A RACIONALIDADE NO PROCESSO DO CONHECIMENTO E NAS
TOMADAS DE DECISÕES DOS AG. ECONÔMICOS
OBJETIVO
No artigo “Direito, economia e mercados racionais”
tive a oportunidade de comentar aspectos da racionalidade do ser humano, só b a
ótica da psicanálise e dos avanços da neurociência. Neste atual artigo tento
focalizar a racionalidade através dos processos de conhecimento.
Trata-se de uma tentativa de esquematizar o processo
do conhecimento em suas diversas fases, distinguindo as diferenças dos objetos
do conhecimento, as suas especificidades e as repercussões nos seus métodos, e
realçando os aspectos relevantes em relação à economia, com especial enfoque
nos mercados financeiros.
Este trabalho poderia fazer parte do artigo citado,
mas preferi apresentá-lo em separado, porque a abordagem aqui exposta difere
bastante. Outrossim, postando separadamente viabilizo a sua leitura para
aqueles que já leram o primeiro artigo e que provavelmente não retornariam a
ler.
Para os nossos propósitos, parto da premissa de que o
objeto do conhecimento é o fenômeno, a “realidade material externa”, o objeto
externo e não o próprio conhecimento. Conhecê-la, entendê-la, apreendê-la para
modificá-la ou utilizá-la para estabelecer e alcançar objetivos.
O primeiro tópico, “O OBJETO DO CONHECIMENTO”,
provavelmente o mais extenso, é genérico e trata da apreensão da realidade externa.
Foi dividido em seis sub-tópicos, quais sejam: 1) aspectos gerais da teoria do
conhecimento; 2) o corte epistemológico; 3) a experimentação e a matematização;
4) o papel da ideologia nas ciências sociais; 5) a racionalidade através da
história; 6) os aspectos relevantes do tópico.
No tópico seguinte, “O AGIR” e nos posteriores, “A
PREVISÃO” e o “LAPSO TEMPORAL”, inicio a análise da racionalidade dos agentes
econômicos levando em consideração a especificidade do processo de conhecimento
da economia, com exemplos do mercado financeiro.
No tópico “OS PRESSUPOSTOS” comento como os
pressupostos falsos comprometem a racionalidade. Em “O MÉTODO DIALÉTCIO”
comento aspectos da dialética que podem ser uteis para o assunto em questão.
Por fim a “CONCLUSÃO”, onde faço uma explanação
genérica de tudo que foi dito, com comentários adicionais.
A forma simplória com que trato o assunto decorre da
deficiência de uma formação filosófica sólida, indispensável para abordá-lo e
de um conhecimento bastante elementar das ciências sociais. Entretanto, espero
que alguns pontos aqui levantados, mesmo que questionáveis, sirvam de estímulo
para novas ideias e abordagens.
O OBJETO DO CONHECIMENTO ( A REALIDADE MATERIAL
EXTERNA)
1) Aspectos gerias da teoria do conhecimento
De um modo geral, o ser humano se “apropria” da
realidade externa através do conhecimento, especificamente falando, da
experiência, saber prático, escolha de variáveis, seleção, métodos de
interpretação, comparações históricas, experimentos, influenciados por vieses
de formação profissional e conhecimento, pressupostos, simplificações, feeling,
intuição, presença de espírito, crenças, manias, risco moral, comportamento de
manada, preconceitos e conceitos previamente estabelecidos, de processos
mentais de conhecimento, através dos quais antigos conceitos e concepções são
afastados e abandonados, para serem reavaliados à luz de novos parâmetros e
aspectos.
Para Marx:
“A totalidade concreta como totalidade pensada,
concreto pensado, é, de fato, um produto do pensamento, do ato de conceber […]
Tal com aparece na mente como um todo pensado, a totalidade é um produto do
cérebro que se apropria do mundo da única maneira possível; […] O sujeito real
subsiste, tanto depois como antes, em
sua autonomia fora da mente...” (K. Marx, texto nº 20, apud École des Hautes
Études, p. 45).
No mesmo sentido:
[…] ficou mais ou menos claro que os dois tipos de
conhecimento (senso comum e conhecimento científico) se opõem tanto em termos
de explicação, quanto em termo de percepção da realidade. O
importante, parece, não é o que se “vê”, mas o que se observa com o método”
(Florestan, p. 6).
A prevalência ou influência maior de uns em relação
aos outros irá depender da área ou campo específico (e mesmo científico) que se
aborda, do objeto de conhecimento. Um exemplo seria a distinção de fenômenos
naturais e sociais (ou ciências naturais x sociais). O objeto do conhecimento
da “natureza”, especificamente falando, é o fenômeno natural. Da psicanálise é
o inconsciente e da economia são as leis econômicas que governam cada sociedade
específica, suas relações, influências mútuas e de outros fatores, em constantes
mutações. Cada momento precisa ser explicado.
Para Marx as transformações sociais e o progresso,
incluindo o científico, se dão quando as condições materiais da sociedade, o
desenvolvimento das forças produtivas, incluindo o conhecimento, estão prontas
ou maduras para as mudanças. Trata-se de um conceito genérico, difícil de ser
determinado e aplicado às condições concretas.
2) O corte epistemológico
Principalmente depois dos trabalhos de Bachelard,
admite-se, embora não por unanimidade, que o avanço da ciência, de uma forma
geral, se dá através de cortes epistemológicos, quando a formulação de novos
conceitos e uma nova problemática se coloca, afastando conceitos antigos,
“exigindo” que as novas concepções e conceitos passem a ocupar um espaço
determinante no desenvolvimento posterior. Os conceitos e concepções antigos se
acham ultrapassados para enfrentar os novos desafios do progresso científico e
do próprio conhecimento.
Hilton Japiassu e Danilo Marcondes conceituam corte
epistemológico nestes termos:
“Noção introduzida por Gaston Bachelard na história
das ciências para designar o fato de que, nos conhecimentos científicos do
passado, devemos distinguir os conhecimentos que já foram superados, e não
podem servir mais para o progresso das
ciências, e os conhecimentos sancionados ou atuais, e que devem ser utilizados
para o avanço das ciências. Ao considerar as ciências através de uma história repensada,
Bachelard chama de “corte epistemológico”
o ponto de não-retorno, o momento a partir do qual uma ciência começa, a
partir do qual ela assume sua história e já não é mais possível uma retomada de
noções pertencentes a momentos anteriores. Esta noção de “corte” foi adaptada por
certos teóricos marxistas, notadamente Louis Althusser, para definir uma “mutação”
no pensamento de Marx entre suas obras de juventude (não científicas) e sua
sobras da maturidade (que estabeleceram o materialismo histórico e científico)”
(Dicionário).
Trata-se da formulação de novos conceitos que passam a
ser ferramentas para entender a “realidade” ou o que se quer entender. Neste
sentido, os conceitos e concepções da física newtoniana não são adaptáveis às
novas concepções da física quântica.
Na área da economia, podemos dizer que Marx efetuou um
corte epistemológico no conhecimento da economia política, introduzindo novos
conceitos, como a mais-valia, exército industrial de reserva, dando um novo
enfoque, para formular a sua teoria econômica. Talvez possamos ir mais além e
afirmar que também Keynes efetuou tal corte em relação à economia clássica,
dando ênfases diferentes aos conceitos e concepções antigas, ao mesmo tempo que
introduzia novas concepções (equilíbrio com desemprego, armadilha para a
liquidez, etc).
3) A experimentação e a matematização
Não é de se estranhar que este processo de
conhecimento se dá também através da experimentação, na matematização, nas
possibilidades de isolar o fenômeno e no aprendizado através de erros e
acertos, não acessíveis às chamadas “ciências sociais”. Nestas as avaliações de
erro e acerto se dão por meio de comparações históricas, que destacam
comparativamente os aspectos relevantes e predominantes em diferentes momentos
históricos, para, através de métodos de interpretação, chegar a conclusões
aparentemente válidas.
Comentando Webber;
“As obras humanas são criadoras de valores, ou se
definem por referência a valores, isto é, não falseada pelos nossos julgamentos
de valor, obras carregadas de valor?” (Aron, p. 470).
“No caso das ciências da cultura e da história,
chega-se não a um sistema hipotético-dedutivo, mas a um conjunto de
interpretações, todas seletivas e inseparáveis do sistema de valores escolhido.
Se cada reconstrução é seletiva, e comandada
por um sistema de valores, haverá tantas perspectivas históricas ou sociológicas quanto sistemas de valores,
orientando a seleção. Passamos assim do
nível transcendental para o metodológico, onde se situa o historiador ou o sociólogo”
(idem, p. 472).
Ou,
“Não é um acaso se, como dizia Poincaré, as ciências
da natureza falam de seus resultados, enquanto as ciências do homem falam de
seus métodos” École, p. 89).
Por isto, nas “ciências sociais” as margens de erros
nas avaliações e as conclusões falsas são extremamente elevadas, dependendo
inclusive das “ideologias” que perpassam todo o conhecimento “científico”.
Exemplo é a ideologia dos mercados perfeitos, do livre comércio e da extrema
mobilidade do capital, como fatores de desenvolvimento econômico, da “lei” dos
custos comparativos, assuntos estes abordados nos artigos “ A ideologia dos
custos comparativos ” e “ Desenvolvimento e livre comércio - o desenvolvimento
sob uma perspectiva cultural”, em www.melisiofrota.blogspot.com.br.
4) O papel da ideologia nas ciências sociais
Faço uso do termo ideologia numa acepção marxista,
realçada por Japiassu:
“Posteriormente, em um sentido mais amplo, passou a
significar um conjunto de ideias que refletem determinada visão do mundo,
orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política. Ex: ideologia
fascista, de esquerda, etc.
O termo “ideologia” é amplamente utilizado, sobretudo
por influência do pensamento de Marx, na filosofia e nas ciências humanas e
sociais em geral, significando o processo de racionalização - um autêntico mecanismo de defesa - dos interesse de uma classe ou grupo dominante. Tem por objetivo justificar o domínio
exercido e manter coesa a sociedade, apresentando o real como homogêneo, a sociedade como indivisa, permitindo
com isto evitar conflitos e exercer a dominação” (Dicionário).
Do que está sendo dito, podemos concluir que o
processo de conhecimento, ou melhor, o seu “avanço”, a formulação de uma
teoria, é um processo bastante complexo, no qual se cruzam diversos fatores,
que se influenciam mutuamente, num processo dialético, num nível de abstração
que muitas vezes se distanciam da realidade concreta, principalmente quando a
experimentação se torna impossível.
Por lhes serem vedadas o poder da experimentação
científica, as “ciências sociais” são mais propensas a sofrer influências
ideológicas, que muitas vezes passam a ser os alicerces de toda uma teoria. Em
outras palavras, em relação a essas ditas “ciências”, na prática torna-se
difícil, se não impossível, separar ideologia do conhecimento científico ou
teórico. As ideologias são ao mesmo um tempo um verniz que embelezam a teoria
científica, impossibilitando encarar a realidade de forma científica, objetiva
e mais realista.
Terminei o artigo “A crise de 2008 e as informações
assimétricas” destaquei a influência ideológica sobre a teoria econômica
clássica, que engloba tanto a mão-invisível de Smith quanto a racionalidade dos
mercados, nos seguintes termos:
“O debate sobre a eficiência dos mercados e alocação
de recursos talvez fizesse sentido em uma época em que o sistema capitalista
precisava se firmar como novo sistema econômico, superior aos que viria
substituir e como prevenção ao que lhe ameaçava, ou seja, o socialismo”.
Em outras palavras, a teoria econômica precisava demonstrar
através da racionalidade e da lógica “racional” que o novo sistema era justo.
Evidentemente, justo sob uma nova ótica. Por ser mais justo seria mais benéfico
para todos.
Por faltarem os requisitos da experimentação,
questiona-se se são verdadeiras ciências. Para Foucault são, apenas, saberes.
Suas teorias são sempre questionadas sob a influência de uma nova ou outra
ideologia.
Um aspecto relevante a ser mencionado é que nas
“ciências naturais” o objeto do conhecimento “pode” ser imutável e o
objetivo final não ser claro. O avanço e as descobertas científicas podem
estabelecer, num segundo momento, os objetivos a serem alcançados.
Diferentemente, nas “ciências sociais”, aqui me refiro
a economia, o objeto do conhecimento, o que simploriamente chamo de “realidade
externa”, é sempre mutável, e os objetivos a serem alcançados podem requerer
modificações, assim como os critérios de adequação.
Este breve introito serve aos nossos propósitos para
analisar melhor a racionalidade dos agentes econômicos, fundamento para a
teoria dos mercados racionais. Diante de um processo tão complexo os
economistas racionais escolheram e elevaram a racionalidade, em si, se é que
existe, de forma genérica, a fator determinante e exclusivo do
comportamento humano, relegando todos os outros que interferem no processo de
conhecimento. Não se importaram com a especificidade que a racionalidade
adquire em cada situação concreta. Como chegaram a este absurdo?
5)) A racionalidade através da história
A racionalidade humana adquire facetas diferentes
dependendo dos momentos históricos, relativos a cada sociedade. Em comentários
à racionalidade humana, cito Japiassu:
“O hiato pode ser visto em duas importantes
palavras-chave: experimentação e matematização. Apesar de suas ideias
profundas e fecundas, de suas contribuições imorredouras, a ciência grega fica
ainda bastante confinada na theoria, no conhecimento especulativo e
desinteressado, na arte da contemplação,
embora tenha mostrado que o saber a priori desinteressado constitui uma
fonte de riqueza. Não se preocupa com a validade experimental nem com as
utilizações práticas” (Como nasceu …., p. 43).
“A tese de Lloyd consiste em dizer: as culturas que
precederam a Grécia não são
irracionais, como se poderia pensar. O que marca a originalidade dos gregos não
é a racionalidade, mas o seguinte: passamos do conhecimento dos fatos à busca
das causas, do domínio de certos saberes à demonstração de sua validade. […] O conhecimento desse tipo é
produzido por demonstração, que é uma forma de silogismo. […] Donde se
desenvolve todo um conjunto e técnicas da palavra: a retórica, a defesa
judiciária, a dialética e a erística (arte de encurralar o adversário em suas
contradições). […] Platão e Aristóteles distinguiam a retórica, visando persuadir,
da demonstração, tendo por finalidade provar. […] Neste sentido a
ciência grega é eminentemente demonstrativa, não experimental ou “não
científica” (idem, p. 45).
“Se a “ciência” grega não teve uma verdadeira
tecnologia nem desenvolveu uma física matemática, foi porque se interessou
essencialmente pela vida cotidiana, vivida e compreendida como o domínio do
movimento, do impreciso e do “mais ou menos” […] Os gregos permaneciam presos a
essa constatações empíricas” (idem, p. 66).
“Portanto, a objetividade não existe em si, é produto
de uma cultura, embora sempre visando ultrapassar a sensibilidade subjetiva
individual supondo a fim de obter um acordo entre todos os sujeitos sobre um determinado
setor de conhecimentos” (idem, p. 66).
O conhecimento do ser humano não é perfeito e por ser
falho evolui. A apreensão não se esgota no objeto do conhecimento,
principalmente quando este está em constante mutação. As mudanças podem ser
percebidas ou não.
Nas ciências sociais (humanas) processos subjacentes
podem não ser detectáveis pelos métodos de conhecimento, de forma a perpetuar o
comportamento dos agentes, em condições adversas.
Da mesma forma, uma “realidade aparente”, na qual
algumas modificações nos parâmetros podem ser “percebidas”, podem indicar uma
tendência para uma transformação substancial, que não se concretizará, porque
os outros elementos (fatores) também se modificam e podem anular os efeitos da
tendência inicial.
6) Os aspectos
relevantes deste tópico são:
- o conhecimento humano é imperfeito, não existe
certeza de sua exatidão;
- a realidade social externa sofre mutações constantes
ao longo do tempo;
- estas modificações podem ser percebidas, apreendidas,
ou não, pelos agentes;
- o objeto do conhecimento pode apresentar modificações
aparentes, que indicam tendências que podem não se realizar;
- da mesma forma, os elementos da transformação já
podem estar em ação sem que sejam percebidos ou apreendidos;
- sendo o conhecimento humano imperfeito estas
modificações aparentes podem levar a uma ação, que embora racional, seja
infrutífera ou inadequada;
- os fenômenos sociais não se repetem, da mesma forma
e intensidade, nem podem ser submetidos à experimentação nem a matematização;
- na
apreensão da realidade externa o agente sofre influências de fatores
irracionais,
dependendo do objeto do conhecimento a ser apreendido.
O AGIR (PROCESSO DA AÇÃO)
De certa forma, não basta o ser humano se apropriar da
realidade sem que haja uma vontade, um desejo de alcançar determinados fins.
Ele se apropria da realidade com a intenção de mudá-la ou fazer uso dela para
alcançar objetivos pré-determinados. Em outras palavras, ele tem que agir,
coordenando os seus conhecimentos sobre a realidade com suas ações, para
alcançar estes objetivos. Ou seja, o agir se refere aos mecanismos postos em
ação para que os agentes econômicos atinjam seus objetivos.
Este seria normalmente um processo ideal e lógico. O
lapso de tempo teria que ser razoável para que estes processos fossem
idealmente sincronizados. Veremos que este prazo poderá ser alterado por
circunstâncias diversas, dependendo das peculiaridades de cada situação.
Entretanto os objetivos podem ser alterados pelo seu
modo de agir ou pelas mudanças na realidade externa. Estamos agora falando dos
processos sociais.
Para seguir em busca de seus objetivos os agentes
econômicos têm que incluir em suas perspectivas a previsão, relativa a um
evento ou fato futuro e incerto.
A introdução deste novo fator muda radicalmente todo o
processo, porque a previsão, por se tratar do futuro, inclui diversos fatores
racionais e não racionais, como a projeção, que pode ser influenciada por
eventos passados. Por exemplo, a vivência e experiência em crises anteriores,
em momentos de boom, eventos políticos e seus efeitos, totalmente
imprevisíveis, política econômica e suas consequências, etc.
Não seria exagero afirmar que o agir, o comportamento
sobre uma realidade supostamente apreendida, possui teoricamente fatores
idênticos aos do primeiro estágio (apropriação da realidade) com uma carga
diferente para eles, portanto, com uma combinação diferente e com a introdução
de outros com maior relevância (ex: previsão). Outros fatores sociais e
psicológicos importantes também passam a fazer parte da ação dos agentes
econômicos em busca de seus objetivos, de forma mais incisiva: adequação,
pressupostos, predisposição para o risco e especulação, o risco moral, desejo
de enriquecer, ambição, autoestima, medo do fracasso, ponderação, manias,
pânicos, feeling, intuição, parcimônia, presença de espírito, vaidade, humildade
em reconhecer os próprios erros, etc.
Por experiência, todos nós sabemos o quanto é difícil
admitir os nossos erros, principalmente os mais grosseiros, que não seriam
cometidos por nossos concorrentes ou por quem nos julgamos “superiores”, mais inteligentes.
Persistimos em justificá-los, temos dificuldade em reconhecê-los por vergonha
ou vaidade, ou pelo julgamento ou estima que os outros têm de nós. São verdadeiros
bloqueios psicológicos.
Não existe entre estas duas fases uma interdependência
necessária. A racionalidade quanto ao objeto do conhecimento não
necessariamente se repete nesta fase. Isto significa dizer que a fase da ação
adquire certa independência da fase de apreensão, podendo se desprender e se
descolar dela. Ela adquire sua própria lógica. Diversos mecanismos psíquicos ou
psico-sociais entram em jogo e podem adquirir predominância e relevância sobre
o processo hipoteticamente considerado como estritamente racional.
Podemos rapidamente identificar um destes fatores como
a predisposição ao risco e à especulação. O agente econômico pode ser bastante
agressivo, em relação às medidas que irá tomar, para alcançar os seus
objetivos. Também o risco moral, assunto bastante comentado nas análises
econômicas sobre as crises financeiras, pode criar incentivos extras para que
as medidas sejam mais especulativas, arriscadas e “irracionais”. Os bancos
geralmente fazem uma análise do perfil dos investidores quando administram as
suas aplicações.
Estes são os fatores que irão influenciar a
racionalidade do processo de agir no tocante aos conhecimentos, métodos de
interpretação, seleção e escolha de variáveis, experiência. Um novo componente
importante é a adequação dos meios postos em ação sobre a “matéria
prima” para se alcançar os resultados pretendidos.
A racionalidade não elimina a interferência destes
elementos no próprio processo racional. Até mesmo diversas espécies animais
estão sujeitas a condicionamentos, através de estímulos e recompensa, para um
comportamento desejado. Lembrem-se de Pavlov e suas experiências. Doma-se o
cavalo, adestra-se o cão, condicionando-os a determinados comportamento,
respeitando as suas tendências inatas, como as diferenças raciais. Podemos
tornar um cão violento ou passivo, dependendo dos métodos postos em ação.
Segundo Webber, a ação racional pode se dar em relação
a um valor, pode ser afetiva ou emocional ou tradicional:
“A ação é racional não porque tende a alcançar um
objetivo definido, mas porque seria desonroso deixar de responder a um desafio
ou abandonar o navio que afunda” (Aron, p. 464).
“A chama de afetiva é a ação ditada imediatamente pelo
estado de consciência ou o humor do sujeito. É a bofetada dada pela mãe na
criança que se comporta de modo insuportável …. . Em todos estes casos, a ação
é definida por uma reação emocional do autor, em determinadas circunstâncias e
não em relação a um objeto ou a um sistema de valores” (idem, p. 465).
Seria o caso de uma venda maciça de ações em um
momento de pânico, de queda abrupta no valor dos ativos, conhecida vulgarmente
como a reação de manada.
O debate a respeito das influências socioculturais
sobre o condicionamento do processo de conhecimento persiste. Koyré, talvez, o
expoente máximo da corrente internalista, considera que o conhecimento
humano não sofre influência dos fatores culturais.
Para ele “Florença não explica Galileu”
(Jaíassu, p.40). Por outro lado, existe uma vasta bibliografia em sentido contrário,
o que, de certa forma, nos remete para a questão da neutralidade tecnológica.
Debates a parte sobre a questão científica, não
podemos deixar de reconhecer que os aspectos socioculturais têm importância e
relevância no comportamento humano. Reconhecer isto é aceitar a vida social, os
fundamentos da sociabilidade do ser humano, como um ser político e social.
Pra Webber:
“A ação tradicional é aquela ditada pelos hábitos,
costumes e crenças, transformada em uma segunda natureza. Para agir de conformidade
com a tradição, o ator não precisa conceber um objetivo, ou um valor, nem ser impelido
pela emoção: obedece simplesmente a reflexos enraizados pela longa prática”
(Aron, p.465).
“Como conhecer o digno de ser conhecido” (Webber).
No tocante especificamente ao nosso objetivo, é
difícil não reconhecer que os valores culturais podem repercutir no
comportamento dos agentes econômicos e consequentemente sobre a economia.
Como não reconhecer o “espírito” da vida social de um
povo, de uma nação?
Kissinger nos dá um exemplo:
“[...] a Prússia cultivava a disciplina e o serviço
público como substituto à abundância de população e recursos com que contavam
países mais afortunados. […] Sua população era relativamente esparsa; sua força
residia na disciplina com a qual dispunha de seus recursos limitados. Os
pontos fortes mais importantes eram sua mentalidade cívica, uma burocracia
eficiente e um exército bem treinado” (p. 42).
“Na experiência histórica da Rússia, comedimento no
exercício de poder levava a desastres: o fracasso da Rússia em dominar regiões
vizinhas, segundo essa visão, a tinha exposto às invasões mongóis e a fizera
mergulhar no “Tempo das Dificuldades” (p. 58).
Discute-se e sugere-se, muito embora existam
controvérsias e argumentos dúbios e favoráveis para todos os lados, que existem
diferenças culturais com relação ao risco e à especulação.
“Um ponto de vista comum é que os Estados Unidos
constituem o “lar clássico dos pânicos financeiros comerciais”, presumivelmente
devido ao seu sistema bancário selvagem” (Kindleberger, p. 75).
“É um impasse. O temperamento especulativo pode
diferir entre países. A quantidade de especulação em um país pode mudar
conforme o humor nacional varia entre a excitação e depressão” (idem, p. 76).
Entretanto, como não reconhecer que os valores
arraigados da sociedade americana estimulam a criação, a inovação, a concorrência
e a avaliação do risco diferentemente das outras sociedades? A individualidade
extrema, o espírito empreendedor e o self- made man diferenciam esta
sociedade e o comportamento de seus agentes econômicos, com repercussão nas
atividades econômicas.
Em sentido paralelo, as políticas econômicas
descontínuas desestimulam os agentes econômicos em suas decisões de longo
prazo.
Não reconhecer estes fatores socioculturais significa
não podermos afirmar que a sociedade capitalista, como bem advogam os seus defensores
e o próprio Marx, é uma forma de organização social superior às demais, com
forte estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico, institucionais e
aos valores que dizem respeito especificamente à existência do ser humano (ex:
o reconhecimento à dignidade da pessoa humana, a proibição de juízo ou tribunal
de exceção, o direito ao habeas corpus, enfim, os direitos e garantias “constitucionais”
e legais que norteiam os valores das sociedades desenvolvidas).
Da mesma forma, se não admitirmos a desses fatores,
como poderíamos justificar que transformações sociais nas sociedades
subdesenvolvidas e “em desenvolvimento”, nas suas instituições, nos aspectos
condizentes com à economia de mercado, levariam ao desenvolvimento econômico e
social?
Admite-se, de forma bastante plausível, embora seja
impossível avaliar e quantificar, que a passagem dos regimes socialistas para a
economia de mercado trouxe sérias dificuldades para a economia daqueles países,
devido aos hábitos, que se arraigaram
por décadas.
Os aspectos a serem ressaltados são:
- a ação visa alcançar objetivos pré-determinados;
- em tese, a ação possui os mesmos fatores do processo
de apreensão, mas com pesos diferentes;
- na ação o agente econômico terá que adequar os meios
postos em ação para alcançar os objetivos;
- não existe uma interdependência necessária com a
fase da apreensão, pois ela se descola da fase anterior e adquire a sua
relativa independência; a racionalidade humana não é uniforme e padronizada em
todos os momentos;
- esta fase está mais sujeita às influências
“irracionais”, por ser aquela em que o agente tem que colocar em ação toda a
sua habilidade e potencial, para não fracassar; onde se manifestam com mais
intensidade os conflitos ntre teoria x prática;
- os
mecanismos “irracionais” importantes são: predisposição para o risco,
especulação,
prudência, feeling, presença de espírito, intuição, manias,
risco
moral, pânico, comportamentos padronizados em determinadas
situações,
vaidade, humildade, etc.
O OBJETIVO A SER
ALCANÇADO ( A PREVISÃO)
Os agentes econômicos têm que fazer previsões sobre a
“realidade externa futura” para traçar e estabelecer seus objetivos. Sendo o
futuro incerto, os métodos e critérios de estimativa e previsão também serão
incertos. A racionalidade humana e os métodos de estimativa que ela supõe, por mais sofisticados que sejam
nunca, ou quase nunca, conseguem prever com exatidão os acontecimentos
futuros. Sobre o assunto consultar “Modelos matemáticos – porque eles falham”,
em www.melisiofrota.blogspot.com.br.
Se a previsão for falha todo o processo de adequação
estará comprometido, mesmo que seja exclusivamente racional. A racionalidade,
em parte, perdeu a sua razão de ser. Por este motivo, ela também poderá se dar
por fatores mais associados ao psiquismo. A autoconfiança, o feeling, o risco
moral, a intuição podem ser elementos determinantes. Nestas circunstâncias todo
o processo racional estará comprometido. O risco moral induz o agente a se
preocupar menos com a racionalidade.
Se o futuro é imprevisível e precisa ser previsto
para por em ação o agir, os seus procedimentos, mesmos que especificamente
racionais, podem não ser tão relevantes. Toda previsão tem um quê de
futurologia e está presa e alicerçada no passado e no presente. A incerteza
sempre paira sobre a previsão.
Da mesma forma, o agir racional, que visa atingir fins
e objetivos específicos através da razão, também precisa uma avaliação racional
do futuro, da adequação dos meios e fins. Então, a racionalidade deveria atingir
as três fases, para que todo o processo fosse racional.
Em circunstâncias ideais o processo deveria seguir as
seguintes etapas: apreensão, previsão, ação. É admissível que a previsão (por
ser mais associada às incertezas e aos fatores psíquicos) venha num momento
anterior à apreensão.
Outrossim, as expectativas são racionais e irracionais
ou irracionais. Mesmo se pudessem ser exclusivamente racionais se deparariam
com os problemas da incerteza. Assim, a racionalidade pode não ser tão
importante para o resultado final.
Aqui, os aspectos importantes são:
- estabelecer objetivos, que podem ser racionais e
irracionais ou simplesmente irracionais;
- para a fixação de objetivos com racionalidade tem
que haver previsão com racionalidade, sobre a situação futura;
- as previsões sempre sofrem influências do estado
presente e passado; - as previsões são
incertas e por isto os objetivos podem ser irreais;
- sendo os objetivos irreais a racionalidade pode se
tornar irrelevante.
OS PRESSUPOSTOS
Diversos fenômenos naturais são repetitivos, podem ser
reproduzidos em laboratórios, experimentados, matematizados, testados e por
isso as suas causas podem ser determinadas com elevado grau de precisão.
“Afastada” a experimentação e a avaliação por erros e acertos, pois impossível
isolar os fenômenos sociais e colocá-los à prova, os pressupostos passam
a ser relevantes e perpassam e contaminam as três fases do processo. Por
isso são importantes nas ciências sociais e no agir dos agentes econômicos.
Para um melhor esclarecimento, reproduzo alguns
parágrafos dos artigos “DIREITO, ECONOMIA E MERCADOS RACIONAIS” e “A CRISE DE
2008 E AS INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS”, em www.melisiofrota.blogspot.com.br.
“Os limites entre o
comportamento racional e “irracional” nunca foram clara e cientificamente definidos. Ações,
comportamentos inconscientes, preconceitos, convicções
íntimas, atitudes irracionais podem ter o manto da racionalidade quando
explicados e justificados racionalmente. A racionalidade se ajusta ao que
nos propomos justificar. Para esta
situação a psicanálise usa o termo racionalizar, que significa
justificar com motivos racionais, ou seja, utilizando a razão, atos e condutas
provocados por elementos não racionais ou inconscientes”
(www.dicionárioinformal.com.br).
“Modelos matemáticos podem ser
extremamente racionais, mas ineficazes e danosos quando partem de premissas ou
pressupostos falsos”.
Sobre a teoria de Eugene Fama: “Partiu de
um mundo hipotético, não real, porque, na pior das hipóteses, deveria admitir
que o tráfico de influência, as possibilidades de manipulação e as informações
privilegiadas eram reais e comuns no mercado financeiro”.
“A aptidão e o amor pelo risco fogem a
racionalidade”. Na
verdade, pouco interessa se os mercados contêm todas as informações
disponíveis. Os negociantes, homens de
negócio “apostam” no devir, embora sejam ou pareçam “racionais” nas suas
escolhas. E o devir é imponderável e imprevisível e, por isto, as ações
“racionais” não podem levar a conclusões, soluções e consequências sempre satisfatórias, por serem pressupostamente
racionais”.
“Repetem estas bobagens com tanta
autoridade (acrescento: e soberba) que nos sentimos incapazes e até
constrangidos em questioná-los. E o pior é que não se envergonham. Mais um enigma
do comportamento humano, que nos traz dúvidas
sobre a sua racionalidade”.
“Convém lembrar que as mais diversas e
discrepantes teorias econômicas foram e são elaboradas por pessoas extremamente
racionais, o que já evidencia os retumbantes fracassos teóricos, que
propiciam o caos econômico”.
“As inovações financeiras, respaldadas por
modelos econométricos sofisticadíssimos, estavam de vento em popa e
cumpriam as suas funções em justificar e garantir os fundamentos teóricos e a
especulação”.
“A desregulamentação financeira e a
securitização se alastraram com o fundamento de que os riscos estavam “racionalmente” diluídos e
por isto não havia possibilidades de
crise. Tudo estava sobre controle por que os gênios das finanças eram extremamente racionais. …. Todos surfavam ou desejavam
surfar na onda da especulação. Todos atuavam “racionalmente”, mas com a alma
de especulador. Vendiam informações sem interesse em saber se eram falsas
ou não, com ou sem interesse”.
O leitor poderá encontrar diversos
comentários e exemplos reais sobre o funcionamento dos mercados financeiros,
com a citação de uma bibliografia bastante diversificada.
Segundo Webber:
“O conhecimento científico-cultural tal
como entendemos encontra-se preso, portanto, às PREMISSAS “subjetivas”, pelo
fato de apenas se ocupar daqueles elementos da realidade que apresentam alguma
relação, por muito indireta que seja, com os acontecimentos a que conferimos
uma significação cultural” (Webber 1996,
p. 98, citado em “a objetividade do conhecimento nas ciências sociais”, (unimep2008-xp.uol.com.br/sociologia/Webber.ppt).
Pressupostos como a alocação ótima dos
recursos através de mecanismos de preços e da racionalidade dos mercados se
misturam às ideologias, que os amparam.
A racionalidade do Prêmio Nobel Myron Scholes e de seu
colega Fisher Black não evitou o colapso do Long - Term Capital Maganagem,
altamente e racionalmente alavancado, tido como exemplo das novas finanças
racionais, na crise russa em 1998, simplesmente, porque partiu de premissas
erradas.
O LAPSO TEMPORAL
Em situações e circunstâncias extremamente voláteis,
sensíveis às mudanças de perspectivas dos agentes econômicos, à ação destes, às
políticas econômicas, sujeitas a variações bruscas, inesperadas e repentinas, o
objeto do conhecimento (realidade material externa) está sempre em mutação.
Este é o caso do mercado financeiro sujeito a boatos, conchavos, informações
privilegiadas, manipulações, crises, booms, etc.
Um dos aspectos a ser salientado é que, nestes casos,
o lapso de tempo entre apreensão e o agir se encurtam e, ao mesmo tempo, se
confundem. E o objetivo tornou-se irrelevante, foi substituído por outro, mais
imediato ou abandonado. Não há tempo suficiente para planejar uma ação com base
numa nova realidade externa a ser apreendida.
Esta “realidade material externa” pode mudar com uma
extrema velocidade, que não existe tempo para compreendê-la e as decisões (o
agir) passam a ser guiadas por padrões de comportamentos, como comportamento
de manada, podendo prevalecer também a presença de espírito, o feeling, as
manias, o pânico, a experiência passada, a história, os fatores ideológicos
(tais como, a crise é passageira, os mercados irão se ajustar). Estes fatores
passam a comandar o processo de decisão e suplantam a racionalidade,
estritamente falando. É o “sauve que peut”. Os objetivos antes traçados
já não interessam, pelo menos no momento.
Estes objetivos se perdem porque o momento requer um
novo tipo de ação, de interpretação da realidade, que se transformou e
continuará este processo de transformação sem um fim previsível. Velocidade no
agir é fundamental. E a capacidade de tomar decisões rápidas, sem uma prévia
avaliação requer presença de espírito e intuição.
Outrossim, pode acontecer que já se iniciou o processo
de transformação da “realidade externa”, mas os elementos de transformação
ainda não se mostraram suficientemente claros para que os métodos e os
procedimentos utilizados para a sua compreensão possam captar o processo.
Ou então, embora apreendidos e captados não adquiriram
força suficiente para prosseguir no processo de transformação mais radical,
porque anulados pelos efeitos de outros elementos e eventos. Trata-se de uma
“realidade aparente”. Entretanto, os agentes econômicos têm que se antecipar
uns aos outros, porque esta antecipação pode trazer bons frutos. Aqui a
prudência e o amor ao risco são importantes.
Nestes casos, os objetivos podem se tornar
incompatíveis com a realidade e consequentemente com a adequação dos meios aos
fins. A transformação pode ser rápida ou lenta, dependendo de diversas
circunstâncias. Em momentos de crashes, minutos representam uma eternidade e
perdas vultosas.
A racionalidade humana e os métodos de estimativa que
ela supõe, por mais sofisticados que sejam, nunca, ou quase nunca, conseguem
prever com exatidão os acontecimentos futuros.
O MÉTODO DIALÉTICO
Nos tópicos abordados mencionei a importância dos
métodos para a apreensão da “realidade externa” e do agir, sem comentá-los
especificamente.
Entretanto, para o assunto que estamos tratando o
método dialético é de extrema importância para entender este processo e
principalmente para questionar o pensamento clássico sobre as conclusões sobre
a racionalidade humana e seus resultados na economia.
Cito mais uma vez Japiassu:
“Marx faz da dialética um método. Insiste na
necessidade de considerarmos a realidade socioeconômica de determinada época
com o um todo articulado, atravessado por contradições específicas, entre as
quais a luta de classes. A partir dele, mas graças a contribuição de Engels, a
dialética se converte no método do materialismo e no processo do movimento
histórico que considera a natureza: a) como um todo coerente em que os
fenômenos se condicionam reciprocamente; b) como um estado de mudança e
movimento; c) como o lugar onde o processo de crescimento e mudanças
quantitativas gera por acumulação e por saltos , mutações de ordem qualitativa;
d) como a sede das contradições internas , seus fenômenos tendo um lado
positivo e o outro negativo, um passado e um futuro, o que provoca a luta das
tendências contrárias que gera o progresso”.
Embora não tenha sido comentado, uma das consequências
teóricas e práticas a ser deduzida da aplicação do método dialético é que “o
todo não é a soma das partes” e também não é o resultado da simples combinação
entre elas. O que significa dizer que os comportamentos, mesmo racionais
tomados individualmente, não produzem necessariamente resultados racionais. É o
que Kindleberger denomina de “falácia da composição”.
Os exemplos nos compêndios de economia são claros e o
mais comum se refere ao comportamento dos espectadores em uma partida de
futebol, em que todos se levantam, cada um racionalmente, mas o resultado é o
mesmo se ficassem sentados.
Na economia, especificamente falando, podemos citar o
problema da concorrência entre os agentes econômicos. Todos enfrentam a
concorrência fazendo avaliações e tomando atitudes racionais. As medidas
tomadas pelos concorrentes podem estimular que todos tomem medidas semelhantes
ou não.
Estas medidas podem levar a uma superprodução, com
prejuízos para todos, fazendo que as
decisões racionais se tornem, no final das contas e na realidade irracionais.
Mas os concorrentes não podem simplesmente abandonar o barco, porque, muitas
vezes, as decisões tomadas são irreversíveis, ou porque isto significa ceder
participações no mercado, com repercussões futuras. Ou, complementarmente, porque a dor e o reconhecimento da derrota
fere a autoestima e o orgulho. Perder para o concorrente é insuportável, principalmente
dependendo de quem seja. Ainda, permanece a esperança de que poderá acorrer um
acontecimento imprevisto no mercado, na política econômica que possibilitará
continuar no jogo e, talvez, abater o adversário, custe o que custar. Nessa
hora espera-se pelo milagre mesmo não sendo crente.
A crise no mercado financeiro e imobiliário no Japão
ajuda a esclarecer esta situação:
“A desregulamentação das instituições financeiras foi
um grande fator contribuinte para a bolha dos preços das ativos no Japão nos
anos 198O e, especialmente, durante a segunda metade daquela década.
Todos os bancos japoneses estavam muito interessados na sua posição no ranking
quanto a seus ativos e depósitos.
Cada um queria ir para uma posição superior nessa lista – o que significava que
todos precisavam “aumentar seus empréstimos” mais rapidamente do que os bancos
nas posições superiores” ( Kindleberger, Charlier
P., & Aliber Robert, “Manias, pânicos e crises”, Ed. Saraiva, 6ª ed, 2013, p. 70).
Utilizando uma expressão sarcástica para retratar os
conturbados momentos da crise de 2008, quando a especulação atingia o auge, o
presidente do Citigroup, Chuck Prince, mencionou a célebre frase : “ Você
precisa continuar dançando enquanto a música estiver tocando”.
Ou, “quando o resto do mundo está louco, temos que
imitá-lo de algum modo” ( Charles Mackay apud Kindlebeger, obra citada, p.70).
O renomado cientista Isaac Newton, supõe-se que
extremamente racional, depois de fracassar especulando no mercado financeiro
afirmou: “Eu posso calcular os movimentos dos corpos celestes, mas não a
loucura das pessoas”.
Enfim, mesmo se fosse possível que todas as fases
(apreensão, ação, previsão) fossem exclusivamente racionais, inclusive em suas
conexões, para que o resultado fosse uma consequência dessa racionalidade seria
necessário transpor as barreiras dos pressupostos e do método
dialético.
CONCLUSÃO
Os economistas racionais associam o termo
RACIONALIDADE dos agentes econômicos às decisões corretas para atingir os
objetivos determinados.
Entretanto, como tivemos oportunidade de verificar, a
racionalidade se dá em diversos estágios: na apreensão da realidade, na ação, e
na previsão para determinar os objetivos. Em cada um desses momentos ela
adquire conotações diferenciadas e sofre influências diferentes de outros fatores
que interferem no processo de conhecimento como um todo: apreensão, agir,
previsão.
Outrossim, pode-se pretender os mesmos resultados com
ações e atitudes diversas, bem como resultados divergentes, mas com os mesmos
elementos e informações à disposição, a serem trabalhadas. E todos são
racionais.
Portanto, racionalidade não significa exatidão, como
pretendem os ideólogos dos mercados racionais. Outrossim, não significa que ela
está perfeita e obrigatoriamente alinhada e coerente com as circunstâncias
concretas, que as decisões tomadas estejam corretas, muito embora seja esta a
conotação que os economistas esperam do uso do termo.
Por óbvio, da racionalidade não se deduz uniformidade
e unicidade de pensamentos e atitudes. Mas, ela (racionalidade) pode ser
coerente apenas com uma realidade “aparente” ou disfarçada, que não pode ser
apreendida pela percepção humana e pelos métodos de apreensão postos ou
elaborados que estejam à disposição. Em vista disto, todo o processo chamado
“racional” está fadado ao fracasso.
No mercado financeiro os agentes econômicos devem
perceber ou apreender as tendências do objeto do conhecimento, antes dos demais
agentes, para que possam se antecipar a eles, possibilitando se posicionarem
melhor no mercado ou realizar seus lucros. E esta percepção não se dá apenas
racionalmente, mas também pela experiência, sensibilidade, oportunismo,
feeling, intuição, presença de espírito, inclusive fazendo uso de outros
instrumentos ilegais ou moralmente reprováveis.
Se não existem uniformidade e unicidade na
racionalidade os resultados obtidos também são divergentes, o que implica dizer
que a racionalidade não nos leva à certeza, nem a resultados satisfatórios para
todos os agentes. Então, ela não possui o mecanismo de ajuste implícito que faça
com que os mercados se comportem de acordo com os comportamentos e
“expectativas racionais” dos agentes. Teríamos que invocar a mão-invisível de
Adam Smith, que ao que tudo indica parece ser mais coerente. Sobre a crítica à
mão-invisível consultar “Direito, economia e mercados racionais” em www.melisiofrota.blogspot.com.br.
Além disso, decisões tomadas que necessitam de
correção de rumo, em virtude de erros na avaliação (porque o conhecimento
humano não é perfeito), ou mesmo no desenvolvimento das ações implementadas,
podem ser irreversíveis, embora possam ser, algumas vezes, amenizadas.
Como podem levar a resultados “racionais”, corretos?
Muitas vezes, as decisões tomadas no presente,
consideradas como racionais, se mostram incoerentes, pois devem ser
confrontadas pelos novos acontecimentos e informações que surgem no decorrer do
processo e que não se encontravam disponíveis no início (erros de avaliação por
interpretação, por falta de informações disponíveis ou por mudanças de
comportamento dos agentes). Entretanto, elas foram tomadas e não podem ser
ajustadas de acordo com as novas conveniências, para alcançar os resultados
inicialmente almejados.
Assim, a racionalidade dos economistas racionais passa
a ser um dogma, a ter um conteúdo ideológico, que serve a todos os Deuses, para
justificar a coerência dos mercados.
Por outro lado, ela está sujeita a influências
diferentes, psíquicas e psicossociais, dependendo do objeto de conhecimento em
que atua. Nos fenômenos tipicamente naturais, cuja experimentação tem papel de
relevo, os fatores psicossociais (ex: ideológicos) têm menos importância. Ou
seja, ela tem conotações diferentes.
Mesmo num mesmo campo de ação, tal como na economia,
ela adquire conotações diferentes, de acordo com o segmento e a particularidade
de cada situação. Nos mercados financeiros sensíveis às mudanças de
perspectivas dos agentes econômicos, à política econômica, onde a volatilidade,
as mudanças inesperadas, a velocidade dos acontecimentos e a reação a eles são
extremas, a racionalidade muitas vezes cede espaço a padrões de comportamento
(vendas maciças em determinadas condições) e a decisões baseadas em aspectos
psíquicos e psicossociais.
Outrossim, nestes mesmo mercados, dependendo da
situação concreta da economia, retração, expansão, especulação, boom, boatos,
fatores imprevisíveis (guerras, calamidades, etc) estes elementos não racionais
se reforçam e determinam o comportamento dos agentes econômicos, de forma mais
dramática.
O lapso temporal encurtado faz com haja uma fusão entre
os momentos de apreensão e do agir (ação). Os objetivos traçados são alterados
ou esquecidos, mesmo que momentaneamente, para ceder a objetivos mais
prementes. Portanto, os fatores psicológicos e psicossociais passam a comandar
o comportamento humano em todos os aspectos (ver tópico “O método dialético”).
Enfim, não existe esta correspondência necessária que
faça com que as decisões tomadas no presente sejam coerentes com as que
deveriam ter sido tomadas se os agentes tivessem disponibilidade de informações
futuras e das condições concretas não conhecidas no presente.
Ou mesmo, nas que irão se formando, com resultados
adversos. Ela (racionalidade) não possui os elementos necessários para a
análise de longo prazo e, portanto, quais as ações coerentes que deveriam ser
tomadas. Tudo o que diz respeito ao futuro são conjecturas e expectativas que
poderão ser concretizadas ou não.
Pouco importa se os agentes econômicos apreendem a
realidade, agem, tomam decisões e fazem previsões que racionalizam serem
“estritamente” racionais. O importante é descobrir as leis que regem as
economias capitalistas, as forças intrínsecas que as governam, que provocam as
crises, as especulações, as disparidades sociais, de forma que possamos
evitá-las ou abrandá-las, aliviando a dor e os sofrimentos de diversas
famílias, que não possuem meios efetivos para suplantá-las.
Os economistas partidários do comportamento e das
expectativas racionais desprezam todos
estes fatores e fazem mal uso de um conceito genérico, utilizando-o para a
solução de todos os problemas da sociedade capitalista, problemas que deveriam
analisar e explicar, relegando as diversas particularidades em que a
racionalidade se manifesta. Como consequência não podem apresentar as soluções
corretas.
Enfim, por não existir racionalidade uniforme dos
agentes econômicos na apreensão, ação e previsão, que podem muitas vezes ser
contrários, pergunta-se: como essas ações podem levar a resultados
satisfatórios, que atenda a todos? Porque este resultado deveria ser considerado
racional? A isto os economistas racionais deveriam responder.
Concluindo: racionalidade nunca foi sinônimo de
certeza e mesmo coerência, os fatos comprovam.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
Aron, Raymond, As etapas do
pensamento sociológico, Martins Fontes, 1982.
Écoles des Hautes Études en Sciences
Sociales, Ofício de Sociólogo, Ed. Vozes, 1968.
Fernandes, Florestan, Fundamentos empíricos da
explicação sociológica, Livros Técnicos e Científicos, 3ª ed, 1978.
Japiassu, Hilton:
– Como nasceu a Ciência Moderna – e as razões da filosofia,
Imago, 2007;
– Dicionário básico de filosofia, Jorge Zahar, 3ª ed,
2001;
– A revolução científica moderna, Imago, 1985.
Kindleberger, Charlie P. & Aliber Obert Z. , Manias, pânicos e
crises, Ed. Saraiva, 6ª ed, 2014.
Kissinger, Henry, Ordem Mundial, Objetiva, 2014.
Koyré, Alexandre, Do mundo fechado ao universo
infinito, Ed. Universidade de São Paulo, 1979.
- Direito, economia e mercados
racionais – uma crítica aos economistas racionais;
- A crise de 2008 e as
informações assimétricas;
- Modelos matemáticos –
porque eles falham;
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