os gerentes escondiam informações sobre as
condições da fábrica, por verem em tal conhecimento a chave para
seu poder.
...
A seguir, é preciso que adquiram qualificações adicionais: reparos
simples de máquinas, controle de qualidade, limpeza e solicitações
de materias. É preciso, ainda, que sejam encorajados a pensarem
ativamente - de fato, proativamente,
de
modo a encontrarem soluções antes que os problemas se tornem
fraves" (p. 89).
E
quanto as relações formais e informais na empresa:
"Em
contraposição, numa série de fábricas-modelo da General Motors,
encontramos em vigor novo
contrato coletivo,
e todo o aparato formal da produção enxuta. Entretanto, alguns
minutos de observação revelaram que pouquíssimo trabalho de equipe
realmente ocorria, e que o estado de ânimo na fábrica era bastante
baixo.
Como explicar estas
aparentes contradiçoes? É simples: os operários da Ford tinham
grande confiança na gerência da planta, que não poupara esforços,
no início dos anos 80, para assimilar os princípios da produção
enxuta. ... Nas fábricas da GM, ao contrário, constatamos que os
trabalhadores pouquíssimo confiavam na capacidade da gerência em
lidar com a produção enxuta. Não era de admirar, já que o
enfoque da GM no início dos anos 80 fora descobrir
tecnologias avançadas para se livrarem dos trabalhadores.... Em
tais circunstâncias, não surpreende que o comprometimento dos
altos escalões da corporação, bem como do sindicato, não
tivessem tido ressonância no chão da fábrica" (p. 90).
A
importação de tecnologia e os efeitos sociais que ela acarreta é
assunto bastante polêmico, parece não existir qualquer consenso
entre profissionais, e nos remete à questão da neutralidade
tecnológica.
Aos
nossos propósitos, seria suficiente destacar que processos
produtivos nem sempre são simplesmente incorporados e assimilados em
diferentes condições sociais. O caso do Japão é emblemático.
Depois de diversas
tentativas para incorporar e assimilar o modelo "fordismo"
de produção, largamente utilizado nos E.U.A., em condições
extremamente peculiares, mão de obra formada por imigrantes de
diversas origens que mal falavam o inglês, o Japão finalmente não
o adotou em suas fábricas automobilísticas, por razões dentre as
quais: 1) mercado doméstico limitado, com grande variação de
modelos; 2) uma mão de obra mais organizada, que não era formada
por imigrantes temporários; 3) um pacto de emprego vitalício e
remunrações com base no tempo de serviço, que limitava o turnover;
4) limitação de recursos naturais que influia na especificação
dos produtos e a necessidade de evitar desperdícios; 5) dificuldades
econômicas para importar tecnologia em grande escala em um país
devastado pela guerra (Womack, p. 41).
Enfim, na fase atual
do capitalismo, a criatividade, o empreendorismo, a inovação, a
invenção são também, ou principalmente, fatores psico-sociais que
requerem aprendizagem, orientação, instituições educacionais,
amparo institucional (setor de pesquisa e desenvolvimento avançado,
apoio financeiro), infraestrutura, externalidades, coordenação e um
estímulo do meio social que condicionam a mentalidade dos indivíduos
para um novo modo de pensar, de encarar o futuro sob uma perspectiva
diferente. E estes estímulos não são apenas econômicos e
financeiros.
No caso do Brasil, não
é que não foram tomadas iniciativas, mesmo que esporádicas, até
mesmo em setores estratégicos, visando o desenvolvimento econômico.
Longe disso.
Entretanto, faltou uma
integração e coordenação global entre os diversos setores
econômicos, que abrangessem também os aspectos sócio-culturais,
como um todo abrangente, atacando as vulnerabilidades e explorando as
potencialidades. O foco era a industrialização a todo custo, que
iria resolver o problema do desenvolvimento, por etapas.
A prova disto é que,
numa segunda etapa, foi necessária mais uma vez a mão do Estado
para implementar o setor de bens de capital e intermediários.
Sem falar na
necessidade de vencer os receios que um empresário nacional sente em
ter que se defrontar com uma corporação multinacional com enorme
poder financeiro, que já está estabelecida no mercado
internacional.
Por isso, não causa
estranheza que produtos similares produzidos nos países
subdesenvolvidos careçam de um nível de qualidade comparados aos
produzidos nos países centrais.
Não bastasse isto,
ainda podemos citar como entraves os aspectos políticos e culturais,
associados a uma ideologia desenvolvimentista populista, que não
encoraja a competitividade, distorceram os objetivos de uma política
para o desenvolvimento, com uma proteção duradoura e exacerbada a
setores com influência política, frente a concorrência
internacional.
E dando seguimento a
este assunto, nunca é demais lembrar que os investimentos estatais,
em empresas públicas e de economia mista, foram administrados por
apadrinhados políticos, que pouco se interessavam e não tinham
quaisquer compromissos com os aspectos ligados ao desenvolvimento.
Em resumo, passar de
uma etapa de substituição de importações de bens de consumo para
um estágio de desenvolvimento econômico requer um salto de
qualidade, que o primeiro, por si só, é incapaz de gerar.
Termino este tópico
citando:
"O
problema fundamental do processo de substituição de
importações, na versão acima exposta, está na produção da
tecnologia importada, na ausência de desenvolvimento tecnológico
autônomo, em suma, na
dependência tecnológica. Tecnologia
é a solução para problemas práticos e imediatos. Nos países
industrializados a dotação de fatores e a constelação de
recursos naturais são diferentes da que prevalece nos paíeses da
América Latina, onde vigorou o processo de substituição de
importações" (Tarso, p. 286).
CONCLUSÃO
Neste breve artigo
procurei expor como o livre comércio conjugado com a teoria das
vantagens comparativas não são capazes de gerar o processo de
desenvolvimento econômico de um país.
Os fatores ligados ao
desenvolvimento econômico não dizem respeito apenas a aspectos
econômicos da sociedade, mas estão associados a fatores sociais
mais profundos, dos quais a economia é apenas um destes.
Um projeto de
desenvolvimento econômico para apresentar resultados satisfatórios
tem que ser concebido de forma mais abrangente, levando em
consideração valores sociais arraigados na mentalidade da
população, alterando concomitantemente e em sintonia tanto os
valores culturais que repercutem nas variáveis econômicas, quanto a
dinâmica da própria economia.
Ao mesmo tempo,
deve-se atacar as vulnerabilidades e explorar as externalidades da
economia de forma coesa, impossíveis de serem viabilizadas por
comportamentos e atitudes exclusivamente individualistas, que almejam
o lucro momentâneo.
O "fracasso"
do processo de substituição de importações em não alcançar os
objetivos esperados não valida a teoria do livre comércio como a
alternativa viável ao processo de desenvolvimento econômico.
Esta teoria liberal
deita raízes na concepção largamente divulgada por estudiosos de
que o surgimento do capitalismo se deu em virtude de um incremento na
circulação de mercadorias, principalmente com as "cruzadas",
tese esposada por Leo Huberman em "A história da riqueza do
homem".
De minha parte,
analisando esta situação com base nos ensinamentos de Marx, acho
pouco provável que o incremento na circulação de mercadorias fosse
suficiente para produzir profundas alterações na estrutura
produtiva dos países, gerando o surgimento do capitalismo.
Acredito que
ocorreram profundas transformações sociais, com medidas políticas,
que repercutiram sobre o modo de produção e que possibilitaram o
incremento da circulação de mercadorias, que por sua vez trouxe um
estímulo à produção, mas que esta (circulação) não desempenhou
um papel determinante nas transformações do modo de produção
vigente, para o capitalismo. Se assim fosse, caberia às cidades
"italianas" renascentistas um papel primordial neste
processo. E os demais países que compartilharam o comércio também
teriam avançado neste processo.
Como procurei
demonstrar, o processo de desenvolvimento econômico é extremamnete
complexo e requer para o seu sucesso, tanto medidas econômicas, como
políticas e sociais.
Assim sendo, o
desenvolvimento econômico não se dá como um simples reflexo do
dinamismo das sociedades mais desenvolvidas. Esta concepção foi
cara tanto a Marx quanto a Trotsky, que acreditava que pela teoria do
"desenvolvimento desigual e combinado" seria possível os
países atrasados alcançarem o estágio de desenvolvimento econômico
atingido pelas economias centrais, queimando etapas.
Hoje com a
internacionalização da economia, em que os valores e costumes
sociais são padronizados a nível internacional, por empresas
multinacionais, veiculados pela mídia, com a segmentação das
atividades produtivas em diversos países, fica claro que as medidas
necessárias à transformação tornam-se mais difíceis de serem
implementadas. O jogo político desempenha um papel de grande relevo.
Que o liberalismo não
é a via e nem mesmo uma alternativa para se alcançar o
desenvolvimento econômico nos mostram a Alemanha e o Japão, que
sob a liderança de Bismarck e a revolução Meiji imprimiram
políticas de desenvolvimento econômico contrárias ao livre
comércio e alcançaram os seus propósitos. O mesmo se aplica aos
significativos avanços da Coréia e ao Japão pós-guerra.
Para finalizar este
artigo, cito passagens do livro de José Luiz Fiori, a quem me alinho
neste momento:
"Mas
foi só na Alemanha, no século XIX, que se formulou uma teoria e uma
estratégia nacionalista consistentes de desenvolvimento econômico,
a partir de objetivos geopolíticos explícitos.
É
neste contexto de atraso, cerco e ressentimento-nacional que se deve
situar a permanente preocupação defensivo-expansionista da
Alemanha, dentro de um espaço vital supranacional a ser
conquistado e preservado. É neste contexto também que se deve
situar o intense
commitment
de suas elites civis, militares e intelectuais, que teve papel
decisivo no desempenho econômico do nacionalismo alemão"
("Nacionlismo e Desenvolvimento econômico", em
"História, Estrat. e Desenvolvimento", Boitempo
editorial, 2014, p. 77/8)
Por
tudo o que foi dito,
podemos
conclui que a teoria econômica do liberalismo é um paradoxo, com
conotações ideológicas, pois vai de encontro a realidade dos
fatos.
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