sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

- UMA CRÍTICA À ECONOMIA CLÁSSICA -

 Registro Igac nº 151/2022



UMA CRÍTICA À ECONOMIA CLÁSSICA
-aprpproachs, fundamentos, incoerências, microeconomia, contexto histórico da "mão invisível"

Preliminares

Este artigo está dividido em 3 partes. À primeira dedico à análise dos methodologicals approachs, dos fundamentos e "slogans", que transmitem ideias e visões de mundo e são os pilares da macroeconomia clássica, motivos de tantos debates, a meu ver, infrutíferos. Na segunda e trato dos fundamentos da microeconomia de acordo com a concepção utilitarista de Bohm-Bawerk, seguindo os passos de Nicolai Bukhárin em sua crítica ao economista austríaco. Na terceira abordo o contexto histórico-social, filosófico e ideológico na concepção de uma mão invisível que rege a harmonia do sistema econômico e evita as crises, segundo Adam Smith e seus seguidores. Desnecessário dizer que os artigos são conexos e complementares.

Inicialmente, o que se pretende é determinar e avaliar as consequências da adoção de uma metodologia das ciências naturais para o arcabouço teórico da economia clássica, metodologia esta que é estranha às "ciências" sociais e humanas. Não é suficiente apenas apontar esta incoerência.. 
 
No segundo artigo (parte) tomei como referência o livro de Nicolai Bukhárin que ainda é a crítica mais consistente sobre a teoria da utilidade marginal do consumidor, que continua a ser ensinada nas universidades mundo afora, inclusive nos cursos de pós-graduação e doutorado. Aprofundei a crítica como novos argumentos, destacando a sua função ideológica. 
 
Para a análise, me socorri do livro de Francisco Louçã & Mariana Mortágua, bastante didático, com uso de gráficos, no tocante a exposição da teoria marginalista do consumidor (Bohm-Bawerk). Não repeti os gráficos, mas fiz referência aos capítulos consultados.
 
Entretanto, no conjunto, dirijo os meus olhares não só para estes aspectos estritamente econômicos, mas basicamente  para o seu approach, os alicerces e as ideologias que as sustentam, iniciando com um tópico que se refere a transposição do methodological approach, noções e concepções das ciências da natureza para as chamadas "ciências" sociais, suas consequências e conclusões, na busca destas últimas para alcançar um status científico, tão desejado pelos teóricos da economia clássica. 

Isto porque acredito que para podermos avaliar e até mesmo criticar a teoria clássica é necessário olhá-la com outros olhos, com uma outra perspectiva, buscar e questionar os seus alicerces, que formam o seu arcabouço teórico. 

Na crítica à teoria utilitarista do consumidor, uma questão que se põe é o porquê de se continuar ensinando esta teoria nas universidades, quando na realidade notamos pouca conexão com os problemas macroeconômicos da atualidade, que dizem respeito a questões relativas à como administrar a economia como um todo, mormente em situações críticas, como: crises, desempregos, distribuição de renda, papel do governo nas diretrizes econômicas, comércio externo e câmbio, escolha de variáveis a serem "manipuladas" para se alcançar os objetivos macroeconômicos, para citar apenas alguns exemplos.
 
Onde está o elo de ligação entre a microeconomia clássica marginalista e a macroeconomia clássica, neoclássica, monetarista? Qual a importância da microeconomia para a macroeconomia se os objetivos são diversos? Quais os motivos de tantas divergências teóricas se estes economistas pretendem que a economia seja uma verdadeira ciência, perfeitamente, ou quase, previsível em seus resultados?

Estes artigos não trazem uma análise da "Teoria das vantagens comparativas", formulada por David Ricardo, nos princípios do século XIX, que os economistas clássicos adotam como o principal fundamento para a divisão internacional do trabalho e, consequentemente, do comércio exterior. As análises sobre este assunto constam de outros artigos postados neste blog (em "A ideologia das vantagens Comparativas" e "A Nova Geopolítica - Fundamentos e ideologia", 3ª parte, "Liberalismo político, econômico e a privatização"). 

Outrossim, não trazem considerações sobre as questões geopolíticas e suas repercussões sobre as relações econômicas internacionais e nas políticas industriais dos países, abordadas no artigo "A nova geopolítica - (Fundamentos e ideologia) - a geopolítica pós Guerra-fria -", postado neste blog.

Para uma melhor compreensão sugiro que estes artigos sejam acompanhados pelos artigos "Comentários ao monetarismo de Friedman - Fundamentos e contradições" e "Um breve retorno a Keynes - Fundamentos, crises e a polêmica I - S", ambos postados neste blog.

Terei alcançado o meu intento se conseguir fazer o leitor perceber que o arcabouço teórico da economia clássica está fundamentado em uma miscelânea de visões do mundo, concepções, conceitos, correntes filosóficas e mesmo teológicas, que são superpostas, dando aparentemente coesão às suas proposições, tais como: mecanicismo, naturalismo, utilitarismo, homo economicus, mão invisível, objeto do conhecimento, o todo como sendo nada mais que a soma das partes. 

A QUESTÃO IDEOLÓGICA NA ECONOMIA CLÁSSICA
- Abordagem metodológica, fundamentos, metáfora da mão invisível, homo economicus, objeto do  conhecimento, individualidade e totalidade -

Introdução

É minha convicção que não podemos analisar e avaliar as diversas "propostas teóricas" das ciências humanas ou sociais sem procurar as motivações que as sustentam. Sem entendermos isto fica difícil discernir a conexão com a realidade, bem como fazer uma opção desprovida de ilusão, por estarmos encantados com o grau de abstrações, argumentações aparentemente coerentes e bem formuladas, muitas vezes recheadas de formulações matemáticas que pretendem dar e atingir um grau de cientificidade igual ao das ciências naturais.

Na realidade não são ciências no mesmo sentido que se queira dar às ciências da natureza, porque impossíveis de comprovação e estrita quantificação, em razão do comportamento humano. 

Japiassu nos dá o seu veredito: 

"O fato é que, nessas disciplinas, não temos o direito de separar completa e nitidamente método e objeto de pesquisa. Razão pela qual seus discursos não podem ser verdadeiros nem falsos. [...] Aliás, nem mesmo se coloca o problema da verdade. Mas o da coerência ou conformidade a uma regra. E essa regra é incompatível com a verdade científica", (Japiassu, em "A crise das ciências humanas", p. 38/9: 

Basicamente o estudo da economia se divide em 2 ramos: 1) a microeconomia trata com os motivos que governam os comportamentos e decisões dos agentes econômicos a nível individual; preocupa-se com as motivações e decisões de consumo, com as razões que levam as firmas a decidir o quanto produzir; com a formação dos preços e dos salários; 2) a macroeconomia trata dos agregados econômicos da sociedade e tem como objetivo explicar e zelar pelo bom funcionamento da economia, em geral; preocupa-se com a produção da sociedade, o nível de emprego, a inflação, as crises, o câmbio, as transações internacionais (muito embora alguns compêndios se dediquem a análise do comércio internacional em separado). 

Até a Grande Crise de 1929 a macroeconomia praticamente inexistia, com referências esporádicas, porque pressupunha-se que as questões macroeconômicas, estavam implícitas e dependentes dos enunciados propostos pela microeconomia. A crise de 1929 foi o divisor de águas entre os dois ramos, com a contribuição marcante de John Maynard Keynes, que viria propor novas abordagens. 
 
É verdade que Marx e outros economistas já faziam referências às crises econômicas e ao desemprego, que de tempos em tempos, assolavam a sociedade. No entanto, comentários específicos sobre estas abordagens estão fora do nosso objetivo. Os leitores poderão encontrar uma síntese do que se poderia chamar "história do pensamento econômico" no livro de Louçã & Mortágua, mencionado na bibliografia.
 
Entretanto, ao fazermos referência a esta história estamos partindo do pressuposto de uma evolução do pensamento econômico, com teorias que, ao longo da história, foram paulatinamente sendo lançadas, solidificando os antigos alicerces que ainda perduram. Nada mais irreal. Não há necessidade de entrar em detalhes sobre este historicismo, posto que a construção de cada enfoque teórico encontra-se assentada em ideologias específicas, que modelam as análises e conclusões. São vernizes que, em certo sentido, ajudam a disfarçar e justificar uma realidade. 
   
Dependendo dos approachs metodológicos, que direcionam os demais fundamentos e pressupostos a serem estabelecidos, que em cadeia levam a determinadas concepções e conclusões, cada corrente teórica proporá soluções diferentes para interferir ou não nas variáveis econômicas de forma a atingi-las (os agregados) e levá-las a metas pré-estabelecidas, que se supõem serem os níveis adequados de produção, emprego, inflação, equilíbrio fiscal, comércio externo, etc.

E, diga-se de passagem, que o próprio conceito do que é o bom funcionamento da economia, ou seja, a "normalidade" da vida econômica, já é bastante questionável entre os teóricos. 

O propósito deste primeiro artigo é desvendar, na medida do possível, a démarche metodológica, os fundamentos e as ideologias que formam os alicerces da teoria econômica clássica e suas derivadas, considerando as suas abstrações e pressupostos, analisando as conexões entre suas conclusões e propostas com a “realidade”. Se através delas, estas teorias conseguem explicar o funcionamento da economia de forma coerente, desvendar as suas leis e se as suas conclusões e sugestões atingem os objetivos e metas a que se propõem, quais sejam: trazer a economia a um nível de produção satisfatório, com um nível de emprego elevado, igual ou próximo ao pleno emprego, sem uma concentração de renda que ameasse o crescimento auto-sustentado, um comércio externo equilibrado, adotando medidas que contornem as crises que nos assolam periodicamente, encontrando as respostas e escolhendo as variáveis que podem nos auxiliar para contornar os problemas.

Por este motivo, há algum tempo escrevi um artigo que aborda as falhanças dos modelos matemáticos, assunto que já me criava ansiedade na época de estudante. Estudávamos tantos gráficos e situações hipotéticas que sustentam as teorias clássicas que por fim eu não sabia distinguir a realidade, porque no decorrer das análises surgiam hipóteses sobre hipóteses. Era difícil separar o joio do trigo.

Este artigo procura descrever e, no possível esclarecer, as motivações que dão suporte a alguma(s) teoria(s) econômica(s) clássica(s), nas suas mais diversas vertentes (clássica, marginalista, neoliberal, monetarista).

Para isto me socorri basicamente do livro "Como nasceu a ciência moderna", de Hilton Japiassu.  
 
Antecipando genericamente a resposta sobre o elo entre a microeconomia e a macroeconomia, a primeira observação importante é que na teoria macroeconômica clássica as questões, objetos de estudo e a sua própria estrutura teórica estão também assentadas numa perspectiva microeconômica, projetada para a sociedade pela soma dos comportamentos dos agentes individuais, através de abstrações e "slogans", na tentativa de nos apresentar uma teoria macroeconômica coesa, infalível, inquestionável, de leis universais. No entanto, quais seriam as consequências desta visão individualista? O tópico “do particular para o geral”, em conjunto com os comentários sobre o homo economicus e com o artigo sobre a teoria utilitarista de consumidor (2º artigo), procura esclarecer este assunto.  
 
Dessa forma, questiona-se se esta perspectiva ou ponto de vista compromete o arcabouço teórico da macroeconomia.

É importante destacar que não compartilho da opinião do economista sul coreano Ha-Joon Chang, que afirma:

"No entanto, é importante reconhecer que existem formas específicas de conceptualizar e de explicar a economia, ou de <<fazer>> economia, se preferirmos, sendo que nenhuma das escolas pode reivindicar superioridade em relação às outras e muito menos o monopólio da verdade", em "Economia", p. 94.

Não se trata de monopólio da verdade, embora seja inevitável reconhecer que podem existir diversas verdades. Mas, não se faz "ciência" assim, pois ao admitir isto, o autor está colocando todas as teorias econômicas num mesmo patamar, independentemente, da forma como se dá a apreensão de uma realidade, do reconhecimento ou não de fatos constatados e da eficácia das propostas para solucionar problemas que surgem no desenrolar das atividades econômicas. Não desnuda o véu que encobre algumas teorias, perpetuando o disfarce em se apresentarem como uma "ciência" aos moldes das ciências naturais. Procedendo assim, teríamos que fazer uma miscelânea de teorias, muitas irreconciliáveis em razão de seus pressupostos e ideologias.
 
Entretanto, no capítulo 4º, o autor resgata-se parcialmente desta infeliz opinião, focando numa crítica à racionalidade individual dos agentes (ver o 4º tópico deste 1º artigo), mas sem adentrar numa crítica aos fundamentos teóricos desta teoria individualista, sua metodologia, assunto sobre o qual nos brindou Bukhárin em sua crítica à teoria marginalista do consumidor (segunda parte).

Uma crítica consistente deverá levar em consideração não apenas uma questão particular colocada por esta teoria (como, por exemplo, a questão da individualidade), mas quais as consequências e repercussões desta perspectiva na macroeconomia, e, também, todos os fundamentos do arcabouço(s) teórico(s), que lhes dão sustentação, apontando, na medida do possível, as suas consequências e conclusões frente a uma realidade que insistem em não reconhecer.

Este primeiro artigo está dividido nos seguintes tópicos: démarche metodológica (das ciências da natureza para as humanas e sociais); o objeto do conhecimento; a ficção do homo economicus; do particular para o geral e conclusão.


Methological approach: das ciências da natureza para as humanas/sociais

Discorrendo sobre a crise nas ciências humanas, Japiassu esclarece:

"A questão do método estava no centro dos debates. Uma vez que o modelo de cientificidade era fornecido pelas ciências da natureza, notadamente pela Física, torna-se claro que as ciências humanas jamais poderiam ser totalmente ciências. Deveriam decalcar sua démarche nos métodos das ciências sociais", grifos meus, "A crise... ", p. 38.

E mais adiante: 

"Seus pais fundadores estavam acreditaram nessa possibilidade. Estavam convencidos de que podiam explicar um objeto mostrando que poderia ser deduzido de verdades já dadas ou de princípios evidentes. Quiseram adotar um programa naturalista visando unificar as ciências empíricas, articular as descrições de seus diferentes programas de pesquisa ...", negritos meus, idem, p. 72. 
  
Que as ciências humanas ou sociais procuraram adotar métodos e concepções que vigoravam nas ciências naturais, em busca de seu status de cientificidade, que ainda perduram, parece fora de questão. 

Esta também é a "opinião" de Chauí e diversos outros filósofos, conforme: 

"Segundo Chauí (2000) um dos fatores que dificultaram o processo de validação das Ciências Humanas é o fato de que essas surgiram quando as Ciências da Natureza já estavam constituídas, tendo definido seu método, área de atuação e ideia de cientificidade. "[...] de modo que as ciências humanas foram levadas a imitar e copiar o que aquelas ciências já haviam estabelecido" (CHAUÍ, 2000, p. 345), apud da Silva & Messias, negritos meus
Mas, estes dizeres são por demais genéricos e não são suficientes numa abordagem crítica de cada ramo específico das ciências humanas ou sociais. Para uma avaliação crítica mais contundente da teoria econômica clássica é importante determinar as influências e consequências deste approach no seu arcabouço teórico.
  
No caso específico desta temos que esmiuçar quais as concepções, a visão de mundo, que ela toma de empréstimo das ciências naturais e adota na construção de seu arcabouço teórico. A questão é como a economia clássica irá lidar com esta concepção naturalista e mecanicista e quais serão as suas conclusões e propostas.  

A física seria o paradigma deste modelo:

"Foi grande a influência de Newton no desenvolvimento da ciência, podendo-se considerar que sua física fornece um paradigma de ciência, que irá vigorar praticamente até o período contemporâneo, tendo também grande influência na filosofia" (em Dicionário Básico de Filosofia", tópico Newton, Isaac; negritos meus). 

Seguindo os passos de Japiassu, o autor destaca os fundamentos das ciências naturais:
  
"Em síntese, quais os traços que marcaram a ruptura com a "ciência" anterior e determinaram a emergência e o domínio da nova? A matematização, a experimentação e o mecanismo", (negritos meus, Japiassu, em "Como nasceu ...", p. 74).
  
E mais:

"Com a invenção das máquinas, logo se impõe uma visão mecanicista do mundo. [...] 3) faz uso da linguagem matemática; não se contenta com invocações: utiliza realmente as matemáticas, notadamente a geometria", em Japiassu, "Como nasceu ...", p. 88). 
  
No Dicionário Básico de Filosofia, no tópico mecanicismo/mecanismo, encontram-se comentários que nos fornecem qual a visão do mundo das ciências naturais, ou melhor, a forma como estas ciências abordam as suas questões: 

"A natureza passa a ser considerada uma "máquina", um mecanismo em funcionamento. Os fenômenos físicos seriam assim explicados pelas leis do movimento. O próprio corpo humano, na concepção dualista de Descartes, é visto como uma máquina animada pela alma", negritos meus. 

"sua natureza não é mais diferenciada e heterogênea, mas mecânica e homogênea: em seu funcionamento, assemelha-se a uma máquina", negritos meus.

Até mesmo o corpo humano foi equiparado a uma máquina, conforme Descartes:

"O próprio corpo humano, na concepção dualista de Descartes, é visto como uma máquina, animada pela alma: "Suponho que o corpo não é senão uma estátua ou máquina ... Todas as funções que atribuo a essa máquina ... seguem-se naturalmente da pura disposição de seus órgãos, da mesma forma como ocorre ... com os movimentos de um relógio" (Descartes), em "Dicionário básico ...", em "mecanismo".
 
"Sua teoria fundamental (o autor se refere a Descartes): a vida animal se reduz a um mecanismo análogo aos das máquinas feitas pelo homem, como autômatos", Japiassu em "Como nasceu ...", p. 99. 

Sobre Galileu, considerado o fundador da ciência moderna

"Doravante, está persuadido de que a Natureza aparece diante de nós como um conjunto de tudo o que existe e obedece a leis, aprendido apenas pelas fórmulas matemáticas", Japiassu p. 81. 

Ora, a meu ver, aqui encontramos uma das raízes da busca desesperada dos economistas para a matematização da economia. Uma outra está na financeirização da economia que já se destacava na viragem do século XIX para XX, levando aos debates do que se denominou de "capitalismo financeiro", com destaque para a obra de Hilferding, e que tomou novo impulso durante a década de 1970, durante um lapso relativamente adormecido que segue a crise de 1929. 

No artigo "Modelos econômicos aplicados à economia", datado de 28 de janeiro de 2015, já chamava a atenção para estes problemas quando escrevi:

"Todos nós conhecemos as dificuldades e os verdadeiros embates que as ditas "ciências humanas" encontraram e encontram para se afirmarem como verdadeiras ciências e como os seus interlocutores desejam desesperadamente o rótulo de cientistas, porque donos de um saber-poder. Por não serem passíveis de quantificação (matematização), objetividade (são perpassadas por questões ideológicas e relações de poder), experimentação e certeza tornam-se desprestigiadas, sendo no mais das vezes consideradas como "opiniões". E não sendo sujeitas à experimentação suas previsões se tornam verdadeiras "chutometrias", sem qualquer fundamento dito "científico", tópico "A ideologia nas ciências humanas".

Diante desta situação o homo economicus transforma-se em um ser "normal", comum, em busca de status e reconhecimento social, sob a influência de fatores psicológicos e sociais. 

A verdade é que os mercados financeiros se prestam mais a modelos probabilísticos, ao contrário das questões macroeconômicas. E a Universidade de Chicago com estaque para a faculdade de finanças desempenhou um papel importante nesta tendência com a indicação de diversos economistas agraciados com diversos Prêmios Nobel.

Outrossim, a concepção de homo economicus nos dá a sua contribuição para a matematização: 
 
"O homo economicus foi adotado por muitos economistas, especialmente adeptos de econometria, que é a aplicação de métodos estatísticos a dados econômicos, ou seja, a análise quantitativa dos fenômenos econômicos", em "Homo economicus: origem, significado e o que está por trás do conceito", por Jurandir Sell Macedo, em https://warren.com.br/magazine/homo-economicus. 
 
No entanto, ainda estava fixado em questões que envolviam os falhanços da utilização matemática nas previsões econômicas, destacando alguns motivos destes fracassos, e, por isto, não questionei os fundamentos da economia clássica.
 
Num primeiro momento, a questão é, sem descurar de outras, se podemos encontrar nesta démarche uma das raízes para a descrença na economia, notadamente a macroeconomia, para evitar e solucionar problemas econômicos, que repercutem na sociedade como um todo e, particularmente, no bem estar familiar e individual dos agentes sociais. 

Japiassu coloca a questão:

"A ciência econômica se encontra submetida a dura prova: longe de reforçar a nossa confiança na economia de mercado consegue apenas evidenciar perigos alarmantes: a exacerbação da concorrência em escala mundial, o endividamento crescente dos países pobres, a disparada da dívida pública, a substituição do trabalho humano por robôs, a flexibilização do trabalho, a perda das raízes, a desmaterialização das trocas", em “A crise ...”, p. 76. 

E, não deixando de salientar, com consequências "devastadoras" sobre a sociedade após as crises depressivas: desemprego, lares desfeitos, disseminação da criminalidade através do narcotráfico, depressões, fome, perda de identidade e outros. 

Retornando a questão do arcabouço teórico das ciências naturais, verificamos, como já foi dito, que as ciências sociais adotaram esta visão do mundo nas suas formulações teóricas, objetivando alcançar o status de ciências, tal como as ciências da natureza. 

Esta concepção naturalista-mecanicista será a parteira do positivismo, corrente sociológica e filosófica, que pretende descobrir as leis "naturais" da sociedade, e determinar e prever acontecimentos futuros, tal qual as ciências naturais.

O positivismo consiste:

"O método geral do positivismo de Augusto Comte consiste na observação dos fenômenos, opondo-se ao racionalismo e ao idealismo, por meio da promoção do primado da experiência sensível, única capaz de produzir a partir dos dados concretos (positivos) a verdadeira ciência (na concepção positivista), sem qualquer atributo teológico ou metafísico, subordinado a imaginação à observação, tomando por base apenas o mundo físico ou material. O positivismo nega à ciência qualquer possibilidade de investigar as causas dos fenômenos naturais ou sociais, considerando este tipo de pesquisa inútil e inacessível, voltando-se para a descoberta e o estudo das leis (relações constantes entre os fenômenos observáveis", em Positivismo - Wikipédia, a enciclopédia livre. 

Esta concepção e busca de cientificidade influenciou até mesmo autores marxistas que procuraram assimilar o método dialético tanto nas ciências naturais como sociais. Fragmentos de observações de Engels foram posteriormente compiladas em "Dialéctica da Natureza".

Segundo Sávio Freitas Paulo:

"O esforço do grande amigo de Marx torna-se evidente tanto no Anti-Duhring quanto na Dialética da Natureza, obras que buscam, dentre outras coisas, evidenciar os problemas de uma apreensão idealista, mecanicista ou positivista sobre a esfera da realidade a ser investigada, seja ela natural ou social", p. 2.

Esta concepção naturalista-mecanicista da natureza não afasta, pelo contrário, exige a presença de um Ser Superior, responsável último pela harmonia-equilíbrio. 

Nas palavras de Japiassu, em “Como nasceu a ciência moderna”: 

"A concepção mecanicista da natureza só pode ser verdadeiramente fundada se o Deus criador assumir a figura de um mecânico. Se Deus era um Grande Engenheiro, não deveriam os engenheiros terrestres ser considerados pequenos Deuses?", p. 89. 

"Desta forma, todo o fenômeno natural não somente podia, mas devia ser explicado como uma sequência de efeitos e causas encadeados por "leis" bem definidas por um Mecânico Supremo", p. 90.

"Enfim, surge como uma reforma do entendimento graças à qual o mundo passa a ser percebido e conhecido de outro modo, Trata-se de uma visão do mundo considerando todo o Universo assimilável a um grande relógio construído por um Grande Relojoeiro e tentando explicar todos os fenômenos da Natureza apenas pelas leis do movimento de uma matéria totalmente desprovida de vida e alma", p. 132/3. 

Ainda, segundo Japiassu, Galileu, o grande fundador da ciência moderna, estuda desde a juventude a teoria do equilíbrio dos corpos de Arquimedes. 

Dando seguimento a esta mudança de paradigma, Newton (1642-1727) irá formular as leis de equilíbrio dos corpos, nos seus estados estático e dinâmico.
 
Através de um approach naturalista-mecanicista os economistas clássicos irão procurar estabelecer as leis "naturais", básicas, da economia que, com certeza, encontrará o seu ponto de equilíbrio. 

"Qualquer semelhança é mera coincidência". Tendo como paradigma a visão de mundo e o método das ciências naturais, que irá conceber um Grande Relojoeiro (Deus) responsável pela harmonia e equilíbrio da natureza, Smith encontrará um paralelo na mão invisível que trará a harmonia para a economia, quando os agentes econômicos forem em busca de seus interesses particulares. 

Para nos atermos apenas aos problemas terrenos, a harmonia da natureza e seu respectivo equilíbrio é uma ficção, uma concepção idealista, que não leva em consideração as intempéries da natureza, que constantemente nos assolam, sem que consigamos controlá-las e, muitas vezes, nem prevê-las; seca, vendavais, ciclones (tornados, furacões), terremotos, enchentes, tsunamis, pragas, epidemias, etc.
 
Podemos afirmar que a saga do ser humano é também a história da luta para domar a natureza em proveito próprio, contrariando algumas leis da natureza com outras leis, opondo-as umas às outras. O ser humano sempre atuou conforme e contra a natureza, construindo diques, irrigando a terra e conquistando o espaço sem ser passível diante da lei da gravidade. Assim, as conquistas tecnológicas são ao mesmo tempo uma negação e uma afirmação das leis da natureza. 

Mais irreal é assimilar o corpo humano a uma máquina com a suposta funcionalidade, harmonia e equilíbrio entre os órgãos. O corpo humano está quase sempre em desequilíbrio, tanto por motivos internos quanto externos (epidemias, pandemias, ataques viróticos, infecções, etc). 

Através de um approach naturalista-mecanicista, os economistas clássicos irão procurar estabelecer as leis "naturais", básicas, da economia que, com certeza, encontrará o seu ponto de equilíbrio.

Quais seriam as conclusões e as soluções econômicas propostas pela teoria clássica ao bom funcionamento do sistema econômico, com a aplicação da abordagem naturalista-mecanicista?

1) as leis "naturais" da economia irão levá-la mecanicamente para um ponto de equilíbrio; 2) os agentes econômicos não deverão interferir corretivamente nessas leis, sob pena de acarretar problemas ao funcionamento normal desta máquina, afastando-a do seu ponto de equilíbrio; 3) não formulam uma teoria e nem apresentam soluções para as crises, porque a economia tende sempre para o equilíbrio; para alguns são irrelevantes e outros as ignoram por completo ( sobre o assunto ver artigo neste site "Comentários ao monetarismo de Friedman - fundamentos e contradições"); 4) falta-lhes uma concepção sociológica-filosófica da sociedade; diante de uma crise o culpado será sempre o governo, que não deixou as forças livres da economia funcionarem. A sociedade é apenas um agregado de agentes econômicos cada um visando os próprios interesses, sendo estes ajustados por uma mão invisível, que leva ao bem comum.
 
Assim, em termos teóricos e práticos o governo não deveria intervir na economia estabelecendo um salário mínimo, pois afastaria a economia de seu ponto de equilíbrio. Em caso de uma depressão, em princípio inadmissível no seu arcabouço teórico, o governo não poderá tentar recuperar o nível da atividade econômica nem evitar o desemprego com investimentos, pois os déficits públicos causados, que já são um desequilíbrio financeiro, trarão novos desequilíbrios, afastando a tendência da economia para o seu ponto "natural" de equilíbrio. 

O equilíbrio será alcançado no longo prazo sem que seja fixado este prazo, podendo ser 5, 10 anos ou mais.

Em termos comparativos seria o mesmo que esperar que o doente, recuperasse a saúde por si só. Não por acaso, Hayek, Prêmio Nobel e considerado um dos maiores expoentes da Escola Clássica, aceitará a submissão às forças cegas do mercado, insinuando, digo, a recuperação da economia pelas suas próprias forças, sem qualquer intervenção do governo:

"O <<Fim do Homem Econômico>> parece ter-se tornado um dos principais mitos da nossa era", p.241. 
 
"Foi a submissão dos homens as forças impessoais do mercado que, no passado, possibilitou o crescimento de uma civilização que sem isso não se teria desenvolvido; [...] O ponto crucial é que é infinitamente mais difícil compreender, de forma racional, a necessidade de submissão a forças cujo funcionamento não podemos acompanhar em pormenor, do que fazê-lo pelo respeito que nos inspira a reverência humilde à religião, ou mesmo o respeito pelas doutrinas econômicas. [...] A recusa em ceder a forças que não compreendemos nem reconhecemos como sendo decisões conscientes de um ser inteligente é o resultado de um racionalismo incompleto e, por isso, errôneo", p. 244. 
 
Esta é a matriz que dá asas às ideologias da mão invisível, da oferta que cria sua procura (Lei se Say), dos mercados perfeitos e das expectativas racionais na sua mais recente vertente. 

O objeto do conhecimento

Muito já se disse e não será necessário repetir tudo o que já foi dito. 

As ciências naturais procuram captar as leis de um mundo exterior ao sujeito do conhecimento. Nas ciências humanas ou sociais, e a economia não foge a regra, sujeito e objeto se confundem. 

Japiassu nos dá o seu veredito: 

"O fato é que, nessas disciplinas, não temos o direito de separar completa e nitidamente método e objeto de pesquisa. Razão pela qual seus discursos não podem ser verdadeiros nem falsos. [...] Aliás, nem mesmo se coloca o problema da verdade. Mas o da coerência ou conformidade a uma regra. E essa regra é incompatível com a verdade científica", (Japiassu, em "A crise das ciências humanas", p. 38/9: 

Bourdieu coloca a questão nestes termos:
 
"A desgraça das ciências humanas reside no fato de lidarem com um objeto que fala", (apud Japiassu, p. 56).

A economia encontra-se numa encruzilhada pois, embora algumas de suas variáveis possam ser quantificáveis, é impossível prever, quantificar e qualificar  os comportamentos dos agentes econômicos, baseados em expectativas, projeções, enfim, no "espírito animal" (Keynes) que interferem diretamente nessas variáveis observáveis e quantificáveis. Nela, sujeito e objeto estão interligados posto que o sujeito interfere no objeto de estudo, que também é o próprio sujeito do conhecimento. E, talvez, tão ou mais importante é que estes comportamentos mudam de acordo com a situação da própria economia: expansão, depressão, inovações, otimismo, etc.

Isto significa que não existe um sujeito separado de uma realidade externa (objeto do conhecimento), senão que este sujeito faz parte desta realidade, sendo ao mesmo tempo objeto do conhecimento. Assim, a conclusão é que determinadas situações econômicas, sociais, interferem nos julgamentos dos agentes econômicos. Ou seja, o todo condicionando os comportamentos e as decisões econômicas dos agentes (partes), e estes, por sua vez, repercutindo no "todo", numa relação dialética. 

Isto pode parecer irrelevante em termos práticos e, de certa forma, em termo de objetividade, eficiência, ou apreensão da realidade. Entretanto, quais seriam as consequências teóricas e práticas ao se adotar um método de análise "estranho", tomado de empréstimo das ciências naturais?

Em razão desta abordagem naturalista-mecanicista, os economistas clássicos irão admitir uma economia funcionando em termos mecânicos onde não haverá espaço para considerações relativas aos comportamentos de determinados agentes econômicos diante de situações factuais que acontecem na própria economia.
 
Para eles os investimentos são uma consequência "natural" do funcionamento da economia e, por isso, irão sempre acontecer, em razão de uma "lei" endógena que se repetirá, resultante do equilíbrio entre poupança e investimento, a uma dada taxa de juros. Como a economia tende sempre para o equilíbrio os investimentos irão necessariamente acontecer no nível necessário para pô-la no ponto de equilíbrio, em função do equilíbrio a priori entre poupança e investimento. Tudo se ajusta para levar a economia a este ponto "ótimo".

O investimento sempre ocorrerá, mas para tanto deverá haver uma poupança prévia. Keynes reformulará esta concepção. Sim, a poupança é igual ao investimento, mas este se dará através de financiamentos, noção de funding, e do aumento da renda através do multiplicador. Esta questão ficou equacionalizada, de forma simplificada, provavelmente, pela economista Joan Robinson ao dizer "que investimento ex-ante será igual a poupança ex-post", (sobre o assunto consultar "Keynes -Fundamentos, crises e a polêmica I-S", postado neste blog em abril/2021). 

Em virtude desta concepção não existe uma teoria de investimentos, na qual, segundo Keynes, os agentes econômicos se comportarão de acordo com as suas expectativas, prospectivas, as aptidões para o risco (o seu "espírito animal"), o estado de confiança (p. 133), a psicologia das massas, diante de uma situação real da economia sempre em mutação (expansão, depressão, nível da taxa de juros, etc.) e não em situações hipotéticas prévias, de equilíbrio.

Em outras palavras, não direcionam o foco também para o comportamento do agente econômico, investidor, que neste caso, dada a sua relevância para a dinâmica econômica, deveria ser também objeto do conhecimento.

Contraditoriamente, conforme será visto em tópico específico, dirigem as atenções para as escolhas dos bens pelo consumidor, com base em utilidades abstratas por eles estabelecidas, que entram em contradição com o comportamento racional do homo economicus, sendo tais abstrações irrelevantes frente as incertezas da dinâmica econômica. Não se trata de uma psicologia do consumidor diante de uma realidade econômica, na qual também interfere, mas apenas de um suposto padrão de comportamento, impassível diante de realidades macroeconômicas. 

De acordo com Keynes as decisões de investimento são tomadas num ambiente de incerteza, não ergódico, ao contrário do que supõe a economia clássica. Em outras palavras, nada garante o retorno do investimento realizado. Na ausência de risco (incerteza) poderíamos até admitir que o investimento seria sempre realizado. 

Mas, de acordo com esta construção hipotética e ideológica, o homo economicus tem uma característica peculiar: 

5. "O homem vive o presente num tempo linear, não se lembra nem tem a capacidade de prever", em "Homo economicus" - Wikipedia, a enciclopédia livre.pt.wikipedia.org>wiki>homoecnomicus, ver tópico seguinte sobre o "homo economicus".
  
O autor dedicará a Parte IV de sua Teoria Geral a esta questão, com o título bastante sugestivo "O incentivo para investir". O capítulo 12º será sobre "O estado da expectativa de longo prazo" e o 15º sobre "Os fatores psicológicos e empresariais que incentivam a liquidez"

Algumas passagens de Keynes servem para esclarecer a problemática do investimento e o porquê de sua atenção especial:

"O fato marcante é a extrema precariedade da base de conhecimento a partir da qual temos de fazer as nossas estimativas sobre os investimentos prospectivos", p. 133. 

"A experiência não nos propicia indícios claros que demonstrem que a política de investimento socialmente mais vantajosa coincide com a mais lucrativa".

"O jogo do investimento profissional é intoleravelmente fastidioso e demasiado constrangedor para quem careça inteiramente do instinto de jogador, p. 140. 

"Mas além da instabilidade devido à especulação, há também a instabilidade econômica decorrente de uma característica da natureza humana que faz com que grande parte das nossas atividades positivas dependa mais de um otimismo espontâneo do que uma esperança matemática, seja ela moral, hedonista ou econômica". 

"Por conseguinte, o investidor é forçado a preocupar-se com a antecipação das variações iminentes, nas notícias ou no clima geral, do tipo das que, pela experiência, são as que exercem maior influência sobre a psicologia de massas do mercado. Esse é o resultado inevitável dos mercados de investimentos em torno da chamada "liquidez". [...] O objetivo real e secreto dos investimentos efetuado nos nossos dias é "ser rápido no gatilho", como os americanos bem dizem, ser mais esperto e rápido do que a multidão e passar ao vizinho a moeda falsa ou desvalorizada", p. 139.

Em suma, o investidor deve se antecipar aos seus concorrentes para ter sucesso em seu empreendimento. 

Sobre a propensão para o risco, ou o espírito animal:

"Provavelmente, na maior parte dos casos, quando decidimos fazer algo positivo cujas consequências finais só produzem os seus efeitos depois de muito tempo, só o fazemos impelidos pelos espíritos animais - por um impulso para agir, em vez de não fazer nada - e não em consequência de uma média ponderada de benefícios quantitativos multiplicados pelas respectivas probabilidades quantitativas", pgs 144/5.
 
Davidson nos fornece um exemplo da importância desta concepção para a economia clássica em relação ao investimento, na busca da afirmação do seu status como ciência:

"Contudo, Paul A. Samuelson (1969, p. 182) Prêmio Nobel e autoproclamado economista keynesiano insistiu em que os economistas têm de impor o axioma ergódico se "nós, teóricos" quisermos tirar a economia do "âmbito da história" e passá-la para o "âmbito da ciência". Por outras palavras, Samuelson fez da aceitação do axioma ergódico a condição sine qua non para o método científico em economia", negritos meus, p. 103.

Para cobrir esta lacuna Keynes irá conceber o conceito de "preferência pela liquidez", estado em que o investidor aguarda o momento para investir, preferindo ficar em situação de liquidez (reter moeda). 

Para os economistas clássicos os investimentos, que provavelmente são a variável mais importante da economia, já estão prévia e teoricamente concretizados e, por isto, a economia tende para o seu ponto de equilíbrio.
 
Conclui-se que faz-se necessário uma abordagem teórica sobre os investimentos em clima de incerteza, porque é fundamentalmente através deles e de seus efeitos multiplicadores que a economia encontra o seu dinamismo, se renova (com a introdução de novas técnicas e produtos) e se expande.
 
Em outro sentido, é exatamente por isto, por esta falta de visão do psiquismo do investidor nos diversos momentos, que nas abordagens dos economistas clássicos não existem espaços para o tão alardeado comportamento de manada em momentos de pânico, que ocorrem principalmente nos mercados financeiros, com destaque para o bolsista.
 
Conforme Keynes:
 
"Mas, à medida que progride a organização dos mercados de investimento, aumenta o risco de um predomínio da especulação. Num dos maiores mercados de investimento do mundo, a saber, o de Nova York, a influência da especulação (no sentido aqui definido) é enorme".

"Os especuladores podem não causar dano quando são apenas bolhas numa corrente estável de empreendimento", 142. 

Conforme afirmei em "Modelos matemáticos aplicados à economia - porque eles falham -", jan/2015, os modelos são concebidos de acordo com uma determinada visão do mundo e não comportam as expectativas, predisposições dos investidores para assumir riscos, psicologia das massas. 

Veremos em tópico posterior que os economistas clássicos ao relegarem todas essas nuances, deslocaram o foco de análise e deram prioridade a uma construção teórica sob o prisma do comportamento do consumidor, baseado apenas em utilidades na escolha dos bens. O mesmo ocorrendo para a determinação dos salários, em função das opções entre trabalho e lazer. 
  
Sob este prisma não existem considerações sobre o comportamento do consumidor diante das diversas realidades econômicas, que, por sua vez, interferem nas variáveis econômicas, como se verifica no paradoxo da poupança. 
    
Antecipando um pouco as considerações sobre este enfoque, podemos afirmar que observam a economia sob uma ótica passiva, relegando o fato de que o consumo só se realiza com a produção, ou melhor, só se consume o que se produz. Os novos produtos e processos produtivos não nascem dos desejos dos consumidores que, na grande maioria das vezes, só passam a ter conhecimento quando postos no mercado. Portanto, o consumo está condicionado à produção, "setor" dinâmico, responsável pelas inovações.

Bukarin coloca a questão nos seguintes termos:
 
"Marx explica como se hace sentir esta influencia de tres maneiras: en primer lugar, en que la producción crea el material para el consumo; en segundo lugar en que determina o modo de consumo, es decir, su carácter cualitativo; en tercer lugar, en que crea nuevas necessidades", p. 19/20, os negritos são meus. 

"Se siegue primero, que el punto de partida en el análisis de la dinámica de las necessidades debe ser la dinâmica de la producción", p.20. 

Em suma, desprezam o fato de que o agente econômico é ao mesmo tempo sujeito e objeto do conhecimento. 

A ficção do "homo economicus"

Dando continuidade a análise do arcabouço teórico da teoria clássica reproduzo neste tópico os comentários que constam no artigo sobre o monetarismo: "O monetarismo de Friedman - Fundamentos e contradições". 

Ora, como o próprio nome sugere, esta teoria, com o pressuposto da racionalidade, acredita que o ser humano age racionalmente em seus comportamentos e, lógico, em suas decisões:
 
"O homo economicus (homem econômico), Econ, ator racional ou maximizador racional é um ser humano fictício formulado seguindo o conselho dos economistas.

Os economistas assumiram que o estudo das ações econômicas do homem poderia ser feito abstraindo-se as outras dimensões culturais do comportamento humano: dimensões morais, éticas, religiosas, políticas, etc, e concentram seu interesse naquilo como as duas funções elementares exercidas por todo e qualquer indivíduo: o consumo e a produção, ignorando...

Princípios fundamentais do conceito do homo economicus: "maior ganho com o menor esforço"

1. A razão psicológica essencial a toda a atividade humana é o interesse pessoal. Este primeiro princípio é então afectivo, pois define a única razão da atividade econômica;

2. O homem não obedece senão à razão;
 
3. O sujeito é universal, o interesse pessoal e a racionalidade são válidos em todos os tempos e em todas as épocas;

4. O homem está perfeitamente informado, tem conhecimento da totalidade das consequências de todas as possibilidades das ações que se lhe oferecem;

5. O homem vive o presente num tempo linear, não se lembra nem tem a capacidade de prever", em "Homo economicus - Wikipedia, a enciclopédia livre, pt.wikipedia. org>wiki>homoeconomicus.

"Adam Smith, em pensamento descrito na obra Riqueza das Nações, já relatava que o ser humano só servia a outro em troca de recompensas materiais, pensando sempre em quais são os seus princípios, “Aprenda aqui", em www.capitalresearch.com.br.

"Homo economicus é o nome dado a um conceito teórico segundo o qual os homens são completamente racionais e sempre tomam decisões financeiras com base na razão. Nesta teoria, o indivíduo busca atingir metas específicas com foco no seu bem estar, ao menor custo possível". 

"O conceito de homo economicus diz que os humanos são sempre completamente racionais em suas decisões econômicas e financeiras, optando por aquilo que traz o melhor custo-benefício em todas es escolhas", em "Homo economicus: a origem, significado e o que está ...", por Jurandir Sell Macedo. 

Em suma, o homo economicus é aquele que pensa e toma suas decisões motivado apenas pelo cálculo econômico, com objetivo de atingir o seu bem estar hedonista, basicamente alheio e imune ao convívio social, um Robinson Crusoé, que apesar dos pesares era portador de uma cultura específica.  
   
Mas, há muito, que Freud e as demais ciências sociais deram os seus contributos sobre o poder do subconsciente e as motivações sociais no comportamento do ser humano. Diga-se, também, de passagem, que os romancistas anteriores a Freud já destacavam o comportamento, também, "não racional" do ser humano.
 
E, muito embora, os estudos de Freud sobre o inconsciente tenham se disseminados pelo mundo em todas as áreas de conhecimento e no nosso cotidiano, o pressuposto do "homo economicus" permaneceu incólume em relação à teoria econômica clássica e monetarista, até os nossos dias, em parte pela cultura americana e também pela influência dos media, dos lobbies de grandes grupos econômicos e dos think tanks, sempre interessados em tirar algum proveito.

Mas, atualmente, este pressuposto já encontra-se também ameaçado pelas pesquisas em neurociências e em genética, fato que tem motivado diversas teses com base nestes estudos e pesquisas. Entretanto, na área econômica ele perdura. Até quando? Depende dos interesses e do poder dos envolvidos.

Há tempos, os setores de marketing das empresas descobriram que a racionalidade do homo economicus não atua diante das convenções sociais, das propagandas, das mensagens subliminares e dos demais efeitos subliminares no comportamento humano, conforme nos demonstrou fartamente Mladinow, em seu interessante livro do mesmo nome, “Subliminar”. Nestas situações o sistema de preços, simplesmente, não é eficiente, como supõe Friedman.
 
Apenas um parêntese: ao mesmo tempo estamos ameaçados pelas conclusões apressadas destas pesquisas e estudos sobre questões econômicas. No andar da carruagem iremos substituir o “homo economicus” por uma nova criação, o “homo geneticus” (?). 

Mesmo na ausência destes “recentes” estudos e pesquisas, este pressuposto do "homo economicus" não se sustenta, se levarmos em consideração que não são importantes para as decisões de longo prazo e para as decisões empresariais, que levam em consideração as predisposições para o risco, perspicácia, intuições, que fogem o cálculo racional. 

No artigo "A racionalidade no processo de conhecimento e nas tomadas de decisões dos agentes econômicos", postado neste blog em junho/2015, tópico "Os pressupostos", escrevi:
"A racionalidade se ajusta ao que nos propomos justificar".

"A aptidão e o amor pelo risco fogem à racionalidade". Na verdade pouco interessa se os mercados contêm todas as informações disponíveis. Os negociantes, homens de negócio apostam no devir, embora sejam ou pareçam "racionais" nas suas escolhas. E o devir é imponderável e imprevisível e, por isto, as ações "racionais" não podem levar a conclusões, soluções e consequências sempre satisfatórias, por serem, pressupostamente, racionais".

"Convém lembrar que as mais diversas e discrepantes teorias econômicas foram e são elaboradas por pessoas extremamente racionais, o que já evidencia os retumbantes fracassos teóricos, que propiciam os caos econômicos". 

"A desregulamentação financeira e a securitização se alastravam com o fundamento de que os riscos estavam "racionalmente" diluídos e por isto não havia possibilidades de crise. Tudo estava sob controle porque os gênios das finanças eram extremamente racionais. Todos surfavam ou desejam surfar na onda da especulação. Todos atuavam "racionalmente", mas com alma de especulador. Vendiam informações sem interesse em saber se eram falsas ou não, com ou sem interesse". 

Poderíamos acrescentar: "eram extremamente racionais e utilizavam modelos matemáticos sofisticadíssimos para tomadas de decisões, ininteligíveis para os simples mortais. O resultado foi o que se viu e ficaram perplexos. Modelos matemáticos, quando aplicados à economia, são extremamente sofisticados e racionais, mas ineficazes quando adotam premissas ou pressupostos falsos".

Por outro lado, não existe uma racionalidade específica, única e uniforme ao longo da história, pois ela muda com a história das civilizações. Toda e qualquer racionalidade é permeada pela cultura, em sentido lato, inclusive as ideologias, e isto ajuda a explicar as diferentes civilizações, sob uma perspectiva da evolução da espécie humana.
 
Além disto, estes modelos não podem matematizar as questões geopolíticas que direcionam as relações políticas e econômicas internacionais, e, também, a política industrial das nações, todas com grandes repercussões sobre as economias nacionais e mundial.Temos como exemplo apenas o século XX: 1ª e 2ª Guerras Mundiais, apoio à recuperação do Japão, Guerra da Coréia, Plano Marshall, Guerra do Vietnam, mudança do eixo econômico para a China, formação do complexo industrial-militar dos EUA com seus lobbies sobre a política interna e externa, crise do petróleo como consequência da geopolítica para o Oriente Médio, Guerra dos Balcãs. 
 
Principalmente para as economias capitalistas maduras a importância está no seu dinamismo, na capacidade econômica de criar e revolucionar constantemente novos produtos e processos produtivos, através da ciência e da tecnologia. Esta dinâmica se revela tanto nas invenções e lançamentos de novos produtos e processos produtivos, bem como nos aprimoramentos dos produtos e processos produtivos existentes, sob os quais o referencial de preços não possui qualquer relevância. E, no que diz respeito aos investimentos, todos os cálculos econômicos são prospectivos, permanecendo, portanto, a incerteza sobre o futuro, o imponderável, conforme demonstrou Keynes (Ver tópico sobre as decisões dos investidores, no Anexo I). 
 
O mesmo se diga para as decisões de longo prazo, as quais estão mais assentadas nas intuições e predisposições para os riscos.
 
Não é de admirar que com este pressuposto o citado economista seja um "fiel" seguidor de Adam Smith, valorizando ainda a influência da "mão invisível", que corrige a economia em caso de distorções. Entretanto, a obra de Smith não se resume a esta citação, escolhida a dedo pelos economistas partidários dos “mercados perfeitos”. Smith, dá muita ênfase nas instituições, para que os vícios naturais da alma humana não corrompam as virtudes que deverão se refletir na organização social. A verdade é que nesta passagem não existe uma referência específica de que a sociedade está imune às crises. Trata-se de uma dedução e construção ideológica. Todos estes pressupostos se superpõem. 

Conforme o autor (Friedman):

"A ideia principal e mais inovadora de A Riqueza das Nações, de Adam Smith, é enganosamente simples. Se uma troca entre duas partes é voluntária, só terá lugar se ambas julgarem poder se beneficiar dela. A maioria das falácias no campo econômico deriva do fato de se negligenciar esta ideia tão simples, ...", (pg. 34).

"O lampejo de gênio de Adam Smith foi o seu enunciado de que os preços resultantes das trocas voluntárias entre compradores e vendedores - ou seja, numa economia livre - permitam coordenar a atividade de milhões de pessoas, cada uma procurando satisfazer os seus próprios interesses, de forma que todos ficassem melhor", pgs 34/5.

"O sistema de preços funciona tão bem, com tal eficiência, que na maior parte das vezes não percebemos", negritos meios, (p.35). 
 
O problema é este "na maior parte das vezes", um lapso de fundamental importância. Se o sistema de preços é o referencial e os agentes econômicos decidem com base nele e nos interesses próprios as decisões desses agentes levarão em consideração apenas o cálculo econômico, e aqui está presente o homo economicus. Mas, se as decisões são tomadas pelo homo economicus, racional, e isto seria suficiente para evitar consequências inoportunas para a sociedade, então, para que existir uma "mão invisível"? 
  
Ora, a hipótese de uma mão invisível é uma falácia que a história nos revelou e não resiste a uma investigação mais cautelosa.
 
Smith foi um homem do seu tempo, sem que isto seja uma constatação extraordinária e muito menos pejorativa. Para entendê-lo temos que associá-lo à cultura da sua época, à filosofia reinante e o espírito da era do "Iluminismo". Erro idêntico foi cometido pelos socialistas, que consideravam Marx atemporal, muito além do seu tempo, e, portanto, inquestionável. 

Falamos de uma época em que prevalecia na astronomia a concepção de um universo harmônico, mecanicista da natureza, em equilíbrio, que iria influir na formulação de uma teoria econômica com pretensões a galgar o estatuto de ciência. Nesse contexto, servirá de modelo para explicar os fenômenos humanos e culturais, (em "Iluminismo - Wikipédia, a enciclopédia livre"). É a afirmação da individualidade do ser humano, em que ele será o "dono" de si mesmo, da sua consciência, ator ativo no mundo, da centralização do mundo em si, da sua liberdade. Por outro lado, é a justificação ideológica de uma nova ordem social que irá despojar uma outra decadente.
   
O Iluminismo é:

"A ciência interpretada em sentido prático e utilitarista, é o núcleo do qual gravita o pensamento. É a ciência que dá ao século XVIII a segurança e a confiança na razão. O sucesso das ciências experimentais alimentou a ideia de que o mesmo método leva a um progresso em todas as áreas da cultura e da vida.", Bobbio, Matteucci, Pasquino. 

Época em que o direito natural, não por acaso, alcança a proeminência e o individualismo alcança o apogeu, também enaltecido na literatura, com "Robson Crusoé", de Daniel Defoe (1600-1731):
 
"Também no campo da filosofia jurídica estão de acordo em pôr como fundamento do direito a natureza e se fala de direito natural ou lei natural, onde “natureza” significa, antes de tudo, aquilo que não é sobrenatural e, mais especificamente, a essência do homem...", idem. 

No campo da filosofia:

"Resulta daí uma moral relativista, hedonista ou uma moral sentimental, mas, de qualquer forma, uma moral utilitarista", Bobbio, Matteucci, Pasquino.    

Para uma melhor apreciação, transcrevo trechos do artigo "Além do cânon: mão invisível, ordem natural e instituições", em www.scielo.br>scielo, (Santos & Bianchi):

"A existência de leis naturais universalmente aceitas que são inerentes à natureza humana, [e] a crença em uma ordem natural espontânea, harmoniosa e auto - reguladora, foram todos elementos cruciais para e explicação da ordem econômica  do  mercado e foram consequentemente inseparáveis do  discurso  da  ciência que procurava os mecanismos aos quais esta mesma ordem estava sujeita", (Cardoso apud autores).
"Smith certamente é um homem de seu tempo, e há em seu pensamento uma tonalidade liberal, burguesa e individualista, além de uma visão do mundo grosso modo positiva com relação ao capitalismo - com a ressalva das qualificações que acabamos de fazer. Seu ceticismo moderado, contudo, não desmancha sua visão de uma ordem natural harmônica, e tampouco o conduz a ocupar o mesmo barco de autores como Marx, Keynes e Schumpeter que, tendo vivido em outra época histórica, ressaltaram o caráter inerentemente instável da economia capitalista". 
  
Segundo o Dicionário Básico de Filosofia, o Iluminismo seria:

"Movimento filosófico também conhecido como Esclarecimento, Ilustração ou Século das Luzes que se desenvolve particularmente na França, Alemanha e Inglaterra, caracterizando-se pela defesa da ciência e da racionalidade crítica contra a fé, superstição e o dogma religioso. [...] No plano político, o Iluminismo defende as liberdades individuais e os direitos do cidadão contra o autoritarismo e o abuso do poder. Os iluministas consideravam que o homem poderia se emancipar através da razão e do saber, ao qual todos deveriam ter livre acesso".

Além do que já foi dito sobre o sistema de preços e a citada mão invisível, ainda podemos tirar desta primeira parte mais algumas conclusões. É verdade que os sistemas de preços são muito importantes para uma economia monetária, para a sua funcionalidade, mas não significa que sejam capazes de evitar recessões e depressões, conforme se constata historicamente. E, também, não significa que não induzem os agentes, que nele se baseiam, a efetuarem cálculos erráticos que repercutem na economia como um todo, muitas vezes gerando superproduções, que não são absorvidas pelos consumidores ou compradores, com consequências danosas para a economia e sociedade. A história e estudos econômicos nos mostram que não existe este ajuste automático e que isto é uma suposição que leva a muitas conclusões falaciosas, perigosas e ineficazes. 

Por outro lado, toda a argumentação sobre a sua eficácia se baseia em observações pontuais que são generalizadas; e estas decisões individuais mesmo que sejam tomadas num mesmo sentido não são válidas para a economia como um todo, como bem nos mostra o paradoxo da poupança. Ou seja, mesmo se considerarmos que as decisões dos agentes econômicos sejam racionais elas podem gerar um resultado irracional, completamente diferente das decisões individuais. Existem muitos exemplos sobre o assunto, sendo o mais corrente as decisões racionais num estádio em que todos se levantam para ver melhor. E a crise de 2007/8 nos mostrou isto. Enfim, precisamos ter muita cautela com as generalizações. 

Usando uma terminologia bastante comum em Marx, poderíamos concluir que o mercado é um fetiche, baseado no fetichismo da própria mercadoria, pois considera-se que possui poderes sobrenaturais, como uma mão invisível. Baseia-se na observação parcial de que para cada compra efetivamente realizada existe uma oferta correspondente, de igual valor, em sentido oposto; a partir desta observação verdadeira fazem uma generalização, entendendo que a mesma situação se aplica para todos os bens produzidos pela sociedade, oferta agregada, admitindo que em relação a eles existe também uma procura agregada, de igual valor, mesmo que os produtos (mercadorias) ainda não estejam vendidos. Na linguagem popularmente conhecida, afirmam que: “A oferta cria sua própria procura”. 

É admissível (verdade) que ao produzir para a sociedade e incorrer em pagamentos aos fatores de produção cria-se, por este motivo, uma demanda; mas nada garante que esta produção total, posta à venda, oferta agregada, cria uma demanda agregada (total) correspondente, do mesmo valor. Do mesmo modo, admite-se que uma demanda forçará uma produção e, consequentemente, uma oferta. Elas se auto – reforçam, mas, não necessariamente, se igualam em valor. Assim, oferta e procura agregadas se auto - reforçam, mas não significa que “sempre” se igualam em valores e não há motivos para concluir que se igualam, pois as vendas efetivas ainda não se concretizaram. E muitos economistas não se deram conta ou não quiseram enxergar; outros foram doutrinados para ver desta forma e recusam abrir mão destes princípios. 
  
Pelo que foi exposto e pelo avanço científico, é forçoso admitir que o comportamento humano é um mix de influências sociais, genéticas, neurais (ligados à neurociência), subconscientes, irracionais, racionais e quem sabe outras, todas elas se reforçando. E, me parece, estamos longe de desvendar os mistérios desta combinação, com os seus pesos específicos, que variam entre os seres humanos e em situações particulares. E neste sentido, não podemos deixar de realçar as contribuições de Keynes sobre as decisões dos investidores (sobre o assunto ver Anexo I).

Os debates teóricos e ideológicos destas questões fazem com que se tome de empréstimos das correntes adversárias palavras, conceitos, ideias e frases, dando uma nova versão, estabelecendo novos slogans. Assim, o homo economicus diante das análises de Keynes, que alertava para expectativas no comportamento dos investidores, cede parcialmente lugar para as expectativas racionais, uma nova versão, que, por sinal, não elimina, soma-se à anterior. 

Infelizmente, a economia clássica (Ortodoxa) em mais de seus 200 (duzentos) anos de existência, com pretensões de ser uma "ciência", não acompanhou os avanços de outros ramos científicos e ficou presa, escrava, de seus princípios iniciais.
 
Se enclausurou durante este longo período e apenas aproveitou os avanços da matemática e da computação para elaborar modelos econométricos sofisticados, alicerçados nos mesmos princípios, que ajudam a disfarçá-los.

 Do particular para o geral  

Uma outra característica da metodologia adotada pela economia clássica é que considera o todo como a soma das partes, sendo a sociedade um agregado de indivíduos, fugindo, assim, a um dos tópicos engelsiano sobre a dialética (semelhante ao conceito de sinergia para a administração e gestalt para a psicologia). 

Pode ser resumida na seguinte assertiva:
 
"[...] que lo que vale para una persona vale para la sociedad", Bastiat apud Bukarin. 
"Jevons hace una declaración equivalente: "La forma geral de la las leys de la economia es la misma en el caso de los individuos y de las naciones", Bukarin.
 
Adotando esta concepção a economia clássica irá concluir que o governo deverá administrar a economia tal um chefe de família cordato, com prudência e parcimônia, com equilíbrio para com as finanças, sem negligência.

Desse modo, todo déficit do governo será mal visto como ato perdulário, mesmo que seja para impulsionar a economia em estado de depressão, além de que este desequilíbrio é por si só prejudicial para o equilíbrio economia.
 
Esquecem que no mundo real os empresários se endividam, se financiam, para adquirir equipamentos, matéria primas, mercadorias, ou seja, para produzir e colocar mercadorias à disposição da sociedade.
 
Bukhárin nos fala sobre isto, classificando este método como subjetivismo, em oposição ao objetivismo de Marx: 

";o, se puede assumir que a ciencia debe proceder a partir del análisis del nexo causal de la vida individual, puesto que los fenómenos sociales no son sino la resultante de los fenómenos individuales, en cuyo caso ha de ser la tarea de la ciencia comenzar com los fenómenos de las relaciones causales de la vida individual a partir de los caules deben derivarse los fenómenos y la causalidad de la economia social".

Contrariamente, o método dialético considera o todo (no caso a sociedade) como condicionante e determinante das vontades (comportamentos) individuais:

" [...] regida por leyes que no sólo son independientes de la voluntad, conciencia e inteligencia humana, sino por el contario, que determinam tal voluntad, consciencia e inteligencia, el punto de partida de Bohm-Bawerd es el análisis de la cosciencia individual de la persona desde el punto de vista económico". 

[...] que el "producto social" se impone sobre sus creadores, que el resultado de las motivaciones de los hombres individuales (pero no aislados) no sólo se conrresponde con esas motivaciones, sino que en ciertos momentos entra incluso en directa contadicion con ellas", Bukarin. 

Ao mesmo tempo desprezam as relações mútuas entre o todo e as partes. 

As consequências são óbvias. Sendo o todo igual à soma das partes, os comportamentos individuais dos agentes econômicos determinam as leis que regulam a sociedade (macroeconomia). Dessa forma, inverteram a questão metodológica do mecanismo-maquinismo da sociedade, pois ela passou a ser dependente de uma soma dos comportamentos padronizados dos agentes, fundamentados no homo economicus, ou nas expectativas racionais, ou, ainda, nas escolhas utilitaristas do consumidor. Cada um destes aspectos irá prevalecer diante dos impasses concretos com que se defronta esta teoria; ou se misturam de forma não coesa para explicar as leis da macroeconomia.
 
Poderíamos resumir afirmando que a racionalidade de um elemento ou de vários tomados individualmente não implica na racionalidade de todo o sistema.

Este fato tem sido evidenciado pelos recentes problemas ecológicos e ambientais causados pelas interações individualistas, racionais e hedonistas dos agentes sociais, enfim do homo economicus.
 
O economista sul-coreano Chang, no capítulo 4º do livro "Economia", também, como tantos outros, traz alguns argumentos que questionam a validade da teoria individualista, um dos fundamento da economia clássica. No entanto, não ataca a(s) formulação (ões) básica (s) desta teoria, que também está respaldada na teoria marginalista do consumidor, de Bohm-Bawert (ver a análise crítica na segunda parte deste artigo).
 
Mas, chega a algumas conclusões que se alinham com os críticos desta teoria individualista e, em tese, com o meu ponto de vista sobre o seu papel ideológico:
 
"As teorias econômicas individualistas representam erroneamente a realidade legislativa, ou até mesmo ignorando a papel das organizações. Pior ainda, elas nem sequer servem para compreender os indivíduos", p. 157, negritos meus.  
 
"Não obstante, é importante reconhecer que a visão individualista da economia não se tornou dominante pura e simplesmente devido ao seu mérito individual", nota de rodapé, p. 144, negritos meus. 

Nota: o autor se refere à teoria clássica que adota como princípio que a sociedade representa nada mais do que a soma dos comportamentos individuais dos agentes, econômicos, nomeadamente os consumidores, de acordo com o fictício homo economicus

"Esta visão consegue tal apoio porque toma a estrutura social subjacente, como a posse de propriedade ou os direitos dos trabalhadores, como dado adquirido, sem pôr em causa o status quo", grifei, p. 144.

"Além disso, a visão individualista dá-nos uma visão moral paradoxal mas poderosa para os mecanismos do mercado", p. 143. 

Ou seja, sem ser explícito, realça a questão ideológica desta teoria.

Mas, ao questionarmos apenas a visão individualista racionalista do homo economicus não solucionamos de todo o problema, pois ainda nos restam as questões da mão invisível, da démarche (maquinismo-mecanicismo), das expectativas racionais, da concepção utilitarista do consumidor, do objeto do conhecimento que formam incoerentemente o arcabouço teórico desta teoria e que, de uma certa forma, contornam o problema desta visão individualista. 

Esta visão individualista nos leva para a questão da formação dos preços e salários, que repercutirão na distribuição da riqueza, assunto do próximo tópico (artigo).

 Conclusão

Ao longo deste artigo procurei enfatizar o methological approach da teoria clássica, questionando a eficácia de suas conclusões e mostrando as suas contradições, a qual pretende nos fornecer uma imagem fiel e objetiva das leis que governam a economia capitalista, deduzindo daí as suas propostas para as questões mais prementes.

Em suas "concepções" a economia funciona como uma máquina, em harmonia e equilíbrio, através de uma mão invisível (Smith), obedecendo leis naturais rígidas, tais como as leis da natureza, que não podem ser alteradas pela ação humana, sob pena trazer o desequilíbrio para a economia. Daí é um passo para não aceitarem as depressões e os desempregos involuntários e endossarem a distribuição de renda, por mais injusta e distorcida que seja; e quando se vêm diante destas realidades acreditam que são desajustes passageiros e normais, porque a economia, de acordo com as suas concepções, tende para o equilíbrio econômico no longo prazo (sem definir este longo prazo), ou seja, se restabelecem naturalmente, e tal como na natureza "depois da tempestade vem a bonança". Os desarranjos são apenas meros e breves acidentes de percurso. 

Ao sujeito cabe apenas desvendar as leis de um mundo que lhe é exterior (sociedade). Ao desprezam o fato de que o sujeito também é objeto do conhecimento são incapazes de teorizar sobre a importância das expectativas e os comportamentos dos investidores diante de realidades econômicas. 
   
Ao mesmo tempo que aceitam esta concepção de sociedade máquina, que indubitavelmente levaria a economia para o ótimo econômico, com todas as consequências benéficas, enaltecem as qualidades fictícias do homo economicus, sem qualquer coerência com a abordagem metodológica, pois o seu comportamento seria irrelevante diante desta sociedade que se rege por leis naturais com a ajuda da mão invisível.
  
Com este novo conceito, as "leis" econômicas que regem a sociedade são apenas o resultado da soma dos comportamentos dos agentes individuais (homo economicus). A sociedade não existe, não é "determinante" (condicionante) dos comportamentos individuais, sendo apenas um amontoado de indivíduos que buscam as suas satisfações pessoais, dentro de uma lógica basicamente ou apenas econômica. Se o sistema capitalista de produção (assim como outros) nos impõe leis que independem das vontades individuais dos agentes sociais, espera-se que, em razão da tão propalada racionalidade, estes agentes entendam essas leis e encontrem soluções e meios de debelar e evitar as distorções ocasionais que elas geram,  muitas vezes provocadas por motivos não corretivos prévios, ferindo, inclusive, princípios éticos, morais, humanitários (me refiro principalmente às desmoderadas concentrações de renda). Seria irracional cruzar os braços e esperar que elas retornem, por si mesmas, às supostas normalidades.

Margaret Thatcher, ícone do neoliberalismo, foi mais explícita em sua afirmação:

“<<Não há tal coisa como uma sociedade. Existem homens e mulheres individuais e existem famílias>>”, apud Chang, p. 158. 

É através desta relação dialética entre o todo e as partes que as histórias das civilizações se fazem e os sistemas sociais (sociedades) se transformam; por caminhos tortuosos e imprevistos, pela seleção natural e cultural (Damásio), pelos desígnios da vida, com os indivíduos quebrando as barreiras institucionais e sociais, por motivos conscientes ou não, por necessidades, mas sem possibilidades de prever resultados.
   
Ora, a vida em sociedade levanta questões, que por surgirem das e nas relações sociais, requerem soluções a nível social e não individual. As sociedades são diferentes porque o ser humano não age apenas de acordo com as características do homo economicus, mas porque é um ser político e social. O ser humano é antes de tudo um ser histórico. 

O homo economicus está muito longe de nos fornecer um retrato fiel da "natureza", do comportamento do agente econômico e o reflexo de suas ações na sociedade; e partindo do particular para o geral relegam o papel que os determinantes (leis) sociais exercem sobre as expectativas e o comportamento destes mesmos agentes. 
  
Da mesma forma, como veremos no segundo artigo, a teoria utilitarista do consumidor não faz qualquer referência a este homo economicus, pois as opções dos consumidores são feitas com fundamento nas utilidades dos bens a serem adquiridos. Entretanto, ela cumpre uma função ideológica. 

Desse modo, estas concepções contraditórias ofuscam as relações dialéticas entre as partes (agentes) e o todo (sociedade), não havendo lugar para uma visão da importância das decisões dos investidores sobre as atividades econômicas, em clima de incerteza. Os investimentos sempre existirão e levarão a economia para o ponto de equilíbrio e, assim, este novo “ser” passa a não ter qualquer relevância para a situação econômica social.

Em vista disto, as conclusões e as propostas que nos apresentam para solucionar os dilemas mais prementes da economia são pífias, principalmente as tocantes às depressões, ao desemprego, as desigualdades e condições de vida para a maioria da população. 
    
O homo economicus é apenas uma caricatura, sem alma, do agente econômico, que despreza a genética, o sistema neural (Almeida, Mlodinow, Carvalho), o psiquismo, o subconsciente, os sentimentos (Damásio), que fortalecem os laços familiares, de amizade e de fraternidade, sustentáculos da vida em sociedade. Elimina a possibilidade dos seres humanos serem incapazes de se comportarem altruisticamente, visando um bem comum em prol da comunidade, inviabilizando a vida em sociedade. Desprezam a importância das instituições e as evidências, como o fato das empresas destinarem fortunas para influenciar as decisões dos consumidores através de propagandas, inclusive subliminares.
 
Segundo Damásio:

"Dito isto, podemos adiantar uma hipótese de trabalho quanto à relação entre sentimentos e cultura. Os sentimentos, como colaboradores da homeostasia, são os catalisadores das respostas que deram origem às culturas humanas", p.44.

"Os fenômenos biológicos podem desencadear e moldar acontecimentos que se tornam fenômenos culturais, e tê-lo-ão feito na alvorada das culturas, através da interação dos sentimentos e do raciocínio em circunstâncias específicas pelos indivíduos, pelos grupos, pela sua localização e pelo seu passado, etc. A intervenção dos sentimentos não se limitou a um motivo inicial. Eles continuaram com o papel de monitor do processo e continuaram a intervir no futuro de muitas invenções culturais, segundo as exigências da eterna negociação entre afeto e razão. [...] É preciso ter em conta a seleção cultural, e, para tal, precisamos da ajuda da história, da geografia e da sociologia, entre muitas outras disciplinas", p. 47.

"A maioria das emoções e dos sentimentos é essencial para dar energia ao processo intelectual e criador", p.148. 

Vivemos uma época de pletora de teorias, muitas delas desconectadas dos objetivos que pretendem atingir. As novas modas, a teoria comportamental e a neuroeconomia têm sido irrelevantes para a macroeconomia, para desvendar suas leis, em razão dos seus enfoques no comportamento individual dos agentes econômicos. A economia comportamental explora apenas um caminho já traçado pela psicanálise, psicologia e sociologia.   

Esta ficção do homo economicus, cujas decisões economicamente racionais nos levariam para um bem social, com a economia funcionando de forma eficiente como uma máquina, pode ser empírica e facilmente contestada com a destruição recente do meio ambiente e os problemas ecológicos decorrentes, que colocam em xeque a existência dos seres vivos. Outrossim, foi questionada por diversos exemplos tirados da realidade.
 
Os prejuízos de tais destruições são incalculáveis, pois não se limitam apenas aos aspectos (gastos) econômicos de reconstruções, recuperações e reposições. Enfim, mais uma vez, o homo economicus que age egoisticamente em interesse próprio e, supostamente, atinge um bem social maior, harmônico, tem sido uma das vítimas de sua suposta racionalidade econômica.
 
As metodologias e os fundamentos adotados que se superpõem para dar coesão uns aos outros, e em alguns casos entram em contradição, nos levam para construções e concepções de modelos de sociedades ideais, com leis abstratas, que distorcem realidades econômicas palpáveis. 

Esquecem ou querem esquecer (daí o problema) que estamos tratando de seres humanos, que "constroem" e vivem em sociedades cujas leis não são naturais, no sentido em que lhes querem dar.
 
Diante de tantas incoerências, "a pergunta que não quer calar" é: qual a razão para se aplicar a racionalidade matemática, adotando metodologias das ciências naturais, sobre ficções (homo economicus, corpo máquina, a totalidade é a soma das partes), que não resultam senão em conclusões ilógicas e distorcidas da realidade, criando novas ficções (tendência ao equilíbrio, desempregos voluntários, investimentos sem riscos)? 

Tanta racionalidade sem conclusões e resultados práticos, que no final das contas mostram-se irracionais, agravando o sofrimento humano e os conflitos sociais, enfim uma irracionalidade que persiste ser racional. Exaltam a racionalidade do homo economicus e são profundamente irracionais em seus propósitos e approachs.
 
Ainda vivem numa época do "homem é um lobo para outro homem" (Hobbes), darwinismo social; não criaram nada novo em benefício da humanidade e apenas repetem concepções de mais de 2 (dois) séculos, tentando adaptá-las a gráficos e modelos matemáticos sofisticados.

Diante de uma visão a-histórica da sociedade, assumem que o Estado é um verdadeiro Leviatã (Leviathan, Hobbes), que deve ser destruído para o bem da sociedade, fazendo "tábula rasa" do contexto historicamente determinado em que se deu a obra de Hobbes, distorcendo de maneira vulgar o seu pensamento. Jogando com as palavras, se espelharam num simbolismo mitológico (bíblico), num imaginário popular, de um poderoso e temido mito sobrenatural e na repercussão, embora distorcida, da obra de Hobbes, que afirmava "a guerra de todos contra todos" como um "estado de natureza", e criaram uma imagem fictícia do Estado, associado a este monstro. Tudo muito simples e vulgar. Mas, Hobbes, que escrevia num momento conturbado da história inglesa, ao contrário destes arremedos de filósofos, por este mesmo motivo, clamava pela necessidade de um Estado mais forte para por fim àquele estado de guerra. 

Uma concepção que foi sendo forjada nas lutas intestinas da Inglaterra Medieval contra os abusos e os devaneios de uma Monarquia Absolutista, que culminou com a assinatura da Carta Magna e se desenvolveram até a Revolução Gloriosa, no século XVII, prelúdio da Revolução Francesa. 
  
Conforme Jenkins:

"A Carta Magna conta-se entre os documentos primordiais do primado do direito sobre a força bruta e como tal foi considerado muito importante pelos revolucionários do século XVII. Também consagrou os poderes dos barões em contraposição com a autoridade do rei. [...] Tinha-se verificado uma mudança na base do poder, passando da autoridade e do arbítrio monárquicos para o espírito do direito moderno e de um parlamento também moderno", p. 62/3. 

Louçã & Mortágua colocam o problema nestes termos: 

"A troca pressupõe, em primeiro lugar, uma definição do que é e não é um objeto de propriedade e de troca mercantil. É ou não é legítimo comprar e vender seres humanos?

[...] Tudo isto é objeto de definições e redefinições permanentes em que diversas instâncias do Estado participam: poder legislativo, executivo e judicial. Tudo isto é regulado. Por isso mesmo a ideia de desregulação (e de regulação) dos mercados, tão comumente evocada, tende mais confundir do que esclarecer. Não há mercados desregulados, o que há são diferentes modos de regulação", p. 146. 

Em contramão à todas estas sugestões e conclusões dos teóricos clássicos e afins, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na procura de assegurar uma vida digna aos cidadãos declara, dentre outros: 

Artigo 22

"Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social. (...)"

Artigo 25

 "Toda pessoa tem o direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar (...) e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes de sua vontade", itálicos e negritos meus. 

São estes direitos dentre outros que os economistas clássicos querem eliminar, porque contrários às leis universais que regulam o ótimo econômico, com base em seus approachs, argumentos fictícios e conclusões inconsequentes. Para eles, por certo, todos os que participaram da elaboração da Declaração Universal são uns meros lunáticos, idiotas, por não aceitarem o ideal do homo economicus, os seus dogmas, as suas abordagens e, consequentemente, as suas conclusões sobre a participação dos governos, que visam assegurar um nível de bem estar social. E, por certo, eles são os gênios. 

Para eles a redução das horas de trabalho é um contrassenso, porque limita a opção de escolha do trabalhador entre mais trabalho ou lazer. E quanto ao trabalho de crianças na Inglaterra, berço do liberalismo econômico? (sobre as condições de trabalho consultar "O capital" de Marx e "A situação da classe trabalhadora na Inglaterra", de Engels).
 
Desumanizaram o ser humano e criaram um protótipo de homem "moderno", de racionalidade extrema, desprovido de sentimentos, com consequências notórias e negativas para a resolução dos dilemas socioeconômicos. Assumiram estas concepções extremas, sem mediações, e tornaram-se insensíveis ao sofrimento humano, à justiça e ao próprio ideário iluminista.

Com esta desumanização pretendem reduzir a complexidade das relações sociais e do comportamento humano a um denominador comum, único fator explicativo, mesmo que fictício, destas relações e comportamentos.
  
Diante da ideologia da mão invisível, da sociedade máquina em funcionamento harmonioso e de uma racionalidade humana sobrenatural não existe lugar para o Estado, que espera-se que seja um catalisador na solução dos problemas sociais (mesmo que uma classe dominante seja sempre a mais beneficiada), na procura de um bem comum (não necessariamente físico). Assim, deduz-se que em momentos de depressão econômica e desemprego elevado, a recuperação econômica e o emprego tornam-se bens comuns, interesse de todos os agentes econômicos, pois, de um modo geral, traz benefícios para a sociedade, que revertem para os agentes sociais.
   
Se olharmos sob uma perspectiva histórica, constata-se que os Estados sempre tiveram um destaque inegável no desenvolvimento das nações desenvolvidas. Simplesmente desprezam e negam a história.
  
Sempre me perguntei, porque verdadeiros gênios perdem tanto tempo com coisas tão pueris e chegam a conclusões tão ridículas, que em nada contribuem para o progresso da humanidade?
 
Acredito que no nosso caso possam existir diversas razões, mas destaco apenas 3 (três):

1) a busca incessante pelo status de ciência; para seus teóricos e ideólogos serem considerados cientistas, quando na verdade as pessoas de senso comum desconfiam desta cientificidade; no final das contas "Saber é Poder", (Bacon);

2) por a economia tratar também de números, de medidas e índices: preços, custos de produção, PIBs, comércio externo, mercado financeiro. Há tempos os mercados financeiros são modelados probabilisticamente e todos querem enriquecer fazendo suas apostas. 

Entretanto, a matemática e seus modelos não captam e não podem mensurar sentimentos, expectativas, predisposição ao risco, comportamento de manada, psicologia das massas (Keynes), frustrações, medos, ressentimentos, valores sociais, éticos e morais que determinam comportamentos. 

Na década de 1920 os mercados financeiros estavam a todo vapor e no seu final muitos financistas (investidores) foram à falência, sem se recuperarem, outros cometeram suicídio (os leitores poderão consultar o interessante livro de Ivan Santana sobre as perdas e falências pessoais na crise de 1929). Tudo isto, contrariando a tese e os argumentos do economia Eugene Fama, laureado com o Prêmio Nobel, mesmo depois da crise de 2008, de "que ninguém ganha do mercado a longo prazo", ou "perde", porque os mercados são perfeitos. Levando em consideração tudo o que disse foi um verdadeiro prêmio. Buffett, Soros, John Paulson (que apostou contra o mercado na crise de 2008) e outros fizeram verdadeiras fortunas e ainda não se fartaram de continuar ganhando. Mas, esquece o famoso guru das finanças que ninguém vive eternamente ou fica à deriva, à espera do longo prazo e o investidor despreza este tempo indefinido. Por sinal, a grande maioria dos laureados são americanos ou radicados nos EUA, que exportam e impõem esta ideologia mundo afora (52 americanos, 12 radicados nos EU, 25 de outras nacionalidades). Será uma mera coincidência? Tudo indica que "Há algo de podre no Reino da Dinamarca". 
 
Se é verdade que os preços das ações podem se recuperar no mercado bolsista quando as empresas não vão à falência e alguns investidores podem esperar essas recuperações depois do crash, no mercado de opções não existe esta possibilidade: perdeu, perdeu e tem que arcar com o prejuízo.
 
Em outros artigos comentei esta infeliz afirmação de um Prêmio Nobel, que continua a acreditar nos mercados perfeitos e na sua tese, mesmo depois do grande baque de 2008; 

3) o terceiro e último ponto, é que existe por trás de todos estes argumentos e teorias uma motivação ideológica: a de que a distribuição de renda (produto social) é consequência de leis naturais, que, por isto, não devem ser questionadas e nem submetidas à interferência dos governos. Do mesmo modo, o desemprego é considerado sempre voluntário, porque cabe ao assalariado (trabalhador) escolher entre as opções de trabalhar ou de lazer. Estas são algumas das conclusões que sempre procuram difundir e convencer com abstrações e as metodologias das ciências naturais. Este será o objeto do próximo artigo.
 
Talvez falte uma 4ª (quarta) razão que é a falta de bom senso. Nem todos seres humanos são dotados deste dom, por mais inteligentes que sejam. Um bom juiz não precisa ser somente inteligente, mas incorporar o senso de justiça em seu modo de ser, uma qualidade que deve ser nata e aprimorada para quem pretende julgar de acordo com a justiça. Um bom médico não precisa ser um excelente matemático, mas ter o feeling para perceber e detetar a doença através dos sintomas, questionando sobre a vida que cerca o doente e seu estado psíquico (incluindo os sentimentos).
 
Para finalizar, reproduzo o que afirmei em outros artigos: 

"Os gênios também falham por falta de sensibilidade, por ganância e soberba, e esta é a lição que devemos tirar. Por outro lado, existem alguns gênios que não têm aptidões matemáticas, mas são dotados de humildade, sensibilidade, coerência e bom senso para lidar com os assuntos sociais. E existem outros que também sabem manipular os modelos e que não são adeptos do seu uso indiscriminado. Porque não foram ouvidos e sim "ridicularizados?"", (em "Modelos matemáticos aplicados à economia (porque eles falham)", janeiro de 2015.

"4. por último, existem os gênios incorrigíveis, que são aqueles viciados nas suas próprias teorias e não admitem contestação, e, portanto, não possuem capacidade de discernimento. Vivem no mundo da lua e a realidade não lhes diz respeito", idem. 

"Este debate sobre eficiência de mercados e alocação de recursos talvez tivesse sentido numa época em que o sistema capitalista precisava se firmar como um novo sistema econômico, superior aos que viria substituir e como prevenção ao que o ameaçava, ou seja, o socialismo.

Hoje, o sistema capitalista navega em águas relativamente tranquilas, no que tange àquelas ameaças, daí a necessidade de mudar o enfoque e admitir as suas deficiências, encarando-as de frente e propondo alterativas práticas e viáveis para enfrentá-las, pois à ameaça a sua existência está em não reconhecer, enfrentar e não encontrar soluções plausíveis para os seus problemas intrínsecos", (em "A crise de 2008 e as informações assimétricas"), junho de 2015. 

Este texto ficaria incompleto se não transcrevesse as opiniões de Keynes sobre estas questões, por mim desconhecidas, mencionadas no livro de Louçã & Mortágua:

"A matemática física [dos neoclássicos] não conseguiu corresponder à promessa original. (...) A hipótese atômica, que funcionou tão esplendidamente na física, não funciona nas ciências psíquicas [as que incluem variáveis sociais e expectativa]. Estamos confrontados em cada esquina com o problema da unidade orgânica, com o carácter discreto, com a descontinuidade - o todo não é igual a soma das partes, falta-nos as comparações de quantidades, as pequenas modificações produzem grandes efeitos, as hipóteses de uma continuidade uniforme e homogênea não são satisfeitas. Assim, os resultados da Física Matemática aparecem como derivados, não fundamentais, como índices, não como medidas, como primeiras aproximações no melhor dos casos; e como índices falíveis, como aproximações duvidosas, havendo muitas dúvidas quanto a serem índices ou aproximações", apud Louçã & Mortágua, p. 47; sobre o assunto consultar ainda a p. 46/7 dos autores.

Tudo isto dito há décadas sem qualquer repercussão sobre as ideias dos doutos em economia clássica, muitos agraciados agraciados com o Prêmio Nobel. Por último, convém esclarecer que pretendem que estas leis sejam universais, no sentido de que devem ser aplicadas em qualquer economia, independentemente das suas situações econômicas e sociais (diante de uma perspectiva histórica desenvolvimentista; ou seja, países desenvolvidos, subdesenvolvidos, economicamente atrasados, sociedades arcaicas).
  
As suas aplicações em diversos recantos do mundo, pressionados pelos governos dos países ricos (mormente os EUA) e organismos internacionais (FMI Banco Mundial, OMC), sob tutelas, têm sido um fracasso total, gerando caos que na maioria das vezes colocam esses países em situações piores que as anteriores.
 
Tiram as possibilidades de cada país traçar os seus caminhos, de acordo com as suas potencialidades, possibilidades, vicissitudes, valores sociais, condições materiais e sociais.

Em tais condições não podemos deixar de concluir que tais incursões teóricas são na realidade sofisticadas formas de perpetuar o domínio econômico e financeiro de algumas nações desenvolvidas sobre outras. 
  
Esta passa a ser uma outra questão fundamental importância. Insistem em impor estas leis "objetivas" e "universais" e elas não resolvem os problemas econômicos e sociais básicos desses países. 

Mas, isto foge ao nosso objetivo principal e foram assuntos de diversos outros artigos postados neste blog, inclusive críticas à "Teoria das Vantagens Comparativas", de David Ricardo, que ainda hoje direciona as relações internacionais.
 
Em resumo, a teoria clássica procurou fechar todas as brechas que davam margem às críticas, à custo da (sacrificando a) coerência, com outras abstrações absurdas e para questioná-la é necessário analisar todos os seus fundamentos.




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