quarta-feira, 17 de junho de 2015

A RACIONALIDADE NO PROCESSO DO CONHECIMENTO E NAS DECISÕES DOS AG. ECONÔMICOS


A RACIONALIDADE NO PROCESSO DO CONHECIMENTO E NAS TOMADAS DE DECISÕES DOS AG.  ECONÔMICOS

 

 

 

OBJETIVO

 

No artigo “Direito, economia e mercados racionais” tive a oportunidade de comentar aspectos da racionalidade do ser humano, só b a ótica da psicanálise e dos avanços da neurociência. Neste atual artigo tento focalizar a racionalidade através dos processos de conhecimento.

 

Trata-se de uma tentativa de esquematizar o processo do conhecimento em suas diversas fases, distinguindo as diferenças dos objetos do conhecimento, as suas especificidades e as repercussões nos seus métodos, e realçando os aspectos relevantes em relação à economia, com especial enfoque nos mercados financeiros.

 

Este trabalho poderia fazer parte do artigo citado, mas preferi apresentá-lo em separado, porque a abordagem aqui exposta difere bastante. Outrossim, postando separadamente viabilizo a sua leitura para aqueles que já leram o primeiro artigo e que provavelmente não retornariam a ler.

 

Para os nossos propósitos, parto da premissa de que o objeto do conhecimento é o fenômeno, a “realidade material externa”, o objeto externo e não o próprio conhecimento. Conhecê-la, entendê-la, apreendê-la para modificá-la ou utilizá-la para estabelecer e alcançar objetivos.

 

O primeiro tópico, “O OBJETO DO CONHECIMENTO”, provavelmente o mais extenso, é genérico e trata da apreensão da realidade externa. Foi dividido em seis sub-tópicos, quais sejam: 1) aspectos gerais da teoria do conhecimento; 2) o corte epistemológico; 3) a experimentação e a matematização; 4) o papel da ideologia nas ciências sociais; 5) a racionalidade através da história; 6) os aspectos relevantes do tópico.

 

No tópico seguinte, “O AGIR” e nos posteriores, “A PREVISÃO” e o “LAPSO TEMPORAL”, inicio a análise da racionalidade dos agentes econômicos levando em consideração a especificidade do processo de conhecimento da economia, com exemplos do mercado financeiro.

 

No tópico “OS PRESSUPOSTOS” comento como os pressupostos falsos comprometem a racionalidade. Em “O MÉTODO DIALÉTCIO” comento aspectos da dialética que podem ser uteis para o assunto em questão.

 

Por fim a “CONCLUSÃO”, onde faço uma explanação genérica de tudo que foi dito, com comentários adicionais.

 

A forma simplória com que trato o assunto decorre da deficiência de uma formação filosófica sólida, indispensável para abordá-lo e de um conhecimento bastante elementar das ciências sociais. Entretanto, espero que alguns pontos aqui levantados, mesmo que questionáveis, sirvam de estímulo para novas ideias e abordagens.

 

O OBJETO DO CONHECIMENTO ( A REALIDADE MATERIAL EXTERNA)

 

1) Aspectos gerias da teoria do conhecimento

 

De um modo geral, o ser humano se “apropria” da realidade externa através do conhecimento, especificamente falando, da experiência, saber prático, escolha de variáveis, seleção, métodos de interpretação, comparações históricas, experimentos, influenciados por vieses de formação profissional e conhecimento, pressupostos, simplificações, feeling, intuição, presença de espírito, crenças, manias, risco moral, comportamento de manada, preconceitos e conceitos previamente estabelecidos, de processos mentais de conhecimento, através dos quais antigos conceitos e concepções são afastados e abandonados, para serem reavaliados à luz de novos parâmetros e aspectos.

 

Para Marx:

 

“A totalidade concreta como totalidade pensada, concreto pensado, é, de fato, um produto do pensamento, do ato de conceber […] Tal com aparece na mente como um todo pensado, a totalidade é um produto do cérebro que se apropria do mundo da única maneira possível; […] O sujeito real subsiste, tanto depois     como antes, em sua autonomia fora da mente...” (K. Marx, texto nº 20, apud École des Hautes Études, p. 45).

 

No mesmo sentido:

 

[…] ficou mais ou menos claro que os dois tipos de conhecimento (senso comum e conhecimento científico) se opõem tanto em termos de explicação, quanto em termo de percepção da realidade. O importante, parece, não é o que se “vê”, mas o que se observa com o método” (Florestan, p. 6). 

 

A prevalência ou influência maior de uns em relação aos outros irá depender da área ou campo específico (e mesmo científico) que se aborda, do objeto de conhecimento. Um exemplo seria a distinção de fenômenos naturais e sociais (ou ciências naturais x sociais). O objeto do conhecimento da “natureza”, especificamente falando, é o fenômeno natural. Da psicanálise é o inconsciente e da economia são as leis econômicas que governam cada sociedade específica, suas relações, influências mútuas e de outros fatores, em constantes mutações. Cada momento precisa ser explicado.

 

Para Marx as transformações sociais e o progresso, incluindo o científico, se dão quando as condições materiais da sociedade, o desenvolvimento das forças produtivas, incluindo o conhecimento, estão prontas ou maduras para as mudanças. Trata-se de um conceito genérico, difícil de ser determinado e aplicado às condições concretas.

 

2) O corte epistemológico

 

Principalmente depois dos trabalhos de Bachelard, admite-se, embora não por unanimidade, que o avanço da ciência, de uma forma geral, se dá através de cortes epistemológicos, quando a formulação de novos conceitos e uma nova problemática se coloca, afastando conceitos antigos, “exigindo” que as novas concepções e conceitos passem a ocupar um espaço determinante no desenvolvimento posterior. Os conceitos e concepções antigos se acham ultrapassados para enfrentar os novos desafios do progresso científico e do próprio conhecimento. 

 

Hilton Japiassu e Danilo Marcondes conceituam corte epistemológico nestes termos:

 

“Noção introduzida por Gaston Bachelard na história das ciências para designar o fato de que, nos conhecimentos científicos do passado, devemos distinguir os conhecimentos que já foram superados, e não podem servir mais para o progresso das ciências, e os conhecimentos sancionados ou atuais, e que devem ser utilizados para o avanço das ciências. Ao considerar as ciências através de uma história repensada, Bachelard chama de “corte    epistemológico” o ponto de não-retorno, o momento a partir do qual uma ciência começa, a partir do qual ela assume sua história e já não é mais possível uma retomada de noções pertencentes a momentos anteriores. Esta noção de “corte” foi adaptada por certos teóricos marxistas, notadamente Louis Althusser, para definir uma “mutação” no pensamento de Marx entre suas obras de juventude (não científicas) e sua sobras da maturidade (que estabeleceram o materialismo histórico e científico)” (Dicionário). 

 

Trata-se da formulação de novos conceitos que passam a ser ferramentas para entender a “realidade” ou o que se quer entender. Neste sentido, os conceitos e concepções da física newtoniana não são adaptáveis às novas concepções da física quântica.

 

Na área da economia, podemos dizer que Marx efetuou um corte epistemológico no conhecimento da economia política, introduzindo novos conceitos, como a mais-valia, exército industrial de reserva, dando um novo enfoque, para formular a sua teoria econômica. Talvez possamos ir mais além e afirmar que também Keynes efetuou tal corte em relação à economia clássica, dando ênfases diferentes aos conceitos e concepções antigas, ao mesmo tempo que introduzia novas concepções (equilíbrio com desemprego, armadilha para a liquidez, etc).

 

3) A experimentação e a matematização

 

Não é de se estranhar que este processo de conhecimento se dá também através da experimentação, na matematização, nas possibilidades de isolar o fenômeno e no aprendizado através de erros e acertos, não acessíveis às chamadas “ciências sociais”. Nestas as avaliações de erro e acerto se dão por meio de comparações históricas, que destacam comparativamente os aspectos relevantes e predominantes em diferentes momentos históricos, para, através de métodos de interpretação, chegar a conclusões aparentemente válidas.

 

Comentando Webber;

 

“As obras humanas são criadoras de valores, ou se definem por referência a valores, isto é, não falseada pelos nossos julgamentos de valor, obras carregadas de valor?” (Aron, p. 470).

 

“No caso das ciências da cultura e da história, chega-se não a um sistema hipotético-dedutivo, mas a um conjunto de interpretações, todas seletivas e inseparáveis do sistema de valores escolhido. Se cada reconstrução é seletiva, e comandada por um sistema de valores, haverá tantas perspectivas históricas ou    sociológicas quanto sistemas de valores, orientando a seleção. Passamos assim       do nível transcendental para o metodológico, onde se situa o historiador ou o sociólogo” (idem, p. 472).

 

Ou,

 

“Não é um acaso se, como dizia Poincaré, as ciências da natureza falam de seus resultados, enquanto as ciências do homem falam de seus métodos” École, p. 89).

 

Por isto, nas “ciências sociais” as margens de erros nas avaliações e as conclusões falsas são extremamente elevadas, dependendo inclusive das “ideologias” que perpassam todo o conhecimento “científico”. Exemplo é a ideologia dos mercados perfeitos, do livre comércio e da extrema mobilidade do capital, como fatores de desenvolvimento econômico, da “lei” dos custos comparativos, assuntos estes abordados nos artigos “ A ideologia dos custos comparativos ” e “ Desenvolvimento e livre comércio - o desenvolvimento sob uma perspectiva cultural”, em www.melisiofrota.blogspot.com.br.

 

4) O papel da ideologia nas ciências sociais

 

Faço uso do termo ideologia numa acepção marxista, realçada por Japiassu:

 

“Posteriormente, em um sentido mais amplo, passou a significar um conjunto de ideias que refletem determinada visão do mundo, orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política. Ex: ideologia fascista, de esquerda, etc.

 

O termo “ideologia” é amplamente utilizado, sobretudo por influência do pensamento de Marx, na filosofia e nas ciências humanas e sociais em geral, significando o processo de racionalização  - um autêntico mecanismo de defesa - dos interesse de uma classe ou grupo  dominante. Tem por objetivo justificar o domínio exercido e manter coesa a sociedade, apresentando o real como   homogêneo, a sociedade como indivisa, permitindo com isto evitar conflitos e exercer a dominação” (Dicionário).

 

Do que está sendo dito, podemos concluir que o processo de conhecimento, ou melhor, o seu “avanço”, a formulação de uma teoria, é um processo bastante complexo, no qual se cruzam diversos fatores, que se influenciam mutuamente, num processo dialético, num nível de abstração que muitas vezes se distanciam da realidade concreta, principalmente quando a experimentação se torna impossível.

 

Por lhes serem vedadas o poder da experimentação científica, as “ciências sociais” são mais propensas a sofrer influências ideológicas, que muitas vezes passam a ser os alicerces de toda uma teoria. Em outras palavras, em relação a essas ditas “ciências”, na prática torna-se difícil, se não impossível, separar ideologia do conhecimento científico ou teórico. As ideologias são ao mesmo um tempo um verniz que embelezam a teoria científica, impossibilitando encarar a realidade de forma científica, objetiva e mais realista.

 

Terminei o artigo “A crise de 2008 e as informações assimétricas” destaquei a influência ideológica sobre a teoria econômica clássica, que engloba tanto a mão-invisível de Smith quanto a racionalidade dos mercados, nos seguintes termos:

 

“O debate sobre a eficiência dos mercados e alocação de recursos talvez fizesse sentido em uma época em que o sistema capitalista precisava se firmar como novo sistema econômico, superior aos que viria substituir e como prevenção ao que lhe ameaçava, ou seja, o socialismo”.

 

Em outras palavras, a teoria econômica precisava demonstrar através da racionalidade e da lógica “racional” que o novo sistema era justo. Evidentemente, justo sob uma nova ótica. Por ser mais justo seria mais benéfico para todos.

 

Por faltarem os requisitos da experimentação, questiona-se se são verdadeiras ciências. Para Foucault são, apenas, saberes. Suas teorias são sempre questionadas sob a influência de uma nova ou outra ideologia.

 

Um aspecto relevante a ser mencionado é que nas “ciências naturais” o objeto do conhecimento “pode” ser imutável e o objetivo final não ser claro. O avanço e as descobertas científicas podem estabelecer, num segundo momento, os objetivos a serem alcançados.

 

Diferentemente, nas “ciências sociais”, aqui me refiro a economia, o objeto do conhecimento, o que simploriamente chamo de “realidade externa”, é sempre mutável, e os objetivos a serem alcançados podem requerer modificações, assim como os critérios de adequação.

 

Este breve introito serve aos nossos propósitos para analisar melhor a racionalidade dos agentes econômicos, fundamento para a teoria dos mercados racionais. Diante de um processo tão complexo os economistas racionais escolheram e elevaram a racionalidade, em si, se é que existe, de forma genérica, a fator determinante e exclusivo do comportamento humano, relegando todos os outros que interferem no processo de conhecimento. Não se importaram com a especificidade que a racionalidade adquire em cada situação concreta. Como chegaram a este absurdo?

 

5)) A racionalidade através da história

 

A racionalidade humana adquire facetas diferentes dependendo dos momentos históricos, relativos a cada sociedade. Em comentários à racionalidade humana, cito  Japiassu:

 

“O hiato pode ser visto em duas importantes palavras-chave: experimentação e matematização. Apesar de suas ideias profundas e fecundas, de suas contribuições imorredouras, a ciência grega fica ainda bastante confinada na theoria, no conhecimento especulativo e desinteressado, na arte da       contemplação, embora tenha mostrado que o saber a priori desinteressado constitui uma fonte de riqueza. Não se preocupa com a validade experimental nem com as utilizações práticas” (Como nasceu …., p. 43).

 

“A tese de Lloyd consiste em dizer: as culturas que precederam a Grécia não    são irracionais, como se poderia pensar. O que marca a originalidade dos gregos não é a racionalidade, mas o seguinte: passamos do conhecimento dos fatos à busca das causas, do domínio de certos saberes à demonstração de sua      validade. […] O conhecimento desse tipo é produzido por demonstração, que é uma forma de silogismo. […] Donde se desenvolve todo um conjunto e técnicas da palavra: a retórica, a defesa judiciária, a dialética e a erística (arte de encurralar o adversário em suas contradições). […] Platão e Aristóteles distinguiam a retórica, visando persuadir, da demonstração, tendo por finalidade provar. […] Neste sentido a ciência grega é eminentemente demonstrativa, não experimental ou “não científica” (idem, p. 45).

 

“Se a “ciência” grega não teve uma verdadeira tecnologia nem desenvolveu uma física matemática, foi porque se interessou essencialmente pela vida cotidiana, vivida e compreendida como o domínio do movimento, do impreciso e do “mais ou menos” […] Os gregos permaneciam presos a essa constatações empíricas” (idem, p. 66).

 

“Portanto, a objetividade não existe em si, é produto de uma cultura, embora sempre visando ultrapassar a sensibilidade subjetiva individual supondo a fim de obter um acordo entre todos os sujeitos sobre um determinado setor de conhecimentos” (idem, p. 66).

 

O conhecimento do ser humano não é perfeito e por ser falho evolui. A apreensão não se esgota no objeto do conhecimento, principalmente quando este está em constante mutação. As mudanças podem ser percebidas ou não.

 

Nas ciências sociais (humanas) processos subjacentes podem não ser detectáveis pelos métodos de conhecimento, de forma a perpetuar o comportamento dos agentes, em condições adversas.

 

Da mesma forma, uma “realidade aparente”, na qual algumas modificações nos parâmetros podem ser “percebidas”, podem indicar uma tendência para uma transformação substancial, que não se concretizará, porque os outros elementos (fatores) também se modificam e podem anular os efeitos da tendência inicial.

 

6)  Os aspectos relevantes deste tópico são:

 

- o conhecimento humano é imperfeito, não existe certeza de sua exatidão;

 

- a realidade social externa sofre mutações constantes ao longo do tempo;

 

- estas modificações podem ser percebidas, apreendidas, ou não, pelos agentes;

 

- o objeto do conhecimento pode apresentar modificações aparentes, que indicam tendências que podem não se realizar; 

         

- da mesma forma, os elementos da transformação já podem estar em ação sem que sejam percebidos ou apreendidos;

 

- sendo o conhecimento humano imperfeito estas modificações aparentes podem levar a uma ação, que embora racional, seja infrutífera ou inadequada;

 

- os fenômenos sociais não se repetem, da mesma forma e intensidade, nem podem ser submetidos à experimentação nem a matematização;

 

- na apreensão da realidade externa o agente sofre influências de fatores

irracionais, dependendo do objeto do conhecimento a ser apreendido.

 

O AGIR (PROCESSO DA AÇÃO)

 

De certa forma, não basta o ser humano se apropriar da realidade sem que haja uma vontade, um desejo de alcançar determinados fins. Ele se apropria da realidade com a intenção de mudá-la ou fazer uso dela para alcançar objetivos pré-determinados. Em outras palavras, ele tem que agir, coordenando os seus conhecimentos sobre a realidade com suas ações, para alcançar estes objetivos. Ou seja, o agir se refere aos mecanismos postos em ação para que os agentes econômicos atinjam seus objetivos.

 

Este seria normalmente um processo ideal e lógico. O lapso de tempo teria que ser razoável para que estes processos fossem idealmente sincronizados. Veremos que este prazo poderá ser alterado por circunstâncias diversas, dependendo das peculiaridades de cada situação.

 

Entretanto os objetivos podem ser alterados pelo seu modo de agir ou pelas mudanças na realidade externa. Estamos agora falando dos processos sociais.

 

Para seguir em busca de seus objetivos os agentes econômicos têm que incluir em suas perspectivas a previsão, relativa a um evento ou fato futuro e incerto. 

 

A introdução deste novo fator muda radicalmente todo o processo, porque a previsão, por se tratar do futuro, inclui diversos fatores racionais e não racionais, como a projeção, que pode ser influenciada por eventos passados. Por exemplo, a vivência e experiência em crises anteriores, em momentos de boom, eventos políticos e seus efeitos, totalmente imprevisíveis, política econômica e suas consequências, etc.

 

Não seria exagero afirmar que o agir, o comportamento sobre uma realidade supostamente apreendida, possui teoricamente fatores idênticos aos do primeiro estágio (apropriação da realidade) com uma carga diferente para eles, portanto, com uma combinação diferente e com a introdução de outros com maior relevância (ex: previsão). Outros fatores sociais e psicológicos importantes também passam a fazer parte da ação dos agentes econômicos em busca de seus objetivos, de forma mais incisiva: adequação, pressupostos, predisposição para o risco e especulação, o risco moral, desejo de enriquecer, ambição, autoestima, medo do fracasso, ponderação, manias, pânicos, feeling, intuição, parcimônia, presença de espírito, vaidade, humildade em reconhecer os próprios erros, etc.

 

Por experiência, todos nós sabemos o quanto é difícil admitir os nossos erros, principalmente os mais grosseiros, que não seriam cometidos por nossos concorrentes ou por quem nos julgamos “superiores”, mais inteligentes. Persistimos em justificá-los, temos dificuldade em reconhecê-los por vergonha ou vaidade, ou pelo julgamento ou estima que os outros têm de nós. São verdadeiros bloqueios psicológicos.

 

Não existe entre estas duas fases uma interdependência necessária. A racionalidade quanto ao objeto do conhecimento não necessariamente se repete nesta fase. Isto significa dizer que a fase da ação adquire certa independência da fase de apreensão, podendo se desprender e se descolar dela. Ela adquire sua própria lógica. Diversos mecanismos psíquicos ou psico-sociais entram em jogo e podem adquirir predominância e relevância sobre o processo hipoteticamente considerado como estritamente racional.

 

Podemos rapidamente identificar um destes fatores como a predisposição ao risco e à especulação. O agente econômico pode ser bastante agressivo, em relação às medidas que irá tomar, para alcançar os seus objetivos. Também o risco moral, assunto bastante comentado nas análises econômicas sobre as crises financeiras, pode criar incentivos extras para que as medidas sejam mais especulativas, arriscadas e “irracionais”. Os bancos geralmente fazem uma análise do perfil dos investidores quando administram as suas aplicações. 

 

Estes são os fatores que irão influenciar a racionalidade do processo de agir no tocante aos conhecimentos, métodos de interpretação, seleção e escolha de variáveis, experiência. Um novo componente importante é a adequação dos meios postos em ação sobre a “matéria prima” para se alcançar os resultados pretendidos.

 

A racionalidade não elimina a interferência destes elementos no próprio processo racional. Até mesmo diversas espécies animais estão sujeitas a condicionamentos, através de estímulos e recompensa, para um comportamento desejado. Lembrem-se de Pavlov e suas experiências. Doma-se o cavalo, adestra-se o cão, condicionando-os a determinados comportamento, respeitando as suas tendências inatas, como as diferenças raciais. Podemos tornar um cão violento ou passivo, dependendo dos métodos postos em ação.

 

Segundo Webber, a ação racional pode se dar em relação a um valor, pode ser afetiva ou emocional ou tradicional:

 

“A ação é racional não porque tende a alcançar um objetivo definido, mas porque seria desonroso deixar de responder a um desafio ou abandonar o navio que afunda” (Aron, p. 464).

 

“A chama de afetiva é a ação ditada imediatamente pelo estado de consciência ou o humor do sujeito. É a bofetada dada pela mãe na criança que se comporta de modo insuportável …. . Em todos estes casos, a ação é definida por uma reação emocional do autor, em determinadas circunstâncias e não em relação a um objeto ou a um sistema de valores” (idem, p. 465).

 

Seria o caso de uma venda maciça de ações em um momento de pânico, de queda abrupta no valor dos ativos, conhecida vulgarmente como a reação de manada.

 

O debate a respeito das influências socioculturais sobre o condicionamento do processo de conhecimento persiste. Koyré, talvez, o expoente máximo da corrente internalista, considera que o conhecimento humano não sofre influência dos fatores culturais.

 

Para ele “Florença não explica Galileu” (Jaíassu, p.40). Por outro lado, existe uma vasta bibliografia em sentido contrário, o que, de certa forma, nos remete para a questão da neutralidade tecnológica.

 

Debates a parte sobre a questão científica, não podemos deixar de reconhecer que os aspectos socioculturais têm importância e relevância no comportamento humano. Reconhecer isto é aceitar a vida social, os fundamentos da sociabilidade do ser humano, como um ser político e social.

 

Pra Webber:

 

“A ação tradicional é aquela ditada pelos hábitos, costumes e crenças, transformada em uma segunda natureza. Para agir de conformidade com a tradição, o ator não precisa conceber um objetivo, ou um valor, nem ser impelido pela emoção: obedece simplesmente a reflexos enraizados pela longa prática” (Aron, p.465).

 

“Como conhecer o digno de ser conhecido” (Webber).

 

No tocante especificamente ao nosso objetivo, é difícil não reconhecer que os valores culturais podem repercutir no comportamento dos agentes econômicos e consequentemente sobre a economia.

 

Como não reconhecer o “espírito” da vida social de um povo, de uma nação?

 

Kissinger nos dá um exemplo:

 

“[...] a Prússia cultivava a disciplina e o serviço público como substituto à abundância de população e recursos com que contavam países mais afortunados. […] Sua população era relativamente esparsa; sua força residia na disciplina com a qual dispunha de seus recursos limitados. Os pontos fortes mais importantes eram sua mentalidade cívica, uma burocracia eficiente e um exército bem treinado” (p. 42).

 

“Na experiência histórica da Rússia, comedimento no exercício de poder levava a desastres: o fracasso da Rússia em dominar regiões vizinhas, segundo essa visão, a tinha exposto às invasões mongóis e a fizera mergulhar no “Tempo das Dificuldades” (p. 58).

 

Discute-se e sugere-se, muito embora existam controvérsias e argumentos dúbios e favoráveis para todos os lados, que existem diferenças culturais com relação ao risco e à especulação.

 

“Um ponto de vista comum é que os Estados Unidos constituem o “lar clássico dos pânicos financeiros comerciais”, presumivelmente devido ao seu sistema bancário selvagem” (Kindleberger, p. 75).

 

“É um impasse. O temperamento especulativo pode diferir entre países. A quantidade de especulação em um país pode mudar conforme o humor nacional varia entre a excitação e depressão” (idem, p. 76).

 

Entretanto, como não reconhecer que os valores arraigados da sociedade americana estimulam a criação, a inovação, a concorrência e a avaliação do risco diferentemente das outras sociedades? A individualidade extrema, o espírito empreendedor e o self- made man diferenciam esta sociedade e o comportamento de seus agentes econômicos, com repercussão nas atividades econômicas.

 

Em sentido paralelo, as políticas econômicas descontínuas desestimulam os agentes econômicos em suas decisões de longo prazo.

 

Não reconhecer estes fatores socioculturais significa não podermos afirmar que a sociedade capitalista, como bem advogam os seus defensores e o próprio Marx, é uma forma de organização social superior às demais, com forte estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico, institucionais e aos valores que dizem respeito especificamente à existência do ser humano (ex: o reconhecimento à dignidade da pessoa humana, a proibição de juízo ou tribunal de exceção, o direito ao habeas corpus, enfim, os direitos e garantias “constitucionais” e legais que norteiam os valores das sociedades desenvolvidas).

 

Da mesma forma, se não admitirmos a desses fatores, como poderíamos justificar que transformações sociais nas sociedades subdesenvolvidas e “em desenvolvimento”, nas suas instituições, nos aspectos condizentes com à economia de mercado, levariam ao desenvolvimento econômico e social?

 

Admite-se, de forma bastante plausível, embora seja impossível avaliar e quantificar, que a passagem dos regimes socialistas para a economia de mercado trouxe sérias dificuldades para a economia daqueles países, devido aos hábitos, que se  arraigaram por décadas. 

 

Os aspectos a serem ressaltados são:

 

- a ação visa alcançar objetivos pré-determinados;

 

- em tese, a ação possui os mesmos fatores do processo de apreensão, mas com pesos diferentes;

 

- na ação o agente econômico terá que adequar os meios postos em ação para alcançar os objetivos;

 

- não existe uma interdependência necessária com a fase da apreensão, pois ela se descola da fase anterior e adquire a sua relativa independência; a racionalidade humana não é uniforme e padronizada em todos os momentos;

 

- esta fase está mais sujeita às influências “irracionais”, por ser aquela em que o agente tem que colocar em ação toda a sua habilidade e potencial, para não fracassar; onde se manifestam com mais intensidade os conflitos ntre teoria x prática;

 

- os mecanismos “irracionais” importantes são: predisposição para o risco,

especulação, prudência, feeling, presença de espírito, intuição, manias,

risco moral, pânico, comportamentos padronizados em determinadas

situações, vaidade, humildade, etc.

 

O OBJETIVO A SER  ALCANÇADO ( A PREVISÃO)

 

Os agentes econômicos têm que fazer previsões sobre a “realidade externa futura” para traçar e estabelecer seus objetivos. Sendo o futuro incerto, os métodos e critérios de estimativa e previsão também serão incertos. A racionalidade humana e os métodos de estimativa que ela supõe, por mais sofisticados que sejam nunca, ou quase nunca, conseguem prever com exatidão os acontecimentos futuros. Sobre o assunto consultar “Modelos matemáticos – porque eles falham”, em www.melisiofrota.blogspot.com.br.

 

Se a previsão for falha todo o processo de adequação estará comprometido, mesmo que seja exclusivamente racional. A racionalidade, em parte, perdeu a sua razão de ser. Por este motivo, ela também poderá se dar por fatores mais associados ao psiquismo. A autoconfiança, o feeling, o risco moral, a intuição podem ser elementos determinantes. Nestas circunstâncias todo o processo racional estará comprometido. O risco moral induz o agente a se preocupar menos com a racionalidade.   

 

Se o futuro é imprevisível e precisa ser previsto para por em ação o agir, os seus procedimentos, mesmos que especificamente racionais, podem não ser tão relevantes. Toda previsão tem um quê de futurologia e está presa e alicerçada no passado e no presente. A incerteza sempre paira sobre a previsão.

 

Da mesma forma, o agir racional, que visa atingir fins e objetivos específicos através da razão, também precisa uma avaliação racional do futuro, da adequação dos meios e fins. Então, a racionalidade deveria atingir as três fases, para que todo o processo fosse racional.

 

Em circunstâncias ideais o processo deveria seguir as seguintes etapas: apreensão, previsão, ação. É admissível que a previsão (por ser mais associada às incertezas e aos fatores psíquicos) venha num momento anterior à apreensão.

 

Outrossim, as expectativas são racionais e irracionais ou irracionais. Mesmo se pudessem ser exclusivamente racionais se deparariam com os problemas da incerteza. Assim, a racionalidade pode não ser tão importante para o resultado final.

 

Aqui, os aspectos importantes são:

 

- estabelecer objetivos, que podem ser racionais e irracionais ou simplesmente irracionais;

 

- para a fixação de objetivos com racionalidade tem que haver previsão com racionalidade, sobre a situação futura;

 

- as previsões sempre sofrem influências do estado presente e passado; -   as previsões são incertas e por isto os objetivos podem ser irreais;

 

- sendo os objetivos irreais a racionalidade pode se tornar irrelevante.

 

OS PRESSUPOSTOS

 

Diversos fenômenos naturais são repetitivos, podem ser reproduzidos em laboratórios, experimentados, matematizados, testados e por isso as suas causas podem ser determinadas com elevado grau de precisão. “Afastada” a experimentação e a avaliação por erros e acertos, pois impossível isolar os fenômenos sociais e colocá-los à prova, os pressupostos passam a ser relevantes e perpassam e contaminam as três fases do processo. Por isso são importantes nas ciências sociais e no agir dos agentes econômicos.

 

Para um melhor esclarecimento, reproduzo alguns parágrafos dos artigos “DIREITO, ECONOMIA E MERCADOS RACIONAIS” e “A CRISE DE 2008 E AS INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS”, em www.melisiofrota.blogspot.com.br.

 

“Os limites entre o comportamento racional e “irracional” nunca foram clara e cientificamente definidos. Ações, comportamentos inconscientes, preconceitos,          convicções íntimas, atitudes irracionais podem ter o manto da racionalidade quando explicados e justificados racionalmente. A racionalidade se ajusta ao que nos propomos justificar.  Para esta situação a psicanálise usa o termo racionalizar, que significa justificar com motivos racionais, ou seja, utilizando a razão, atos e condutas provocados por elementos não racionais ou inconscientes”

 (www.dicionárioinformal.com.br).

 

“Modelos matemáticos podem ser extremamente racionais, mas ineficazes e danosos quando partem de premissas ou pressupostos falsos”.

 

Sobre a teoria de Eugene Fama: “Partiu de um mundo hipotético, não real, porque, na pior das hipóteses, deveria admitir que o tráfico de influência, as possibilidades de manipulação e as informações privilegiadas eram reais e comuns no mercado financeiro”.

 

“A aptidão e o amor pelo risco fogem a racionalidade”. Na verdade, pouco interessa se os mercados contêm todas as informações disponíveis. Os negociantes, homens de negócio “apostam” no devir, embora sejam ou pareçam “racionais” nas suas escolhas. E o devir é imponderável e imprevisível e, por isto, as ações “racionais” não podem levar a conclusões, soluções e         consequências sempre satisfatórias, por serem pressupostamente racionais”.

 

“Repetem estas bobagens com tanta autoridade (acrescento: e soberba) que nos sentimos incapazes e até constrangidos em questioná-los. E o pior é que não se envergonham. Mais um enigma do comportamento humano, que nos traz   dúvidas sobre a sua racionalidade”.

 

“Convém lembrar que as mais diversas e discrepantes teorias econômicas foram e são elaboradas por pessoas extremamente racionais, o que já evidencia os retumbantes fracassos teóricos, que propiciam o caos econômico”.

 

“As inovações financeiras, respaldadas por modelos econométricos sofisticadíssimos, estavam de vento em popa e cumpriam as suas funções em justificar e garantir os fundamentos teóricos e a especulação”.

 

“A desregulamentação financeira e a securitização se alastraram com o fundamento de que  os riscos estavam “racionalmente” diluídos e por isto não havia possibilidades de crise. Tudo estava sobre controle por que os gênios   das finanças eram extremamente racionais. …. Todos surfavam ou desejavam surfar na onda da especulação. Todos atuavam “racionalmente”, mas com a alma de especulador. Vendiam informações sem interesse em saber se eram falsas ou não, com ou sem interesse”. 

 

O leitor poderá encontrar diversos comentários e exemplos reais sobre o funcionamento dos mercados financeiros, com a citação de uma bibliografia bastante diversificada.

 

Segundo Webber:

 

“O conhecimento científico-cultural tal como entendemos encontra-se preso, portanto, às PREMISSAS “subjetivas”, pelo fato de apenas se ocupar daqueles elementos da realidade que apresentam alguma relação, por muito indireta que seja, com os acontecimentos a que conferimos uma significação cultural” (Webber 1996, p. 98, citado em “a objetividade do conhecimento nas ciências sociais”, (unimep2008-xp.uol.com.br/sociologia/Webber.ppt).

 

Pressupostos como a alocação ótima dos recursos através de mecanismos de preços e da racionalidade dos mercados se misturam às ideologias, que os amparam.

 

A racionalidade do Prêmio Nobel Myron Scholes e de seu colega Fisher Black não evitou o colapso do Long - Term Capital Maganagem, altamente e racionalmente alavancado, tido como exemplo das novas finanças racionais, na crise russa em 1998, simplesmente, porque partiu de premissas erradas.

 

O LAPSO TEMPORAL

 

Em situações e circunstâncias extremamente voláteis, sensíveis às mudanças de perspectivas dos agentes econômicos, à ação destes, às políticas econômicas, sujeitas a variações bruscas, inesperadas e repentinas, o objeto do conhecimento (realidade material externa) está sempre em mutação. Este é o caso do mercado financeiro sujeito a boatos, conchavos, informações privilegiadas, manipulações, crises, booms, etc.

 

Um dos aspectos a ser salientado é que, nestes casos, o lapso de tempo entre apreensão e o agir se encurtam e, ao mesmo tempo, se confundem. E o objetivo tornou-se irrelevante, foi substituído por outro, mais imediato ou abandonado. Não há tempo suficiente para planejar uma ação com base numa nova realidade externa a ser apreendida.

 

Esta “realidade material externa” pode mudar com uma extrema velocidade, que não existe tempo para compreendê-la e as decisões (o agir) passam a ser guiadas por padrões de comportamentos, como comportamento de manada, podendo prevalecer também a presença de espírito, o feeling, as manias, o pânico, a experiência passada, a história, os fatores ideológicos (tais como, a crise é passageira, os mercados irão se ajustar). Estes fatores passam a comandar o processo de decisão e suplantam a racionalidade, estritamente falando. É o “sauve que peut”. Os objetivos antes traçados já não interessam, pelo menos no momento.

 

Estes objetivos se perdem porque o momento requer um novo tipo de ação, de interpretação da realidade, que se transformou e continuará este processo de transformação sem um fim previsível. Velocidade no agir é fundamental. E a capacidade de tomar decisões rápidas, sem uma prévia avaliação requer presença de espírito e intuição.

 

Outrossim, pode acontecer que já se iniciou o processo de transformação da “realidade externa”, mas os elementos de transformação ainda não se mostraram suficientemente claros para que os métodos e os procedimentos utilizados para a sua compreensão possam captar o processo.

 

Ou então, embora apreendidos e captados não adquiriram força suficiente para prosseguir no processo de transformação mais radical, porque anulados pelos efeitos de outros elementos e eventos. Trata-se de uma “realidade aparente”. Entretanto, os agentes econômicos têm que se antecipar uns aos outros, porque esta antecipação pode trazer bons frutos. Aqui a prudência e o amor ao risco são importantes.

 

Nestes casos, os objetivos podem se tornar incompatíveis com a realidade e consequentemente com a adequação dos meios aos fins. A transformação pode ser rápida ou lenta, dependendo de diversas circunstâncias. Em momentos de crashes, minutos representam uma eternidade e perdas vultosas.

 

A racionalidade humana e os métodos de estimativa que ela supõe, por mais sofisticados que sejam, nunca, ou quase nunca, conseguem prever com exatidão os acontecimentos futuros.

 

O MÉTODO DIALÉTICO

 

Nos tópicos abordados mencionei a importância dos métodos para a apreensão da “realidade externa” e do agir, sem comentá-los especificamente.

 

Entretanto, para o assunto que estamos tratando o método dialético é de extrema importância para entender este processo e principalmente para questionar o pensamento clássico sobre as conclusões sobre a racionalidade humana e seus resultados na economia.

 

Cito mais uma vez Japiassu:

 

“Marx faz da dialética um método. Insiste na necessidade de considerarmos a realidade socioeconômica de determinada época com o um todo articulado, atravessado por contradições específicas, entre as quais a luta de classes. A partir dele, mas graças a contribuição de Engels, a dialética se converte no método do materialismo e no processo do movimento histórico que considera a natureza: a) como um todo coerente em que os fenômenos se condicionam reciprocamente; b) como um estado de mudança e movimento; c) como o lugar onde o processo de crescimento e mudanças quantitativas gera por acumulação e por saltos , mutações de ordem qualitativa; d) como a sede das contradições internas , seus fenômenos tendo um lado positivo e o outro negativo, um passado e um futuro, o que provoca a luta das tendências contrárias que gera o progresso”.

 

Embora não tenha sido comentado, uma das consequências teóricas e práticas a ser deduzida da aplicação do método dialético é que “o todo não é a soma das partes” e também não é o resultado da simples combinação entre elas. O que significa dizer que os comportamentos, mesmo racionais tomados individualmente, não produzem necessariamente resultados racionais. É o que Kindleberger denomina de “falácia da composição”.

 

Os exemplos nos compêndios de economia são claros e o mais comum se refere ao comportamento dos espectadores em uma partida de futebol, em que todos se levantam, cada um racionalmente, mas o resultado é o mesmo se ficassem sentados.

 

Na economia, especificamente falando, podemos citar o problema da concorrência entre os agentes econômicos. Todos enfrentam a concorrência fazendo avaliações e tomando atitudes racionais. As medidas tomadas pelos concorrentes podem estimular que todos tomem medidas semelhantes ou não.

 

Estas medidas podem levar a uma superprodução, com prejuízos para todos, fazendo  que as decisões racionais se tornem, no final das contas e na realidade irracionais. Mas os concorrentes não podem simplesmente abandonar o barco, porque, muitas vezes, as decisões tomadas são irreversíveis, ou porque isto significa ceder participações no mercado, com repercussões futuras. Ou, complementarmente,  porque a dor e o reconhecimento da derrota fere a autoestima e o orgulho. Perder para o concorrente é insuportável, principalmente dependendo de quem seja. Ainda, permanece a esperança de que poderá acorrer um acontecimento imprevisto no mercado, na política econômica que possibilitará continuar no jogo e, talvez, abater o adversário, custe o que custar. Nessa hora espera-se pelo milagre mesmo não sendo crente.

 

A crise no mercado financeiro e imobiliário no Japão ajuda a esclarecer esta situação:

 

“A desregulamentação das instituições financeiras foi um grande fator contribuinte para a bolha dos preços das ativos no Japão nos anos 198O e, especialmente, durante a segunda metade daquela década. Todos os bancos japoneses estavam muito interessados na sua posição no ranking quanto a seus       ativos e depósitos. Cada um queria ir para uma posição superior nessa lista – o que significava que todos precisavam “aumentar seus empréstimos” mais rapidamente do que os bancos nas posições superiores” ( Kindleberger,   Charlier P., & Aliber Robert, “Manias, pânicos e crises”, Ed. Saraiva, 6ª ed,    2013, p. 70).

 

Utilizando uma expressão sarcástica para retratar os conturbados momentos da crise de 2008, quando a especulação atingia o auge, o presidente do Citigroup, Chuck Prince, mencionou a célebre frase : “ Você precisa continuar dançando enquanto a música estiver tocando”. 

 

Ou, “quando o resto do mundo está louco, temos que imitá-lo de algum modo” ( Charles Mackay apud Kindlebeger, obra citada, p.70).

 

O renomado cientista Isaac Newton, supõe-se que extremamente racional, depois de fracassar especulando no mercado financeiro afirmou: “Eu posso calcular os movimentos dos corpos celestes, mas não a loucura das pessoas”.

 

Enfim, mesmo se fosse possível que todas as fases (apreensão, ação, previsão) fossem exclusivamente racionais, inclusive em suas conexões, para que o resultado fosse uma consequência dessa racionalidade seria necessário transpor as barreiras dos pressupostos e do método dialético. 

 

CONCLUSÃO

 

Os economistas racionais associam o termo RACIONALIDADE dos agentes econômicos às decisões corretas para atingir os objetivos determinados.

 

Entretanto, como tivemos oportunidade de verificar, a racionalidade se dá em diversos estágios: na apreensão da realidade, na ação, e na previsão para determinar os objetivos. Em cada um desses momentos ela adquire conotações diferenciadas e sofre influências diferentes de outros fatores que interferem no processo de conhecimento como um todo: apreensão, agir, previsão.

 

Outrossim, pode-se pretender os mesmos resultados com ações e atitudes diversas, bem como resultados divergentes, mas com os mesmos elementos e informações à disposição, a serem trabalhadas. E todos são racionais.

 

Portanto, racionalidade não significa exatidão, como pretendem os ideólogos dos mercados racionais. Outrossim, não significa que ela está perfeita e obrigatoriamente alinhada e coerente com as circunstâncias concretas, que as decisões tomadas estejam corretas, muito embora seja esta a conotação que os economistas esperam do uso do termo.

 

Por óbvio, da racionalidade não se deduz uniformidade e unicidade de pensamentos e atitudes. Mas, ela (racionalidade) pode ser coerente apenas com uma realidade “aparente” ou disfarçada, que não pode ser apreendida pela percepção humana e pelos métodos de apreensão postos ou elaborados que estejam à disposição. Em vista disto, todo o processo chamado “racional” está fadado ao fracasso.

 

No mercado financeiro os agentes econômicos devem perceber ou apreender as tendências do objeto do conhecimento, antes dos demais agentes, para que possam se antecipar a eles, possibilitando se posicionarem melhor no mercado ou realizar seus lucros. E esta percepção não se dá apenas racionalmente, mas também pela experiência, sensibilidade, oportunismo, feeling, intuição, presença de espírito, inclusive fazendo uso de outros instrumentos ilegais ou moralmente reprováveis.

 

Se não existem uniformidade e unicidade na racionalidade os resultados obtidos também são divergentes, o que implica dizer que a racionalidade não nos leva à certeza, nem a resultados satisfatórios para todos os agentes. Então, ela não possui o mecanismo de ajuste implícito que faça com que os mercados se comportem de acordo com os comportamentos e “expectativas racionais” dos agentes. Teríamos que invocar a mão-invisível de Adam Smith, que ao que tudo indica parece ser mais coerente. Sobre a crítica à mão-invisível consultar “Direito, economia e mercados racionais” em www.melisiofrota.blogspot.com.br.

 

Além disso, decisões tomadas que necessitam de correção de rumo, em virtude de erros na avaliação (porque o conhecimento humano não é perfeito), ou mesmo no desenvolvimento das ações implementadas, podem ser irreversíveis, embora possam ser, algumas vezes, amenizadas. Como podem levar a resultados “racionais”, corretos?

 

Muitas vezes, as decisões tomadas no presente, consideradas como racionais, se mostram incoerentes, pois devem ser confrontadas pelos novos acontecimentos e informações que surgem no decorrer do processo e que não se encontravam disponíveis no início (erros de avaliação por interpretação, por falta de informações disponíveis ou por mudanças de comportamento dos agentes). Entretanto, elas foram tomadas e não podem ser ajustadas de acordo com as novas conveniências, para alcançar os resultados inicialmente almejados.

 

Assim, a racionalidade dos economistas racionais passa a ser um dogma, a ter um conteúdo ideológico, que serve a todos os Deuses, para justificar a coerência dos mercados.

 

Por outro lado, ela está sujeita a influências diferentes, psíquicas e psicossociais, dependendo do objeto de conhecimento em que atua. Nos fenômenos tipicamente naturais, cuja experimentação tem papel de relevo, os fatores psicossociais (ex: ideológicos) têm menos importância. Ou seja, ela tem conotações diferentes.

 

Mesmo num mesmo campo de ação, tal como na economia, ela adquire conotações diferentes, de acordo com o segmento e a particularidade de cada situação. Nos mercados financeiros sensíveis às mudanças de perspectivas dos agentes econômicos, à política econômica, onde a volatilidade, as mudanças inesperadas, a velocidade dos acontecimentos e a reação a eles são extremas, a racionalidade muitas vezes cede espaço a padrões de comportamento (vendas maciças em determinadas condições) e a decisões baseadas em aspectos psíquicos e psicossociais.

 

Outrossim, nestes mesmo mercados, dependendo da situação concreta da economia, retração, expansão, especulação, boom, boatos, fatores imprevisíveis (guerras, calamidades, etc) estes elementos não racionais se reforçam e determinam o comportamento dos agentes econômicos, de forma mais dramática.

 

O lapso temporal encurtado faz com haja uma fusão entre os momentos de apreensão e do agir (ação). Os objetivos traçados são alterados ou esquecidos, mesmo que momentaneamente, para ceder a objetivos mais prementes. Portanto, os fatores psicológicos e psicossociais passam a comandar o comportamento humano em todos os aspectos (ver tópico “O método dialético”).

 

Enfim, não existe esta correspondência necessária que faça com que as decisões tomadas no presente sejam coerentes com as que deveriam ter sido tomadas se os agentes tivessem disponibilidade de informações futuras e das condições concretas não conhecidas no presente.

 

Ou mesmo, nas que irão se formando, com resultados adversos. Ela (racionalidade) não possui os elementos necessários para a análise de longo prazo e, portanto, quais as ações coerentes que deveriam ser tomadas. Tudo o que diz respeito ao futuro são conjecturas e expectativas que poderão ser concretizadas ou não.

 

Pouco importa se os agentes econômicos apreendem a realidade, agem, tomam decisões e fazem previsões que racionalizam serem “estritamente” racionais. O importante é descobrir as leis que regem as economias capitalistas, as forças intrínsecas que as governam, que provocam as crises, as especulações, as disparidades sociais, de forma que possamos evitá-las ou abrandá-las, aliviando a dor e os sofrimentos de diversas famílias, que não possuem meios efetivos para suplantá-las.

 

Os economistas partidários do comportamento e das expectativas racionais  desprezam todos estes fatores e fazem mal uso de um conceito genérico, utilizando-o para a solução de todos os problemas da sociedade capitalista, problemas que deveriam analisar e explicar, relegando as diversas particularidades em que a racionalidade se manifesta. Como consequência não podem apresentar as soluções corretas.

 

Enfim, por não existir racionalidade uniforme dos agentes econômicos na apreensão, ação e previsão, que podem muitas vezes ser contrários, pergunta-se: como essas ações podem levar a resultados satisfatórios, que atenda a todos? Porque este resultado deveria ser considerado racional? A isto os economistas racionais deveriam responder.

 

Concluindo: racionalidade nunca foi sinônimo de certeza e mesmo coerência, os fatos comprovam.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA  BÁSICA

 

Aron, Raymond, As etapas do pensamento sociológico, Martins Fontes, 1982.

 

Écoles des Hautes Études en Sciences Sociales, Ofício de Sociólogo, Ed. Vozes, 1968.

 

Fernandes, Florestan, Fundamentos empíricos da explicação sociológica, Livros Técnicos e Científicos, 3ª ed, 1978.

 

Japiassu, Hilton:

 

       Como nasceu a Ciência Moderna – e as razões da filosofia, Imago, 2007;

 

       Dicionário básico de filosofia, Jorge Zahar, 3ª ed, 2001;

 

       A revolução científica moderna, Imago, 1985.

 

Kindleberger, Charlie P.  & Aliber Obert Z. , Manias, pânicos e crises, Ed. Saraiva, 6ª ed, 2014.

 

Kissinger, Henry, Ordem Mundial, Objetiva, 2014.

 

Koyré, Alexandre, Do mundo fechado ao universo infinito, Ed. Universidade de São Paulo, 1979.

 


 

- Direito, economia e mercados racionais – uma crítica aos economistas racionais;

 

- A crise de 2008 e as informações assimétricas;

 

- Modelos matemáticos – porque eles falham;

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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