domingo, 31 de maio de 2015

UM RAIO X SOBRE "O ESPÍRITO ANIMAL"






UM RAIO X SOBRE O “ESPÍRITO ANIMAL”

OBJETIVO

O objetivo deste artigo é tecer comentários sobre as concepções esboçadas no livro “Espírito Animal” de autoria do Prêmio Nobel de economia em 2001 George A. Akderlof e de Robert J. Shiller.Os autores fazem parte de uma corrente de economistas chamada “economistas comportamentais, que passou a ter destaque na década de 90.

Os economistas comportamentais são uma categoria de economistas que procuram dar destaque e primazia aos fatores psicológicos dos agentes econômicos, como determinantes das diversas variáveis e aspectos da atividade econômica, notadamente a importância para os aspectos conjunturais da economia e seus ciclos.
 
 
Sem querer desqualificar a importância destes fatores psicológicos, o nosso foco será demonstrar que eles já haviam sido ressaltados por diversos economistas, não sendo grande novidade este novo enfoque, que deverá ser apreciado apenas quanto a relevância que os autores dão.
 
 
Outrossim, cabe ressaltar que na opinião deste autor deve-se buscar nas próprias leis que regem as economias ditas capitalistas os seus limites, que levantam sérios obstáculos para que esta economia possa desenvolver todas as suas potencialidades, sem que estas se transformem em crises periódicas.
 
 
Também não poderíamos deixar passar em branco a importância que os Bancos Centrais, como emprestadores de última instância, passaram a desempenhar nas economias capitalistas, modificando a relevância que tais fatores psicológicos tinham em um passado remoto.
 
 
Minha pretensão é focar os argumentos no aspecto “confiança” que os autores destacam como a pedra angular de suas teorias:
 
 
“A pedra angular de nossa teoria é a confiança e os mecanismos de feedback entre confiança e economia, que amplificam os distúrbios” (p. 6).
 
 
Note-se que no parágrafo citado os autores, por descuido ou confusão, colocam a “confiança” como fator amplificador das crises. Posteriormente, a confiança será encarada como um dos fundamentos das crises.
 
 
O artigo está dividido nos seguintes tópicos: 1) o que pretendem os autores; 2) o que os autores entendem por “Espírito animal”; 3) a economia e os ciclos econômicos; 4) os fundamentos das crises econômicas; 5) a importância do sistema bancário para as crises; 6) os fatores psicológicos nas crises de 1890 e 1929; 7) a crise de 2007/2008; 8) outros assuntos em destaque; 9) conclusão.
 
 
 
O QUE PRETENDEM OS AUTORES


Nas primeiras páginas do mencionado livro podemos detectar a pretensão dos autores, que a destacam abertamente, no Prefácio, parte final:
 
 
“Este livro, que se baseia numa disciplina emergente, economia comportamental, descreve a real situação das forças econômicas. Aqui se mostra o verdadeiro funcionamento da economia sob o impulso de atores de fatos humanos, ou seja, imbuídos do espírito animal, tão inerente à natureza humana.
 
 
Com a vantagem de mais de 70 anos de pesquisas em ciências sociais, hoje podemos compreender a influência do espírito animal sobre a macroeconomia de maneira impossível para os primeiros keynesianos. E como reconhecemos a importância do espírito animal, ao qual atribuímos papel central, em vez de varrê-lo para debaixo do tapete, essa teoria não é vulnerável a ataques”
 
 
“E isso nos leva à diferença filosófica entre este livro e os textos econômicos convencionais. Este adota visão diferente de como escrever a economia. Nos compêndios econômicos, procura-se minimizar tanto quanto possível os desvios de pura motivação econômica e da conduta racional“ (p. 5).
 
 
“Se é assim que interpretamos o termo confiança,concluímos de imediato que, ao variar no tempo, o nível de confiança desempenha papel fundamental no ciclo econômico” (p. 13).


O QUE OS AUTORES ENTENDEM POR “ESPÍRITO ANIMAL”
 
 
 
Entretanto para continuarmos com a nossa jornada precisamos descobrir o que os autores entendem por “espírito animal”. Esta conceituação encontramos nas seguintes páginas:
 
 
“A ideia de que tempos de dificuldade, como a atual crise financeira e habitacional, são consequência de mudanças nos padrões de pensamento contraria a mentalidade econômica tradicional. Porém, a crise em curso confirma o papel dessas transformações nos gabaritos mentais. Ela foi provocada exatamente pelas transformações em nossos paradigmas de confiança, de tentação, de inveja, de ressentimento e de ilusões – e, especialmente, pelas mudanças nas histórias sobre a natureza da economia” (p. 4).
 
 
No tópico “ Como a economia realmente funciona e o papel do espírito animal” (p. 6) os autores afirmam:
 
 
A Parte Um deste livro descreverá cinco diferentes aspectos do espírito animal e como eles afetam as decisões econômicas – confiança, equidade, corrupção e comportamento antissocial, ilusão monetária e histórias:”
 
 
Num primeiro momento, podemos constatar que a proposta dos autores é de cunho moral, pois irão procurar demonstrar que as crises da economia capitalista se devem a questões de prudência, poupança, honestidade, equidade, comportamento antissocial e outros fatores psicológicos como mudança do nível de confiança.
 
 
É como se os autores quisessem purgar a economia capitalista de todos os males que acompanham a natureza humana e ao fazerem isto encontraríamos o paraíso. Ou seja, os problemas da economia capitalista têm raízes na natureza “distorcida” da humanidade e ao controlarmos isto a própria economia se autocorrigia.
 
 
Mas, o problema é que todos estes vícios da natureza humana são inerentes a ela e a acompanharam em todos os momentos de sua história, o que não quer dizer que o modo de produção capitalista não tem características próprias, que as diferem de outros modos de produção.
 
 
E como não admitir a hipótese de que as leis inerentes às economias capitalistas fornecem o oxigênio que impulsionam estes fatores psicológicos em diversas direções, dependendo das suas fases econômicas características.
 
 
 
A ECONOMIA E OS CICLOS ECONÔMICOS
 
 
 
Já de longa data que os economistas reconheceram os ciclos econômicos, de prosperidade e declínio e procuraram identificar os fatores que contribuem para os seus surgimentos.
 
 
Apenas para citar alguns exemplos, inicialmente foram elaboradas teorias sobre ciclos econômicos das econômicas capitalistas baseadas:
 
    • nas atividades agrícolas, que acreditam serem os ciclos decorrentes dos fatores, inclusive aleatórios, que predominavam na agricultura;
    •  
    • no subconsumo da população, tendo em vista a concentração do poder econômico por um elite, no caso capitalistas versus classe operária;
    •  
    • até mesmo nas atividades lunares e solares (sunspots);
    •  
    • ciclos longos de Kondratief.
    •  
Para Marx as economias capitalistas estavam sujeitas a crises periódicas em função da da superprodução e da taxa decrescente de lucros. Posteriormente, na década de 30, período pós-crise de 1929, Keynes e Kalecki centraram as suas análises e teorias sobre o papel que a demanda efetiva desempenhava no surgimento das crises econômicas. Para Keynes a eficiência marginal do capital tinha um papel importante, por que inibia a percepção de investimento por parte dos capitalistas.
 
Posteriormente, Minsky procurou dar ênfase na instabilidade intrínseca das atividades financeiras como fator que desencadeava as crises. Portanto, já existiram toda sorte de teorias que procuravam explicar os ciclos econômicos.
 
 
E, na página 5, quando os autores afirmam que “os compêndios econômicos procuram minimizar os desvios da pura convicção econômica e da conduta racional”, acredito que eles estão se referindo aos economistas dos “mercados racionais e eficientes”, que por sinal, já foram bastante contestados, mas que por questões outras, que analiso num artigo plotado neste mesmo blog, fizeram prevalecer as suas opiniões, mormente nos Estados Unidos da América, que por interesses subjacentes à sua expansão mundial propagaram mundo afora esta teoria, cujo nascedouro foi a Universidade de Chicago.
 
 
Ora, o reconhecimento da importância dos aspectos psicológicos na economia já foram reconhecidos por Kindleberger, com um título altamente sugestivo de seu livro “Manias, pânico e crashes”, uma referência para todos aqueles que querem se aventurar em desvendar os mistérios das crises econômicas.
 
 
“Um crash é um colapso dos preços dos ativos, ou talvez a falência de uma importante empresa ou banco. Um pânico, “um medo súbito sem causa” do Deus Pan, pode ocorrer em mercados de ativos ou envolver uma corrida de ativos menos para mais líquidos” (p. 136).
 
 
“A causa remota da crise é a especulação e a expansão do crédito; a causa próxima é algum incidente que abale a confiança no sistema, faça as pessoas pensarem sobre os perigos da falência e leve-as a se deslocarem de commodities, ações, imóveis, letras de câmbio, notas promissórias, moedas estrangeiras – seja o que for – de volta à moeda corrente. Em si mesma, a causa próxima pode ser corriqueira: uma falência, um suicídio, um ímpeto, uma recusa de crédito a alguém que pede emprestado, alguma mudança de ponto de vista que leva um ator importante a se desfazer-se de seus títulos”.
 
 
O pânico como “fator social”, importante para que a crise se instale, se dá pelo contágio ou pela possibilidade e risco dele. Ele é o meio de transmissão.
 
 
No mesmo sentido professa Krugman:
 
 
“A perda de confiança foi, até certo ponto, processo auto-reforçador. Enquanto os preços dos imóveis e os mercados de ações estavam em ascensão, até os investimentos questionáveis tendiam parecer bons. Quando a bolha começou a esvaziar, as perdas passaram a acumular-se, comprometendo ainda mais a confiança e promovendo nova redução na oferta de empréstimos” (p. 87).
 
 
Observa-se o enfoque do autor que coloca a confiança como mecanismo auto-reforçador das crises, “comprometendo ainda mais a confiança”, quando a bolha estourou. A confiança como elemento auto-reforçador vem a reboque.
 
 
O mesmo autor cunhou uma expressão interessante:
 
 
“No entanto, muito mais importante para a economia são os pânicos que, não importam quais sejam as causas, validam-se por si mesmos – pois o pânico em si justifica o pânico” (p. 91). 
 
 
Estes breves parágrafos mostram que os pânicos eram reconhecidos como efeitos propagadores das crises econômicas, embora Krugman não saliente de forma precisa o que gera o pânico e Kindleberger, neste parágrafo, admite ser “um medo súbito sem causa”, praticamente na mesma linha dos autores comentados. No entanto, veremos que o último autor expressará outros pontos de vista, que em parte colocam em xeque, para não dizer que contradizem estas opiniões.
 
 
Neste momento, o importante a salientar é que o que os autores comportamentais comentados fizeram foi apenas adicionar um tempero sobre o tema, dando ênfase aos aspectos psicológicos sobre o desfecho das crises.

 
Ora, o pânico, ou a falta de otimismo, ou coisa que o valha, se propaga por que existe o “contágio”. Em outras palavras, a economia como um todo é formada por vasos comunicantes, se assim podemos nos expressar, que ao se interligarem uns com os outros impulsionam ou retraem as atividades econômicas, dependendo dos estímulos que recebem.
 
 
E estes estímulos podem ter origem e natureza econômica, estimulando ou não os aspectos psicológicos dos agentes econômicos. A complexidade em analisar os fenômenos sociais, incluindo nestes a economia e consequentemente os agentes econômicos e sociais, está em sopesar todos os fatores que contribuem para estes fenômenos, por que os fatos sociais são determinados por mais de uma causa, embora algumas possam ser mais determinantes.
 
 
Na verdade, o que os autores do livro comentado deveriam ter feito era melhor especificar de onde surge esta falta de confiança, determinante para uma fase depressiva da economia, por que simplesmente ela não cai do céu.
 
 
Os autores em vez de afirmarem genericamente que mudança do nível de confiança desencadeia as crises, deveriam demonstrar como elas se articulam com os demais fatores econômicos, ou até mesmo psicológicos e por que de tempos em tempos, surgem do nada, como gatilhos para as crises. Não basta mencionar que em determinados momentos estes fatores (espírito animal), neste caso o nível de confiança, deflagra as crises. O importante é especificar e explicar por que eles surgem de tempos em tempos e como eles se articulam com os demais fatores econômicos para desencadear as crises, geralmente depois de momentos de expansão e especulação. 

 
 
 
OS FUNDAMENTOS DAS CRISES FINANCEIRAS

 
Como afirmei em tópicos anteriores, ao contrário dos autores comportamentais, devemos buscar nas leis que regem as economias capitalistas os fundamentos para as suas crises periódicas, muito embora não possamos deixar de reconhecer que os aspectos psicológicos dos agentes econômicos, ao se reforçarem desempenham também efeitos importantes sobre os níveis das atividades econômicas.
Cumpre lembrar que os economistas que se preocupavam em desvendar as leis da sociedade capitalista ressaltaram e estavam preocupados com o fato de que estas leis impõem limites à sua expansão, desencadeando as crises.
 
 
Em vez de reproduzir os pontos de vistas marxista, keynesiano e kaleckiano prefiro citar outros economistas, inclusive o próprio Kindleberger, sobre os fundamentos das crises.
 
 
Contrariamente as suas citações anteriores, vale reproduzir mais uma vez Kindleberger, sobre as crises:
 
 
“O debate monetarista-keynesiano não deixa quase nenhum espaço para a instabilidade do crédito e a fragilidade do sistema bancário ou para os impactos na produção e preços, quando o sistema de crédito fica paralisado devido a empréstimos mal-sucedidos em função da queda nos preços – todos esses fatores em minha opinião, vão longe na explicação do que aconteceu nas etapas iniciais da grande depressão de 1929. Como já foi observado, trata-se de uma visão antiga, defendida por muitos economistas anteriores a 1940, que inexplicavelmente caiu em descrédito durante a revolução keynesiana e a contra-revolução monetarista. Uma explicação atual notável é Hyman Minski” (p. 87).
 
 
“No modelo de Minski, o boom é alimentado por uma expansão do crédito bancário que aumenta a oferta total de dinheiro...O crédito bancário é, ou ao menos tem sido, notoriamente instável e o modelo de Minski repousa firmemente neste fato.... Mas mesmo se a instabilidade de bancos antigos e de outros novos fosse corrigida, a instabilidade do crédito pessoal permaneceria, fornecendo meios de pagamentos para financiar o boom, dado um estímulo suficientemente forte para isto” (p. 17).
 
 
“Quando o número de empresas e particulares que incidem nessas práticas cresce (overtrading), trazendo consigo segmentos da população que normalmente mantêm-se à parte de tais aventuras, especulação e lucro afastam-se do comportamento normal e racional em direção ao que tem sido descrito como “manias” e “bolhas”. A palavra mania enfatiza a irracionalidade; bolha prenuncia o estouro.
 
 
Em um estágio mais avançado, a especulação tende a dissociar-se de objetivos realmente valiosos e ater-se a outros de valor ilusório. Um grupo cada vez maior de pessoas procura enriquecer, sem a real compreensão dos processos envolvidos. Não é surpresa, pois, que fraudes e esquemas caça-níqueis floresçam” (p. 19).

 
“Persistindo as dificuldades os especuladores descobrem, de maneira gradual ou instantânea, que o mercado não pode subir mais. É hora de se retirar.
 
 
O pânico alimenta-se por si mesmo, como fez a especulação, até que uma entre três coisas aconteça: 1) os preços caiam tanto que as pessoas sejam novamente tentadas a voltar a ativos menos líquidos; 2) o mercado de ações seja interrompido através de estabelecimento de limites para as quedas de preço, fechamento de bolsas de valores, ou encerramento das transações; 3) um fornecedor de empréstimos de último recurso obtenha sucesso em convencer o mercado que haverá disponibilidade de dinheiro em volume suficiente … ” (p. 21/22).
 
 
Destes parágrafos citados podemos tirar de imediato a conclusão de que especulação e crise são faces de uma mesma moeda. A especulação encontra respaldo na expansão do crédito bancário ( notoriamente instável, conforme Minski), nas possibilidades de maiores lucros em vista da expansão da economia e da própria especulação, que em determinado momento encontra-se validada pelas determinantes econômicas da expansão desmedida, impulsionada não apenas pelo excesso de confiança, mas com intuito especulativo, de lucro fácil. E as possibilidades de fraudes decorrem do momento especulativo.
 
 
Destaque especial deve ser dado ao fornecedor de empréstimo de último recurso, pois com a criação dos Bancos Centrais se torna muita difícil que uma corrida a um banco específico seja suficiente para desencadear a uma crise, através do contágio. No passado este era talvez o fator mais importante que que deflagrava a crise e contagiava a economia como um todo. O FED foi criado em 1913 especificamente com este objetivo.
 
 
Um outro aspecto a realçar é que a perda ou excesso de confiança, a especulação e o pânico encontram substrato nas fases da economia, ou seja, expansão ou retração. Se o pânico ou a falta de confiança se propagam e levam a economia para situações mais difíceis, com menores possibilidades de recuperação imediata, isto é um outro problema.
 
 
A confiança dos agentes econômicos (excesso ou falta) acompanha todo o desenrolar das atividades econômicas. O excesso de confiança encontra limites em fatores intrínsecos dessa atividade econômica expansiva e especulativa.
 
 
Uma das lições que se aprende ao estudar a teoria keynesiana é que em uma economia recessiva, ou em depressão, a prudência, a retração nos gastos dos consumidores e a queda dos investimentos jogam mais lenha na fogueira e agravam a situação da economia. Seria um multiplicador em sentido inverso. Mas, ninguém em sã consciência,, individualmente falando, seria louco em não proceder assim. Existe, por assim dizer, um paradoxo entre o que deveria ser o comportamento individual e o social, para enfrentar a crise, com predominância para este último.
 
 
Na realidade, a proposta keynesiana de intervenção estatal na economia visa exatamente recuperar o nível das atividades econômicas, quase impossível de se realizar por iniciativa exclusiva dos investidores, desencadeando novas perspectivas para os agentes econômicos, restabelecendo, em consequência o nível de confiança.
 
 
É por este motivo, limitações das próprias leis que regem a economia capitalista, que, de acordo com a sua teoria, a tentativa de restabelecer as atividades econômicas através de uma política monetária não surtem os efeitos esperados. Em outras palavras, a queda da taxa de juros não é suficiente para restabelecer o nível de confiança dos agentes econômicos.

 
 
 
A IMPORTÃNCIA DO SISTEMA BANCARIO PARA AS CRISES

 
 
Neste tópico, procuro apresentar ao leitor as opiniões do economista Paul Singer sobre a articulação do sistema bancário com o setor real da economia, apresentadas no livro “Para entender o mundo financeiro”, que nos dá um ideia bastante interessante sobre como funciona o mercado financeiro.
 
“É difícil generalizar sobre o risco de crédito, pois ele está imbrincado no mecanismo do ciclo de conjuntura. Mas podemos propor uma hipótese que possui ao menos uma base racional: quanto mais se expande o crédito e aumenta o multiplicador financeiro do valor, tanto maior se torna a probabilidade de que a expansão financeira descole da economia real, o que multiplica o risco financeiro “sistêmico”, totalmente distinto do risco representado pelas vicissitudes que atingem cada devedor individual.

 
A base racional desta hipótese é que, a partir de determinado momento (impossível de determinar de antemão), a expansão financeira provoca uma onda de otimismo nos agentes financeiros, que passam a comprar com avidez cada vez maior ativos de grande risco, tais como ações, imóveis ou então cotas de fundos que aplicam em ações e imóveis.
 
 
Este otimismo pode ter por origem o fato de, até então, a valorização financeira ter sido validada pela expansão da produção, do emprego, dos lucros das empresas e dos gastos de consumo das famílias e do governo. A economia como um todo entra numa fase de crescimento fictício e real, ao mesmo tempo.
 
 
O crescimento é fictício porque ações e imóveis se valorizam muito além do que seria justificável pelo aumento da produção e dos lucros” (p. 63).
 
 
“A alavancagem ocorre quando a mesma soma é objeto de sucessivos reempréstimos, ao passar pelas mãos de sucessivos intermediários financeiros.
 
 
Um destes serviços é a transformação de prazos: um depósito à vista numa ponta da cadeia de intermediários se torna um empréstimo de longo prazo na outra ponta. Outro serviço é a transformação de riscos: o intermediário financeiro, pelo valor do seu capital – e pela proteção que recebe do Banco Central -, oferece pouco risco a quem nele deposita” (p. 56).
 
 
“A crise financeira não decorre duma crise da economia real porque os ativos financeiros, aos olhos dos que transacionam, depende não da lucratividade passada – conhecida e bem registrada na conta de lucros e perdas do último balancete – mas da lucratividade futura. O passado só influi na riqueza financeira à medida que os operadores o consideram indicador válido para o futuro” (p. 125).
 
 
“Mas os lucros provêm da economia real e esta, mesmo que tenha sido estimulada pelo boom financeiro, jamais poderia corresponder às expectativas exageradas que as cotações infladas implicam” (p. 128).
 
 
“Mas a alavancagem torna estas ondas de propagação muito mais rápidas e maiores nos mercados financeiros do que na economia real. O mercado financeiro atua como espelho deformante da economia real. Nesta, as reações às ondas são retidas e limitadas porque leva tempo tanto para expandir como desativar a capacidade produtiva” (p. 148).
 
 
“A origem básica do risco é a imprevisibilidade da sina humana, imprevisibilidade que é maior numa sociedade regida não pela tradição e rotina mas por competição e inovação.
 
 
Em épocas de boom, a inadimplência é mínima e o cumprimento quase integral dos contratos induz os prestamistas a subavaliar os riscos, concedendo créditos com grande facilidade. Em épocas de crise, a inadimplência é generalizada, o que leva os prestamistas a superestimar os riscos e a reduzir a quase nada a concessão de novos empréstimos” (p. 35).
 
 
Acho que estas citações são suficientes para nos ajudar a questionar as hipóteses e opiniões dos autores comportamentais citados, objeto do presente artigo e para esclarecer aonde devemos procurar algumas das raízes das crises econômicas das economias capitalistas.
 
 
Cito novamente Kindleberger:
 
As manias especulativas ganham velocidade através da expansão da moeda e do crédito ou, talvez, em alguns casos, tenham início devido a essa expansão” (p.63).
 
 
O que o autor acima citado procura enfatizar é que o setor financeiro da economia, funciona em determinados momentos, em descompasso ou com falta de sintonia com a economia denominada real, que se caracteriza pela produção de bens de consumo e produção e até mesmo serviços. E, na verdade, não existe razões teóricas, nem mesmo factuais, para pressupor que estas atividades têm que funcionar sempre em verdadeira harmonia, como pretende a teoria clássica, neoliberal.
 
 
De certa forma, se analisarmos sob outro prisma, esta também foi a proposta teórica keynesiana, que afirmou haver um descompasso entre o que era ofertado e demandado, representado pela teoria da insuficiência da demanda efetiva.
 
 
A hipótese de que os mercados e a economia como um todo funcionam em perfeito equilíbrio é uma ficção, que não é convalidada por quaisquer realidades fáticas. Da mesma forma, a concepção de mercados eficientes, baseada na racionalidade dos agentes econômicos, já foi há muito questionada pelos economistas, não vinculados à Escola de Chicago, podendo ser perfeitamente refutada pela psicanálise freudiana e pelas novas pesquisas mais recentes sobre o comportamento dos seres humanos,. Sobre o assunto consultar “Direito, economia e mercados racionais” em www.melisiofrota.blogspot.com.br e o livro “Subliminar”.
 
 
O que podemos deduzir é que os economistas clássicos e mesmo os autores comportamentais continuam teorizando como se os diferentes mercados da economia obedecessem as mesmas regras, estando, portanto, sujeitos aos mesmos efeitos
 
 
Um dos fundamentos para a crise da economia capitalista é, sem dúvidas, a instabilidade dos mercados financeiros, que não trabalham em sintonia com o mercado real da economia, em determinados momentos, fato este que possibilita a deflagração de crises, por fatores quer sejam psicológicos ou outros. Este é apenas um dos fatores que desestabilizam a economia como um todo.

 

                OS FATORES PSICOLÓGICOS NAS CRISES DE 1890 E DE 1929

 
Ao analisar os fatores que desencadearam as depressões de 1890 e 1929 os autores realçam mais uma vez os aspectos essenciais do espírito animal.
 
“Todos os elementos de nossa teoria sobre o espírito animal são essenciais para compreender a depressão de 1890: colapso da confiança associado a lembranças de histórias de fracasso econômico, envolvendo aumento da corrupção nos anteriores à depressão: agravamento do senso de iniquidade da política econômica e prevalência da ilusão monetária na incapacidade de compreender as consequências da queda nos preços ao consumidor” (p. 63).
 
 
“Porém, com a queda das reservas de ouro, algumas pessoas tiveram a impressão de que algo não ia bem, o que solapou a confiança. A propagação desse sentimento assumiu a forma de conversas cada vez mais difusas e comuns sobre situações de pânico em 1873 e em 1884, avivando a memória social sobre essas épocas.
 
 
A ilusão monetária exerceu importante papel na mudança de mentalidade “ (p. 65/66).
 
 
Confesso que não tenho qualquer opinião fundamentada sobre os motivos que desencadearam a crise de depressão em 1890.
 
 
Num primeiro instante, Kindleberger parece apoiar esta conclusão e creditar a falta de confiança, o motivo da crise:
 
 
“Em 1893, a falta de confiança na capacidade do governo em manter o padrão- ouro, sob a pressão dos interesses da prata, levou da pressão do mercado monetário, e por fim ao pânico, às falências bancárias e, através delas, a pressões nos mercados de títulos” (p. 137).
 
 
No entanto, o mesmo autor em outras passagens de seu livro realça outros fatores importantes que deflagraram a crise.
 
 
O que está claro é que a crise da Baring, induzida por dificuldades na Argentina, causou um severo declínio nos empréstimos britânicos em todo o mundo e precipitou as crises na África do Sul, austrália e Estados Unidos, em 1893, ou contribuiu sensivelmente para as crises econômicas” (p. 171).
 
 
“Sugere-se também que vendedores alemães de obrigações argentinas contribuíram para a crise da Baring de 1890 “ (p. 131).
 
 
Deixo para o leitor a tarefa de analisar e pesquisar sobre o assunto e tirar as suas devidas conclusões.
 
 
Mas, se estes fatores psicossociais tinham relevância para deflagrar as crises e aprofundá-las eles encontram(vam) respaldo no modus operandi, na fragilidade, na instabilidade e inconsistência do sistema financeiro:
 
 
“Tradicionalmente, os bancos contraem empréstimos de curto prazo, ou seja, levantam de dinheiro por meio de depósitos que podem ser resgatados a qualquer momento ou mediante aviso prévio com pouca antecedência. Porém, a maioria dos empréstimos de que são credores vencem em períodos muito longos e, portanto, dificilmente são convertidos em dinheiro de imediato ou em pouco tempo” (Kenneth & Reinhart, p. XXIV).
 
 
Este descompasso estrutural de prazos do sistema financeiro parece estar na origem da crise financeira que se abateu sobre o setor de Associações de empréstimos e poupança, na década de 80:
 
 
“Além disso, os incentivos de risco moral foram bastante aumentados por um acidente histórico: a combinação de aumentos acentuados nas taxas de juros desde o final de 1979 até 1981 e uma forte recessão entre 1981 e 1982, tendo sido ambos arquitetados pelo Federal Reserve para abaixar a inflação. Os aumentos acentuados nas taxas de juros produziram o rápido aumento dos custos de recursos para as associações de empréstimos e poupança, acima dos ganhos mais elevados do seu principal ativo, ou seja, hipotecas residenciais de longo prazo (cujas taxas haviam sido fixadas em uma época em que as taxas de juros estavam bem mais baixas” (Mishkin, p. 1989).
 
 
No entanto, com a criação de emprestadores de última instância os efeitos devastadores dos contágios poderiam ser mitigados. O Federal Reserve System (Fed) foi criado em 1913 com o propósito de atuar em situações de pânico, garantindo liquidez às instituições financeiras, evitando o contágio. 
 
 
Com relação a grande depressão de 1929, os autores, após afirmarem que os debates foram muitos, mais uma vez recorrem à teoria do espírito animal “e os seus principais elementos”.
 
 
“O que levou à Grande Depressão? Como ocorrera com a depressão da década de de 1890, a década de 1930 parece ter sido detonada por um gatilho financeiro: o crash mundial do mercado de ações, em 1929, mormente a grande queda de 29 e 29 de outubro de 1929 e a crise bancária correlata. No entanto, mais uma vez, o verdadeiro significado do declínio econômico não se explica apenas nesses termos.
 
 
No entanto, a Grande Depressão não pode ser analisada apenas sob o ponto de vista técnico. O espírito animal também foi de importância fundamental. Veja-se a equidade. Como a depressão de 1890, a Depressão da década de 1930 acarretou forte sentimento de iniquidade nas relações trabalhistas e deflagrou uma onda de conflitos trabalhistas em todo o mundo. O comunismo atingiu o apogeu, quando intelectuais em âmbito global começaram a encará-lo como antídoto contra a exploração dos trabalhadores e como solução para os fracassos da macroeconomia. Desenvolveu-se a percepção de instabilidade intrínseca nas instituições de negócios e difundiu-se o medo de que o contrato social se romperia, com consequências imprevisíveis” (p. 72/73).
 
 
“Conforme ficou claro com o trabalho de Barry Eichengreen e Jeffrey Sachs, a Grande Depressão, no começo de 1930, se propagou, em consequência do colapso do padrão-ouro. Com a perda de confiança na moeda em âmbito mundial, os bancos centrais só conseguiram defender o padrão-ouro por meio de aumento substancial nas taxas de juros, sufocando, em consequência, as próprias economias” (p. 72).
 
 
Supondo que os autores tenham uma dose de razão, posto que existem diversas teorias econômicas sobre o assunto, não ficou claro o que desencadeou a perda de confiança, ou seja, se ocorreram motivos econômicos para tal perda. Mesmo assim, os proponentes desta tese parecem destacar que houve um erro na política monetária, com a elevação das taxas de juros, que repercutiu nas atividades econômicas, como se pode ver desta conclusão:

 
“Eichengreen e Sachs constataram que os países que insistiram mais tempo no padrão-ouro sofreram mais” (p. 72).
 
 
O consenso sobre os fundamentos da crise de 1929 ainda não foi alcançado. Segundo Milton Friedman e Ana Schwartz o Federal Reserve foi o responsável pela crise porque contraiu a oferta de moeda no período em questão, acrescentando que o declínio da produção não teve importância para o desfecho da crise.
 
 
Entretanto análises demonstram que ocorreu um decréscimo da produção, principalmente da indústria automobilística, bem antes do crash no mercado de ações, o que demonstra a importância do investimento, conforme a visão keynesiana. E outros escolhem o crash no mercado de ações como responsável, em decorrência do decréscimo da riqueza nominal e seus efeitos sobre o consumo e o investimento. Mas o que levou o crash no mercado de ações? Eis a questão.
 
 
Para jogar mais lenha na fogueira Kindleberger conclui:
 
 
“Nenhuma teoria quantitativa da moeda ou deslocamento autônomo do consumo, com ou sem declínio no mercado de ações, pode ser responsável por estes movimentos abruptos (o autor se refere a queda acentuada da produção da indústria automobilística entre março e outubro de 1929 – de 660 mil para 316 mil unidades). Eles reclamam uma teoria já fora de moda sobre a instabilidade do sistema de crédito” (p. 86).
 
 
E arremata o referido autor:
 
O debate monetarista-keynesiano não quase nenhum espaço para a instabilidade do crédito e a fragilidade do sistema bancário ou para impactos na produção e preços quando o sistema de crédito fica paralisado com empréstimos mal- sucedidos em função da queda nos preços – todos estes fatores, em minha opinião, vão na explicação do que aconteceu nas etapas iniciais da depressão de 1929. Como já foi observado, trata-se de uma visão antiga, defendida por muitos economistas anteriores a 1940, que inexplicavelmente caiu em descrédito durante a revolução keynesiana e a contra-revolução monetarista” (p. 87).
 
 
Do que foi exposto, constata-se que as crises da economia capitalista são motivos para diversas conjecturas, opiniões e teorias. Acredito que elas também possam surgir no setor financeiro, mas:
 
 
“Graves crises financeiras raramente ocorrem como fenômenos isolados. Em vez de serem gatilhos de recessões, as crises financeiras atuam, com mais frequência, como amplificadores. A reversão da sorte no crescimento do produto acarreta uma cadeia de calotes de empréstimos bancários, que agrava a queda do produto, os problemas de liquidez e assim por diante” (Kenneth & Reinhart, p. 145).
 
 
Em seguida os autores desenvolvem argumentos de que ilusão monetária, em decorrência do fato de que os trabalhadores estabeleciam resistências em relação aos cortes de salários, tendo em vista que a queda nos níveis de preço fizeram com que os salários reais estivessem em patamares elevados, em um momento de alto desemprego e baixa atividade econômica.
 
 
“Muita gente salientou a necessidade de redução dos salários” (p.73).
 
 
Ora, o que se deduz desta última citação é que a economia já se encontrava depressiva e a insistência em manter os mesmos salários nominais poderiam apenas dificultar uma recuperação mais rápida.
 
 
Mas, por outro lado, esta ideia vai de encontro a teoria keynesiana que advoga que esta redução acarreta mais insuficiência de demanda efetiva, o que necessariamente não iria contribuir para uma recuperação econômica com base na redução dos salários.
 
 
Ao mesmo tempo, a resistência dos trabalhadores em não admitirem uma redução de salários caracteriza mais uma disputa “política” do que uma verdadeira ilusão monetária. E o próprio Keynes não aprovava uma redução drástica dos salários dos funcionários públicos, pelos motivos já expostos.
 
 
Posteriormente, nas páginas 76/77, os autores reproduzem os comentários de Alfred P. Sloan Junior, em 1938, “quanto a debilidade ainda vigente da economia americana”, creditando tal fato à necessidade de reconstruir “a confiança sobre fundações inabaláveis.
 
 
No mesmo sentido foi a declaração de Lamont Dupont sobre o assunto, reproduzida pelos autores, referindo-se a prevalência “da incerteza sobre o futuro da carga tributária, das restrições legais aplicáveis à indústria”.
 
 
Esqueceram os autores que a depressão gera a incerteza, inclusive em relação as medidas necessárias para a recuperação das atividades econômicas, embora existam algumas teses sobre esta questão, os modos e a eficácia para aplicá-las, que necessariamente passam por questões ideológicas e políticas.
 
 
Outrossim, as opiniões dos citados empresários se referem à necessidade de restabelecer o nível de confiança e não ao fato de que a queda neste nível foi responsável pela crise. Na realidade, a economia já se encontrava em crise e se discutia as medidas necessárias para recuperá-la, consequentemente o nível de confiança.
 
 
Sobre a importância da corrupção para o desabrochar a crise, Kindleberger já havia reconhecido, mas atribuiu a ela um papel secundário e associado à especulação:
 
 
“A propensão a fraudar e ser fraudado corre paralela à propensão de especular durante o boom. Crash e pânico, com seu mote de sauve qui peut , induzem ainda mais a enganar, como medida de sobrevivência. E o sinal para o pânico é a revelação de alguma fraude, furto, desfalque ou falcatrua” (p. 93).
 
 
“Acreditamos que as fraudes são determinadas pela procura, segundo a lei de Keynes, de que a procura determina a sua própria oferta, ao invés da lei de Say, de que a oferta cria a sua própria procura. Em um boom, fortunas são amealhadas, os indivíduos tornam-se gananciosos, fraudadores surgem para explorar esta ganância. … “Nasce um otário a cada minuto” (p. 97). 
 

 
                                                   CRISE DE 2007/2008

 
Era de se esperar que no capítulo 7, “A atual crise financeira: o que deve ser feito?”, os autores dissecassem os problemas que varreram as economias capitalistas, mormente os Estados Unidos da América, levando-as a uma crise de profunda magnitude.
 
Entretanto, os autores comportamentais não deixaram de destacar a relevância do espírito animal sobre a recente crise:
 
 
Exemplo extraído da situação econômica em novembro de 2008 ilustra as razões dessas consequências. A baixa confiança provocou o congelamento dos mercados de crédito” (p. 18).
 
 
Na página 94, os autores apontam, de forma sucinta, 3 razões para a contração do crédito:
 
      1. a mais óbvia, modalidade convencional de financiamento entrou em colapso;
         
         2.concentremos nesta: a segunda envolve a relação  entre  perda  de   capital e alavancagem. ...E agora, com a mudança da história e o colapso da confiança, seus ativos haviam perdido valor. .. O problema da alavancagem agravou-se ainda mais pelo fato de as instituições não depositárias assumirem dívidas de curto prazo para concederem empréstimos de longo prazo. 
       
Já tínhamos visto que este problema de prazos era uma da características dos sistemas financeiros nas economias capitalistas. Querendo ajustar os fatos à teoria os autores não comentam os motivos, as causas e os fundamentos da crise de confiança. O que gerou tal crise? A alavancagem era um dos fundamentos da economia naquela momento e atendia aos requisitos da ideologia dos “mercados racionais”, ou “o mercado sabe”.
Sobre o risco moral, nada dizem os autores. Invoco a paciência dos leitores para reproduzir trecho do livro de Nouriel Roubini, “A economia das crises”, ed. Intrínseca, 2010:
 
“A política de “originar e manter em carteira” foi substituída pela política de “originar e distribuir”
 
É um princípio correto desde que os compradores dos títulos possam avaliar o risco inerente a estes papeis. Mas se você é um banco que vende títulos garantidos por novas hipotecas emitidos pelos canais de securitização, seu objetivo primordial é descarregar essas hipotecas o mais rápido possível. Cada venda lhe dá mais dinheiro, que lhe servirá para fazer mais empréstimos. Infelizmente, como o banco não precisa mais encarar as consequências de fazer um empréstimo ruim, ele tem pouco incentivo para avaliar adequadamente o risco das hipotecas que ele mesmo origina. Quando “originar e manter em carteira” torna-se “originar e distribuir”, uma hipoteca podre é passada adiante como uma batata quente.

 
À medida que a securitização se tornava um lugar comum, a partir da década de 1990, os corretores de hipotecas, os avaliadores dos imóveis hipotecados, os bancos comuns, os bancos de investimentos e as instituições semipúblicas, como a Fannie Mae e Freddie Marc, tinham pouco incentivo para submeter os candidatos a mutuários a uma avaliação cuidadosa.
 
 
A securitização não parou por aí. As financeiras supervisionavam a securitização das hipotecas imobiliárias e também de muitos tipos de crédito ao consumidor: empréstimos de cartão de crédito, créditos estudantis e financiamentos de automóveis.
 
 
Na teoria, as agências de classificação de risco – Mody's, Fitch, Standart & Poor's – deveriam ter dado o alerta. Mas depender das agências de classificação de risco é depender da raposa para tomar conta do galinheiro: elas tinham todo o interesse em dar altas notas aos títulos que avaliavam. Com isso, auferiam uma boa comissão das próprias entidades que avaliavam, além da promessa de novos negócios” (p. 76/77).
 
 
No capítulo “Conclusão” os autores voltam ao tema e fazem uma crítica tímida aos fundamentos dos “mercados eficientes” e das “expectativas racionais”, como se pode constatar:
 
 
“Em geral, os profissionais de macroeconomia e de finanças foram tão longe na direção das “expectativas racionais” e dos “mercados eficientes” que deixaram de levar em conta a dinâmica mais importante por trás das crises econômicas. Essa desconsideração do espírito animal no modelo pode cegar-nos para as reais fontes do problema.
 
 
As teorias econômicas convencionais desprezam as mudanças nos padrões de pensamento e nas maneiras de fazer negócios, que geram ou acirram as crises: ignoram até a perda de confiança e de segurança; excluem o senso de iniquidade que limita a flexibilidade dos salários e dos preços …; menosprezam o papel da corrupção e da venda de maus produtos durante a prosperidade ….; negligenciam a influência das histórias que interpretam a economia” (p.180/181).
 
 
É óbvio que os autores estão se referindo aos economistas clássicos, principalmente os filiados à Universidade de Chicago que foram os mais recentes e grandes mentores da ideologia dos mercados racionais, que não é mais que uma outra forma de referendar a teoria da mão-invisível de Smith. Uma advertência é que a economia não se resume aos autores “clássicos”, como tivemos a oportunidade de mencionar e citar neste texto.
 
 
Entretanto os autores não apresentam uma crítica profunda e coesa desta “teoria ideológica”, se assim podemos nominá-la, com base nos ensinamentos de Freud e da pesquisas na área da neurociência, que questionam e negam a racionalidade absoluta do ser humano, tanto nas decisões econômicas quanto nos demais aspectos da vida. Da mesma forma não avançam nos aspectos políticos e nas raízes ideológicas desta “ideologia”.
 
 
Sobre o papel do inconsciente no comportamento humano, remeto os leitores para o artigo “Direito, economia e mercados racionais – uma crítica aos economistas racionais”, postado em www.melisiofrota.blogspot.com.br, onde comento, à luz do inconsciente freudiano e dos avanços da neurociência a racionalidade do ser humano.
 
 
No artigo “A crise de 2008 e as informações assimétricas”, postado no mesmo blog, escrevi:
 
 
“Na realidade, poderíamos dizer que na recente crise as informações assimétricas foram irrelevantes. Existiam, sim , informações plantadas, “oba oba” e uma teoria econômica respaldada por ilustres teóricos, empresários, principalmente da mídia, através de seus porta-vozes, políticos e até mesmo empresários do ramo financeiro, atuando dentro do governo em benefícios próprios e em função desta ideologia. Ou seja existia pura especulação. O setor imobiliário era o carro chefe. Construtores, produtores, consumidores e o setor financeiro atuavam freneticamente, sem necessariamente saberem o que vendiam, compravam e emprestavam. Possibilidades de ganho, até mesmo as mais ilusórias, eram suficientes para turbinar os negócios. As inovações financeiras, respaldada por modelos econométricos sofisticadíssimos, estavam de vento em poupa e cumpriam as suas funções em justificar e garantir os fundamentos teóricos e a especulação.
 
 
A desregulamentação e a securitização se alastravam com o fundamento de que os riscos estavam racionalmente diluídos e por isso não havia possibilidades de crise. Tudo estava sob controle porque os gênios das finanças eram extremamente racionais. Os modelos serviam para cobrir com uma manta científica as decisões, alijando os simples mortais, incapazes de entender os mistérios das finanças e da complexidade matemática. Todos atuavam racionalmente, mas com alma de especulador. Vendiam-se as informações sem interesse em saber se eram falsas ou não, com ou sem interesse. Nenhuma das pontas (construtores, financistas, consumidores, produtores, vendedores) sabia e nem queria saber realmente o que vendiam, compravam e financiavam. Vendia-se e comprava-se de tudo sem se importarem com as consequências”.
 
 
“No entanto os mais poderosos lobbies financeiros do país queriam o fim da Glass- Steagall. E bombardearam os políticos com milhões de dólares de contribuições para as suas campanhas eleitorais. Eles pressionaram o Congresso de todas as formas para acabar com uma legislação tida como antiquada. Inevitavelmente venceram” ( Macdonald, Lawrence, apud A crise de 2008 ….).
 
 
No capítulo dedicado as “fraudes” Kindleberger relaciona apenas um caso, de forma clara, em que elas tiveram importância para deflagrar a crise:
 
 
Foi pego usando garantias fraudulentas em uma tentativa de conseguir emprestado 8 mulhões de libras para comprar a United Steel e sua falência levou à retração do mercado monetário da Grã-Bretanha e a retirada dos empréstimos sem prazo do mercado de Nova York, a gota d'água para a bolsa de valores e o crash, em outubro de 1929” (p.100).
 
 
As “fraudes”, muito embora possam ser o estopim, dificilmente serão as causas e os fundamentos para uma enorme e profunda crise, que leve à depressão. Como o próprio autor (Kindleberger) e muitos outros reconhecem elas prosperam nos momentos de boom, quando a especulação está disseminada e já existem as raízes e condições econômicas propícias para o desencadeamento delas.
 
 
Caso emblemático é o da Petrobras, uma empresa que ocupava papel de grande destaque na bolsa de valores (responsável por aproximadamente 30% das negociações) e que desempenha papel importante na economia do país, inclusive incentivando áreas ligadas à tecnologia, importantes ao desenvolvimento tecnológico. A crise na empresa, por fraudes, atingiu outras grandes empresas do setor de construção civil e outras ligadas à exploração de petróleo (construção de plataformas), com cancelamento de contratos e outras medidas restritivas, que impactaram a economia.

 
Quanto a “repetição da história”, que tanto os autores gostam de mencionar como um dos fundamentos da crise, contraponho o título sugestivo do livro, já citado, “Oito séculos de delírios financeiros – desta vez é diferente”, de Kenneth & Reinhart:
 
 
“Nossa imersão nos detalhes das crises dos últimos oito séculos e nos dados a respeito delas nos levou a concluir que os conselhos mais comuns e mais onerosos que em geral se oferecem sobre investimentos, durante os surtos de prosperidade, pouco antes da eclosão das crises financeiras, decorrem da percepção de que “desta vez é diferente”. Essa recomendação, baseada no pressuposto de que as velhas regras sobre a avaliação de ativos perderam a validade, geralmente é observada com disposição e credulidade. Os profissionais de finanças e também com muita frequência, os líderes políticos explicam que agora agimos com mais eficácia, que dispomos de mais conhecimentos e que aprendemos com os erros do passado. A cada vez, a sociedade se convence de que a bonança em curso, ao contrário de muitos surtos de prosperidade que precederam colapsos catastróficos no passado, se ergue sobre fundamentos sólidos, sobre reformas estruturais, sobre inovações tecnológicas e sobre políticas públicas mais saudáveis” (Prefácio, p. XXII).
 
 


OUTROS ASSUNTOS EM DESTAQUE
 
 
 
No capítulo 11, ao analisar os motivos das oscilações dos preços das ações, os autores fazem um breve relato do sucesso da empresa japonesa Toyota, comparativamente ao fracasso da empresa argentina IKA.
 
 
“A criação da Toyota foi o exemplo claro do triunfo do empreendimento individual contra o bom-senso convencional. Sob alguns aspectos refletiu o otimismo e o patriotismo que se perverteu na invasão da Manchúria pelo Japão, em 1913.
 
 
No entanto, este tipo de auto-confiança há muito tempo é um traço nítido da cultura japonesa, como parte da filosofia nacional, desenvolvida de maneira extraordinária por Yukichi Fukuzawa, amplamente considerado um dos fundadores do Japãp moderno. … E, assim, converteu essa emulação dos melhores em símbolo da engenhosidade e da inteligência japonesas” (p. 148).
 
 
“Em contraste com a IKA, a criação e o crescimento da Toyota se basearam na autoestima e na autoconfiança. Os japoneses, como indivíduos e coletividade, tinham ambições:...” (p. 149).
 
 
Na verdade, não podemos deixar de reconhecer determinados fatores psicossociais como motores do desenvolvimento, determinantes para o sucesso econômico das economias em geral. Por sinal, este foi o tema do recente trabalho intitulado “Desenvolvimento e livre comércio – o desenvolvimento sob uma perspectiva cultural”, lançado e plotado em www.melisiofrota.blogspot.com.br.
 
 
Mas, em que pese as qualidades da cultura japonesa e as virtudes do presidente da Toyota, já amplamente reconhecido pela literatura, pelos cientistas sociais e administradores, como exemplo de perseverança e criatividade.
 
 
No entanto, parecem que os autores ignoraram um fator político e econômico importante para o sucesso da empresa japonesa. A meu ver, um sério e talvez indesculpável descuido para uma obra que pretende plantar novas ideias. Me refiro a guerra da Coréia e a guerra Fria, que mudaram os rumos da política econômica ditada pelos Estados Unidos da América, naquele país (Japão).
 
 
De acordo com diversas informações especializadas, os Estados Unidos foram importantes tanto para a recuperação quanto para o desenvolvimento do Japão moderno.
 
 
Reproduzo os comentários sobre o assunto:
 
 
“A estas determinações somam-se, nos idos 1949-50, alguns acontecimentos conjunturais de grande impacto. Entre eles, destacam-se: a séria crise financeira que acometeu a empresa Toyota, que chegou à beira da falência em razão dos grandes desperdícios provocados pela desordem em matéria de programação da produção e dos estoques; a greve de grandes dimensões, com a demissão de cerca de 1.600 empregados da Toyota, em oposição à reestruturação imposta por um grupo bancário frente à falência iminente da empresa; o início da guerra da Coréia, que trouxe encomendas em massa para a Toyota, porém sempre em pequenas séries, para não falar das multas no caso de descumprimento dos prazos de entrega” (CORIAT, 1994), em “Japão: revolução passiva e rivalidade imperialista” por Marcos Aurélio da Silva, http;//www.acessa.com/gramsci/?page.
 
 
Em virtude da importância da Guerra da Coréia e da Guerra Fria conclui Fiori, em “História, Estratégia e Desenvolvimento - Os Milagres Econômicos da Guerra Fria”, Ed. Boitempo, 2014:
 
 
“A despeito das diferenças históricas e políticas, Alemanha, Japão, Itália e Coréia foram derrotados e destruídos – na Segunda Guerra Mundial ou na Guerra da Coréia e depois foram ocupados e transformados em “protetorados militares” dos Estados Unidos. Logo depois da guerra, a ideia americana era desmontar as antigas estruturas econômicas destes países, mas após o começo da Guerra Fria e o fim da Guerra da Coréia, esse projeto inicial foi substituído por uma política diametralmente oposta de estímulo ao crescimento econômico, com forte apoio e intervenção dos governos locais e dos próprios agentes econômicos e instituições privadas do pré-guerra. Por isso, pode-se dizer com toda a certeza que a lógica da guerra fria pesou decisivamente na origem dos milagres econômicos e na transformação da queles países em peças centrais da engrenagem econômica do poder globa dos Estados Unidos, …....” (p.83).
 
 
E há aqueles que creditam exclusivamente à Guerra da Coréia e à Guerra Fria o sucesso do made in Japan:
 
 
Se o Japão não tivesse construído esta parceria militar-industrial com os EUA não haveria nenhum milagre japonês” ( Nagai, apud Pyle, 2007, p. 235, “A reintegração internacional no pós-guerra” , em WWW.proceedings.scielo.br/scielo.php?).

 
Não menos intrigante são as conclusões e comentários dos autores, bastante superficiais, sobre a crise do petróleo, a formação e o poder da OPEP e as oscilações de preços desta commoditie.
 
 
“No entanto, The limits to Growth foi sintomático da mentalidade popular da época. E suas conclusões fomentaram os ministros da OPEP a construir o cartel.
 
 
...Sem dúvidas, considerações econômicas e políticas desempenharam importante papel na ascensão e queda da OPEP e da indústria petrolífera como um todo durante esses anos. E – como sugere o fato de os preços do petróleo terem atingido o pico de US$ 145,31 por barril, e 2 de julho de 2008, antes do novo colapso – de fato o petróleo é recurso limitado. O aquecimento global é ameaça iminente. Porém, em meio a essas perspectivas de longo prazo – para o planeta e para a produção do petróleo -, o mercado de petróleo e as histórias a esse respeito são extremamente semelhantes ao mercado de ações e a seus mitos.

 
Ambos são muito variáveis. Mais uma vez, quem estiver prevendo o tempo deve ser demitido” ( p. 153).
 
 
Sem comentários. As conclusões dos autores ficam muito aquém do que se espera, em relação a importância e gravidade dos acontecimentos, que trouxeram grandes transformações econômicas no mundo, nas décadas seguintes. Transcrevo alguns trechos dos livros de Ivan Santana, “O terceiro templo – Os conflito árabe-israelenses e os choques do petróleo”, de Daniel Yergin, “O petróleo – uma história de ganância, dinheiro e poder” e de Luiz Alberto Muniz Bandeira, “Formação do império americano”, que nos dão um panorama apurado deste momento crítico. Os meus comentários são desnecessários, diante da clareza das exposições.
 
 
Por ser um assunto bastante complexo, multifacetado, fica difícil reproduzir todos os pormenores que desencadearam a crise. Para facilitar a leitura, dividi o assunto em pequenos tópicos: 1) os motivos do nascimento da OPEP; 2) o cenário econômico - evolução do consumo, produção e a especulação; 3) a Guerra de Yom Kippur e o panorama político; 4) a Guerra Fria e as grandes potências; 5) controle da produção e dos preços - desapropriação.
 
 
O nascimento da OPEP
 
 
“A década de 60 foi testemunha de um contínuo processo de descolonização e do surgimento de questões e controvérsias acerca do terceiro mundo. As questões da soberania no mundo do petróleo, que foram tão básicas e rígidas na formação da OPEP em 1960, acalmaram-se nos anos seguintes à medida que as companhias procuravam satisfazer os países exportadores em suas exigências por receitas maiores, ao pressionar para cima a produção” (Yergin, p. 542).
 
 
“Mesmo assim, no dia 14 de setembro, o grupo havia concluído o seu trabalho. Uma nova unidade havia se formada com a finalidade de enfrentar as companhias internacionais de petróleo. Ela foi chamada de Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e deixou sua intenção explícita: defender o preço do petróleo, mais especificamente trazê-lo de volta ao patamar anterior da redução. Dali em diante, os países membros fariam questão que as companhias os consultassem nas questões relativas aos preços, que afetavam de modo tão direto suas receitas internas” (Yergin, p. 541).
 
 
“Na verdade, a OPEP poderia reivindicar apenas duas conquistas em seus primeiros anos de existência. Assegurou a cautela da parte das companhias de petróleo quando tomassem qualquer medida unilateral importante sem consulta, e estas nunca mais se atreveram a reduzir os preços fixados” (Yergin, p. 542). 
 
 
“Foi nesse cenário de confronto que representantes da Arábia Saudita, Venezuela, Kuwait, Iraque e Irã, reunidos em Bagdá, decidiram criar a OPEP, que havia sido sugerida um ano antes pelo venezuelano Pérez Alfonzo. O objetivo explícito da nova entidade era o de formar um cartel para defender os preços, regulando a produção. (Santana, p. 75).
 
 
O cenário econômico - crescimento do consumo, a produção e a especulação
 
 
Desde o início dos anos 1950, o mercado de petróleo não fazia outra coisa senão crescer. De um lado a indústria automobilística era a principal força motriz das economias dos países desenvolvidos. De outro, novas jazidas eram descobertas” ( Santana, p. 75).
 
 
“Sem as barreiras de importação, os Estados Unidos eram agora particularmente irrestritos e sequiosos do mercado mundial de petróleo. Juntaram-se a outors países consumidores na demanda clamorosa pelo petróleo do Oriente Médio. … As empresas estavam comprando todo o petróleo disponível. No verão de 1973, as importações dos Estados Unidos alcançaram 6,2 milhões de barris/dia comparados a 3,2 milhões de barris/dia em 1970 e com 4,5 milhões em 1972. Os refinadores independentes também se precipitaram para os mercados mundiais, juntando-se a um frenético grupo de compradores, elevando os preços de tais suprimento.
 
 
Quando a demanda do mundo inteiro emergiu de repente diante do limite de suprimento disponível, os preços do mercado excederam os preços oficiais” (Yergin, p. 617).
 
 
“ Comprar movido pelo pânico significava uma demanda extra no mercado. ...”Não estávamos dando lances apenas pelo petróleo”, afirmou um refinador independente que não possuía fonte segura de abastecimento. “Estávamos dando lances pela vida” (Yergin, p. 643).
 
 
“Nessa época, já existiam sinais claros e politicamente inquietantes de tensão de todo o sistema de fornecimento de energia dos Estados Unidos. Durante o inverno de 1969/70, o mais frio em trinta anos, tanto o, petróleo quanto a gás natural estavam escassos . A demanda pelo petróleo com baixo teor de enxofre, importado de países como a Libéria e a Nigéria, aumentou repentinamente nos meses seguintes, quando as empresas públicas de eletricidade mudaram do carvão para o petróleo” (Yergin, p. 615).
 
 
“No início da década de 1970, época em que o canal de Suez permanecia fechado à navegação , o preço do barril de petróleo começou a subir consistentemente... A Síria não permitiu que os dutos danificados fossem substituídos. Mas a principal razão do aquecimento do mercado foi o consumo crescente de eletricidade na Costa Leste americana, devido ao rigoroso inverno de 1969/70” (Santana, p. 85).
 
 
“Os países radicais da OPEP – Iraque, Argélia e Líbia – começaram a pressionar por uma nova revisão nos textos considerados sagrados, os acordos de Teerã e de Trípoli. No final da primavera de 1973, os outros países exportadores, vendo os os saltos cada vez altos dos preços do petróleo no mercado aberto, fizeram coro à essa ideia. Mencionaram a inflação e a desvalorização do dólar, mas acima de qualquer outra coisa, enfatizaram o que estava acontecendo com os preços. Entre 1970 e 1973, o preço do petróleo cru havia dobrado..... A parte das empresas nos lucros deveria diminuir e não crescer. O sistema de preços baseado no acordo de Teerã de 1971, encontrava-se agora em completa confusão, comentou Yamani...” (Yergin, p. 617/8).
 
 
“Pressionado pelos países mais radicais da Opep – Iraque, Argélia e Líbia-, o preço do barril do petróleo continuava subindo. A justificativa agora era a desvalorização do dólar e a inflação mundial. Só que uma coisa provocava a outra e a outra provocava a primeira, num círculo viciosos perverso para o Ocidente” (Santana, p. 100).
 
 
“A redução progressiva da produção de petróleo por parte dos países da Opep – 10% no primeiro ano e 5% nos subsequentes – funcionou plenamente. Faltou gasolina nas bombas do ocidente e o preço continuou disparando” (Santana, p. 154).

 
“ ….. com os líderes dos países ricos garantiram o abastecimento de petróleo, por outro lado não garantiram os preços, que continuaram subindo. Em dezembro de 1973, o Irão conseguiu vender petróleo a 17,40 dólares o barril, uma alta de 500%, em relação ao início do ano” (Santana, p. 156).
 
 
A Guerra de Yom Kippur e o panorama político
 
 
“O rei, continuou Yamani está “cem por cento determinado a efetuar uma mudança na política dos Estados Unidos e usar o petróleo para essa finalidade. O rei acha .... que o petróleo representa efetivamente uma arma. Além disso, ele está, sob constante pressão da opinião pública árabe e dos líderes árabes, particularmente Sadat.
 
 
O rei Falsal afirmava aos executivos das empresas petrolíferas que uma “simples restrição” , dos Estados Unidos à política israelense ajudaria a desviar o uso do petróleo como arma política” (Yergin, p. 624).
 
 
“Yamani, autorizado por Faisal, informou aos diretores da Aramco que o rei estava pensando seriamente em usar de pressão contra os Estados Unidos, caso os americanos continuassem simpáticos às causas de Israel.
 
 
Faisal fez mais do que falar com Yamani. Concedeu uma entrevista, …... , à revista americana Newsweek, na qual declarou que a Arábia Saudita usaria o petróleo como arma política” (Santana, p. 102).
 
 
“Na terça, 16, Richard Nixon anunciou uma venda adicional de armas para Israel no valor de 2,2 bilhões de dólares. Nessa mesma data, os seis ministros do petróleo do Golfo, que já se encontravam na cidade do Kuwait , reunidos no Hotel Sheraton, decidiram aumentar o preço do petróleo em 70% para 5,12 dólares, sem consultar as empresas petrolíferas. Mais tarde Yamani diria sem suas memórias que “foi o dia em que a OPEP tomou o poder”” (Santana, p. 140).
 
 
“Os países árabes, integrantes da OPEC, aproveitaram a guerra do Yom Kippur para compensar as perdas com a desvalorização do dólar, e usaram, pela primeira vez, o petróleo como arma e instrumento de pressão, suspendendo o fornecimento aos países que apoiavam Israel” (Bandeira, p. 325).

A Guerra Fria como pano de fundo
 
 
“A Guerra de Yom Kippur transformara-se em mais um capítulo da Guerra Fria entre as duas potências. Com os Estados Unidos financiando e exportando abertamente armas para Israel, a União Soviética incrementou sua ajuda aos árabes” (Santana, p. 140).
 
 
 
“A guerra de Yom Kippur transformara-se em mais um capítulo da Guerra Fria entre as duas grandes potências. Com os Estados Unidos financiando e exportando armas abertamente para Israel, a União Soviética incrementou a sua ajuda aos árabes” Kissinger explicou que o reabastecimento americano não devia ser tomado como uma atitude antiárabe, mas sim uma disputa “entre os Estados Unidos e a União Soviética”. Os Estados Unidos precisavam reagir diante do procedimento russo” (Yergin, p. 634).
 
 
“Do outro lado, Israel constituía no Oriente Médio um baluarte contra o comunismo e a União Soviética, aliada virtual dos países árabes, e qualquer posição mais dura contra suas ambições nucleares poderia desencadear uma reação da comunidade judaica, que representava importante fator eleitoral nos Estados Unidos, devido à sua enorme influência econômica, financeira e política” (Bandeira, p. 324).
 
 
Controle da produção e dos preços - Desapropriação

A luta dos países árabes e exportadores de petróleo por um controle sobre a produção e os preços do petróleo é uma longa história de ganância e poder, recheada com assassinatos, complôs, embargos, conchavos políticos, invasões, guerras, chantagens, rivalidades imperialistas e entre países produtores, lutas pela independência. Enfim, toda sorte de artimanhas e um arsenal de maldades e brutalidades, que só o ser humano é capaz. Os comentários falam por si. Os acontecimentos posteriores confirmam (para maiores detalhes consultar “Formação do império americano, de Luiz Moniz Bandeira). No fim prevaleceram os interesses dos países exportadores, contrapondo-se aos das grandes empresas exploradoras, refinadoras e distribuidoras.
 
 
O Mèxico foi o primeiro país produtor a reagir ao esbulho, estatizando, em 1938, as companhias americanas exploradoras” (Santana, p. 71).

Em 1951, o primeiro-ministro iraniano foi assassinado por ser contrário à encampação da Anglo-Iranian. Seu substituto expropriou a companhia, foi deposto e com o apoio do xá Reza Pahlavi foi constituído um consórcio internacional.
 
 
 
“Em represália à estatização, os principais países do Ocidente decretaram um embargo ao petróleo iraniano.... Estava criado o cenário para a derrubada de Mossadegh” (Santana, p. 72).
 
 
“Em dezembro de 1970, a Opep, tendo como secretário-geral o líbio Omar el-Badri, mas como líder inconteste o saudita Ahmed Zaki Yamani , começou a pleitear que os países-membros participassem dos controles acionários das companhias petrolíferas que atuavam em seus territórios e concordassem em pagar um preço maior pelo barril” (Santana, p. 86).
 
 
“Para os militantes árabes era uma grande afronta a tomada de território árabe por países não-árabes. Para punir os ingleses de “conluio” nesse ato traiçoeiro, a Líbia distante quatro mil quilômetros, estatizou as empresas que compunham a BP no país..... “Existe uma tendência mundial favorável à estatização e os sauditas não podem permanecer isolados contra essa posição” , Yamani “(Yergin, p. 608).
 
 
O rei saudita e seu ministro Yamani preferiam que seu petróleo fosse extraído e comercializado pela Aramco, “mas o rei e o ministro obviamente faziam questão de ter voz ativa na definição dos preços e nas cotas de produção” (Santana, p. 88).
 
 
“A Arábia Saudita se valeu dessa situação para exigir, e obter, sua primeira participação acionária na Aramco, embora o rei Faisal e o ministro Yamani não cogitassem da estatização total da empresa. Na Líbia, o indócil Muammar al- Gaddafi assumira o controle de 50% da italiana ENI, 51% da Occidental Petrleum e desapropriara totalmente a americana Bunker Hunt” (Santana, p. 91/2).
 
 
“ ….. e o Iraque completara a estatização da concessão da IPC em 1972” (Yergin, p. 677).



CONCLUSÃO
 
 
 
Ao terminar este breve artigo, gostaria de salientar que não seria eu que iria desprezar os aspectos psicológicos ou psicossociais dos agentes econômicos nas crises econômicas, aspectos estes já ressaltados por diversos autores de renomes internacionais, que deram e continuam dar contribuições valiosas para desvendar as raízes mais profundas das crises nas economias capitalistas.
 
 
Os comentários aqui esboçados se cingem a relevância que os autores do livro “Espírito animal” dão aos aspectos psicossociais e psicológicos, relegando para segundo plano outros fatores econômicos mais fundamentais, intrínsecos ao modo de funcionamento das economias capitalistas, que, no mais das vezes, ditam os comportamentos dos agentes econômicos.
 
 
Conforme tive a oportunidade de mencionar e lembrar, estes aspectos do comportamento do ser humano já foram abordados por diversos autores dedicados ao tema, com destaque para o livro referência de Kindleberger. Portanto, a contribuição dos autores para o tema em questão é pífia, limitando-se a mudar de enfoque.
 
 
Entretanto, não custa mencionar a abordagem dos autores sobre a evolução dos preços das ações e os fundamentos da economia, assunto favorito dos economistas racionais. Vale reproduzir:
 
 
Ao longo do tempo os economistas tentaram explicar em termos convincentes os movimentos de preços do mercado de ações agregado, em termos de fundamentos da economia. Mas ninguém foi bem-sucedido nesta empreitada. As oscilações não parecem explicáveis por mudanças nas taxas de juros, por pagamentos, por pagamentos de dividendos ou por qualquer outro fator.
 
 
Os fundamentos da economia continuam estáveis”. Esse clichê é repetido por autoridades, no esforço de restaurar a confiança do público, depois de grandes quedas no mercado de ações....Quase sempre, o mercado de ações é que mudou, embora os fundamentos tenham permanecidos inalterados.
 
 
Como sabemos que essas mudanças não foram geradas por alterações nos fundamentos? Se os preços das ações refletem os fundamentos, estes são úteis na previsão dos retornos futuros das ações” (p.142).
 
 
“Talvez estejam certos. Sem dúvida, não se pode comprovar que o mercado de ações foi irracional. Porém, em todo debate, ninguém apresentou prova concreta de que a volatilidade é racional” (p. 143).
 
 
“De uma maneira ou de outra, os movimentos dos preços dos ativos influência a confiança do público e a economia real. Portanto, desenvolve-se um processo de feedback preço-lucro-preço” (p.146).
 
 
Por fim, cabe ressaltar que este processo de feedback e de influência sobre a economia real, de que os autores falam, se dá através do efeito riqueza sobre o consumo e investimento, conforme já salientado por diversos economistas e também pelos respectivos autores na página 145.
 
 
Ao constatar que a sociedade capitalista é pródiga em criar ideologias deste tipo que, obviamente, disfarçam as suas entranhas, me pergunto quantas “teorias” mais teremos que compartilhar e rechaçar?
 
 

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Akderlof, George A &Shiller, Robert J, “Espírito animal”, ed. Campus, 2010;

Bandeira, Luiz Alberto Moniz, “Formação do império americano – da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque”, Civilização Brasileira, 2ª ed, 2006;


Fiori, José Luiz, “História, estratégia e desenvolvimento”, Ed. Boitempo, 2014;

 
Kenneth, S, Rogoff & Reinhart, Carmen M., “Oito séculos de delírios financeiros – desta vez é diferente”, Ed. Campus, 2009;

Kindleberger, Charles P., “Manias, pânico e crashes”, Ed. Nova Fronteira, 1996;

Krugman, Paul, “A crise de 2008”, Ed. Campus, 2009;

Mishkin, Frederic S, “Moedas, bancos e mercados financeiros”, LTC, 2000;

Mlodinow, Leonard, “Subliminar”, Ed. Zahar, 2012;

Roubini, Nouriel, “A economia das crises”, Ed. Intrínseca, 2010;

Santana, Ivan, “Oterceiro templo – os conflitos árabe-israelenses eos choques do petróleo”, Ed. Objetiva, 2015;

Silva, Marco Aurélio, “Japão: revolução passiva e rivalidade imperialista”, em www.acessa.com/gramisci;

Singer, Paul, “Para entender o mundo financeiro”, Ed. Contexto, 2000;

Yergin, Daniel, “O petróleo – uma história de ganância, dinheiro e poder, Ed. Página Aberta, 1993;
 
- A crise financeira e as informações assimétricas;
 
- Desenvolvimento econômico e livre comércio – o desenvolvimento sob uma perspectiva cultural;
 
- Direito, economia e mercados racionais – uma crítica aos economistas racionais;

Www.proceedings.scielo.br/scielo.php, “A reintegração internacional no pós-guerra”.







 

 

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