UM
RAIO X SOBRE O “ESPÍRITO ANIMAL”
OBJETIVO
O objetivo deste artigo é
tecer comentários sobre as concepções esboçadas no livro
“Espírito Animal” de autoria do Prêmio Nobel de economia em
2001 George A. Akderlof e de Robert J. Shiller.Os autores fazem parte
de uma corrente de economistas chamada “economistas
comportamentais, que passou a ter destaque na década de 90.
Os economistas
comportamentais são uma categoria de economistas que procuram dar
destaque e primazia aos fatores psicológicos dos agentes
econômicos, como determinantes das diversas variáveis e aspectos da
atividade econômica, notadamente a importância para os aspectos
conjunturais da economia e seus ciclos.
Sem querer desqualificar
a importância destes fatores psicológicos, o nosso foco será
demonstrar que eles já haviam sido ressaltados por diversos
economistas, não sendo grande novidade este novo enfoque, que deverá
ser apreciado apenas quanto a relevância que os autores dão.
Outrossim, cabe ressaltar
que na opinião deste autor deve-se buscar nas próprias leis que
regem as economias ditas capitalistas os seus limites, que levantam
sérios obstáculos para que esta economia possa desenvolver todas as
suas potencialidades, sem que estas se transformem em crises
periódicas.
Também não poderíamos
deixar passar em branco a importância que os Bancos Centrais, como
emprestadores de última instância, passaram a desempenhar nas
economias capitalistas, modificando a relevância que tais fatores
psicológicos tinham em um passado remoto.
Minha pretensão é focar
os argumentos no aspecto “confiança” que os autores destacam
como a pedra angular de suas teorias:
“A pedra angular de
nossa teoria é a confiança e os mecanismos de
feedback entre confiança e economia, que amplificam os
distúrbios” (p. 6).
Note-se que no parágrafo
citado os autores, por descuido ou confusão, colocam a “confiança”
como fator amplificador das crises. Posteriormente, a confiança será
encarada como um dos fundamentos das crises.
O artigo está dividido
nos seguintes tópicos: 1) o que pretendem os autores; 2) o que os
autores entendem por “Espírito animal”; 3) a economia e os
ciclos econômicos; 4) os fundamentos das crises econômicas; 5) a
importância do sistema bancário para as crises; 6) os fatores
psicológicos nas crises de 1890 e 1929; 7) a crise de 2007/2008; 8)
outros assuntos em destaque; 9) conclusão.
O
QUE PRETENDEM OS AUTORES
Nas primeiras páginas do mencionado livro podemos detectar a pretensão dos autores, que a destacam abertamente, no Prefácio, parte final:
“Este livro, que se
baseia numa disciplina emergente, economia comportamental, descreve
a real situação das forças econômicas. Aqui se mostra o
verdadeiro funcionamento da economia sob o impulso de atores de
fatos humanos, ou seja, imbuídos do espírito animal, tão inerente
à natureza humana.
Com a vantagem de
mais de 70 anos de pesquisas em ciências sociais, hoje podemos
compreender a influência do espírito animal sobre a macroeconomia
de maneira impossível para os primeiros keynesianos. E como
reconhecemos a importância do espírito animal, ao qual atribuímos
papel central, em vez de varrê-lo para debaixo
do tapete, essa teoria não é vulnerável a ataques”
“E isso nos leva à
diferença filosófica entre este livro e os textos econômicos
convencionais. Este adota visão diferente de como escrever a
economia. Nos compêndios econômicos, procura-se minimizar tanto
quanto possível os desvios de pura motivação econômica e da
conduta racional“ (p. 5).
“Se
é assim que interpretamos o termo confiança,concluímos
de imediato que, ao variar no tempo, o nível de confiança
desempenha papel
fundamental no ciclo
econômico” (p. 13).
O QUE OS AUTORES ENTENDEM POR “ESPÍRITO ANIMAL”
Entretanto para
continuarmos com a nossa jornada precisamos descobrir o que os
autores entendem por “espírito animal”. Esta conceituação
encontramos nas seguintes páginas:
“A
ideia de que tempos de dificuldade, como a atual crise financeira e
habitacional, são consequência de mudanças nos padrões de
pensamento contraria a mentalidade econômica tradicional. Porém, a
crise em curso confirma o papel dessas transformações nos
gabaritos mentais. Ela foi provocada exatamente
pelas transformações em nossos paradigmas de confiança, de
tentação, de inveja, de ressentimento e de
ilusões – e, especialmente, pelas mudanças
nas histórias sobre a natureza da economia” (p. 4).
No tópico “ Como a
economia realmente funciona e o papel do espírito animal” (p. 6)
os autores afirmam:
“A
Parte Um deste livro descreverá cinco diferentes aspectos do
espírito animal e como eles afetam as decisões econômicas –
confiança, equidade, corrupção e comportamento antissocial,
ilusão monetária e histórias:”
Num primeiro momento,
podemos constatar que a proposta dos autores é de cunho moral, pois
irão procurar demonstrar que as crises da economia capitalista se
devem a questões de prudência, poupança, honestidade, equidade,
comportamento antissocial e outros fatores psicológicos como mudança
do nível de confiança.
É como se os autores
quisessem purgar a economia capitalista de todos os males que
acompanham a natureza humana e ao fazerem isto encontraríamos o
paraíso. Ou seja, os problemas da economia capitalista têm raízes
na natureza “distorcida” da humanidade e ao controlarmos isto a
própria economia se autocorrigia.
Mas, o problema é que
todos estes vícios da natureza humana são inerentes a ela e a
acompanharam em todos os momentos de sua história, o que não quer
dizer que o modo de produção capitalista não tem características
próprias, que as diferem de outros modos de produção.
E como não admitir a
hipótese de que as leis inerentes às economias capitalistas
fornecem o oxigênio que impulsionam estes fatores psicológicos em
diversas direções, dependendo das suas fases econômicas
características.
A
ECONOMIA E OS CICLOS ECONÔMICOS
Já de longa data que os
economistas reconheceram os ciclos econômicos, de prosperidade e
declínio e procuraram identificar os fatores que contribuem para os
seus surgimentos.
Apenas para citar alguns
exemplos, inicialmente foram elaboradas teorias sobre ciclos
econômicos das econômicas capitalistas baseadas:
- nas atividades agrícolas, que acreditam serem os ciclos decorrentes dos fatores, inclusive aleatórios, que predominavam na agricultura;
- no subconsumo da população, tendo em vista a concentração do poder econômico por um elite, no caso capitalistas versus classe operária;
- até mesmo nas atividades lunares e solares (sunspots);
- ciclos longos de Kondratief.
Para Marx as economias
capitalistas estavam sujeitas a crises periódicas em função da da
superprodução e da taxa decrescente de lucros. Posteriormente, na
década de 30, período pós-crise de 1929, Keynes e Kalecki
centraram as suas análises e teorias sobre o papel que a demanda
efetiva desempenhava no surgimento das crises econômicas. Para
Keynes a eficiência marginal do capital tinha um papel importante,
por que inibia a percepção de investimento por parte dos
capitalistas.
Posteriormente, Minsky
procurou dar ênfase na instabilidade intrínseca das atividades
financeiras como fator que desencadeava as crises. Portanto, já
existiram toda sorte de teorias que procuravam explicar os ciclos
econômicos.
E, na página 5, quando
os autores afirmam que “os compêndios econômicos procuram
minimizar os desvios da pura convicção econômica e da conduta
racional”, acredito que eles estão se referindo aos economistas
dos “mercados racionais e eficientes”, que por sinal, já foram
bastante contestados, mas que por questões outras, que analiso num
artigo plotado neste mesmo blog, fizeram prevalecer as suas opiniões,
mormente nos Estados Unidos da América, que por interesses
subjacentes à sua expansão mundial propagaram mundo afora esta
teoria, cujo nascedouro foi a Universidade de Chicago.
Ora, o reconhecimento da
importância dos aspectos psicológicos na economia já foram
reconhecidos por Kindleberger, com um título altamente sugestivo de
seu livro “Manias, pânico e crashes”, uma referência para
todos aqueles que querem se aventurar em desvendar os mistérios das
crises econômicas.
“Um crash é um
colapso dos preços dos ativos, ou talvez a falência de uma
importante empresa ou banco. Um pânico, “um medo súbito sem
causa” do Deus Pan, pode ocorrer em mercados de ativos ou envolver
uma corrida de ativos menos para mais líquidos” (p. 136).
“A causa remota da
crise é a especulação e a expansão do crédito; a causa próxima
é algum incidente que abale a confiança no sistema, faça as
pessoas pensarem sobre os perigos da falência e leve-as a se
deslocarem de commodities, ações, imóveis, letras de câmbio,
notas promissórias, moedas estrangeiras – seja o que for – de
volta à moeda corrente. Em si mesma, a causa próxima pode ser
corriqueira: uma falência, um suicídio, um ímpeto, uma recusa de
crédito a alguém que pede emprestado, alguma mudança de ponto de
vista que leva um ator importante a se desfazer-se de seus títulos”.
O pânico como “fator
social”, importante para que a crise se instale, se dá pelo
contágio ou pela possibilidade e risco dele. Ele é o meio de
transmissão.
No mesmo sentido professa
Krugman:
“A
perda de confiança foi, até certo ponto, processo auto-reforçador.
Enquanto os preços dos imóveis e os mercados de ações estavam em
ascensão, até os investimentos questionáveis tendiam parecer
bons. Quando a bolha começou a esvaziar, as
perdas passaram a acumular-se, comprometendo ainda mais a
confiança e promovendo nova redução na oferta de
empréstimos” (p. 87).
Observa-se o enfoque do
autor que coloca a confiança como mecanismo auto-reforçador das
crises, “comprometendo ainda mais a confiança”, quando a bolha
estourou. A confiança como elemento auto-reforçador vem a reboque.
O mesmo autor cunhou uma
expressão interessante:
“No
entanto, muito mais importante para a economia são os pânicos que,
não importam quais sejam as causas, validam-se por si
mesmos – pois o pânico em si justifica o pânico”
(p. 91).
Estes breves parágrafos
mostram que os pânicos eram reconhecidos como efeitos propagadores
das crises econômicas, embora Krugman não saliente de forma precisa
o que gera o pânico e Kindleberger, neste parágrafo, admite ser “um
medo súbito sem causa”, praticamente na mesma linha dos autores
comentados. No entanto, veremos que o último autor expressará
outros pontos de vista, que em parte colocam em xeque, para não
dizer que contradizem estas opiniões.
Neste momento, o
importante a salientar é que o que os autores comportamentais
comentados fizeram foi apenas adicionar um tempero sobre o tema,
dando ênfase aos aspectos psicológicos sobre o desfecho das crises.
Ora, o pânico, ou a
falta de otimismo, ou coisa que o valha, se propaga por que existe o
“contágio”. Em outras palavras, a economia como um todo é
formada por vasos comunicantes, se assim podemos nos expressar, que
ao se interligarem uns com os outros impulsionam ou retraem as
atividades econômicas, dependendo dos estímulos que recebem.
E estes estímulos podem
ter origem e natureza econômica, estimulando ou não os aspectos
psicológicos dos agentes econômicos. A complexidade em analisar os
fenômenos sociais, incluindo nestes a economia e consequentemente os
agentes econômicos e sociais, está em sopesar todos os fatores que
contribuem para estes fenômenos, por que os fatos sociais são
determinados por mais de uma causa, embora algumas possam ser mais
determinantes.
Na verdade, o que os
autores do livro comentado deveriam ter feito era melhor especificar
de onde surge esta falta de confiança, determinante para uma fase
depressiva da economia, por que simplesmente ela não cai do céu.
Os autores em vez de
afirmarem genericamente que mudança do nível de confiança
desencadeia as crises, deveriam demonstrar como elas se articulam com
os demais fatores econômicos, ou até mesmo psicológicos e por que
de tempos em tempos, surgem do nada, como gatilhos para as crises.
Não basta mencionar que em determinados momentos estes fatores
(espírito animal), neste caso o nível de confiança, deflagra as
crises. O importante é especificar e explicar por que eles surgem
de tempos em tempos e como eles se articulam com os demais fatores
econômicos para desencadear as crises, geralmente depois de momentos
de expansão e especulação.
OS FUNDAMENTOS DAS
CRISES FINANCEIRAS
Como afirmei em tópicos
anteriores, ao contrário dos autores comportamentais, devemos buscar
nas leis que regem as economias capitalistas os fundamentos para as
suas crises periódicas, muito embora não possamos deixar de
reconhecer que os aspectos psicológicos dos agentes econômicos, ao
se reforçarem desempenham também efeitos importantes sobre os
níveis das atividades econômicas.
Cumpre lembrar que os
economistas que se preocupavam em desvendar as leis da sociedade
capitalista ressaltaram e estavam preocupados com o fato de que
estas leis impõem limites à sua expansão, desencadeando as crises.
Em vez de reproduzir os
pontos de vistas marxista, keynesiano e kaleckiano prefiro citar
outros economistas, inclusive o próprio Kindleberger, sobre os
fundamentos das crises.
Contrariamente as suas
citações anteriores, vale reproduzir mais uma vez Kindleberger,
sobre as crises:
“O debate
monetarista-keynesiano não deixa quase nenhum espaço para a
instabilidade do crédito e a fragilidade do sistema bancário ou
para os impactos na produção e preços, quando o sistema de
crédito fica paralisado devido a empréstimos mal-sucedidos em
função da queda nos preços – todos esses fatores em minha
opinião, vão longe na explicação do que aconteceu nas etapas
iniciais da grande depressão de 1929. Como já foi observado,
trata-se de uma visão antiga, defendida por muitos economistas
anteriores a 1940, que inexplicavelmente caiu em descrédito durante
a revolução keynesiana e a contra-revolução monetarista. Uma
explicação atual notável é Hyman Minski” (p. 87).
“No modelo de
Minski, o boom é alimentado por uma expansão do crédito bancário
que aumenta a oferta total de dinheiro...O crédito bancário é, ou
ao menos tem sido, notoriamente instável e o modelo de Minski
repousa firmemente neste fato.... Mas mesmo se a instabilidade de
bancos antigos e de outros novos fosse corrigida, a instabilidade do
crédito pessoal permaneceria, fornecendo meios de pagamentos para
financiar o boom, dado um estímulo suficientemente forte para isto”
(p. 17).
“Quando o número
de empresas e particulares que incidem nessas práticas cresce
(overtrading), trazendo consigo segmentos da população que
normalmente mantêm-se à parte de tais aventuras, especulação e
lucro afastam-se do comportamento normal e racional em direção ao
que tem sido descrito como “manias” e “bolhas”. A palavra
mania enfatiza a irracionalidade; bolha prenuncia o estouro.
Em um estágio mais
avançado, a especulação tende a dissociar-se de objetivos
realmente valiosos e ater-se a outros de valor ilusório. Um
grupo cada vez maior de pessoas procura enriquecer, sem a real
compreensão dos processos envolvidos. Não é surpresa, pois, que
fraudes e esquemas caça-níqueis floresçam” (p. 19).
“Persistindo as
dificuldades os especuladores descobrem, de maneira gradual ou
instantânea, que o mercado não pode subir mais. É hora de se
retirar.
O pânico alimenta-se
por si mesmo, como fez a especulação, até que uma entre
três coisas aconteça: 1) os preços caiam tanto que as pessoas
sejam novamente tentadas a voltar a ativos menos líquidos; 2) o
mercado de ações seja interrompido através de estabelecimento de
limites para as quedas de preço, fechamento de bolsas de valores,
ou encerramento das transações; 3) um fornecedor de empréstimos
de último recurso obtenha sucesso em convencer o mercado que haverá
disponibilidade de dinheiro em volume suficiente … ” (p. 21/22).
Destes parágrafos
citados podemos tirar de imediato a conclusão de que especulação e
crise são faces de uma mesma moeda. A especulação encontra
respaldo na expansão do crédito bancário ( notoriamente instável,
conforme Minski), nas possibilidades de maiores lucros em vista da
expansão da economia e da própria especulação, que em determinado
momento encontra-se validada pelas determinantes econômicas da
expansão desmedida, impulsionada não apenas pelo excesso de
confiança, mas com intuito especulativo, de lucro fácil. E as
possibilidades de fraudes decorrem do momento especulativo.
Destaque especial deve
ser dado ao fornecedor de empréstimo de último recurso, pois com a
criação dos Bancos Centrais se torna muita difícil que uma corrida
a um banco específico seja suficiente para desencadear a uma crise,
através do contágio. No passado este era talvez o fator mais
importante que que deflagrava a crise e contagiava a economia como um
todo. O FED foi criado em 1913 especificamente com este objetivo.
Um outro aspecto a
realçar é que a perda ou excesso de confiança, a especulação e o
pânico encontram substrato nas fases da economia, ou seja, expansão
ou retração. Se o pânico ou a falta de confiança se propagam e
levam a economia para situações mais difíceis, com menores
possibilidades de recuperação imediata, isto é um outro problema.
A confiança dos agentes
econômicos (excesso ou falta) acompanha todo o desenrolar das
atividades econômicas. O excesso de confiança encontra limites em
fatores intrínsecos dessa atividade econômica expansiva e
especulativa.
Uma das lições que se
aprende ao estudar a teoria keynesiana é que em uma economia
recessiva, ou em depressão, a prudência, a retração nos gastos
dos consumidores e a queda dos investimentos jogam mais lenha na
fogueira e agravam a situação da economia. Seria um multiplicador
em sentido inverso. Mas, ninguém em sã consciência,,
individualmente falando, seria louco em não proceder assim. Existe,
por assim dizer, um paradoxo entre o que deveria ser o comportamento
individual e o social, para enfrentar a crise, com predominância
para este último.
Na realidade, a proposta
keynesiana de intervenção estatal na economia visa exatamente
recuperar o nível das atividades econômicas, quase impossível de
se realizar por iniciativa exclusiva dos investidores, desencadeando
novas perspectivas para os agentes econômicos, restabelecendo, em
consequência o nível de confiança.
É por este motivo,
limitações das próprias leis que regem a economia capitalista,
que, de acordo com a sua teoria, a tentativa de restabelecer as
atividades econômicas através de uma política monetária não
surtem os efeitos esperados. Em outras palavras, a queda da taxa de
juros não é suficiente para restabelecer o nível de confiança dos
agentes econômicos.
A IMPORTÃNCIA DO
SISTEMA BANCARIO PARA AS CRISES
Neste tópico, procuro
apresentar ao leitor as opiniões do economista Paul Singer sobre a
articulação do sistema bancário com o setor real da economia,
apresentadas no livro “Para entender o mundo financeiro”, que nos
dá um ideia bastante interessante sobre como funciona o mercado
financeiro.
“É difícil
generalizar sobre o risco de crédito, pois ele está imbrincado no
mecanismo do ciclo de conjuntura. Mas podemos propor uma hipótese
que possui ao menos uma base racional: quanto mais se expande o
crédito e aumenta o multiplicador financeiro do valor, tanto maior
se torna a probabilidade de que a expansão financeira descole
da economia real, o que multiplica o risco financeiro “sistêmico”,
totalmente distinto do risco representado pelas vicissitudes que
atingem cada devedor individual.
A base racional desta
hipótese é que, a partir de determinado momento (impossível de
determinar de antemão), a expansão financeira provoca uma onda
de otimismo nos agentes financeiros, que passam a comprar com
avidez cada vez maior ativos de grande risco, tais como ações,
imóveis ou então cotas de fundos que aplicam em ações e
imóveis.
Este otimismo pode
ter por origem o fato de, até então, a valorização
financeira ter sido validada pela expansão da produção, do
emprego, dos lucros das empresas e dos gastos de consumo das
famílias e do governo. A economia como um todo entra numa fase de
crescimento fictício e real, ao mesmo tempo.
O crescimento é
fictício porque ações e imóveis se valorizam muito além do que
seria justificável pelo aumento da produção e dos lucros” (p.
63).
“A alavancagem
ocorre quando a mesma soma é objeto de sucessivos reempréstimos,
ao passar pelas mãos de sucessivos intermediários financeiros.
Um destes serviços é
a transformação de prazos: um depósito à vista numa ponta da
cadeia de intermediários se torna um empréstimo de longo prazo na
outra ponta. Outro serviço é a transformação de riscos: o
intermediário financeiro, pelo valor do seu capital – e pela
proteção que recebe do Banco Central -, oferece pouco risco a quem
nele deposita” (p. 56).
“A crise financeira
não decorre duma crise da economia real porque os ativos
financeiros, aos olhos dos que transacionam, depende não da
lucratividade passada – conhecida e bem registrada na conta de
lucros e perdas do último balancete – mas da lucratividade
futura. O passado só influi na riqueza financeira à medida que os
operadores o consideram indicador válido para o futuro” (p. 125).
“Mas os lucros
provêm da economia real e esta, mesmo que tenha sido estimulada
pelo boom financeiro, jamais poderia corresponder às expectativas
exageradas que as cotações infladas implicam” (p. 128).
“Mas a alavancagem
torna estas ondas de propagação muito mais rápidas e maiores nos
mercados financeiros do que na economia real. O mercado financeiro
atua como espelho deformante da economia real. Nesta, as reações
às ondas são retidas e limitadas porque leva tempo tanto para
expandir como desativar a capacidade produtiva” (p. 148).
“A origem básica
do risco é a imprevisibilidade da sina humana, imprevisibilidade
que é maior numa sociedade regida não pela tradição e rotina mas
por competição e inovação.
Em épocas de boom, a
inadimplência é mínima e o cumprimento quase integral dos
contratos induz os prestamistas a subavaliar os riscos, concedendo
créditos com grande facilidade. Em épocas de crise, a inadimplência
é generalizada, o que leva os prestamistas a superestimar os riscos
e a reduzir a quase nada a concessão de novos empréstimos” (p.
35).
Acho que estas citações
são suficientes para nos ajudar a questionar as hipóteses e
opiniões dos autores comportamentais citados, objeto do presente
artigo e para esclarecer aonde devemos procurar algumas das raízes
das crises econômicas das economias capitalistas.
Cito novamente
Kindleberger:
“As manias especulativas ganham velocidade através da expansão da moeda e do crédito ou, talvez, em alguns casos, tenham início devido a essa expansão” (p.63).
O que o autor acima
citado procura enfatizar é que o setor financeiro da economia,
funciona em determinados momentos, em descompasso ou com falta de
sintonia com a economia denominada real, que se caracteriza pela
produção de bens de consumo e produção e até mesmo serviços. E,
na verdade, não existe razões teóricas, nem mesmo factuais, para
pressupor que estas atividades têm que funcionar sempre em
verdadeira harmonia, como pretende a teoria clássica, neoliberal.
De certa forma, se
analisarmos sob outro prisma, esta também foi a proposta teórica
keynesiana, que afirmou haver um descompasso entre o que era ofertado
e demandado, representado pela teoria da insuficiência da demanda
efetiva.
A hipótese de que os
mercados e a economia como um todo funcionam em perfeito equilíbrio
é uma ficção, que não é convalidada por quaisquer realidades
fáticas. Da mesma forma, a concepção de mercados eficientes,
baseada na racionalidade dos agentes econômicos, já foi há muito
questionada pelos economistas, não vinculados à Escola de Chicago,
podendo ser perfeitamente refutada pela psicanálise freudiana e
pelas novas pesquisas mais recentes sobre o comportamento dos seres
humanos,. Sobre o assunto consultar “Direito, economia e mercados
racionais” em www.melisiofrota.blogspot.com.br
e o livro “Subliminar”.
O que podemos deduzir é
que os economistas clássicos e mesmo os autores comportamentais
continuam teorizando como se os diferentes mercados da economia
obedecessem as mesmas regras, estando, portanto, sujeitos aos mesmos
efeitos
Um dos fundamentos para a
crise da economia capitalista é, sem dúvidas, a instabilidade dos
mercados financeiros, que não trabalham em sintonia com o mercado
real da economia, em determinados momentos, fato este que possibilita
a deflagração de crises, por fatores quer sejam psicológicos ou
outros. Este é apenas um dos fatores que desestabilizam a economia
como um todo.
OS FATORES
PSICOLÓGICOS NAS CRISES DE 1890 E DE 1929
Ao analisar os fatores
que desencadearam as depressões de 1890 e 1929 os autores realçam
mais uma vez os aspectos essenciais do espírito animal.
“Todos os elementos
de nossa teoria sobre o espírito animal são essenciais para
compreender a depressão de 1890: colapso da confiança associado a
lembranças de histórias de fracasso econômico, envolvendo aumento
da corrupção nos anteriores à depressão: agravamento do senso de
iniquidade da política econômica e prevalência da ilusão
monetária na incapacidade de compreender as consequências da queda
nos preços ao consumidor” (p. 63).
“Porém, com a
queda das reservas de ouro, algumas pessoas tiveram a impressão de
que algo não ia bem, o que solapou a confiança. A propagação
desse sentimento assumiu a forma de conversas cada vez mais difusas
e comuns sobre situações de pânico em 1873 e em 1884, avivando a
memória social sobre essas épocas.
A ilusão monetária
exerceu importante papel na mudança de mentalidade “ (p. 65/66).
Confesso que não tenho
qualquer opinião fundamentada sobre os motivos que desencadearam a
crise de depressão em 1890.
Num primeiro instante,
Kindleberger parece apoiar esta conclusão e creditar a falta de
confiança, o motivo da crise:
“Em 1893, a falta
de confiança na capacidade do governo em manter o padrão- ouro, sob
a pressão dos interesses da prata, levou da pressão do mercado
monetário, e por fim ao pânico, às falências bancárias e,
através delas, a pressões nos mercados de títulos” (p. 137).
No entanto, o mesmo autor
em outras passagens de seu livro realça outros fatores importantes
que deflagraram a crise.
“O que está claro
é que a crise da Baring, induzida por dificuldades na Argentina,
causou um severo declínio nos empréstimos britânicos em todo o
mundo e precipitou as crises na África do Sul, austrália e Estados
Unidos, em 1893, ou contribuiu sensivelmente para as crises
econômicas” (p. 171).
“Sugere-se também
que vendedores alemães de obrigações argentinas contribuíram
para a crise da Baring de 1890 “ (p. 131).
Deixo para o leitor a
tarefa de analisar e pesquisar sobre o assunto e tirar as suas
devidas conclusões.
Mas, se estes fatores
psicossociais tinham relevância para deflagrar as crises e
aprofundá-las eles encontram(vam) respaldo no modus operandi, na
fragilidade, na instabilidade e inconsistência do sistema
financeiro:
“Tradicionalmente,
os bancos contraem empréstimos de curto prazo, ou seja, levantam de
dinheiro por meio de depósitos que podem ser resgatados a qualquer
momento ou mediante aviso prévio com pouca antecedência. Porém, a
maioria dos empréstimos de que são credores vencem em períodos
muito longos e, portanto, dificilmente são convertidos em dinheiro
de imediato ou em pouco tempo” (Kenneth & Reinhart, p.
XXIV).
Este descompasso
estrutural de prazos do sistema financeiro parece estar na origem da
crise financeira que se abateu sobre o setor de Associações de
empréstimos e poupança, na década de 80:
“Além disso, os
incentivos de risco moral foram bastante aumentados por um acidente
histórico: a combinação de aumentos acentuados nas taxas de juros
desde o final de 1979 até 1981 e uma forte recessão entre 1981 e
1982, tendo sido ambos arquitetados pelo Federal Reserve para
abaixar a inflação. Os aumentos acentuados nas taxas de juros
produziram o rápido aumento dos custos de recursos para as
associações de empréstimos e poupança, acima dos ganhos mais
elevados do seu principal ativo, ou seja, hipotecas residenciais de
longo prazo (cujas taxas haviam sido fixadas em uma época em que
as taxas de juros estavam bem mais baixas” (Mishkin, p. 1989).
No entanto, com a criação
de emprestadores de última instância os efeitos devastadores dos
contágios poderiam ser mitigados. O Federal Reserve System (Fed) foi
criado em 1913 com o propósito de atuar em situações de pânico,
garantindo liquidez às instituições financeiras, evitando o
contágio.
Com relação a grande
depressão de 1929, os autores, após afirmarem que os debates foram
muitos, mais uma vez recorrem à teoria do espírito animal “e os
seus principais elementos”.
“O que levou à
Grande Depressão? Como ocorrera com a depressão da década de de
1890, a década de 1930 parece ter sido detonada por um gatilho
financeiro: o crash mundial do mercado de ações, em 1929, mormente
a grande queda de 29 e 29 de outubro de 1929 e a crise bancária
correlata. No entanto, mais uma vez, o verdadeiro significado do
declínio econômico não se explica apenas nesses termos.
No entanto, a Grande
Depressão não pode ser analisada apenas sob o ponto de vista
técnico. O espírito animal também foi de importância fundamental.
Veja-se a equidade. Como a depressão de 1890, a Depressão da
década de 1930 acarretou forte sentimento de iniquidade nas
relações trabalhistas e deflagrou uma onda de conflitos
trabalhistas em todo o mundo. O comunismo atingiu o apogeu, quando
intelectuais em âmbito global começaram a encará-lo como antídoto
contra a exploração dos trabalhadores e como solução para os
fracassos da macroeconomia. Desenvolveu-se a percepção de
instabilidade intrínseca nas instituições de negócios e
difundiu-se o medo de que o contrato social se romperia, com
consequências imprevisíveis” (p. 72/73).
“Conforme ficou
claro com o trabalho de Barry Eichengreen e Jeffrey Sachs, a Grande
Depressão, no começo de 1930, se propagou, em consequência do
colapso do padrão-ouro. Com a perda de confiança na moeda em
âmbito mundial, os bancos centrais só conseguiram defender o
padrão-ouro por meio de aumento substancial nas taxas de juros,
sufocando, em consequência, as próprias economias” (p. 72).
Supondo que os autores
tenham uma dose de razão, posto que existem diversas teorias
econômicas sobre o assunto, não ficou claro o que desencadeou a
perda de confiança, ou seja, se ocorreram motivos econômicos para
tal perda. Mesmo assim, os proponentes desta tese parecem destacar
que houve um erro na política monetária, com a elevação das taxas
de juros, que repercutiu nas atividades econômicas, como se pode ver
desta conclusão:
“Eichengreen e
Sachs constataram que os países que insistiram mais tempo no
padrão-ouro sofreram mais” (p. 72).
O consenso sobre os
fundamentos da crise de 1929 ainda não foi alcançado. Segundo
Milton Friedman e Ana Schwartz o Federal Reserve foi o responsável
pela crise porque contraiu a oferta de moeda no período em questão,
acrescentando que o declínio da produção não teve importância
para o desfecho da crise.
Entretanto análises
demonstram que ocorreu um decréscimo da produção, principalmente
da indústria automobilística, bem antes do crash no mercado de
ações, o que demonstra a importância do investimento, conforme a
visão keynesiana. E outros escolhem o crash no mercado de ações
como responsável, em decorrência do decréscimo da riqueza nominal
e seus efeitos sobre o consumo e o investimento. Mas o que levou o
crash no mercado de ações? Eis a questão.
Para jogar mais lenha na
fogueira Kindleberger conclui:
“Nenhuma teoria
quantitativa da moeda ou deslocamento autônomo do consumo, com ou
sem declínio no mercado de ações, pode ser responsável por estes
movimentos abruptos (o autor se refere a queda acentuada da produção
da indústria automobilística entre março e outubro de 1929 –
de 660 mil para 316 mil unidades). Eles reclamam uma teoria já fora
de moda sobre a instabilidade do sistema de crédito” (p. 86).
E arremata o referido
autor:
“O debate monetarista-keynesiano não quase nenhum espaço para a instabilidade do crédito e a fragilidade do sistema bancário ou para impactos na produção e preços quando o sistema de crédito fica paralisado com empréstimos mal- sucedidos em função da queda nos preços – todos estes fatores, em minha opinião, vão na explicação do que aconteceu nas etapas iniciais da depressão de 1929. Como já foi observado, trata-se de uma visão antiga, defendida por muitos economistas anteriores a 1940, que inexplicavelmente caiu em descrédito durante a revolução keynesiana e a contra-revolução monetarista” (p. 87).
Do que foi exposto,
constata-se que as crises da economia capitalista são motivos
para diversas conjecturas, opiniões e teorias. Acredito que elas
também possam surgir no setor financeiro, mas:
“Graves crises
financeiras raramente ocorrem como fenômenos isolados. Em vez de
serem gatilhos de recessões, as crises financeiras atuam, com mais
frequência, como amplificadores. A reversão
da sorte no crescimento do produto acarreta uma cadeia de calotes de
empréstimos bancários, que agrava a queda do produto, os problemas
de liquidez e assim por diante” (Kenneth & Reinhart, p. 145).
Em seguida os autores
desenvolvem argumentos de que ilusão monetária, em
decorrência do fato de que os trabalhadores estabeleciam
resistências em relação aos cortes de salários, tendo em vista
que a queda nos níveis de preço fizeram com que os salários reais
estivessem em patamares elevados, em um momento de alto desemprego e
baixa atividade econômica.
“Muita gente
salientou a necessidade de redução dos salários” (p.73).
Ora, o que se deduz desta
última citação é que a economia já se encontrava depressiva e a
insistência em manter os mesmos salários nominais poderiam apenas
dificultar uma recuperação mais rápida.
Mas, por outro lado, esta
ideia vai de encontro a teoria keynesiana que advoga que esta redução
acarreta mais insuficiência de demanda efetiva, o que
necessariamente não iria contribuir para uma recuperação econômica
com base na redução dos salários.
Ao mesmo tempo, a
resistência dos trabalhadores em não admitirem uma redução de
salários caracteriza mais uma disputa “política” do que uma
verdadeira ilusão monetária. E o próprio Keynes não aprovava uma
redução drástica dos salários dos funcionários públicos, pelos
motivos já expostos.
Posteriormente, nas
páginas 76/77, os autores reproduzem os comentários de Alfred P.
Sloan Junior, em 1938, “quanto a debilidade ainda vigente da
economia americana”, creditando tal fato à necessidade de
reconstruir “a confiança sobre fundações inabaláveis.
No mesmo sentido foi a
declaração de Lamont Dupont sobre o assunto, reproduzida pelos
autores, referindo-se a prevalência “da incerteza sobre o futuro
da carga tributária, das restrições legais aplicáveis à
indústria”.
Esqueceram os autores que
a depressão gera a incerteza, inclusive em relação as medidas
necessárias para a recuperação das atividades econômicas, embora
existam algumas teses sobre esta questão, os modos e a eficácia
para aplicá-las, que necessariamente passam por questões
ideológicas e políticas.
Outrossim, as opiniões
dos citados empresários se referem à necessidade de restabelecer o
nível de confiança e não ao fato de que a queda neste nível foi
responsável pela crise. Na realidade, a economia já se encontrava
em crise e se discutia as medidas necessárias para recuperá-la,
consequentemente o nível de confiança.
Sobre a importância da
corrupção para o desabrochar a crise, Kindleberger já havia
reconhecido, mas atribuiu a ela um papel secundário e associado à
especulação:
“A
propensão a fraudar e ser fraudado corre paralela à propensão de
especular durante o boom. Crash e pânico, com seu mote de sauve qui
peut , induzem ainda mais a enganar, como medida de sobrevivência.
E o sinal para o pânico é a revelação de alguma fraude, furto,
desfalque ou falcatrua” (p. 93).
“Acreditamos que as
fraudes são determinadas pela procura, segundo a lei de Keynes, de
que a procura determina a sua própria oferta, ao invés da lei de
Say, de que a oferta cria a sua própria procura. Em um boom,
fortunas são amealhadas, os indivíduos tornam-se gananciosos,
fraudadores surgem para explorar esta ganância. … “Nasce um
otário a cada minuto” (p. 97).
CRISE DE 2007/2008
Era de se esperar que no
capítulo 7, “A atual crise financeira: o que deve ser feito?”,
os autores dissecassem os problemas que varreram as economias
capitalistas, mormente os Estados Unidos da América, levando-as a
uma crise de profunda magnitude.
Entretanto, os autores
comportamentais não deixaram de destacar a relevância do espírito
animal sobre a recente crise:
“ Exemplo extraído
da situação econômica em novembro de 2008 ilustra as razões
dessas consequências. A baixa confiança provocou o congelamento
dos mercados de crédito” (p. 18).
Na página 94, os autores
apontam, de forma sucinta, 3 razões para a contração do crédito:
- a mais óbvia, modalidade convencional de financiamento entrou em colapso;
2.concentremos
nesta:
a segunda envolve a relação entre perda de capital e
alavancagem. ...E agora, com a mudança da história e o colapso
da confiança, seus ativos haviam perdido valor. .. O problema da
alavancagem agravou-se ainda mais pelo fato de as instituições
não depositárias assumirem dívidas de curto prazo para
concederem empréstimos de longo prazo.
Já tínhamos visto que
este problema de prazos era uma da características dos sistemas
financeiros nas economias capitalistas. Querendo ajustar os fatos à
teoria os autores não comentam os motivos, as causas e os
fundamentos da crise de confiança. O que gerou tal crise? A
alavancagem era um dos fundamentos da economia naquela momento e
atendia aos requisitos da ideologia dos “mercados racionais”, ou
“o mercado sabe”.
Sobre o risco moral, nada
dizem os autores. Invoco a paciência dos leitores para reproduzir
trecho do livro de Nouriel Roubini, “A economia das crises”, ed.
Intrínseca, 2010:
“A
política de “originar e manter em carteira” foi substituída
pela política de “originar e distribuir”
É
um princípio correto desde que os compradores dos títulos possam
avaliar o risco inerente a estes papeis. Mas se você é um banco
que vende títulos garantidos por novas hipotecas emitidos pelos
canais de securitização, seu objetivo primordial é descarregar
essas hipotecas o mais rápido possível. Cada venda lhe dá mais
dinheiro, que lhe servirá para fazer mais empréstimos.
Infelizmente, como o banco não precisa mais encarar as
consequências de fazer um empréstimo ruim, ele tem
pouco incentivo para avaliar adequadamente o
risco das hipotecas que ele mesmo origina. Quando “originar e
manter em carteira” torna-se “originar e distribuir”, uma
hipoteca podre é passada adiante como uma batata quente.
À medida que a
securitização se tornava um lugar comum, a partir da década de
1990, os corretores de hipotecas, os avaliadores dos imóveis
hipotecados, os bancos comuns, os bancos de investimentos e as
instituições semipúblicas, como a Fannie Mae e Freddie Marc,
tinham pouco incentivo para submeter os candidatos a mutuários a
uma avaliação cuidadosa.
A securitização não
parou por aí. As financeiras supervisionavam a securitização das
hipotecas imobiliárias e também de muitos tipos de crédito ao
consumidor: empréstimos de cartão de crédito, créditos
estudantis e financiamentos de automóveis.
Na
teoria, as agências de classificação de risco – Mody's, Fitch,
Standart & Poor's – deveriam ter dado o alerta. Mas depender
das agências de classificação de risco é depender da raposa para
tomar conta do galinheiro: elas tinham todo o interesse em dar altas
notas aos títulos que avaliavam. Com isso, auferiam uma boa
comissão das próprias entidades que avaliavam, além da promessa
de novos negócios” (p. 76/77).
No
capítulo “Conclusão” os autores voltam ao tema e fazem uma
crítica tímida
aos fundamentos dos “mercados eficientes” e das “expectativas
racionais”, como se pode constatar:
“Em
geral, os profissionais de macroeconomia e de finanças foram tão
longe na direção das “expectativas racionais” e dos “mercados
eficientes” que deixaram de levar em conta a dinâmica mais
importante por trás das crises econômicas. Essa desconsideração
do espírito animal no modelo pode cegar-nos para as reais fontes do
problema.
As
teorias econômicas convencionais desprezam as mudanças nos padrões
de pensamento e nas maneiras de fazer negócios, que geram
ou
acirram as crises: ignoram até a perda de confiança e de
segurança; excluem o senso de iniquidade que limita a flexibilidade
dos salários e dos preços …; menosprezam o papel da corrupção
e da venda de maus produtos durante a prosperidade ….; negligenciam
a influência das histórias que interpretam a economia”
(p.180/181).
É
óbvio que os autores estão se referindo
aos
economistas clássicos, principalmente os filiados à Universidade de
Chicago que foram os mais recentes e grandes mentores
da ideologia
dos mercados racionais,
que
não é mais que
uma
outra forma de referendar a teoria da mão-invisível de Smith. Uma
advertência é que a economia não se resume aos autores
“clássicos”, como tivemos a oportunidade de mencionar e citar
neste texto.
Entretanto os autores não
apresentam uma crítica profunda e coesa desta “teoria ideológica”,
se assim podemos nominá-la, com base nos ensinamentos de Freud e da
pesquisas na área da neurociência, que questionam e negam a
racionalidade absoluta do ser humano, tanto nas decisões econômicas
quanto nos demais aspectos da vida. Da mesma forma não avançam nos
aspectos políticos e nas raízes ideológicas desta “ideologia”.
Sobre
o papel do inconsciente no comportamento humano, remeto os leitores
para o artigo “Direito, economia e mercados racionais – uma
crítica aos economistas racionais”, postado em
www.melisiofrota.blogspot.com.br,
onde comento, à luz do inconsciente freudiano e dos avanços da
neurociência a racionalidade do ser humano.
No artigo “A crise de
2008 e as informações assimétricas”, postado no mesmo blog,
escrevi:
“Na
realidade, poderíamos dizer que na recente crise as informações
assimétricas foram irrelevantes. Existiam, sim , informações
plantadas, “oba oba” e uma teoria econômica respaldada por
ilustres teóricos, empresários, principalmente da mídia, através
de seus porta-vozes, políticos e até mesmo empresários do ramo
financeiro, atuando dentro do governo em benefícios próprios e em
função desta ideologia. Ou seja existia pura especulação. O
setor imobiliário era o carro chefe. Construtores, produtores,
consumidores e o setor financeiro atuavam freneticamente, sem
necessariamente saberem o que vendiam, compravam e emprestavam.
Possibilidades de ganho, até mesmo as mais ilusórias, eram
suficientes
para turbinar os negócios. As inovações financeiras, respaldada
por modelos econométricos sofisticadíssimos, estavam de vento em
poupa e cumpriam as suas funções em justificar e garantir os
fundamentos teóricos e a especulação.
A
desregulamentação e a securitização se alastravam com o
fundamento de que os riscos estavam racionalmente diluídos e por
isso não havia possibilidades de crise. Tudo estava sob controle
porque os gênios das finanças eram extremamente racionais. Os
modelos serviam para cobrir com uma manta científica as decisões,
alijando os simples mortais, incapazes de entender os mistérios das
finanças e da complexidade matemática. Todos atuavam
racionalmente, mas
com alma de especulador.
Vendiam-se as informações sem interesse em saber se eram falsas ou
não, com ou sem interesse. Nenhuma das pontas (construtores,
financistas, consumidores, produtores, vendedores) sabia e nem
queria saber realmente o que vendiam, compravam e financiavam.
Vendia-se e comprava-se de tudo sem se importarem com as
consequências”.
“No entanto os mais
poderosos lobbies financeiros do país queriam o fim da
Glass- Steagall. E bombardearam os políticos com milhões de dólares
de contribuições para as suas campanhas eleitorais. Eles
pressionaram o Congresso de todas as formas para acabar com uma
legislação tida como antiquada. Inevitavelmente venceram” (
Macdonald, Lawrence, apud A crise de 2008 ….).
No capítulo dedicado as
“fraudes” Kindleberger relaciona apenas um caso, de forma clara,
em que elas tiveram importância para deflagrar a crise:
“Foi
pego usando garantias fraudulentas em uma tentativa de conseguir
emprestado 8 mulhões de libras para comprar a United Steel e sua
falência levou à retração do mercado monetário da Grã-Bretanha
e a retirada dos empréstimos sem prazo do mercado de Nova York, a
gota
d'água
para a bolsa de valores e o crash, em outubro de 1929” (p.100).
As “fraudes”, muito
embora possam ser o estopim, dificilmente serão as causas e os
fundamentos para uma enorme e profunda crise, que leve à depressão.
Como o próprio autor (Kindleberger) e muitos outros reconhecem elas
prosperam nos momentos de boom, quando a especulação está
disseminada e já existem as raízes e condições econômicas
propícias para o desencadeamento delas.
Caso emblemático é o da
Petrobras, uma empresa que ocupava papel de grande destaque na bolsa
de valores (responsável por aproximadamente 30% das negociações) e
que desempenha papel importante na economia do país, inclusive
incentivando áreas ligadas à tecnologia, importantes ao
desenvolvimento tecnológico. A crise na empresa, por fraudes,
atingiu outras grandes empresas do setor de construção civil e
outras ligadas à exploração de petróleo (construção de
plataformas), com cancelamento de contratos e outras medidas
restritivas, que impactaram a economia.
Quanto
a “repetição da história”, que tanto os autores gostam de
mencionar como um dos fundamentos da crise, contraponho o título
sugestivo do livro, já citado, “Oito séculos de delírios
financeiros – desta
vez é diferente”,
de Kenneth & Reinhart:
“Nossa
imersão nos detalhes das crises dos últimos oito séculos e nos
dados a respeito delas nos levou a concluir que os conselhos mais
comuns e mais onerosos que em geral se oferecem sobre
investimentos, durante os surtos de prosperidade, pouco antes da
eclosão das crises financeiras, decorrem da percepção de que
“desta
vez é diferente”. Essa
recomendação, baseada no pressuposto de que as velhas regras sobre
a avaliação de ativos perderam a validade, geralmente é observada
com disposição e credulidade. Os profissionais de finanças e
também com muita frequência, os líderes políticos explicam que
agora agimos com mais eficácia, que dispomos
de mais conhecimentos e que aprendemos com os erros do passado. A
cada vez, a sociedade se convence de que a bonança em curso, ao
contrário de muitos surtos de prosperidade que precederam colapsos
catastróficos no passado, se ergue sobre fundamentos
sólidos, sobre
reformas estruturais, sobre inovações tecnológicas e sobre
políticas públicas mais saudáveis” (Prefácio, p. XXII).
OUTROS ASSUNTOS EM DESTAQUE
No capítulo 11, ao
analisar os motivos das oscilações dos preços das ações, os
autores fazem um breve relato do sucesso da empresa japonesa Toyota,
comparativamente ao fracasso da empresa argentina IKA.
“A
criação da Toyota foi o exemplo claro do triunfo do empreendimento
individual contra o bom-senso convencional. Sob alguns aspectos
refletiu o otimismo e o patriotismo que se perverteu na invasão da
Manchúria pelo Japão, em 1913.
No entanto, este tipo
de auto-confiança há muito tempo é um traço nítido da cultura
japonesa, como parte da filosofia nacional, desenvolvida de maneira
extraordinária por Yukichi Fukuzawa, amplamente considerado um dos
fundadores do Japãp moderno. … E, assim, converteu essa emulação
dos melhores em símbolo da engenhosidade e da inteligência
japonesas” (p. 148).
“Em contraste com a
IKA, a criação e o crescimento da Toyota se basearam na autoestima
e na autoconfiança. Os japoneses, como indivíduos e coletividade,
tinham ambições:...” (p. 149).
Na verdade, não podemos
deixar de reconhecer determinados fatores psicossociais como motores
do desenvolvimento, determinantes para o sucesso econômico das
economias em geral. Por sinal, este foi o tema do recente trabalho
intitulado “Desenvolvimento e livre comércio – o desenvolvimento
sob uma perspectiva cultural”, lançado e plotado em
www.melisiofrota.blogspot.com.br.
Mas, em que pese as
qualidades da cultura japonesa e as virtudes do presidente da Toyota,
já amplamente reconhecido pela literatura, pelos cientistas sociais
e administradores, como exemplo de perseverança e criatividade.
No entanto, parecem que
os autores ignoraram um fator político e econômico importante para
o sucesso da empresa japonesa. A meu ver, um sério e talvez
indesculpável descuido para uma obra que pretende plantar novas
ideias. Me refiro a guerra da Coréia e a guerra Fria, que mudaram os
rumos da política econômica ditada pelos Estados Unidos da América,
naquele país (Japão).
De acordo com diversas
informações especializadas, os Estados Unidos foram importantes
tanto para a recuperação quanto para o desenvolvimento do Japão
moderno.
Reproduzo os comentários
sobre o assunto:
“A
estas determinações somam-se, nos idos 1949-50, alguns
acontecimentos conjunturais de grande impacto. Entre eles,
destacam-se: a séria crise financeira que acometeu a empresa
Toyota, que chegou à beira da falência em razão dos grandes
desperdícios provocados pela desordem em matéria de programação
da produção e dos estoques; a greve de grandes dimensões, com a
demissão de cerca de 1.600 empregados da Toyota, em oposição à
reestruturação imposta por um grupo bancário frente à falência
iminente da empresa; o início da guerra da Coréia, que trouxe
encomendas em massa para a Toyota, porém sempre em pequenas séries,
para não falar das multas no caso de descumprimento dos prazos de
entrega” (CORIAT, 1994), em “Japão: revolução passiva e
rivalidade imperialista” por Marcos Aurélio da Silva,
http;//www.acessa.com/gramsci/?page.
Em virtude da importância
da Guerra da Coréia e da Guerra Fria conclui Fiori, em “História,
Estratégia e Desenvolvimento - Os Milagres Econômicos da Guerra
Fria”, Ed. Boitempo, 2014:
“A
despeito das diferenças históricas e políticas, Alemanha, Japão,
Itália e Coréia foram derrotados e destruídos – na Segunda
Guerra Mundial ou na Guerra da Coréia e depois foram ocupados e
transformados em “protetorados militares” dos Estados Unidos.
Logo depois da guerra, a ideia americana era desmontar as antigas
estruturas econômicas destes países, mas após o começo da Guerra
Fria e o fim da Guerra da Coréia, esse projeto inicial foi
substituído por uma política diametralmente
oposta de estímulo ao crescimento econômico, com
forte apoio e intervenção dos governos locais e dos próprios
agentes econômicos e instituições privadas do pré-guerra. Por
isso, pode-se dizer com toda a certeza que a lógica da guerra fria
pesou decisivamente na origem dos milagres econômicos e na
transformação da queles países em peças centrais da engrenagem
econômica do poder globa dos Estados Unidos, …....” (p.83).
E há aqueles que
creditam exclusivamente à Guerra da Coréia e à Guerra Fria o
sucesso do made
in Japan:
“Se
o Japão não tivesse construído esta parceria militar-industrial
com os EUA não haveria nenhum milagre japonês” ( Nagai, apud
Pyle, 2007, p. 235, “A reintegração internacional no pós-guerra”
, em WWW.proceedings.scielo.br/scielo.php?).
Não
menos intrigante são as conclusões e comentários
dos autores, bastante superficiais, sobre
a crise do petróleo,
a formação e o poder da OPEP e as oscilações de preços desta
commoditie.
“No entanto, The
limits to Growth
foi
sintomático da mentalidade popular da época. E suas conclusões
fomentaram
os ministros da OPEP a construir o cartel.
...Sem dúvidas,
considerações econômicas e políticas desempenharam importante
papel na ascensão e queda da OPEP e da indústria petrolífera como
um todo durante esses anos. E – como sugere o fato de os preços
do petróleo terem atingido o pico de US$ 145,31 por barril, e 2 de
julho de 2008, antes do novo colapso – de fato o petróleo é
recurso limitado. O aquecimento global é ameaça iminente. Porém,
em meio a essas perspectivas de longo prazo – para o planeta e
para a produção do petróleo -, o mercado de petróleo
e as histórias a esse respeito são extremamente semelhantes ao
mercado de ações e a seus mitos.
Ambos são muito
variáveis. Mais uma vez, quem estiver prevendo o tempo deve ser
demitido” ( p. 153).
Sem
comentários.
As conclusões dos autores ficam muito aquém do que se espera, em
relação a importância e gravidade dos acontecimentos, que
trouxeram grandes transformações econômicas no mundo, nas décadas
seguintes. Transcrevo alguns trechos dos livros de Ivan Santana, “O
terceiro templo – Os conflito árabe-israelenses e os choques do
petróleo”, de Daniel Yergin, “O petróleo – uma história de
ganância, dinheiro e poder” e de Luiz Alberto Muniz Bandeira,
“Formação do império americano”, que nos dão um panorama
apurado deste momento crítico. Os meus comentários são
desnecessários, diante da clareza das exposições.
Por ser um assunto
bastante complexo, multifacetado, fica difícil reproduzir todos os
pormenores que desencadearam a crise. Para facilitar a leitura,
dividi o assunto em pequenos tópicos: 1) os motivos do nascimento da
OPEP; 2) o cenário econômico - evolução do consumo, produção e
a especulação; 3) a Guerra de Yom Kippur e o panorama político; 4)
a Guerra Fria e as grandes potências; 5) controle da produção e
dos preços - desapropriação.
O nascimento da OPEP
“A
década de 60 foi testemunha de um contínuo processo
de descolonização
e do surgimento de questões e controvérsias acerca do terceiro
mundo. As questões da soberania no mundo do petróleo, que foram
tão básicas e rígidas na formação da OPEP em 1960, acalmaram-se
nos anos seguintes à medida que as companhias procuravam satisfazer
os países exportadores em suas exigências por receitas maiores, ao
pressionar para cima a produção” (Yergin, p. 542).
“Mesmo
assim, no dia 14 de setembro, o grupo havia concluído o seu
trabalho. Uma nova unidade havia se formada com a finalidade de
enfrentar as companhias internacionais de petróleo. Ela foi chamada
de Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e
deixou sua intenção explícita: defender o preço do petróleo,
mais especificamente trazê-lo de volta ao patamar anterior da
redução. Dali em diante, os países membros fariam questão que as
companhias os consultassem nas questões relativas aos preços, que
afetavam de modo tão direto suas receitas internas” (Yergin, p.
541).
“Na verdade, a OPEP
poderia reivindicar apenas duas conquistas em seus primeiros anos de
existência. Assegurou a cautela da parte das companhias de petróleo
quando tomassem qualquer medida unilateral importante sem consulta, e
estas nunca mais se atreveram a reduzir os preços fixados”
(Yergin, p. 542).
“Foi nesse cenário
de confronto que representantes da Arábia Saudita, Venezuela,
Kuwait, Iraque e Irã, reunidos em Bagdá, decidiram criar a OPEP,
que havia sido sugerida um ano antes pelo venezuelano Pérez
Alfonzo. O objetivo explícito da nova entidade era o de formar um
cartel para defender os preços, regulando a produção. (Santana,
p. 75).
O cenário econômico
- crescimento do consumo, a produção e a especulação
“Desde
o início dos anos 1950, o mercado de petróleo não fazia outra
coisa senão crescer. De um lado a indústria automobilística era
a principal força motriz das economias dos países desenvolvidos.
De outro, novas jazidas eram descobertas” ( Santana, p. 75).
“Sem
as barreiras de importação, os Estados Unidos eram agora
particularmente irrestritos e sequiosos do mercado mundial de
petróleo. Juntaram-se a outors países consumidores na demanda
clamorosa pelo petróleo do Oriente Médio. … As empresas estavam
comprando todo o petróleo disponível. No verão de 1973, as
importações dos Estados Unidos alcançaram 6,2 milhões de
barris/dia comparados a 3,2 milhões de barris/dia em 1970 e com 4,5
milhões em 1972. Os refinadores independentes também se
precipitaram para os mercados mundiais, juntando-se
a um frenético grupo de compradores,
elevando os preços de tais suprimento.
Quando a demanda do
mundo inteiro emergiu de repente diante do limite de suprimento
disponível, os preços do mercado excederam os preços oficiais”
(Yergin, p. 617).
“ Comprar movido
pelo pânico significava uma demanda extra no mercado. ...”Não
estávamos dando lances apenas pelo petróleo”, afirmou um
refinador independente que não possuía fonte segura de
abastecimento. “Estávamos dando lances pela vida” (Yergin, p.
643).
“Nessa
época, já existiam sinais claros e politicamente
inquietantes de tensão
de todo o sistema de fornecimento de energia dos Estados Unidos.
Durante o inverno de 1969/70, o mais frio em trinta anos, tanto o,
petróleo quanto a gás natural estavam escassos . A demanda pelo
petróleo com baixo teor de enxofre, importado de países como a
Libéria e a Nigéria, aumentou repentinamente nos meses seguintes,
quando as empresas públicas de eletricidade mudaram do carvão para
o petróleo” (Yergin, p. 615).
“No início da
década de 1970, época em que o canal de Suez permanecia fechado à
navegação , o preço do barril de petróleo começou a subir
consistentemente... A Síria não permitiu que os dutos danificados
fossem substituídos. Mas a principal razão do aquecimento do
mercado foi o consumo crescente de eletricidade na Costa Leste
americana, devido ao rigoroso inverno de 1969/70” (Santana, p.
85).
“Os
países radicais da OPEP – Iraque, Argélia e Líbia – começaram
a pressionar por uma nova revisão nos textos considerados sagrados,
os acordos de Teerã e de Trípoli. No final da primavera de 1973,
os outros países exportadores, vendo os os saltos cada vez altos
dos preços do petróleo no mercado aberto, fizeram coro à essa
ideia. Mencionaram a inflação e a desvalorização
do dólar, mas acima de qualquer outra coisa, enfatizaram o que
estava acontecendo com os preços.
Entre 1970 e 1973, o preço do petróleo cru havia dobrado..... A
parte das empresas nos lucros deveria diminuir e não crescer. O
sistema de preços baseado no acordo de Teerã de 1971,
encontrava-se agora em completa confusão, comentou Yamani...”
(Yergin, p. 617/8).
“Pressionado pelos
países mais radicais da Opep – Iraque, Argélia e Líbia-, o preço
do barril do petróleo continuava subindo. A justificativa agora era
a desvalorização do dólar e a inflação mundial. Só que uma
coisa provocava a outra e a outra provocava a primeira, num círculo
viciosos perverso para o Ocidente” (Santana, p. 100).
“A redução
progressiva da produção de petróleo por parte dos países da Opep
– 10% no primeiro ano e 5% nos subsequentes – funcionou
plenamente. Faltou gasolina nas bombas do ocidente e o preço
continuou disparando” (Santana, p. 154).
“ ….. com os
líderes dos países ricos garantiram o abastecimento de petróleo,
por outro lado não garantiram os preços, que continuaram subindo.
Em dezembro de 1973, o Irão conseguiu vender petróleo a 17,40
dólares o barril, uma alta de 500%, em relação ao início do ano”
(Santana, p. 156).
A Guerra de Yom Kippur
e o panorama político
“O
rei, continuou Yamani está “cem por cento determinado a efetuar
uma mudança na política dos Estados Unidos e usar o petróleo para
essa finalidade. O rei acha .... que o petróleo
representa efetivamente uma arma.
Além disso, ele está, sob constante pressão da opinião pública
árabe e dos líderes árabes, particularmente Sadat.
“O
rei Falsal afirmava aos executivos das empresas petrolíferas que uma
“simples restrição” , dos Estados Unidos à política
israelense ajudaria a desviar o uso do petróleo como arma política”
(Yergin, p. 624).
“Yamani, autorizado
por Faisal, informou aos diretores da Aramco que o rei estava
pensando seriamente em usar de pressão contra os Estados Unidos,
caso os americanos continuassem simpáticos às causas de Israel.
Faisal fez mais do
que falar com Yamani. Concedeu uma entrevista, …... , à revista
americana Newsweek, na qual declarou que a Arábia Saudita usaria o
petróleo como arma política” (Santana, p. 102).
“Na terça, 16,
Richard Nixon anunciou uma venda adicional de armas para Israel no
valor de 2,2 bilhões de dólares. Nessa mesma data, os seis
ministros do petróleo do Golfo, que já se encontravam na cidade do
Kuwait , reunidos no Hotel Sheraton, decidiram aumentar o preço do
petróleo em 70% para 5,12 dólares, sem consultar as empresas
petrolíferas. Mais tarde Yamani diria sem suas memórias que “foi
o dia em que a OPEP tomou o poder”” (Santana, p. 140).
“Os países árabes,
integrantes da OPEC, aproveitaram a guerra do Yom Kippur para
compensar as perdas com a desvalorização do dólar, e usaram, pela
primeira vez, o petróleo como arma e instrumento de pressão,
suspendendo o fornecimento aos países que apoiavam Israel”
(Bandeira, p. 325).
A Guerra Fria como pano de fundo
“A Guerra de Yom Kippur transformara-se em mais um capítulo da Guerra Fria entre as duas potências. Com os Estados Unidos financiando e exportando abertamente armas para Israel, a União Soviética incrementou sua ajuda aos árabes” (Santana, p. 140).
“A guerra de Yom Kippur transformara-se em mais um capítulo da Guerra Fria entre as duas grandes potências. Com os Estados Unidos financiando e exportando armas abertamente para Israel, a União Soviética incrementou a sua ajuda aos árabes” Kissinger explicou que o reabastecimento americano não devia ser tomado como uma atitude antiárabe, mas sim uma disputa “entre os Estados Unidos e a União Soviética”. Os Estados Unidos precisavam reagir diante do procedimento russo” (Yergin, p. 634).
“Do outro lado,
Israel constituía no Oriente Médio um baluarte contra o comunismo
e a União Soviética, aliada virtual dos países árabes, e
qualquer posição mais dura contra suas ambições nucleares
poderia desencadear uma reação da comunidade judaica, que
representava importante fator eleitoral nos Estados Unidos, devido à
sua enorme influência econômica, financeira e política”
(Bandeira, p. 324).
Controle
da produção e dos preços - Desapropriação
A luta dos países árabes e exportadores de petróleo por um controle sobre a produção e os preços do petróleo é uma longa história de ganância e poder, recheada com assassinatos, complôs, embargos, conchavos políticos, invasões, guerras, chantagens, rivalidades imperialistas e entre países produtores, lutas pela independência. Enfim, toda sorte de artimanhas e um arsenal de maldades e brutalidades, que só o ser humano é capaz. Os comentários falam por si. Os acontecimentos posteriores confirmam (para maiores detalhes consultar “Formação do império americano, de Luiz Moniz Bandeira). No fim prevaleceram os interesses dos países exportadores, contrapondo-se aos das grandes empresas exploradoras, refinadoras e distribuidoras.
“O Mèxico foi o
primeiro país produtor a reagir ao esbulho, estatizando, em
1938, as companhias americanas exploradoras” (Santana, p. 71).
Em 1951, o primeiro-ministro iraniano foi assassinado por ser contrário à encampação da Anglo-Iranian. Seu substituto expropriou a companhia, foi deposto e com o apoio do xá Reza Pahlavi foi constituído um consórcio internacional.
“Em represália à estatização, os principais países do Ocidente decretaram um embargo ao petróleo iraniano.... Estava criado o cenário para a derrubada de Mossadegh” (Santana, p. 72).
“Em dezembro de
1970, a Opep, tendo como secretário-geral o líbio Omar el-Badri,
mas como líder inconteste o saudita Ahmed Zaki Yamani , começou a
pleitear que os países-membros participassem dos controles
acionários das companhias petrolíferas que atuavam em seus
territórios e concordassem em pagar um preço maior pelo barril”
(Santana, p. 86).
“Para os militantes
árabes era uma grande afronta a tomada de território árabe por
países não-árabes. Para punir os ingleses de “conluio” nesse
ato traiçoeiro, a Líbia distante quatro mil quilômetros,
estatizou as empresas que compunham a BP no país..... “Existe uma
tendência mundial favorável à estatização e os sauditas
não podem permanecer isolados contra essa posição” , Yamani
“(Yergin, p. 608).
O rei saudita e seu
ministro Yamani preferiam que seu petróleo fosse extraído e
comercializado pela Aramco, “mas o rei e o ministro obviamente
faziam questão de ter voz ativa na definição dos preços e nas
cotas de produção” (Santana, p. 88).
“A Arábia Saudita
se valeu dessa situação para exigir, e obter, sua primeira
participação acionária na Aramco, embora o rei Faisal e o
ministro Yamani não cogitassem da estatização total da empresa.
Na Líbia, o indócil Muammar al- Gaddafi assumira o controle de 50%
da italiana ENI, 51% da Occidental Petrleum e desapropriara
totalmente a americana Bunker Hunt” (Santana, p. 91/2).
“ ….. e o Iraque
completara a estatização da concessão da IPC em 1972” (Yergin,
p. 677).
CONCLUSÃO
Ao terminar este breve
artigo, gostaria de salientar que não seria eu que iria desprezar os
aspectos psicológicos ou psicossociais dos agentes econômicos nas
crises econômicas, aspectos estes já ressaltados por diversos
autores de renomes internacionais, que deram e continuam dar
contribuições valiosas para desvendar as raízes mais profundas das
crises nas economias capitalistas.
Os comentários aqui
esboçados se cingem a relevância que os autores do livro “Espírito
animal” dão aos aspectos psicossociais e psicológicos, relegando
para segundo plano outros fatores econômicos mais fundamentais,
intrínsecos ao modo de funcionamento das economias capitalistas,
que, no mais das vezes, ditam os comportamentos dos agentes
econômicos.
Conforme
tive a oportunidade de mencionar e lembrar, estes aspectos do
comportamento do ser humano já foram abordados por diversos autores
dedicados ao tema, com destaque para o livro referência de
Kindleberger. Portanto, a contribuição dos autores para o tema em
questão é pífia, limitando-se a mudar de enfoque.
Entretanto, não custa
mencionar a abordagem dos autores sobre a evolução dos preços das
ações e os fundamentos da economia, assunto favorito dos
economistas racionais. Vale reproduzir:
“Ao
longo do tempo os economistas tentaram
explicar em termos convincentes os movimentos de preços do mercado
de ações agregado, em termos de fundamentos da economia. Mas
ninguém foi bem-sucedido nesta empreitada. As oscilações não
parecem explicáveis por mudanças nas taxas de juros, por
pagamentos, por pagamentos de dividendos ou por qualquer outro
fator.
“Os
fundamentos da economia continuam estáveis”.
Esse clichê
é
repetido por autoridades, no esforço de restaurar a confiança do
público, depois de grandes quedas no mercado de ações....Quase
sempre, o mercado de ações é que mudou, embora os fundamentos
tenham permanecidos inalterados.
Como sabemos que
essas mudanças não foram geradas por alterações nos fundamentos?
Se os preços das ações refletem os fundamentos, estes são úteis
na previsão dos retornos futuros das ações” (p.142).
“Talvez
estejam certos. Sem dúvida, não se pode comprovar
que
o mercado de ações foi irracional. Porém, em todo debate, ninguém
apresentou prova concreta de que a volatilidade é racional” (p.
143).
“De uma maneira ou
de outra, os movimentos dos preços dos ativos influência a
confiança do público e a economia real. Portanto, desenvolve-se um
processo de feedback preço-lucro-preço” (p.146).
Por fim, cabe ressaltar
que este processo de feedback e de influência sobre a economia real,
de que os autores falam, se dá através do efeito riqueza sobre o
consumo e investimento, conforme já salientado por diversos
economistas e também pelos respectivos autores na página 145.
Ao constatar que a
sociedade capitalista é pródiga em criar ideologias deste tipo que,
obviamente, disfarçam as suas entranhas, me pergunto quantas
“teorias” mais teremos que compartilhar e rechaçar?
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
Akderlof, George A &Shiller, Robert J, “Espírito animal”, ed. Campus, 2010;
Bandeira, Luiz Alberto Moniz, “Formação do império americano – da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque”, Civilização Brasileira, 2ª ed, 2006;
Fiori, José Luiz, “História, estratégia e desenvolvimento”, Ed. Boitempo, 2014;
Kenneth, S, Rogoff &
Reinhart, Carmen M., “Oito séculos de delírios financeiros –
desta vez é diferente”, Ed. Campus, 2009;
Kindleberger, Charles P., “Manias, pânico e crashes”, Ed. Nova Fronteira, 1996;
Krugman, Paul, “A crise de 2008”, Ed. Campus, 2009;
Mishkin, Frederic S, “Moedas, bancos e mercados financeiros”, LTC, 2000;
Mlodinow, Leonard, “Subliminar”, Ed. Zahar, 2012;
Roubini, Nouriel, “A economia das crises”, Ed. Intrínseca, 2010;
Santana, Ivan, “Oterceiro templo – os conflitos árabe-israelenses eos choques do petróleo”, Ed. Objetiva, 2015;
Silva, Marco Aurélio, “Japão: revolução passiva e rivalidade imperialista”, em www.acessa.com/gramisci;
Singer, Paul, “Para entender o mundo financeiro”, Ed. Contexto, 2000;
Yergin, Daniel, “O petróleo – uma história de ganância, dinheiro e poder, Ed. Página Aberta, 1993;
- A crise financeira e as informações assimétricas;
- Desenvolvimento econômico e livre comércio – o desenvolvimento sob uma perspectiva cultural;
- Direito, economia e mercados racionais – uma crítica aos economistas racionais;
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