quinta-feira, 11 de junho de 2015

A CRISE DE 2008 E AS INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS

A CRISE DE 2008 E AS INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS
(continuação de Direito, Economia e Mercados Racionais)


(ATUALIZADO)


INTRODUÇÃO

A crise de 2008 revelou o fracasso da teoria econômica dominante e em certo sentido da própria economia. Infelizmente, os excelentes e custosos trabalhos que procuravam desvendar os mistérios da economia foram ¨racionalmente¨ afastados e esquecidos para ceder lugar e serem suplantadas, no campo estritamente ideológico, pela teoria dos mercados perfeitos e comportamental.


Nos dias atuais, a pobreza da teoria econômica é flagrante. Os teóricos comportamentais assumiram o controle e já não se produz alternativas para estes embustes seculares e nem surge algo novo, apenas se administra a crise, com credibilidade duvidosa, por que os interesses e poderes políticos subjugam outros valores.


Até mesmo economistas renomados e do quilate de Joseph Stiglitz, de quem todos somos ferrenhos admiradores, sucumbiram aos novos ventos, tendo sido festejado e agraciado com o Prêmio Nobel, por uma teoria sobre informações assimétricas, ou seja, sobre divulgação de informações e seus benefícios, mas sem maior relevância para a economia, principalmente para a prevenção das crises.


Encontrei na recente edição portuguesa do livro de Michael Lewis, A queda de Wall Street, editora Lua de papel, fevereiro de 2016, algumas informações que vieram enriquecer este artigo, bem como confirmar alguns pontos de vista expostos na primeira versão.


Da mesma forma, utilizei a reportagem de William D. Cohan, autor do livro Money and Power, sobre a história do Goldman Sachs, publicada na revista Visão, nº 1220, de 27/07/2016, (www.visão.pt), para dar maior consistência sobre a apuração sobre das responsabilidades na maior crise econômica após 1929.  

A IMPORTÂNCIA DAS INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS NAS CRISES 


Inicialmente convém esclarecer que as “informações” são o resultado da especialização da sociedade em suas diversas tarefas. Em outras palavras as especializações criam as suas próprias linguagens e consequentemente as formas de decifrá-las, que irão se transformar em oportunidades de negócios.


E considerando que “saber é poder” (Japiassú) cada setor ou ramo de atividade sofistica as linguagens, de forma, também, a dificultar o acesso, e concentrar poder de informação e interpretação.


Elas (especializações) criam “ideologias” próprias ou, como queiram, “visões do mundo” particulares, em razão do meio social, da formação acadêmica e experiências profissionais.


Cito Sandra Navidi, em “Superhubs” – Como a elite financeira governa o mundo usando a sua teia de contatos -, ed. Lua de Mel, 1ª ed., setembro/2017:


“Um critério que produz homofilia é uma bagagem comum – seja social, educacional, profissional ou econômica” (p.107).


“Os estabelecimentos de ensino de topo não são apenas “campos de treino intelectual”; eles ajudam também a desenvolver competências interpessoais, ao acionarem as suas extensas redes de ex-alunos. [...] Eles criam laços profundos, para toda a vida, ao passarem muito tempo com os seus pares nas salas de aula e nas bibliotecas e ao trabalharem em conjunto em projetos, aprendendo assim a pensar de forma similar e a desenvolver perspectivas semelhantes do mundo” (grifo meu, p. 110).


“Esses sistemas processam a entrada de informações e, por sua vez, produzem informações ainda mais valiosas com a ajuda de algoritmos sofisticados. O facto de a BlackRock aconselhar, analisar e gerir tanto dinheiro dá-lhe uma percepção muito particular sobre a situação do sistema financeiro como um todo” (grifos meus, p. 55).


Dessa forma, tratando-se do mercado financeiro, como exemplo, quando as informações são veiculadas através de imagens, como um pronunciamento de um presidente de um Banco Central na televisão, elas são decifradas para se transformarem em possibilidades de negócios, e as formas de decodificação incluem não só a capacidade de entender os termos “técnicos” utilizados, mas também a de ler nas entrelinhas, a da lógica da argumentação, da expressão corporal, da linguagem utilizada, dos gestos.


E foi exatamente isto que aconteceu com o megaespeculador George Soros na crise da libra. Não consta que Soros tivesse tido informações privilegiadas. Consta que do contato com uma personalidade do Banco da Inglaterra decifrou através de sua informação e argumentação que a libra não se sustentaria. A informação em si, não foi importante, mas sim a forma como ele subtraiu dessa informação uma situação diversa, com possibilidades de lucro. 


Na maioria das vezes, as informações em si não são de grande valia para diversas áreas, aquelas que não estão alinhadas com os pormenores da especialização de determinado ramo, com a sua linguagem e com o que fazer com a informação, inviabilizando as possibilidades de negócios. Trata-se de um ambiente estranho. Por sua vez, essas oportunidades geram novas informações e com isto podem surgir novas oportunidades. Trata-se de um processo dialético.  


É simplesmente uma ilusão acreditar que as informações veiculadas e não represadas criam possibilidades e oportunidades de negócios idênticas para todos os agentes econômicos. Os mercados são segmentados e não homogêneos; daí cada informação em particular ser “recepcionada” e interpretada de forma diferente por cada ramo de atividade (mercado). A descoberta de uma vacina e uma variação da taxa de juros de 0,5% têm significados diferentes para a indústria farmacêutica e para o mercado financeiro, respectivamente. Não existe essa informação genérica que atinge a todos igualmente.


Por isso que as informações em si, por mais importantes que sejam para a economia, em nada eliminam os riscos de crise em uma sociedade capitalista, como pretendem. Ao contrário do que se apregoa, a economia de mercado veicula informações até em demasia. Somos bombardeados diariamente com tantas informações. Difícil é selecioná-las e interpretá-las e decidir o que fazer com elas. Somente para alguns ramos específicos elas são relevantes. E muitas dessas informações são manipuladas por enormes organizações, principalmente no mercado financeiro. Vide o papel das agências de risco na atual crise.


A autora Sandra Navidi, já citada, analisa em seu livro como funcionam as redes no mundo das finanças e embora declare que a “moeda mais valiosa é a informação útil” (p. 64), também esclarece:


“Uma vez que o objeto da ligação em rede é cooperar e trocar informação, recursos e acesso para benefício mútuo, então por definição tem que haver reciprocidade” (p. 135).


Mas nada disso tem a ver com o fato de que as informações assimétricas são tão importantes a ponto de criarem possibilidades de crise.



Não devemos esquecer que uma das hipóteses estabelecidas pela economia clássica para que ocorresse a concorrência perfeita era a da transparência, da completa circulação da informação, do conhecimento do preço, etc. Daí podermos concluir que as informações assimétricas são apenas o inverso da hipótese da transparência, ou seja, uma negação desta hipótese. Isto significa que teoria das informações assimétricas não são uma descoberta significativa que mereça um prêmio Nobel, porque nas economias oligopolistas e monopolistas este fato já era admitido.


Além disso, as informações são interpretadas por pessoas com diferentes formações acadêmicas e experiências profissionais, que as interpretam com os seus respectivos vieses. Tão ou mais importante que ter acesso as informações é saber como interpretá-las e utilizá-las.



Exemplificando: nem todas as informações chegam com a mesma intensidade para os seus receptores, leitores, ouvintes, se é que chegam. E mesmo, quando plenamente divulgadas e expostas, os seus receptores irão interpretá-las dentro dos seus respectivos limites teóricos, emocionais e experiências profissionais por que, simplesmente, muitos não dispõem do instrumental necessário à análise. Em outras palavras, é o que Klindleberger chama de dissonância cognitiva.



Uma informação sobre o mercado financeiro não tem a mesma importância e significado para quem nele atua e para quem não é um profissional da área. Imagine-se um profissional que trabalha de 10 a 12 horas por dia, que não tem formação em finanças e que precisa se atualizar na sua profissão. Qual seria a importância para ele das diversas informações disponíveis? Poderíamos avaliar? E assim por diante. Isto sem perder de vista o fato de que hoje as informações são muito ¨especializadas¨, com uso de termos técnicos em demasia, viajam numa velocidade espantosa e nem todos têm acesso a elas ao mesmo tempo, sendo mais rapidamente captadas por aqueles que se encontram ¨melhor¨ posicionados no mercado de trabalho e socialmente.



Portanto, todas informações são sempre assimétricas não só pela falta de divulgação mas também pela maneira de percebê-las, interpretá-las e pô-las em prática. Daí, deduzir que elas são tão fundamentais para o surgimento de crises e para servir de base para negar a existência da mão invisível vai uma longa diferença.



Na realidade, poderíamos dizer que na recente crise as informações assimétricas foram irrelevantes. Existiam, sim, informações plantadas, ¨oba oba¨ e uma teoria econômica respaldada por ilustres teóricos, empresários, principalmente da mídia, através de seus porta-vozes, políticos e até mesmo empresários milionários do ramo financeiro, atuando dentro do governo em benefícios próprios e em função desta ideologia. Ou seja, existia pura especulação. 


O setor imobiliário era o carro chefe. Construtores, produtores, vendedores, compradores, consumidores e o setor financeiro atuavam freneticamente, sem necessariamente saberem o que vendiam, compravam e emprestavam. Possibilidades de ganho, até mesmo as mais ilusórias, eram suficientes para turbinar os negócios. As inovações financeiras, respaldadas por modelos econométricos sofisticadíssimos, estavam de vento em popa e cumpriam as suas funções em justificar e garantir os fundamentos teóricos e a especulação.



A desregulamentação e a securitização se alastraram com o fundamento de que os riscos estavam ¨racionalmente¨ diluídos e por isso não havia possibilidades de crise. Tudo estava sob controle por que os gênios das finanças eram extremamente racionais. Os modelos serviam para cobrir com uma manta científica as decisões, alijando os simples mortais, incapazes de entender os mistérios das finanças e da complexidade matemática. Todos surfavam ou desejavam surfar na onda da especulação. Todos atuavam ¨racionalmente¨, mas com a alma do especulador. Vendiam-se informações sem interesse em saber se eram falsas ou não, com ou sem interesse. Nenhuma das pontas (construtores, financistas, consumidores, produtores, vendedores, compradores) sabia e nem queria saber realmente o que vendiam, compravam e financiavam. Vendia-se e comprava-se de tudo sem se importarem com as consequências.



Lewis nos dá pistas sobre este assunto: "Por fim, deram-se conta de que, no mercado obrigacionista, a linguagem servia a um propósito diferente do que servia no mundo exterior. A terminologia do mercado obrigacionista era concebida não tanto para esclarecer, mas mais para confundir os forasteiros... Os pisos das obrigações hipotecárias subprime não eram chamadas pisos - nem outra coisa que pudesse levar o comprador a formar uma imagem concreta na sua mente - mas sim tranches. A tranche de baixo - o arriscado rés do chão - não era designado rés do chão, mas mezzanine ou mezz, o que o fazia menos um investimento arriscado e mais um lugar altamente prezado num estádio.


O mercado hipotecário subprime tinha um talento especial para obscurecer aquilo que deveria ser esclarecido. A obrigação inteiramente garantida por hipotecas subprime não se chamava obrigação hipotecária subprime. Chamava-se ABS, ou instrumento de dívida titularizado" (Lewis, A queda ...., p. 147/8).


¨A maioria dos quants, disse ele, eram idiotas que só olhavam para o próprio umbigo, cabeças-duras socialmente mal-adaptados, fascinados pelo mundo cristalino da matemática, completamente despreparados para o mundo selvagem e caótico das finanças¨.


-- A parte mais difícil é o lado humano - disse ele - Nós estamos modelando seres humanos e não máquinas.

¨Bancos e fundos hedge empregam matemáticos sem qualquer experiência no mercado financeiro para construir modelos que ninguém testa cientificamente em situações para as quais eles não foram feitos, por traders que não os compreendem. E depois as pessoas se surpreendem com os prejuízos!¨ (Patterson, p.370; comentários de Wilmott).

Isto não quer dizer, longe disto, que todos que participaram do processo especulativo e que tentavam dele se beneficiar tiveram as mesmas responsabilidades e importância no que veio acontecer. Em casos como este, sempre existiram as vítimas e os grandes beneficiados , que, por pura coincidência, no caso em questão, eram os políticos, financistas e teóricos mais bem posicionados no topo da pirâmide social. Algo lógico, que também é parte do sistema econômico.


OS RESPONSÁVEIS PELA CRISE DE 2008

Querer atribuir responsabilidades igualitárias a todos é mascarar a situação, fazer vista grossa, ignorar as diferenças sociais, tirar as responsabilidades daqueles que se incubem da condução e direção das decisões econômicas e políticas a quem, pressupõe-se, cabem zelar pelo ¨bem¨ e o estado saudável da economia. Esta responsabilidade recai igualmente sobre os ombros daqueles arquitetos e defensores da ideologia dos mercados racionais e perfeitos que, de certa forma, contribuíram indiretamente para alastrar este dogma e que estavam em posição de influir e usufruir das decisões políticas/econômicas, independentemente de seus interesses mais nobres e estritamente particulares.


Nestes casos, sempre é bom lembrar, existe a força e a atratividade da atividade ideológica/teórica, respaldada por modelos matemáticos sofisticados, que deixa mais vulnerável as camadas menos protegidas da sociedade, os incautos e crédulos, os não experts e os não profissionalmente melhor posicionados. Que não podem perceber de que se trata de um jogo de cartas marcadas e que os vencedores já estão ¨previamente¨ definidos. Por uma questão lógica e real, não podem tirar grandes vantagens desse momento da economia.

Ótimo para aqueles que vêm o mundo sob a ótica do darwinismo social, mas que no final das contas se tornaram keynesianos, não por questões ideológicas ou mesmo racionais, mas para assegurar os benefícios auferidos com a especulação e as fraudes financeiras perpetradas. Seria coincidência o fato de que os benefícios são colhidos principalmente por aqueles que estão mais bem posicionados no topo da pirâmide social? Parece haver algo de errado nesta teoria que nunca está em sintonia com a realidade. Seria má fé querer atribuir responsabilidade igualitária a todos, mas, convenhamos, isto também faz parte desta ideologia teórica.

Evidente que a solução não seria deixar o circo pegar fogo, por que embora os beneficiados passassem a não ser tantos, o caos generalizado estaria estabelecido, os mais desprovidos não estariam em melhor situação e os que não foram responsáveis pela crise também seriam penalizados. A socialização dos prejuízos, muito embora não seja a solução ideal, parece ser a mais lógica e menos sofrível, embora difícil de ser avaliada. Pode-se até questionar a forma como está sendo realizada por que nessa hora funcionam os lobbies para garantir os benefícios e quem sabe até tirar mais proveitos com a nova situação. A socialização dos prejuízos deve ser evitada com medidas preventivas, antes de estabelecido o caos e não depois dele.

Se as dúvidas persistirem basta acompanhar os resultados das investigações e verificar quantos foram legalmente responsabilizados por fraudes e especulação. Seria má fé querer atribuir a todos responsabilidade igualitária. Digno de nota é que o artigo 174 do Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos pelo induzimento à especulação. É de se supor que exista uma mesma legislação, até mesmo mais rigorosa, nos EUA.

Argumentar que entre os beneficiados estão alguns desafortunados e entre os afortunados possam estar vítimas não invalida o raciocínio. Se os grandes beneficiados fossem realmente os antigos desafortunados o sistema econômico não se sustentaria e estaria fadado a desmoronar.

  
Outrossim, as agências de risco entraram na festa e não cumpriram as suas funções, contaminadas pela ideologia dominante, pelo lobby, influência política e pela dificuldade em analisar os modelos matemáticos. ¨Muitos desses empréstimos estavam indo mal, mas os títulos subprime não se abalavam porque a Moody's e a S&P, de forma preocupante, ainda não tinham mudado suas opiniões oficiais sobre esses títulos [...] ¨Sempre fazíamos a mesma pergunta: 'Qual a posição das agências de classificação nisso tudo? ' Sempre recebi a mesma resposta. Era uma reação física, porque não queriam pronunciá-la. Era um sorriso afetado¨ afirmou Eisman. Indo mais além, ele ligou para a S&P e perguntou o que aconteceria com as taxas de inadimplência se os preços dos imóveis caíssem. O sujeito da S&P não sabia dizer: seu modelo de preços de imóveis não tinha como aceitar um número negativo. ¨Eles simplesmente presumiam que os preços dos imóveis residenciais continuaria aumentando para sempre¨ disse (Lewis, Michael, A jogada do século, Ed. Best business, 2011, p. 207/8).


¨A função desse departamento era monitorar os títulos subprime e diminuir sua classificação caso os empréstimos subjacentes não tivessem bom desempenho. Os empréstimo estavam indo mal, mas não havia qualquer mudança na classificação dos títulos - por isso, mais uma vez, Eisman imaginou se a S&P sabia algo que ele não sabia. [...] Nós, é claro, achávamos que as agências de classificação de risco tinham mais informações do que nós¨, disse Eisman. ¨Mas não tinham¨ (Lewis, p. 208).

O Secretário do Tesouro, Ex-GEO do Goldman Sachs, estava no lugar certo para defender os interesses do setor financeiro e seus comparsas. ¨Naquele momento, Henry Merritt Paulson, que passou a vida inteira defendendo o mercado livre, tornou-se o secretário do Tesouro mais intervencionista a ocupar o cargo desde a Grande Depressão. E nem podia esconder sua profunda insatisfação en quanto fazia seu discurso¨(Mcdonald, p. 399). ¨Ele entrou firme, contra todo o seu instinto capitalista, e anunciou a criação de uma linha de crédito de cerca de U$ 85 bilhões¨ (Mcdonald, p. 388).

As fraudes prosperavam, bem como os sinais e as evidências, sem que fossem possível detectá-las. A título de exemplo, o Goldman foi processado por especular, em detrimento dos investidores comuns e em benefício de clientes preferenciais, contra o seu fundo, além de insider trading.

¨Alguns clientes preferenciais, incluindo o banco, foram orientados a apostar contra o produto. Ao mesmo tempo, sem informar, é claro, o banco vendia cotas desse fundo aos clientes comuns¨ (Mello, p. 91). Para coroar os problemas do Goldman Sachs existe uma nova acusação de insider trading. Alega-se que os executivos do bando desfizeram-se das ações, após o aviso de que o banco seria processado, e antes que os demais acionistas fossem informados do problema¨(p. 92).


"...a AIG FP já vendia swaps de incumprimento de crédito sobre obrigações subprime triplo A por apenas ,012% ao ano. Doze pontos-base. Lippmann não sabia precisamente como é que o Goldman Sachs conseguira convencer a AIG FP a proporcionar ao florescente mercado de créditos hipotecários subprime o mesmo serviço que proporcionava ao mercado dos créditos societários. Só sabia que, em rápida sucessão, o Goldman criara várias transações multimilionárias que transferiam para a AIG a responsabilidade de todas as perdas futuras de 20 mil milhões de dólares em obrigações hipotecárias subprime triplo B. Era incrível:  em troca de alguns milhões de dólares por ano, aquela seguradora assumia o risco muito real que se esfumassem pura e simplesmente 20 mil milhões de dólares (Lewia, A queda ..., p.92).


"Povoadas por pessoas a ganhar somas anuais de sete dígitos, as salas de obrigações obrigacionais de Wall Street decidiram aliciar os mentecaptos que ganhavam elevadas somas de cinco dígitos a dar as classificações mais elevadas aos piores empréstimos. Foi com a mais eficiência e os mais doutos métodos que o fizeram, não tardando a descobrir , por exemplo, que os funcionários da Moody's e da S&P não só não avaliavam propriamente os créditos à habitação em si, mas nem sequer olhavam para eles" (idem, p.119).


"Foi incrível, comenta Charlie. "Uma demonstração de consciência. Disse que as agências de rating eram meretrizes, que os títulos não valia nada, que todos sabiam disso. Deu nomes a coisa de que apenas suspeitávamos.... Era como se toda a gente fingisse que ele não tinha dito nada daquilo" (idem, p. 169).


Em reportagem à revista portuguesa Visão Wlliam D. Cohen, autor do livro Money and Power,  assim se pronunciou:


Pergunta: Como viu o papel do Goldman Sachs durante a crise do subprime?

Resposta: Houve muito mal comportamento do Goldman e de muitas outras empresas durante a crise financeira. Muita gente devia ter sido acusada e posta na prisão por causa desse comportamento mas, por razões que são um mistério para mim, o Departamento de Justiça de Obama decidiu não o fazer. Não se fez justiça, e decidiram aplicar multas enormes a estes bancos à custa de seus acionistas" (grifos meus).

O presidente do FED, outro adepto dos mercados perfeitos, também estava lá para por mais lenha na fogueira da especulação. Por conseguinte, não podemos analisar a relação governo e iniciativa privada sem adentrarmos nessas questões, pois existe uma verdadeira relação simbiótica entre eles, assim como entre ideologia e teoria econômica dos mercados perfeitos. Essa questão não é tão simples quanto parecem fazer crer estes ideólogos, que a resumem em mais ou menos governo.


Não será difícil prever o enredo do próximo capítulo da novela. Os economistas racionais, inconformados com a evidência dos fatos, que vão de encontro as suas ideias, concentrarão esforços para demonstrar que a crise veio em decorrência da imprudência do governo. Rios de dinheiro serão gastos para ¨comprovar¨ os mesmos pressupostos, até que uma nova crise nos leve novamente ao fundo do poço.

Já começaram a lançar as sementes para a colheita futura: o governo teve uma contribuição muito importante para a crise. E, pelo andar da carruagem, num futuro próximo será o grande e único responsável.

Esquecem, ou fecham os olhos, para o fato de que as ¨intervenções ¨ do governo estavam respaldadas e influenciadas pelo dogma sagrado dos mercados perfeitos e racionais. Que os porta vozes dessa ideologia estavam em postos chave do governo e ditavam as regras do jogo. Basta verificar onde se encontravam o Sr. Greespan e o Sr. Paulson e qual ideologia defendiam. O Sr. Greenspan era o gênio das finanças e o que ele falava era lei. Já vimos a sua mea culpa. Não só ditavam as regras como se beneficiavam delas.

Conforme afirmei acima, não existe esta ¨neutralidade¨ absoluta do governo. Pensar desta forma é ingenuidade ou má fé. Como é difícil acreditar em ingenuidade desses personagens que atuam no mercado financeiro e fazem lobbies para verem aprovadas as suas propostas, deduz-se que trata-se mesmo de má fé. Se existisse justiça deveriam responder civil e criminalmente.

Por mais que queiramos, nunca poderemos avaliar a exata dimensão da contribuição efetiva do incentivo à concessão do crédito imobiliário na crise. As ações tomadas estavam em sintonia com a ideologia dos mercados racionais e perfeitos. Impossível separar. E os responsáveis eram os ideólogos, que também atuavam em benefício próprio.

Evidente que as ações do FED, dando liquidez à economia em momentos inoportunos, estimularam e provocaram ainda mais os movimentos especulativos. Entretanto, diante de outras diversas medidas econômicas e políticas que estimulavam a especulação desenfreada, não devemos aceitar a dedução simplória de que suas ações em sentido contrário seriam suficientes para apaziguar os mercados e evitar completamente a crise.

Diante da atuação desastrosa do FED, conduzida pelos ideólogos dos mercados perfeitos, não será surpresa que os racionais mais radicais advoguem a sua extinção, descarregando sobre os seus ombros toda a responsabilidade pela crise.

Será mera coincidência o fato de que os economistas que alertaram e previram a crise não eram partidários deste dogma? O tópico seguinte trará mais informações sobre esta relação público/privado.

TEORIA E PRÁTICA NOS MERCADOS FINANCEIROS

Um pequeno exemplo de como as coisas funcionam na prática. ¨Com o presidente Clinton apenas três anos antes, os grandes bancos mais uma vez juntaram forças para tentar abolir a lei Glass-Steagall, e mais uma vez falharam, graças ao ferrenho lobby dos pequenos bancos regionais¨. ¨No dia 6 de abril, o Citicorp anunciou uma fusão com o Travelers Insurance [...]. A fusão criaria um conglomerado envolvido nas atividades de banco comercial, seguros e banco de investimentos, desafiando abertamente a Lei Glass-Steagall¨ (Macdonald, Lawrence G. Uma colossal falta de bom senso, Ed. Record, 2010, p.23).

¨No entanto, os mais poderosos lobbies financeiros do país queriam o fim da Glass-Steagall. E bombardearam os políticos com milhões de dólares de contribuições para suas campanhas eleitorais. Eles pressionaram o Congresso de todas as formas para acabar com a legislação tida como antiquada. Inevitavelmente eles venceram¨(p. 24).

Convocado para prestar esclarecimentos no Congresso Greenspan falou: ¨Nas últimas décadas, vimos a evolução de um amplo sistema de precificação e gerenciamento de risco, que combinava os melhores insights de matemáticos e de especialistas em finanças, apoiados em grandes avanços da informática e da tecnologia de comunicação - disse ele. Um prêmio Nobel foi concedido para a descoberta do modelo de precificação que é a base de muitos dos avanços nos mercados de derivativos - acrescentou ele, se referindo ao modelo de opções de Black e Scholes¨( Patterson, p. 334).

¨ -- Encontrei uma falha no modelo que eu via como a estrutura crítica que define como o mundo funciona, por assim dizer. (Greenspan)

O modelo a que Greenpan se referia era a crença de que as economias e os mercados financeiros se corrigem sozinhos - uma ideia tão antiga quanto a misteriosa ¨mão invisível¨ de Adam Smith , em que os preços guiam os recursos em direção aos resultados mais eficientes, através das leis da oferta e demanda¨ (Patterson, p. 335).

  
Mesmo assim, não podemos saber o quanto as informações são assimétricas e nem medi-las e avalia-las, cientificamente falando, ou seja, não sabemos quantificar a sua extensão.

Fundamentalmente, as crises econômicas na sociedade capitalistas acontecem por crises financeiras (MInsky), incluo nestas as cambiais, por insuficiência de demanda agregada (Keynes, Kalecki), por superprodução (Marx) e crises externas, no balanço de pagamentos. Em outras palavras, os mercados não entram em crise em decorrência das informações assimétricas. Elas também são inerentes ao sistema e não tem como evitá-las. E mesmo que fosse possível evitá-las ocorreriam crises. Os fatos comprovam as crises e já foram exaustivamente revelados.


Nesse sentido, a teoria sobre informações assimétricas pode até mesmo ser considerada um desserviço à economia, por trazer novamente à superfície e ao debate assuntos que há muito já deveriam ter sido relegados e que não contribuem efetivamente para evitar as crises, pois deslocam o foco do problema. Qual a necessidade de se dar tanta importância a ela?


Não devemos esquecer que vivemos numa sociedade focada na especialização, considerada uma das razões da superioridade da economia capitalista, segundo os clássicos, notadamente Smith. Mas a especialização traz os seus impasses.


Mas, ao contrário do que se possa imaginar as informações assimétricas, ou, para melhor dizer, as falsas informações, se propagam com mais facilidade quando a economia se encontra em sua fase bem expansiva, ou "especulativa".


É nesse ambiente propício, eufórico, que elas prosperam, conforme já foi salientado por Kindleberger em "Manias, pânicos e crise - A história das catástrofes econômicas mundiais".


E quando as decisões políticas e econômicas dos agentes estão respaldadas por uma "ideologia" com pretensões de "ciência", que esconde verdades elementares confirmadas pela história e, ao mesmo tempo, bastante questionada por décadas, o caminho trilhado nos aproxima do caos.


Esqueceu o Prof. Stiglitz de dizer que essa teoria é a mais assimétrica das informações que são veiculadas, porque em oposição à realidade dos fatos. Em outras palavras, muito mais importante para alimentar a especulação e levar a economia para a crise do que as "informações assimétricas" propriamente ditas.


Desse modo, fica evidente que as ditas "informações assimétricas", prefiro acreditar nas informações falsas, plantadas, são uma função dos estágios(ciclos) em que as economias se encontram, do que o contrário.


Todavia, não é de estranhar que o citado economista, o grande ideólogo das "informações assimétricas", venha pós-crise, em seus recentes livros, questionar a teoria dos mercados perfeitos e creditar a crise, ao que nos parece, não mais exclusivamente às informações assimétricas, ressaltando a importância da demanda agregada:


"O problema econômico central na Grande Recessão, como vimos, é a falta de procura agregada (total)" (O preço da desigualdade, Stiglitz, Joseph, Bertrand Editora Ltda, 2ª ed, 2016, Lisboa,  p. 328).


"Nessa recessão, vários governadores da Reserva Federal têm insistido que o desemprego é uma questão fundamental, há um reconhecimento que o problema subjacente é a falta de procura" (p. 337).


Felizmente, é de suma importância que um economista de grande lucidez e estatura mundial como o Prof. Stiglitz aprofunde as suas críticas sobre as distorções que levaram a mundial para a crise:


No livro comentado, o autor foca para outros problemas que ajudaram a desencadear a crise;

"A razão era óbvia: os bancos centrais europeus e dos Estados Unidos  tinham, na realidade, sido  capturados pelo setor financeiro.

"Captura é o que é chamado, em parte da captura cognitiva - onde o regulador adota a mentalidade do regulado" (p. 336).

E a promiscuidade na política:

"O sistema governativo e a responsabilidade do banco central nos Estados Unidos são de fato uma vergonha. A política monetária é definida por uma comissão (Comissão do Mercado Livre ) composta pelos sete membros do Conselho Administrativo da Reserva Federal .... Mas os presidentes dos bancos regionais da Reserva Federal são escolhidos num processo pouco transparente que dá pouca voz ao povo, onde os bancos (que era suposto regularem) têm demasiada influência" (p. 339).


"Não é coincidência que as teorias da moda, a economia monetária e a  macroeconomia, tenham as suas origens no trabalho do influente economista da Escola de Chicago, Milton Friedman, o grande defensor da chamada economia do mercado livre, que minimizou a importância das externalidades e ignorou as imperfeiçoes de informação e outras questões de "agência".  ... as suas crenças no mercado livre baseavam-se mais numa convicção ideológica do que em análise econômica. ...; o meu trabalho, e de  inúmeros colegas, demonstrou que, nestas condições (diga-se de informações imperfeitas), os mercados não costumam funcionar bem" (p. 334).


"A Reserva Federal e o seu presidente, Alan Greenspan, foram fulcrais para eliminar as regulações que tinham sido fundamentais para garantir que o sistema financeiro serve bem o país nas décadas seguintes à Grande Depressão" (p. 332).


Muito embora o economista Stiglitz tenha reconhecido estes outros "fatores" que contribuíram para desencadear a crise, o assunto, como procurei demonstrar em linhas anteriores, é bem mais sério e profundo que os seus simples comentários. Podemos, ainda, observar que o autor não deixa de insistir e ressaltar a relevância das informações assimétricas para invalidar a teoria dos mercados perfeitos, o que é uma pena.


A IDEOLOGIA E SEUS EFEITOS FUNESTOS

Depois de mais de dois séculos os famosos economistas chegaram a conclusão de que a mão invisível pode até não existir, em casos muito específicos, por que as informações assimétricas têm um importante papel sobre a sua não eficácia e no surgimento das crises. Têm, até mesmo, papel mais relevante do que a demanda agregada e as crises financeiras, tendo em vista que foram varridas para debaixo do tapete, para dar espaço a nova descoberta.

Causa espanto como pessoas tão inteligentes, capazes de elaborar modelos econométricos sofisticadíssimos, se ocupam de coisas tão infrutíferas e irreais.

Para administrar a economia é necessário conhecer como ela funciona, quais são as suas leis básicas, os seus fundamentos. Assim, pode-se atuar na prevenção das crises, adotando-se normas e medidas que inibam a especulação, freiem o individualismo exacerbado e danoso e estimulem a produtividade, redirecionando, em alguns casos, os estímulos, com vistas a um melhor benefício para todos. Indubitavelmente, delegando estas atividades e poderes à mão invisível não alcançaremos estes objetivos.

Este debate sobre eficiência de mercados e alocação de recursos talvez fizesse sentido em uma época em que o sistema capitalista precisava se firmar como um novo sistema econômico, superior aos que viria substituir e como prevenção ao que lhe ameaçava, ou seja, o socialismo.

Hoje, o sistema capitalismo navega em águas relativamente tranquilas, no que tange àquelas ameaças, daí a necessidade de mudar o enfoque e admitir as suas deficiências, encarando-as de frente e propondo alternativas práticas e viáveis para enfrentá-las, pois a ameaça à sua existência está em não reconhecer, enfrentar e encontrar soluções plausíveis para os seus problemas intrínsecos.


RESUMO

Conforme procurei demonstrar neste pequeno texto a teoria das informações assimétricas não explicam o surgimento das crises econômicas na sociedade capitalista.

É uma teoria sem maior expressão, muito embora, queiram lhe dar um status de uma grande teoria, por ter sido formulada por um famoso e grande economista. Não explica e nem contribui para solucionar as crises.

Como diversas outras teorias na esfera econômica cumprem apenas uma função ideológica porque incapaz de realçar os pormenores das crises econômicas. É totalmente desnecessária para negar a eficácia da mão invisível e dos mercados racionais.

Ao mesmo tempo presta um desserviço a sociedade e ao meio acadêmico ao se direcionar a um novo foco, afastando-se dos ensinamentos de Marx, Keynes e Mishkin, que deram grande contribuição para entender as crises e amenizá-las.

Relegam fatores importantíssimos que desencadearam a crise de 2008.



 REGISTRADO NO MEC EM JUNHO DE 2015

 

 

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