OBSTÁCULOS SOCOCULTURAIS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
(COMENTÁRIOS
AO LIVRO DE HA-JOON CHANG)
POSFÁCIO
As críticas aos livros
de Ha-Joon que constam do texto original deste artigo foram realizadas, logo
após a leitura dos livros mencionados, de uma maneira quase automática,
espontânea, tempestiva, porque focavam basicamente os aspectos econômicos e
socioculturais, relegando a importância da geopolítica para um plano um tanto secundário,
no traço de meus artigos anteriores, postados neste blog.
No entanto, no referido
texto já chamava a atenção para a guinada geopolítica efetuada pelo governo dos
Estados Unidos em direção a Ásia, em vista da ameaça socialista que desaguava
naquela região, complementada com a tomada de poder por Mao na China, em 1947.
Por isto escrevi e
repito, abrindo um parêntese do que poderia vir em outra ocasião:
“Entretanto,
o que o autor não nos contou foi que
a Coréia também se beneficiou da “guinada” dos E.U.A. após o término da 2ª
Guerra Mundial, conforme nos conta Fiori em “História, Estratégia e
Desenvolvimento – Os Milagres da Guerra-Fria”, com o texto de Fiori seguindo
este parágrafo (consultar tópico “A cultura e o desenvolvimento”).
Confesso que era muito
pouco em relação a um assunto de suma importância, num artigo que tinha por
objetivo uma crítica economicista da questão.
Em 2019, lendo o livro
“MEDO – Trump na Casa Branca”, de Woodward, me chamou a atenção o fato de o
presidente dos Estados Unidos estar disposto a cancelar um acordo antigo com a
Coréia do Sul, chamado KORUS, sendo dissuadido por seus assessores, ou melhor,
o documento fora escondido evitando a sua assinatura.
Conforme o texto;
“Cohn
ficou estupefacto. Há meses que Trump ameaçava denunciar o acordo, que era uma
das bases de uma relação econômica, uma aliança militar e, mais importante, de
operações e recursos ultrassecretos de segurança.
[...]
A denúncia do acordo de comércio KORUS, que a Coréia do Sul considerava
essencial para a sua economia, poderia levar a uma corte total de relações”
(pgs. 17/8).
“<<Roubei-a
da secretária dele>>, contaria mais tarde a um associado. <<[...]
Ele nuca vai ver aquele documento, Tenho que proteger o país>>” (p. 19).
“Em
várias conversas telefônicas seguras com o presidente Moon Já-in da Coreia do
Sul, Trump tinha intensificado as críticas ao acordo de comércio LORUS entre os
dois países. Não ia largar a questão do défice comercial de 18.000 milhões e de
despesas de 3,5 mil milhões decorrente do estacionamento de 28.500 tropas norte
americanas”, (p. 357).
Este fato associado ao
meu posterior interesse por geopolítica, que culminou com a publicação de um
artigo neste site, relançou a minha curiosidade sobre o assunto, de forma a
levar aos leitores mais informações, que não foram consideradas por mim e pelo
economista de Ha-Joon em seus comentários.
Antes de entrarmos em
novas considerações me reporto à afirmação sucinta do autor quanto à questão de
que para promover o desenvolvimento “precisamos
de uma combinação de exortação ideológica, tecnologia, medidas políticas
favoráveis ...”.
Focamos em “combinação de exortação ideológica” e
questionamos o alcance do seu significado.
Estaria esta exortação
associada à cultura? Poderia esta combinação de exortação ser a mesma para
todos os países que buscam o desenvolvimento econômico? Qual a importância
dessa exortação no contexto no desenvolvimento?
Estas são algumas das
questões que ficam desamparadas nas argumentações do autor (Ha-Joon). Diante
disto, remeto os leitores para o livro de Henshall sobre como se deu o
desenvolvimento do Japão, durante o Período Meiji (1868-1912). Não vou repetir
aqui os argumentos, mas os leitores poderão encontrar alguns exemplos no artigo
“A Nova Geopolítica – Fundamentos e Ideologia”, publicado neste blog, tópico
3º, “O liberalismo político e econômico e a privatização”.
Não é novidade que
existem diversas interpretações sobre o sucesso da Coreia do Sul em alcançar o
desenvolvimento econômico, que clamam para si as razões que fizeram este país
ser o exemplo para os quais outros países devem seguir.
Aproveito também a
oportunidade para realizar comentários adicionais sobre o desenvolvimento
socioeconômico da Coreia do Sul.
Em 1910 a Coreia foi
anexada ao Japão, permanecendo sob seu domínio até o final da Segunda Grande
Guerra Mundial.
Com o fim da 2ª Guerra
Mundial a importância histórica na região ocorre com o advento da Guerra da
Coréia em junho de 1950, quando a Coréia do Norte ultrapassa o paralelo de
latitude 38 pretendendo unificar o país sob a égide do “socialismo soviético”.
Na ocasião o Japão estava ocupado pelos EUA, cabendo ao General Douglas
MacArthur o comando das forças aliadas, com objetivo de reformular a economia e
o sistema educacional, dissolvendo os conglomerados industriais denominados zaibatsu.
Com a eclosão da guerra
as reformas no Japão foram revertidas e o citado general passou a comandar as
forças de reação à invasão norte-coreana. Com a guerra os EUA incentivaram a
economia japonesa com contratos de
equipamento militares e outros, inclusive salvando a Toyota de bancarrota, com
contratos de fornecimento de equipamentos de apoio. MacArthur objetivada
continuar a guerra e invadir a Coréia do Norte, unificando o país sob a tutela
da Coréia do Sul e dos EUA. Foi demitido pelo presidente americano por afrontar
a política externa (geopolítica) americana, traçada por Washington.
HISTÓRIA
OU HISTORICISMO?
A
CONTRIBUIÇÃO DO IMPERISLISMO JAPONÊS, O APOIO AMERICANO AO PRESDENTE RHEE, A
GUERRA DA COREIA E A VIRAGEM POLÍTICA DO PRES. PARK PARA O DESEVENVOLVIMENTO
ECONÔMICO DA COREIA DO SUL.
De volta ao nosso
propósito, quanto à importância da
geopolítica, o apoio dos Estados Unidos, o aspecto histórico e as políticas
internas adotadas que contribuíram para o desenvolvimento da Coréia do Sul
recorro ao texto de Uallace Moreira Lima, com vistas a acrescentar algumas
informações e considerações, que julgo importantes para os leitores (“O debate
sobre o desenvolvimento econômico da Coreia do Sul: uma linha alternativa de
interpretação”, em periódicos.sbu.unicamp>view – em pdf).
O texto é dividido em 3
(três) seções, sendo a primeira a exposição das três correntes teóricas
principais, que interpretam o desenvolvimento daquele país (Coreia).
Na segunda seção o
autor faz “uma síntese da evolução histórica da Coreia do Sul” e na terceira
“discute a condução da política econômica” com base em 4 (quatro) aspectos da
política interna, conforme citação abaixo:
Cito o autor:
“A
hipótese aqui defendida aqui é que o avanço da economia coreana com profunda
transformação estrutural e upgrading
em seu comércio exterior foi possível dentro de um contexto externo
inicialmente favorável, em decorrência de um conjunto de características
históricas que diferenciam de outras economias de industrialização tardia,
basicamente em quatro aspectos da política interna em relação a: 1)
estrutura de propriedade do capital; 2) centralização financeira; 3) organização
empresarial; 4) e absorção/ /desenvolvimento tecnológico. O cenário externo
favorável à Coreia do Sul foi importante, mas não exclusivamente
determinante para que o Estado conduzisse políticas de forma coesa com os
interesses do país” (grifos meus, p. 4).
Ainda, segundo o autor,
a ideia de que o desenvolvimento da Coréia do Sul se deu através das leis do
mercado livre (interpretação neoclássica), sem ou com pouca participação do
Estado, é descartada por ser a-histórica e não corresponder aos fatos que
ocorreram no decorrer do processo de desenvolvimento.
A segunda linha de
interpretação teórica é a que coloca o
Estado como o principal promotor do desenvolvimento, dando pouca ou mesmo
nenhuma relevância ao ambiente externo
favorável. O autor (Uallace) classifica o pensamento de Chang com a corrente
heterodoxa endogenista, cujo enfoque é enfatizar o papel do dirigismo estatal
no processo de desenvolvimento coreano, abstraindo das condições históricas internas
e internacionais, ou conforme salientei no texto principal, com relação à
geopolítica adotada pelos Estados Unidos para a Ásia, após a Guerra da Coreia.
A terceira corrente
teórica está associada à relevância do cenário externo favorável, “criando condições necessárias” para que
o país pudesse se lançar no processo de desenvolvimento (p. 13).
Não seria exagero
considerar que Wallace pretende lançar uma quarta corrente de interpretação.
Em relação a Chang
(endogenista) o que percebo é que sub-repticiamente está nos propondo um modelo
de desenvolvimento econômico que deu certo na Coréia, mas que não pode ser
aplicado indiscriminadamente em todas as
situações, sem se levar em conta as condições socioculturais, históricas, estágio
de desenvolvimento (estrutura produtiva), as relações internacionais (alianças,
inimizades) de cada sociedade e até mesmo a sua posição geográfica, que é uma
das questões em que se assenta a geopolítica. Neste caso, teríamos também que
admitir que seria necessário uma ditadura sangrenta para que qualquer país
alcançasse o desenvolvimento econômico.
Isto não significa que
algumas de suas sugestões não sejam importantes, como: controle das empresas
multinacionais, o papel de um banco central,
importações de tecnologias, o apoio do Estado às empresas privadas, controle
pelo Estado de setores estratégicos, formação profissional, exportação, etc.
No tópico “Uma síntese da evolução histórica da Coreia
do Sul: cenário externo favorável”, Uallace, que valoriza o passado
histórico da Coreia, afirma:
“A
visão de que a Coréia do Sul seria um país importante no reordenamento do
quadro político internacional, fazia do país um aliado estratégico para os EUA
mais do ponto de vista político do que econômico, pois a Coréia teria
relevância para os EUA tentarem conter a expansão da influência dos soviéticos
na região”, (p. 22/606). Na verdade diga-se
na geopolítica americana.
De
qualquer forma, essa nova visão dos EUA em relação a Coreia nesse momento foi
significativa em vários sentidos. Por exemplo, foram os EUA responsáveis pela reforma agrária e pelo estímulo da
formação de mão-de-obra qualificada no país.
A
análise do cenário externo é fundamental para o entendimento da evolução da
economia coreana e diferenciá-la de outros países de industrialização tardia,
como é o caso do Brasil. Em diferentes momentos históricos o cenário externo
foi extremamente favorável para a Coreia do Sul. No primeiro momento, durante a
colonização japonesa, houve alguns benefícios para a Coreia, embora fosse uma
colônia e predominasse a relação centro e periferia ... [...]
No
início da Segunda Guerra Mundial, o Japão incentivou as Zaibatsu a transferir para a Coreia alguns setores industriais com
o intuito de que as empresas produzissem produtos e depois transferisse para a
metrópole, resultando assim no aumento da
participação da indústria pesada [...] criando uma infraestrutura no país e dando
início à formação de mão-de-obra qualificada (Cumings,
1987).
É importante considerar que além da
formação de uma mão-de-obra qualificada herdado pela Coreia através
do processo de colonização japonesa, há também a influência do Japão na relação
Estado setor privado. [...] O Japão corroborou com o fortalecimento do
nacionalismo da Coreia, característica fundamental para compreender a presença
de um Estado forte ...” (Cumings, 1987, Amsden, 1989;
apud Uallace, p. 22/606).
Posteriormente a este
período ocorre a Guerra da Coreia e o país encontra-se sob a presidência de
Syngman Rhee e segundo Uallace:
“Essa
guerra teve resultados desastrosos para o país, tendo em vista que toda
a infraestrutura criada foi profundamente atingida e isso terminou impactando
também a formação de mão-de-obra qualificada, pois a infraestrutura que
empregava esta mão-de-obra qualificada não mais existia ou estava muito
danificada, exigindo uma realocação desses trabalhadores para setores que não
correspondiam a sua qualificação” (p. 22/606).
Em seguida menciona que
os EUA estreitaram os laços com a Coreia do Sul, durante o período da Guerra do
Vietnam, remetendo recursos para o país, os quais foram diminuídos após 1960.
Obs: Vejam os leitores
que este período (após 1960) é o que coincide com a presidência de Park, que
adota uma nova política econômica diferente da que vigorava na presidência de
Rhee, durante os anos 50, o qual seguia os preceitos dos EUA.
Neste particular fica
uma confusão porque ao mesmo tempo em que o autor realça a importância do Japão
para a formação de uma mão-de-obra qualificada, citando outros autores, afirma
que a Guerra da Coreia teve consequências desastrosas
para o país. O mesmo se diga com respeito ao período de ingerência dos EUA
(1945-1948), que segundo o autor contribui para a reforma agrária e a
qualificação da mão-de-obra.
A importância do
cenário externo parece ter alguma certa relevância para o autor:
“A
evolução do contexto histórico entre os anos 1940 e 1980, deixa nítido que o
cenário externo foi favorável para que a Coreia do Sul pudesse lograr o
desenvolvimento econômico com taxas elevadas de crescimento e profunda
transformação estrutural. Entretanto, não significa afirmar que o cenário
externo foi determinante para tal fato, mas sim na medida importante na medida
em que o governo coreano utilizou de forma estratégica esse ambiente benéfico,
adotando um modelo de desenvolvimento econômico em que a presença do Estado foi
peça- chave na condução política econômica que promovesse o crescimento e a
transformação estrutura, materializado nos planos quinquenais implementados no
país entre os anos de 1960 aos anos 1980 (pgs. 28/611).
E na Conclusão:
“A
performance de crescimento econômico, transformação estrutural e uma estratégia
de inserção externa concentrada em produtos mais intensivos em tecnologia da
Coreia do Sul, só foi possível pela peculiaridade da estratégia de política econômica
interna (p. 42/626).
Ou seja, leva-nos a
crer, ao assumir e citar terceiros, que tanto a ocupação japonesa, quanto à
“administração” americana de 1945-1948 e a política adotada por Rhee durante os
anos 50 também contribuíram para lançar
a Coreia do Sul no caminho do desenvolvimento. Portanto, houve um encadeamento
de fatos ao longo dos anos que se acumularam e, por conseguinte, ajudaram e
permitiram o sucesso da política econômica de Park.
Diante deste
posicionamento deixa-nos espaço para citar outras fontes de informações e
adicionar comentários que contrastam com esta visão.
Inicialmente, cito algumas informações que permitem
uma melhor avaliação:
“A
industrialização situa-se principalmente no norte (na futura Coreia do Norte)
sendo o sul predominantemente agrícola” (“Coreia do Sul: o milagre
desmascarado”, em www.esquerda.net>art).
Cito Mason e Masiero:
“O
aumento massivo da indústria e da urbanização resultou em grandes mudanças na
sociedade coreana, incluindo uma queda da população rural para 18%, comparada
com 55% em 1965” (o autor se refere à comparação com o final da década de
1990), (p. 305).
“A
divisão da Península Coreana, em 1945, criou duas unidades distintas. O norte
possuía a maior parte dos recursos naturais e as indústrias pesadas,
desenvolvidas durante a ocupação japonesa. O sul possuía a maior parte dos
recursos agrícolas, tenho o seu desenvolvimento industrial se concentrado
inicialmente na manufatura de bens de consumo de massa orientada para a exportação,
especialmente indústrias de trabalho intensivas como têxteis, calçados,
vestuário e alimentos.
A
economia sul coreana baseada na agricultura, tem demonstrado, desde os anos 60, grande dinamismo
industrial. Uma série de planos econômicos foram iniciados em 1962 e orientaram
o desenvolvimento da manufatura leve para a exportação” (negritos meus,
Masiero, p. 1).
Segundo a Tabela 01,
apresentada por pelo prof. Masiero,
os diversos setores econômicos eram assim representados:
Anos 1953 1960
Setor
primário e mineração: 48,4% 38,90%
Setor
manufatureiro : 9,0% 13,80%
Setor
de serviços : 40,0% 43,20%
Setor
governamental : 2,6% 4,10%
Fonte:
Seoul Oficce Statistics, August 1995; apud
Masiero
Segundo o mesmo autor
(Masiero) em 1980 (Park foi assassinado em finais de 1979), o Setor primário e
mineração contribui com 16,2%, o manufatureiro com 28,2% e o governo com 10,1%.
Esses números já nos dizem muita coisa. Estas informações fortalecem e indicam
que a Coreia do Sul até o
início do governo Park (1961) era predominantemente agrícola e que a indústria
ainda não era primordial na economia do país. Em 1980 a manufatura ultrapassa o
setor primário e mineração e o governo aumenta a sua contribuição de 2,6 %
(1953) para 10,1%, demonstrando o grande esforço e a sua importância durante a
presidência de Park.
Por outro lado, o PNB
(Produto Nacional Bruto) do país salta de US$ 1,9 bilhões em 1960 para US$ 60,6
bilhões em 1980 e as exportações, com a população crescendo de 25 milhões para
38,1 milhões, respectivamente. Não menos importante é o crescimento das
exportações de 533,66%.
Estrutura
manufatureira
1953 1960 1980
Indústria leve % 68, 9 76,6
46.4
Indústria pesada % 21,1 23,1
53,6
Fonte: Seoul Oficce of
Statistics, August 1995; apud Masiero
Com o fim da Guerra da
Coreia as economias das duas Coreias foram bastante danificadas:
“A guerra nada resolveu, obteve pouco além da
destruição ...”, segundo Mason (p. 305):
“Durante
três anos, a guerra é devastadora e coloca o
mundo à beira de uma Terceira Guerra
Mundial (“Coreia do Sul: o milagre desmascarado”, em www.esquerda.net).
Os dados também
demonstram que a Coreia do Sul durante a presidência de Rhee não atingiu
progressos no que diz respeito às bases que possibilitassem o desenvolvimento
econômico. Nesse período houve uma forte influência da política liberal orquestrada pelos EUA, com a liberalização e
privatização dos bancos, da assunção da propriedade das empresas japonesas por
parte dos americanos e liberdade ao capital externo (diga-se americano).
Em artigos postados
neste blog já coloquei a minha posição sobre a inviabilidade dos países
subdesenvolvidos alcançarem o desenvolvimento socioeconômico adotando políticas
econômicas liberais (neoliberais). Por este motivo evito repetir os mesmos
argumentos neste artigo. Consultar: “A ideologia das Vantagens Comparativa”,
“Desenvolvimento e Livre Comércio” e “A Nova Geopolítica (fundamentos e
ideologia)”, tópico “Liberalismo político e econômico e a privatização”,
postados neste blog.
Comentários:
Em primeiro lugar desconheço quaisquer contribuições importantes das Metrópoles
para o desenvolvimento econômico de suas Colônias. É verdade que Marx afirmou
que as Metrópoles eram um espelho para o qual as Colônias iriam olhar,
mostrando-lhes o caminho. Com isso, deduz-se ou deduziram que no futuro as
Colônias iriam seguir, normalmente, as Metrópoles, seguindo os exemplos e os
passos necessários ao desenvolvimento. Embora pareça uma grande afirmação
podemos hoje concluir que é muito
primária, pois desconsideravam as condições históricas, socioculturais e
estágios de desenvolvimento, imersos em novas relações internacionais, entre as
Metrópoles, Colônias e os países de industrialização tardia. Não por acaso
existem ainda hoje sociedades que estão em contato com os meios de comunicação
modernos e outras modernidades, mas permanecem num estágio comparativamente
bastante retrógrado.
Por seu lado a história
nos mostrou algo bem diferente. Para a surpresa geral, o que ninguém previu,
nem mesmo Marx e, posteriormente, Trotsky (com a sua teoria do “desenvolvimento
desigual e combinado”), foi que o domínio ia levar os países dominados a um
impasse ao desenvolvimento acompanhado por uma desestruturação de suas
economias, mesmo que primárias ou de industrialização incipiente. E que a
industrialização dos países coloniais e daqueles de industrialização “tardia”,
deixada a cargo das forças de mercado, iria trazer distorções, com sérios
entraves ao desenvolvimento. A internacionalização dessas economias (suas
trocas) se daria de forma complementar, através de especializações determinadas
pela Divisão Internacional do Trabalho.
Isto, porque houve uma
mudança de paradigmas no se refere à forma de domínio, que passou a ser
industrial, financeiro, tecnológico e ideológico, com respaldo do poder
político e por vezes militar, ao mesmo tempo em que os países desenvolvidos
passaram a “receitar”, através de ingerências políticas nos organismos
internacionais, políticas econômicas desalinhadas
com as realidades dos países subdesenvolvidos.
O fato de o Japão construir
estradas de ferro para o escoamento de produtos coreanos, transferir indústrias
químicas e mecânicas para o país e este ter um sistema bancário sob o controle
japonês são poucos significativos como alicerces
para o desenvolvimento. Para um desenvolvimento social e econômico é necessário
que a industrialização não esteja apenas voltada para suprir algumas
necessidades do país colonizador, que no geral transferem indústrias com
tecnologia obsoleta.
Necessita-se de uma
industrialização “integrada” com indústrias de ponta, com uma mão-de-obra
qualificada, com apoio da ciência, fazendo inovações tanto nas técnicas de
produção quanto no melhoramento e criação de produtos. Se também levarmos em
consideração os aspectos culturais, o Japão não iria transferir uma tecnologia
de ponta, porque os japoneses desprezavam os coreanos e adotaram no país um
sistema de exploração bastante cruel, quase de escravidão. Seria permitir que
os desprezados coreanos se tornassem num potencial competidor (isto já está em
Sun Tzu, 400 anos a.c). Dizer que a mão-de-obra coreana foi qualificada pelo
Japão e que a Coreia aproveitou estas vantagens é ir longe demais.
Relatar estes fatos é
puro historicismo. Em vez de simplesmente mencionar seria importante que os
fatos fossem compatibilizados com as mudanças ocorridas nas diretrizes das
políticas econômicas e nos planos de desenvolvimento adotados, com avaliações
dos tipos de tecnologias transferidas e para quais setores. Reconheço que é um
trabalho hercúleo, principalmente, porque esta avaliação não pode ficar sob a
responsabilidade de economistas, mas de técnicos especializados.
Para os que se dedicam
ao assunto, sem terem conhecimentos específicos sobre as técnicas de produção,
uma análise histórica, inclusive comparativa, dos procedimentos e práticas dos
países industrializados e das suas indústrias “multinacionais” (internacionais)
nos permite tirar conclusões bastante plausíveis.
Seria esperar muito do Japão, um dos países imperialistas mais cruéis que se tem notícia. Uma mão-de-obra qualificada com vistas a um processo de desenvolvimento tem que estar inserida em setores estratégicos que reforcem as sinergias entre eles, amparados na ciência e apoiadas numa infraestrutura adequada e adaptada à estrutura produtiva. Este é o tipo de investimento que o capital estrangeiro não realiza, devendo-se considerar ainda que os cargos de direção e chefia eram sempre ocupados por pessoas nascidas nas Metrópoles. Também vai contra os argumentos de Chang que atribui ao Estado o papel na formação de uma mão-de-obra bem qualificada, no período do Presidente Park.
“O controle da Coreia pelo Japão, que durou até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, continuou a ser duro – e mesmo brutal, e ainda influencia os sentimentos dos coreanos em relação ao Japão. [...] Metade da produção de arroz coreana era para encher os estômagos japoneses, provocando desnutrição e pobreza massivas na Coreia” (sublinhei, Mason p.304).
“Durante a Segunda Guerra Mundial, quase dois milhões de coreanos foram conscritos para trabalho escravo no Japão, grande parte deles em jornadas de 12 horas por dia em minas sob condições terríveis.
Entre os conscritos estavam mais de 100.000 “mulheres de conforto” (comfort women) – jovens forçadas a se prostituir aos soldados japoneses” (sublinhei, Mason p. 305; essa questão da prostituição é uma das grandes desavenças e rancores com os japoneses, que ainda perduram.
“O desenvolvimento sob o governo japonês trouxe poucos benefícios para os coreanos. Praticamente todas as indústrias pertenciam à empresas japonesas instaladas ou não na Coreia. [...] A colonização japonesa foi severa. Entre 1930 e 1945, o governo passou a exigir que todos os coreanos falassem japonês (grifos meus, Masiero).
A ocupação Americana (1945-1948) na Coreia foi caracterizada por incerteza e confusão. Esta situação foi decorrente de uma clara política americana para a Coreia [...]”, ( Masiero, p.10)
A participação do
governo na formação de cientistas e técnicos pode ser constatada:
“Esses
engenheiros e outros cientistas trabalham nos muitos Institutos de Pesquisa e
Desenvolvimento Governamentais ou das grandes empresas, no Instituto Coreano de
Ciência e Tecnologia (KIST) desde sua criação em 1966 e no Instituto Coreano
Avançado de Ciências (KAIST) desde 1975 e sua duplicação em 1995. Este último é
responsável por mais da metade dos doutores em ciências e engenharia formados
na Coreia. Estes institutos públicos e privados foram e ainda são incentivados
pelo governo através de empréstimos preferenciais, dedução de impostos ,
depreciação acelerada, redução de tarifas”, (Masiero, p 8).
“O
percentual do orçamento total do governo destinado para a educação cresceu de
2,5% em 1951 para 17% em 1966 e 23% em 1995. Neste período a participação no
total dos gastos não foi maior que um terço, ficando os demais dois terços para
a iniciativa privada; normalmente grandes empresas e as famílias”, (idem, p,
6).
Quando vejo estes
argumentos, me lembro do Brasil que fundou a usina siderúrgica indústria de
Volta Redonda em abril de 1941; criou o BNDS em junho de 1952 (para impulsionar
e financiar a economia); recebeu investimentos ingleses para construção de
linhas férreas durante o auge do café, com a mudança da produção para o Oeste
de São Paulo, nos finais do século XIX; com filiais de bancos ingleses para
financiamento; deu incentivos para as empresas privadas (não as obrigou) para
formação de quadros (incluindo alimentação) e praticamente já erradicou o
analfabetismo e continua a marcar passo.
Por outro lado parece
ser consenso que com o fim da Guerra da Coreia as economias das duas Coreias
estavam bastante danificadas:
“A guerra nada resolveu, obteve pouco além da
destruição ...”, segundo Mason (p. 305):
“Durante
três anos, a guerra é devastadora e coloca o
mundo à beira de uma Terceira Guerra
Mundial (“Coreia do Sul; o milagre desmascarado”, em www.esquerda.net).
“A
Coreia do Sul só pode iniciar sua reconstrução
econômica e desenvolvimento somente o cessar fogo através de massiva assistência econômica dos
Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas, (itálicos meus, Masiero, p.
12).
Para reforçar a
situação em que se encontrava a Coreia do Sul no final da guerra, cito
passagens do Documentário “Guerra da Coreia”, levado pelo Canal Odisseia, PT,
em 23/11/2020:
“O
luxo de esquecer a guerra não era possível na península coreana. Três anos de
conflito sangrento deixaram ambas as Coreias devastadas, as suas cidades
arrasadas e as suas economias destruídas. Após a assinatura do Armistício a
península coreana era um campo de destroços. Os EUA largaram mais bombas na
Coreia do Norte nos três anos de guerra do que largamos em toda 2ª Guerra
Mundial. Basicamente, arrasámos o país. O lado da península sul não ficou
melhor. Ficou tudo destruído. Tivemos que começar do zero. Injetaram milhões de
dólares para reconstruir a Coreia do Sul, mas o país continuava a ser um dos
mais pobres do mundo. Syngman Rhee, que continuou o seu regime autoritário após
o Armistício, liderava um governo corrupto e incompetente. Procurava obter
ajuda econômica dos EUA e de outros países, mas usava para subsidiar o seu
poder, desviando-a de qualquer plano econômico. No campo e nas grandes cidades,
a comida e os recursos básicos eram escassos. Venho de uma ladeia piscatória do
Sul, a leste da Coreia do Sul” (relato de Victor Cha, Conselho de Segurança
Nacional (2004-2007).
E que a industrialização
(ou mesmo a internacionalização) de suas economias se daria basicamente de
forma complementar, especializadas num quadro de Divisão Internacional do
Trabalho, ou melhor, na estática Teoria das Vantagens Comparativas, de David
Ricardo.
Resumindo
este tópico: mesmo se considerarmos que durante a
ocupação japonesa a Coreia recebeu instalações modernas, o que é muito pouco
provável, essas indústrias serviam às
necessidades do Japão, não eram integradas (“não era um conjunto coerente”, www.esquerda.net);
a Coreia alcançou o desenvolvimento décadas após o colonialismo japonês quando
as tecnologias anteriormente transferidas já estavam muito provavelmente
obsoletas; após o término da Segunda Guerra Mundial o sul era predominantemente
agrícola (75% da população era rural no início dos anos 1950, segundo www.esquerda.net);
e continuou até o início do governo Park
e, finalmente, a Guerra da Coreia destruiu bastante a infraestrutura e a economia
como um todo.
Vendo as cenas do
documentário, na época, custa-me acreditar que aqueles escombros, verdadeiros
esqueletos industriais pudessem contribuir de alguma forma para o
desenvolvimento do país mais de uma década depois. Isto sem levar o número de
mortos, calculado em milhões, muitos dos quais, provavelmente, especializados
em alguma profissão.
Voltando à questão
quanto à modernização também existem controvérsias, pois no mesmo artigo (www.esquerda.net)
encontramos esta informação sobre a modernização da indústria coreana durante o
imperialismo japonês. Segundo este artigo o Japão deixou:
“instalações
modernas em termos de transporte e de eletricidade, uma indústria relativamente
importante que ia do têxtil ao armamento, passando química e pela construção
mecânica, e também um sistema bancário completo”.
Contrariamente, o que o
texto nos permite deduzir é que a modernização ocorria no setor de transporte e
iluminação, porque a seguir no mesmo artigo encontramos:
“Tendo
ficado na posse de uma indústria atrasada e de um sistema financeiro, que
anteriormente pertencia aos japoneses, o governo de Syngman Rhee serve-se disso
com o beneplácito do Governo militar dos Estados Unidos, para recompensar e
consolidar a lealdade dos proprietários que constituíam a sua clientela
política” (em www.esquerda.net).
“O
desenvolvimento industrial dos anos cinquenta foi essencialmente organizado em
torno da produção de bens com vista à substituição de importações, para
satisfazer o mercado interno, principalmente agroalimentar e têxtil.
Esses dois setores representavam 55% da produção industrial em 1955” (grifo
meu, em www.esquerda.net).
Como todos sabem, esta
prática de transferir tecnologia defasada era e é bastante comum nas políticas
das empresas multinacionais, daí porque alguns países subdesenvolvidos
passaram, num segundo momento, a exigir em acordos a transferência de
tecnologia. Este foi um dos grandes pecados que o Brasil pagou caro, ao
permitir que as multinacionais transferissem para o país uma tecnologia
obsoleta, sob o amparo da Instrução nº 113, conforme mencionei em diversos
artigos. Outrossim, na época o desenvolvimento já não se fazia com indústria
têxtil e agroindústria.
Coube aos teóricos
marxistas, já nos anos 70 do século passado, considerar o modus operandi das empresas multinacionais nas suas relações entre
matrizes e filiais e, consequentemente, de uma forma mais abrangente a
importância dessas empresas numa NDIT (Nova Divisão Internacional do
Trabalho).
Suas conclusões não
corroboram as teses relativas às contribuições ao desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos, num sistema liberal. Infelizmente, os economistas liberais se
abstraem da realidade e constroem modelos e levantam hipóteses que não
correspondem às realidades. Trata-se de uma questão ideológica, através da qual
se reforça o status quo, os laços entre
dominantes e dominados.
Os leitores poderão
observar o quanto as informações nos textos citados e nos próprios textos são
um tanto contraditórias. Mas, como afirmei acima, com estas informações temos
que garimpar e verificar o que é plausível.
O outro ponto que
convém reforçar é que no período de governança de Rhee (1948-1960) a Coreia do
Sul adotava uma política econômica com base nos preceitos dos EUA, orientada
para o liberalismo e que somente quando Park assumiu houve mudança de
paradigmas:
“O sistema financeiro
coreano começou a ser montado já no período de colonização japonesa. [...] Com
o fim do domínio japonês sobre a Coréia, início da ocupação americana e o
período da Guerra da Coréia, todas as propriedades japonesas foram repassadas
para o governo americano, inclusive as incipientes instituições financeiras.
[...] Os anos 1950 serão marcados também pelo processo de privatização dos bancos, uma
exigência do governo americano.
Os
anos 1960 foram marcados pelo processo de reestatização do sistema bancário,
fazendo com que o comando estatal predominasse tanto sobre os fluxos de crédito
interno como externo, com o objetivo de financiar o processo de
industrialização (Wallace, p. 34/618; os negritos são meus).
Não foi somente isto
segundo Ha-Joon. Lembrem-se de que, em um período praticamente idêntico, o
Brasil também entrou num processo de substituição de importações, objetivando,
com os benefícios concedidos às empresas estrangeiras, o desenvolvimento do
país, conforme consta de diversos textos que publiquei neste site. Park assumiu
o poder em 1961 e deu um golpe poucos anos depois e no Brasil o golpe se deu em
1964, que “oficialmente” durou até 1985.
Continuando, Uallace
destaca outros fatores importantes que contribuíram para o processo de
desenvolvimento: vultoso aporte de recursos para a área militar, por parte dos
EUA, com o início da Guerra do Vietnam; tais recursos permitiram realoca-los
para outros setores da economia, transportes, infraestrutura e indústria;
estrutura de propriedade do capital; organização empresarial; centralização do
capital; processo de absorção e desenvolvimento tecnológico (p. 28/612).
Acredito que o período
que vai da colonização japonesa até a morte do presidente Park não pode ser
considerado como uma continuidade,
sem que se pondere o corte radical na política econômica, que se iniciou com o
presidente citado (Park), colocando para baixo do tapete a política liberal de
seu antecessor. E é este período do Presidente Park que Ha-Joon Chang considera
fundamental para a viragem da economia sul-coreana. Na realidade este
“pormenor” é de fundamental importância para fugirmos do simples historicismo, adotado também pela Escola
de Campinas, que alerta para a importância histórica, mas que também não nos
diz muita coisa, se levarmos apenas as citações de Wallace.
Quanto à absorção de
tecnologia é forçoso dizer que ela simplesmente não aconteceu com uma
industrialização, mas esteve inserida na própria política adotada por Park,
como bem esclarece Chang. Portanto, deve-se analisar em pormenor este assunto.
Ora, não levar em
consideração a substancial mudança na política econômica é fazer tábula rasa
(ignorar) as profundas diferenças que as duas políticas têm sobre o processo de
desenvolvimento.
Em que pese Ha-Joon não
levar em consideração tanto a geopolítica dos EUA para a região, com a ajuda
externa financeira, quanto às condições socioculturais, o fato é que houve uma
modificação fundamental na política
interna do país.
Isto é importante,
porque para Chang a centralização do capital financeiro pelo estado, o estímulo
do governo à iniciativa privada, à criação de empresas estatais como motores de absorção de tecnologia e de
novas indústrias, associadas a
investimentos em áreas técnico-científicas (educação), o controle das
multinacionais em relação aos setores
estratégicos e aos que competiam com as indústrias nativas, a
obrigatoriedade de transferir tecnologia, o controle das importações de bens
supérfluos e outros mais foram fundamentais para lançar o país no caminho do
desenvolvimento.
Cito novamente o autor
em “As nações hipócritas”:
“O
Governo coreano também controlou fortemente o investimento estrangeiro,
acolhendo-o de braços abertos em certos setores, e proibindo-o completamente
noutros, de acordo com a evolução do plano de desenvolvimento nacional”,
(Chang, p. 28).
“O
Presidente Park lançou um ambicioso Programas de Indústria Pesada e Química (IPQ)
em 1973 [...]. Novas empresas foram criadas nas áreas de eletrônica,
maquinaria, produtos químicos e outras indústrias avançadas”, (p. 21).
“A
obsessão do país com o desenvolvimento econômico refletia-se totalmente na
educação”, (p. 21/2).
E segundo Masiero:
“A
Coreia do Sul conseguiu dar continuidade ao seu desenvolvimento econômico de
forma acelerada a partir do governo Park.
Neste
período, as condições econômicas e de infraestrutura ainda se encontravam pouco
desenvolvidas, sendo que o país possuía uma das mais baixas tendas per capita do mundo e baixo nível de
reservas e tecnologia, (p. 21).
Acredito que houve um
lapso do autor porque não houve continuidade e sim uma ruptura. Ainda segundo Masiero, o período de 1963-1971, considerado
como a 1ª arrancada do governo Park, a economia cresceu 8,8% a.a.; no período
de 1972-1975, 1ª fase da industrialização pesada,
cresceu 18,9% e na 2ª fase da industrialização pesada, que vai de 1975 até sua morte (1979), cresceu 10,6%.
Evidentemente, conforme
já informamos em outros artigos, não é apenas o crescimento econômico que é
importante, porque crescimento e desenvolvimento econômico são conceitualmente
distintos, pois este último trata de mudanças estruturais na economia, para setores em tecnologia de ponta.
O que é importante é
que Chang é um crítico perspicaz do liberalismo econômico, que deixa nas mãos
das empresas multinacionais as transferências e avanços tecnológicos. Por este
motivo, sem considerar este corte substancial, para não dizer de paradigmas,
fica impossível captar os fundamentos deste processo de desenvolvimento.
Com relação a reforma
agrária implementada pelo governo com apoio dos EUA em 1948 e a sua importância
para as nações que buscam o desenvolvimento abri o Anexo I, que trata dos
aspectos gerais da reforma agrária, concluindo que a mesma é incapaz de surtir
os efeitos necessários para lançar um país no caminho do desenvolvimento.
Também, não me detive
sobre a forte repressão dos sindicatos nas duas administrações, principalmente
porque o assunto está relacionado com as posições assumidas por Ha-Joon Chang.
Mas não deixo de ressaltar a provável importância do fato em relação à competitividade
dos produtos coreanos, em momentos importantes, merecendo uma investigação mais
aprofundada. Os interessados poderão
encontrar detalhes nas obras citadas.
A
QUESTÃO DA GEOPOLÍTICA AMERICANA
Já havia afirmado em
artigos anteriores, que esta viragem na geopolítica americana acorreu em
detrimento dos acordos que vinham sendo delineados com o Brasil. Também, não
compartilho da ideia de que este foi um fato de relevância secundária para o
desenvolvimento coreano. Pelo contrário, acredito que estes fatores se
combinaram e se reforçaram dialeticamente permitindo lançar os fundamentos para
o desenvolvimento. E uma das questões dialéticas é que consequências e efeitos
se relacionam, ocupando posições opostas, conforme Engels nos ensinou em
“Socialismo utópico e científico”.
Segundo Wallace:
“Portanto,
fica claro que os recursos externos dos EUA foram importantes para a Coreia nos
anos 1940 e 1950, enquanto os recursos japoneses foram relevantes nos anos 1960
e 1970” (p. 24/608).
O artigo “Coreia do
Sul: o milagre desmascarado” é mais específico sobre o assunto:
“Facto
totalmente escamoteado pelo Banco Mundial, a Coreia não recorreu, de todo, a
empréstimos externos durante os dezessete anos que se seguiram à Segunda Guerra
Mundial e, depois, apenas contraiu empréstimos de forma muito moderada até
1967.
Entre
1945 e 1961, a Coreia não pede empréstimos e não recebe qualquer tipo de
investimentos estrangeiros. Segundo os critérios do Banco e do pensamento
neoclássico, tal situação é uma anomalia.
Em
compensação, no mesmo período, a Coreia recebe sob a forma de donativos 3.100
milhões de dólares. Essa soma representa o total da ajuda externa recebida.
Esse montante é de fato considerável: é o dobro do que foi recebido pela
Bélgica/Luxemburgo/Holanda durante o Plano Marshall, mais de um terço do que a
França recebeu e mais de 10% do que a Grã-Bretanha obteve. Retomando a
comparação do capítulo 4 sobre um período mais longo, os donativos recebidos
pela Coreia entre 1945 e 1961, foram superiores ao total de empréstimos
concedidos pelo Banco Mundial ao conjunto dos países em desenvolvimento, que
conquistaram a independência (incluindo as colônias).
A
partir de 1962 a Coreia contrai empréstimos, mas moderadamente. Entre 1962 e
1966, os donativos dos Estados Unidos eram ainda 70% do total do capital que
tinha entrado no país, os empréstimos 28% e o investimento estrangeiro 2%. É
apenas a partir de 1967 que as entradas de capital assumem principalmente a
forma de empréstimos contraídos junto a bancos estrangeiros, sobretudo
japoneses. O investimento estrangeiro só se torna importante a partir dos
finais dos anos oitenta, quando a Coreia já tinha sucesso a nível
industrial” (grifos meus, em www.esquerda.net).
Em complemento, cito a
Monografia de Bacharelado, de Pedro Heitor Caldas, com a orientação do Prof.
Carlos Pinkusfeld, em panteon.urfj.br>bitstream:
“A
Coreia teria recebido, entre 1946 e 1978, ajuda militar e econômica da ordem de
US$ 12,6 bilhões. Isto faria dela o país a receber o maior contingente de
auxílio externo do mundo, especialmente nos anos 50. Somente em 1956, a Coreia
teria recebido US$ 330 milhões em assistência econômica e US$ 400 milhões em
ajuda militar. Se somarmos a este contingente o valor gasto ali por soldados
americanos, chegamos ao impressionante influxo de US$ 1,13 bilhões, o equivalente a metade do PIB
coreano deste ano”. Complementando ainda através da tabela a seguir (tabela
2.1.4.1) que indica doações ao redor de 10% do PIB” (Yoon-Je Cho apud Caldas, p. 20)
“A
ajuda americana também vinha através de produtos doados pelos EUA ao governo
coreano. Este revendia a preços de mercado gerando receita para o Estado, o que
foi fundamental para reconstruir a infraestrutura do país, notadamente escolas
públicas que se expandiram particularmente a partir das doações”, (Cho apud Caldas, p. 21).
“Entra
em cena o General Park Chung Hee que assume o país depois do golpe de estado em
1961 (1961-19790). Sob o comando do general a participação do general na Guerra
do Vietnã foi de extrema importância para a Coreia do Sul e permitiu a
assinatura do Memorando Brown, que garantiu vantagens econômicas à Coréia e
previa segundo Cho: 1) apoio financeiro ao país; 2) assistência técnica e
financeira para a modernização das forças armadas; 3) apoio à expansão das
exportações; 4) prioridade para as empresas de origem sul-coreana em contratos
de fornecimento e serviços relacionados à guerra e, 5) garantia de que técnicos
civis coreanos teriam oportunidade de trabalho no Vietnã”, (p. 23).
Nesse
período, os EUA haviam anunciado a diminuição do fluxo de ajuda econômica,
porém tal não se verificou por completo à media que os EUA substituíram a ajuda direta por bilionários contratos de mercadorias e
serviços, remessa de soldados aliados, que vemos mais detalhadamente em
outra seção, e assistência técnica militar’ (negritos meus; Silva apud
Caldas, p. 23)
E repito mais uma vez
Masiero:
“A Coréia do Sul só
pode iniciar sua reconstrução
econômica e desenvolvimento somente após o cessar fogo através de massiva assistência econômica dos
Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas, (itálicos meus, Masiero, p.
12).
Evitando controvérsias
e até mesmo outras interpretações, temos que distinguir reconstrução econômica
de desenvolvimento.
Acredito que estas
citações são suficientes para demonstrar, de forma incontestável, a importância
que a geopolítica americana desempenhou no desenvolvimento econômico da Coreia
do Sul.
Ora, este período que
se inicia em 1961 é exatamente o que coincide com a presidência do Presidente
Park, no qual se baseia a análise de Ha-Joon. E é um período que vai
frontalmente contra dos ditames da política econômica externa dos EUA, que
anteriormente apoiavam a privatização do sistema bancário, de toda a indústria e
também a liberdade das empresas multinacionais. Portanto, a política de Park,
ao contrário dos seus antecessores, vai
contra o liberalismo propagado por Washington.
Então, a questão básica
passa a ser saber o porquê dos EUA continuarem a apoiar o país quando a
política econômica era contrária às suas diretrizes, ou, talvez, quem sabe, em
“tese”, contrária aos seus interesses. Em minha opinião, sem colocarmos estes
pontos não avançamos na compreensão do processo de desenvolvimento coreano.
Como também não avançamos, tanto quanto podemos, se excluirmos os
condicionantes socioculturais.
Desnecessário reafirmar
que a região da Ásia estava bastante vulnerável à ideologia socialista, tanto
pela Rússia como pela China de Mao, que apoiaram a Coreia do Norte na Guerra da
Coreia.
Uma das condições
necessárias para que a política do Presidente Park fosse aceita pelos EUA era o
alinhamento político desse
presidente ao combate do socialismo que tomava vulto na região.
Para sedimentar este
alinhamento se deu o engajamento da Coreia do Sul na Guerra do Vietnam. Com a
escalada dessa guerra, com Johnson na presidência dos EUA, o presidente Park
começa a enviar militares sul-coreanos, para combater ao lado dos americanos,
com um contingente inicial de 140 militares em setembro de 1964. Estima-se que
o total de sul-coreanos envolvidos na guerra foi em torno de 313.000, nunca
ultrapassando o efetivo de 47.000 mil soldados (para mais informações consultar
“O envolvimento sul-coreano na guerra do Vietnam – Herdeiro Aécio”, em herdeirodeaecio.blogspot.com).
Daí a sua
“benevolência” quanto ao regime instalado por Park e a sua política econômica.
Ou conforme Marshall:
“[...]
mas o que lhe faltou compreender foi que os americanos sabiam que, se não
fossem em auxílio de seu aliado sul-coreano, os seus outros aliados, em todo o
mundo, perderiam a confiança neles. E, se os aliados da América, no auge da
Guerra Fria, começassem a alargar as suas opções ou passar para o lado
comunista, toda a estratégia global seria posta em causa” (p. 188, citado no
texto).
Por outro lado, não se
pode descartar a hipótese que de que aos EUA ficariam bastante vulneráveis
ideologicamente com o falhanço do capitalismo na Coreia do Sul.
Considerando este
ponto, o subdesenvolvimento da Coreia era um ponto negativo para os americanos,
defensores do capitalismo, podendo incentivar ainda mais os outros países da
região para o socialismo. Daí a sua “benevolência” quanto ao regime instalado
por Park e a sua política econômica.
Escusado dizer que a
democracia está desalinhada e ameaçada, mesmo com a retórica atual. O
desmantelamento dos sindicados, o debacle socialismo na União Soviética e
repúblicas, a globalização e o monetarismo anglo-saxão (leia-se
“neoliberalismo”) contribuíram para liberar as rédeas do capitalismo, desvencilhando-o
dos seus entraves externos, ou melhor, da ameaça ideológica do socialismo em
favor das classes desfavorecidas. Os líderes do capitalismo americano não
tinham mais estas preocupações, se fortaleceram e lançaram uma contraofensiva
ideológica bem sucedida, com a globalização e o novo liberalismo, conforme o
Consenso de Washington.
Não precisamos de muito
para constatar que o contraponto ideológico e teórico do socialismo, mesmo
sendo um blef das repúblicas
soviéticas que não foi detectável durante o período da Guerra-Fria, ajudou a
moldar um Estado do Bem Estar Social, um sonho, uma utopia, que as leis “às
soltas” do capitalismo estão em vias de destruir. No momento em que o
socialismo da China se converteu ao capitalismo estatal-dirigido também deixou
de ser ameaça socialista.
Os resultados não
tardaram por vir, em diversos países, num elevado grau de contágio. No país
líder, no momento em que Reagan reprimia os sindicatos e abraçava às teorias da
oferta, os Estados Unidos, já nos meados dos anos 80 ocorreram: a crise de
“poupanças e empréstimos”; crise asiática nos finais dos anos 90 (no rescaldo
da pressão pela liberalização dos mercados financeiros asiáticos e russo,
apoiada pelo FMI); especulação e bolha nas empresas ponto.com, início de 2000; crise
financeira de 2007/8 (a maior depois da Grande Depressão); desemprego, salário
mínimo federal defasado durante anos, concentração de renda exacerbada e
pauperização da classe média (os leitores poderão consultar o livro de Reinhart
e Rogoff, para verificar o número de crises e países). No Japão a crise
imobiliária de 1992 se propagou por mais de dez anos.
Por estes motivos
compartilho da ideia de que o cenário geopolítico foi de fundamental importância para que a Coreia do Sul pudesse alcançar o
status de país desenvolvido nos anos
posteriores. Não que tenha sido determinante, conforme muito bem salienta
Uallace.
Se fosse determinante
teria dado o salto de qualidade já na era da presidência de Rhee (1948-1959),
que adotou o liberalismo econômico. Por isto, seria improvável, para não dizer
impossível, que o desenvolvimento fosse alcançado sem as modificações
implantadas pelo Presidente Park. Por outro lado, se adotarmos a posição de que
o apoio americano foi secundário chegaríamos à conclusão de que os EUA
despejaram recursos no país e, também, na região a troco de nada, fato
totalmente incabível. Neste contexto, poderíamos alegar que a ajuda americana
para a reconstrução da Europa com o Plano Marshall, também foi irrelevante,
devendo-se ressaltar que a Coreia recebeu subsídios e donativos superiores a
muitos dos países europeus, segundo informações acima, que lhe permitiu a
importação de equipamentos tecnológicos sofisticados.
Portanto, estes dois
aspectos são complementares e não
podem ser considerados isoladamente ou qual deles seria determinante. Hoje em
dia, no momento em que os gastos em tecnologia, ciência e educação são
extremamente relevantes, em qualquer economia que queira alcançar ou manter-se
desenvolvida, a ajuda aos subdesenvolvidos se faz necessária para facilitar a importação de
equipamentos tecnologicamente sofisticados, incrementar as exportações (como
realmente foi feito) e de realizar e permitir a transferência tecnológica, que
deverá ser absorvida criativamente pelos cientistas e técnicos do país receptor
(muitos deles especializados nos países desenvolvidos, nas áreas “escolhidas”,
através de acordos de cooperação).
Durante o período de
Park que vai de 1970 a 1979 e posteriores, até 1989, o saldo da balança
comercial do país com os EUA foi sempre positivo e com o Japão sempre negativo,
fato que confirma o apoio dos EUA às exportações, possibilitando ao país a
importação de tecnologia e a assistência técnica japonesa, (segundo Uallace: Fonte United
Nations Commodity Trade Stastitics Database).
Destino
das exportações e importações da Coreia:
Ano: 1970 1976 1979
Estados Unidos:
Exportações: 46,8%
32,4% 29,2%
Importações:
29,5% 22,3 22,6%
Japão:
Exportações: 28,1% 23,4% 22,3%
Importações: 40,8%
35,3% 32,6% Fonte:United Nations Commodit Trade
Statistics Database
Os acordos de
cooperação com Estados Unidos e Japão para a formação de cientistas e
engenheiros também foram importantes.
“No
período de grande assistência técnica, até a metade da década de 60, muitos
empregados do governo ou das empresas eram enviados aos Estados Unidos para
treinamento ou negócios”. (Masiero).
O mesmo se diga com
relação aos cursos superiores e formação de doutores (PhD).
E o
mais importante é que não houve “fuga de
cérebros” como ocorreu atualmente ocorre no Brasil (conforme salientei em
artigos anteriores). O governo de Park adotou uma formação científica e técnica
(engenheiros) que fosse compatível com a estrutura industrial que vinha sendo
implantada, assegurando os empregos. Não se tratava de um esforço em educação
aleatório, desconectado da industrialização e, consequentemente, do processo de
desenvolvimento..
As relações e acordos
entre os países servem também para evitar que os países desenvolvidos adotem
sanções ou forcem a adoção de políticas contrárias às realidades dos países,
inviabilizando-os. Conforme destaquei em artigos anteriores, também existem
muitos meios que podem ser utilizados pelos países desenvolvidos para criar
obstáculos aos que querem alcançar níveis mais elevados de desenvolvimento
socioeconômico, principalmente quando estes últimos possuem estruturas de
produção arcaicas e que foram destruídas pela guerra, como foi o caso da Coreia do Sul.
Não se fazem mais
pesquisas científicas e tecnológicas individualmente em pequenos laboratórios,
mas sim em equipes, com o auxílio de equipamentos sofisticados e bastante
caros. Também os ramos científicos e industriais se multiplicaram e os desafios
tornaram-se maiores.
VOLTANDO
À QUESTÃO CULTURAL
E
quanto à cultura? O que temos a dizer tendo em vista que
o texto principal realça esta questão?
Na conclusão do
mencionado artigo alertava para os efeitos que a Instrução Sumoc nº 113 trouxe
e afirmava:
“Queiramos
ou não a autoestima, a perseverança, abdicação do presente em relação ao futuro
e um pouco de patriotismo também fazem o caldo cultural, da matéria prima que
deverá pavimentar o caminho do desenvolvimento”.
Estes são uns dos pontos
que venho insistindo nos meus diversos artigos postados neste blog, contra a
visão economicista reinante. Outrossim, no artigo “Poupança, investimento, a falácia (paradoxo) da poupança externa e
outros aspectos do desenvolvimento”, publicado neste blog, em julho de
2016, menciono diversos aspectos socioculturais e ideológicos que foram
entraves ao desenvolvimento do Brasil e contribuíram para uma industrialização
dependente.
No artigo “Industrialização e desenvolvimento no Brasil
– aspectos políticos e sociais (1939 – 1964)”, publicado neste blog em
julho de 2015, tópico “O que o
protecionismo não explica”, reproduzi alguns algumas passagens de Holanda (Raízes do Brasil), relativas aos
aspectos socioculturais dos povos ibéricos:
“Sucede
que justamente a repulsa firme a todas as modalidades de racionalização e, por
conseguinte, de despersonalização tem sido, até os nossos dias, uns dos traços
constantes dos povos de estirpe ibérica” (Holanda, p159).
“Um
fato que não se pode deixar de tomar em consideração no exame da psicologia
desses povos é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda a moral
fundada no culto ao trabalho” Idem, p. 42/3).
“Assim,
raramente se tem podido chegar, na esfera dos negócios, a uma adequada
racionalização: o freguês ou cliente há de assumir de preferência a posição de
amigo”, (Idem, p. 160).
“O
contraste com a chamada mentalidade capitalista não é recente”, (p. 161).
Embora tenha as minhas
dúvidas, se estas situações já mudaram o suficiente, pelo menos no seio dos
meios acadêmicos e intelectuais, o que podemos afirmar é que o Brasil perdeu o
bonde da história e que agora tudo será mais difícil. Isto, porque hoje em dia
é muito mais difícil trilhar os caminhos do desenvolvimento. As sociedades
ficaram mais complexas; os investimentos para alavancar tornaram-se vultosos;
os países subdesenvolvidos criaram resistências e bloqueios que os
desestruturaram (ou seja, já esculhambaram as suas sociedades); muitas vezes os
Organismos Internacionais criados pelos países desenvolvidos tomaram a frente
das decisões adotando ideologias convenientes aos mesmos, vinculando a
liberação de recursos à adoção de políticas liberais; os países desenvolvidos
tornaram-se mais poderosos e aprenderam a se defender através de sanções.
Mas, oportunamente,
permitam-me aproveitar o momento para reproduzir a visão de
Friedman sobre as diferenças culturais entre os países do Mediterrâneo e os dos
países do Norte, ou mesmo dentro de um mesmo país:
“A
instabilidade que irá resultar aqui poderá expandir-se para norte se os
problemas econômicos se alastrarem. Não originará guerras entre as nações, mas
guerra no seio das nações, entre as massas e a elite e entre grupos étnicos. As
políticas mediterrâneas sempre foram brandas. Parte dessa brandura advém de uma
cultura, senão de tolerância, pelo
menos de inação. Há uma
predisposição para suportar coisas que seriam insuportáveis no Norte.
Recorde-se a nossa necessidade da Guarda Costeira cipriota e a responda compassiva do comandante do nosso
barco. Quando lhe perguntei se iria apresentar um relatório sobre aquela
infração, encolheu os ombros não em sinal de impotência, mas de indulgência.
Parte
disto resulta de se encontrarem da Europa. São europeus, mas são diferentes deles
em alguns aspectos. A eficiência maníaca
dos europeus do Norte, a cultura do
trabalho como forma de vida, não é
compatível com a dos seus vizinhos árabes do outro lado do Mediterrâneo, com
quem vivido a lutar e a manter relações comerciais há séculos. É uma cultura
comercial, não industrial e uma cultura comercial tem um tempo profundamente diferente. Quando negociamos no sul da Europa é
um evento social que pode durar um dia,
com ambas as partes a apreciar a experiência. No Norte o preço é fixo e inegociável” (Negritos meus; George
Friedman, em “Focos de tensão”, Ed. D. Quixote, maio 2015, pgs. 325/6).
Também, no artigo
principal deste Posfácio, cito diversos aspectos socioculturais que fortalecem
a minha convicção, cabendo reproduzir Charlotte King (Economic Intelligence
Unit, Londes) sobre a questão de Moçambique:
“Uma
parte da dificuldade em implantar estas medidas é a elevada resistência de políticos e setor privado, habituados a um Estado
despesista” (negrito meu).
É provável que a visão
economicista de Ha-Joon tenha contribuído para enaltecer prematuramente alguns
países africanos, notadamente Moçambique e também o Brasil, conforme salientei
na Conclusão do texto principal.
No artigo principal
escrevi que “existem outros aspectos socioculturais “intangíveis” que poderão com a interação de outros, dinamizar ou
bloquear o desenvolvimento econômico...” (melhor seria ter dito “incomensuráveis”), afirmando:
“Isto
é o que distingue o forte capitalismo alemão em comparação com o francês e o
italiano e o estímulo à cultura do “empreendedorismo” do capitalismo americano”.
E citando Japiassú:
“Por
isso, não podemos explicar esse novo saber apenas pelas exigências
econômico-industriais. As mediações socioculturais desempenharam também um
papel importante. As amis significativas foram o realismo e o racionalismo
próprios aos novos empreendedores, (p. 115).
“Portanto,
em nome do realismo histórico, não podemos negar a importância das
mentalidades, das atitudes e das visões do mundo (das ideologias) como fatores
mais ou menos invisíveis atuando no
Progresso da ciência e da indústria” (p. 299, em “Como nasceu a ciência
moderna”).
No tocante
especificamente à Coreia do Sul, cito passagem de Masiero, que me chamou a
atenção por estar muito associada ao que afirmei no texto principal:
“Memórias
do tempo de guerra, o relevo montanhoso, a grande densidade demográfica, só
superada por Bangladesh, invernos severos e poucos recursos naturais para a
sobrevivência também são normalmente apontados como motivadores do trabalho
árduo e contínuo. Este espírito de superação individual e coletivo é também
percebido no sentimento ou vontade de “vencer o Japão” em indicadores de
desempenho ou mesmo na expressão coreana muito popular pali, pali que significa depressa, depressa. A exemplo da palavra
japonesa ganbate, que significa
esforça-te, mais pronunciada que “tudo bem” no Brasil, traduz o imperativo
chamamento público para “deixar de ser
preguiçoso” e reforçar o can-do
espírito coreano”, (p. 9).
Segundo o texto
principal:
“Valores
como perseverança, determinação, esperança, eficiência, patriotismo,
compromissos sociais, autoestima, coesão cultural e ideológica, criatividade,
predisposição para o risco, etc, são “ingredientes” indispensáveis para fazer
com que o país possa trilhar o caminho para o desenvolvimento econômico e
social”.
“Por
trás da tecnologia, existem aspectos fundamentais das relações humanas, formais
e informais, todo um sistema cultural, educacional, estrutura e cultura
organizacional, resistências sócias à mudança, disciplina, compromisso,
técnicas de comercialização, mudanças de hábito e atitudes, indispensáveis e
adequadas ao seu funcionamento”.
A colonização cruel
imposta pelo Japão à Coreia durante 35 anos, trouxe ou exacerbou uma rivalidade
com relação aos japoneses, que persiste, pelos maus tratos sofridos, conforme
expus em tópico precedente. Por isso o desejo de não se sujeitar a uma
dominação estrangeira, a vontade de superação encontram ecos na autoestima, no
patriotismo, na determinação e quem sabe na dureza das condições de vida,
conforme destaca Masiero.
A relevância da cultura
e dos fatores que a condicionam ainda intriga historiadores e estudiosos, ainda
sem resultados satisfatórios e, inicialmente, com base em observações e
deduções, pouco científicas, conforme podemos observar neste texto posto pelo
historiador inglês Edward Gibbon (1737-1794), em relação aos povos germânicos:
“As
nações mais civilizadas da Europa moderna surgiram das florestas da Germânia, e
nas rudimentares instituições desses bárbaros podemos distinguir os princípios
originários de nossas atuais maneiras e leis. Em sua primitiva condição de
simplicidade e independência, os germânicos foram observados pelo penetrante
olhar e delineados pelo magistral pincel de Tácito, primeiro historiador a
aplicar a ciência da filosofia ao estudo dos fatos”, (p. 107)..
“É
difícil determinar e fácil exagerar a influência do clima da Germânia. Muitos
autores supuseram, e a maioria deles reconhece, embora ao que parece, sem
qualquer prova adequada, que o rigoroso frio do norte era favorável à vida
longa e ao vigor generativo, que as mulheres eram mais férteis e a espécie
humana era mais prolífera do que em climas mais temperados. Podemos afirmar com
segurança que o cortante ar da Germânia formou os imensos e másculos membros
dos nativos (cuja estatura era, em geral, superior à dos povos do sul),
deu-lhes uma espécie de força mais adaptada a violentas erupções do que o
trabalho paciente e inspirou-lhes a bravura constitutiva de seu caráter, como
resultado de seus nervos e espíritos. A severidade de uma campanha de inverno,
que arrefecia a coragem das tropas romanas, mal era sentida por estes robustos
filhos do norte, que, por sua vez, não resistiam ao calor do verão e
mergulhavam em letargia e doenças quando expostos aos raios do sol italiano”, (“Ensaios
de história”, Ed. Iluminuras, 2014, p. 110/11).
Para finalizar,
gostaria de lembrar aos leitores que já manifestei a minha opinião sobre a
questão do desenvolvimento econômico, adotando a orientação do economista
brasileiro Celso Furtado. Segundo o renomado economista, o mundo não suporta um
modelo de desenvolvimento, tal qual adotado pelos países desenvolvidos, que os
subdesenvolvidos procuram imitar. Portanto, podemos concluir que:
“Até
o momento, estes desequilíbrios são a solução para uma situação que não pode
ser alcançada a nível global”.
Por isto as políticas
propostas pelos países desenvolvidos não podem surtir os efeitos declaradamente
propalados.
No texto original os leitores
encontraram vários exemplos de culturas que bloqueiam o desenvolvimento
socioeconômico.
BIBLIOGRAFIA
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