segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

REFORMA AGRÁRIA E DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO - ADENDO AO POSFÁCIO

 

A IMPORTÂNCIA DA REFORMA AGRÁRIA PARA O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO CAPITALISTAS E TAMBÉM PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO.

Inicialmente, gostaria de ressaltar que as ideias aqui expostas foram realizadas dentro de um contexto de análise da importância da reforma agrária, entendida como expropriação e distribuição aos pequenos camponeses.

Portanto, as considerações esboçadas estão restritas ao assunto em análise. Neste sentido me abstraí de considerações sobre a ótica de justiça social, melhoria da qualidade de vida dos pequenos camponeses, dos problemas sociais causados pela migração campo-cidade, com o respectivo inchaço das favelas, situações estas verificáveis em diversos países subdesenvolvidos e, ainda, do problema do latifúndio improdutivo que controla e inviabiliza o acesso à terra, jogando a população desfavorecida na miséria.

No entanto, reconheço que em situações específicas os problemas sociais poderão sobrepor-se às considerações econômicas, muito embora acredite que no longo prazo a tendência é de reversão, se não forem contidas por ações institucionais e políticas.

O Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, Capítulo III, “Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária”, artigos 184, 185, 186 da Constituição Federal Brasileira estabelecem:

Art. 184 - Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusulas de preservação do valor real, resgatável no prazo até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Art. 185 – São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II – a propriedade produtiva.

Parágrafo único – A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos s sua função social.

Art. 186 – A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Portanto, no Brasil a grande propriedade, simplesmente por ser grande, não é passível de reforma agrária, desde que cumpra a sua função social, seja produtiva, e atenda a outros requisitos estabelecidos no texto constitucional.

No entanto, reconheço que em situações específicas os problemas sociais poderão sobrepor-se às considerações econômicas, muito embora acredite que no longo prazo a tendência é de reversão, se não forem contidas por ações institucionais e políticas.

Ao tentar explorar como se deu o desenvolvimento socioeconômico da Coreia do Sul, deparei-me com uma situação não prevista no tocante a importância da reforma agrária no contexto, assunto ressaltado por estudiosos que se dedicaram a analisar o assunto, ou seja, as condições que favoreceram o desenvolvimento socioeconômico da Coreia do Sul.

Conforme informei acima, a reforma agrária da Coreia do Sul se deu com o apoio dos Estados Unidos da América em 1948, quando as terras de propriedade dos japoneses foram expropriadas em benefício da população, com a expropriação dos latifúndios.

Este fato me fez recordar o tempo das Ligas Camponesas no Brasil, lideradas por Francisco Julião, que objetivavam a reforma agrária, mormente no conflituoso estado de Pernambuco. Os debates eram acalorados e até violentos, contribuindo para a Revolução de 1964, porque algumas correntes acreditavam que a reforma agrária (expropriação-distribuição) era fundamental para o desenvolvimento do Brasil.

Mas, procurando colocar o assunto sobre bases mais objetivas me pregunto: Que reforma agrária?

Lendo o livro de Walter Scheidel constatei que o assunto necessita de uma melhor análise. Esse autor  se detêm na concentração de rendas e riquezas ao longo da história e mostra-nos que a questão da reforma agrária sempre esteve em questão desde o mundo antigo, por diversas razões.

Mas, incialmente, para melhor contextualizar, podemos estabelecer que para alcançar o desenvolvimento socioeconômico, assim como o entendemos, primeiro é necessário que se estabeleçam relações de produção capitalistas, porque da forma como entendemos o desenvolvimento socioeconômico este se dá dentro das relações de produção capitalistas.  

Assim, concluímos que a simples expropriação e distribuição de terras não têm uma conexão direta com o desenvolvimento das relações capitalistas.

Cito o autor:

“A reforma agrária merece um destaque especial pela simples razão de, durante a maior parte da história, a maioria das pessoas que vivia no campo e cultivava a terra ter geralmente representado a maior parte da riqueza privada. [...] Isto terá sido característico de centenas, se não mesmo de milhares, de anos de história em todo o mundo. A distribuição de terras foi, portanto, uma causa determinante da desigualdade. Desde que há registros, foram feitas tentativas de alterar a posse de terras a favor dos pobres”, (itálicos meus, p. 465).

O autor cita os Estados Guerreiros da China (século IV a.C.), Esparta (século IV a.C.), Atenas (séculos V e IV a.C.), Roma (em 133 a.C. com Tibério Graco).

Os motivos poderiam ser os mais diversos, como: diminuir o poder da elite (nobres hereditários) distribuindo as terras; resultado das guerras; mobilizações em massa com medidas redistributivas para lançar a guerra; sistema pluralista; igualitarismo (sistema igualitário, Esparta e Atenas); justiça social; e o mais comum, revoltas de camponeses, (ver basicamente pgs 262 a 267).

Após a Segunda Guerra Mundial muitas colônias que lutavam pela independência desapropriaram as terras dos colonizadores e distribuíram à população, fato já ocorrido na Sérvia quando da “expulsão” dos otomanos no início do século XIX, com a abolição do feudalismo e expropriação dos latifúndios em benefício dos servos, (Scheidel, p. 477/8).

Outrossim, sob orientação e apoio americano, muitos países adotaram a reforma agrária como medida “preventiva” de combate ao idealismo socialista, sendo este os casos da Coreia do Sul e do Japão, pós Segunda Guerra Mundial.

“Existem provas reiteradas de programas de redistribuição de terras nominalmente ambiciosos como característica de formação de Estados nas dinastias Sui e Tang da China, e no contexto de esforços de governantes para reduzir a riqueza da elite, como na China Han”, (p. 480).

Ainda segundo o autor as grandes desigualdades de riqueza e rendimentos surgiram quando da sedimentação humana e da domesticação de animais e plantas, quando foi possível a produção de excedentes, através da agricultura e do pastoreio, muito embora já seja possível identificar desigualdades fúnebres anteriores há 10.000 anos a.C.

“Um estilo de vida nómada sem animais de carga impede seriamente a acumulação de bens materiais e a pequena dimensão e composição flexível dos grupos de caçadores-recoletores baseia-se não são propícias a relações assimétricas estáveis além das disparidades de poder básicas relacionadas com a idade e o gênero”, (p. 58).

Na página 344-6, o autor menciona diversas revoltas camponesas que ocorreram na Itália, França, Flandres durante a Baixa Idade Média e séculos posteriores, que não convém repeti-las.

Os grandes ganhos das reformas agrárias foram na grande maioria revertidos ao longo dos anos, por reações das elites, com as influências sobre os Estados.

Daí uma conclusão do autor:

“A procura de reformas agrárias que foram ao mesmo tempo pacíficas e eficazes não tem sido particularmente feliz. As intervenções mais redistributivas foram viabilizadas pela revolução – geralmente violenta – e a guerra civil, como na França revolucionária, no México, na Rússia, na China, na Bolívia, em Cuba, no Camboja, na Nicarágua e na Etiópia, e por outras formas de agitação violenta, como no Zimbabwe”, (p. 479).

A reforma agrária na França veio a reboque da Revolução que objetivava abolir os privilégios da nobreza. As dos regimes “socialistas” vieram com as respectivas revoluções, mas a Rússia já havia feito uma reforma agrária, a muito custo, e na “altura da Primeira Guerra Mundial, mais da metade de todas as terras já se haviam tornado propriedade dos camponeses”, (p. 467/8). O México fez uma reforma bem sucedida liderada por Emílio Zapata e o Zimbabwe concluiu a sua nos anos 1990.

Diante do que foi acima exposto temos dois casos para analisar a importância da reforma agrária no contexto das relações capitalistas: 1) reformas agrárias ao longo da história, desde 400 anos a.C.; 2) reformas agrárias que foram relativamente bem sucedidas depois da Revolução Industrial nos finais do século XVIII.

Estas duas situações nos permitem deduzir que a reforma agrária por si só não é garantia de um desenvolvimento das relações de produção capitalistas e muito menos do desenvolvimento socioeconômico, tal qual conhecemos, e como bem demonstram as reformas agrárias do México, Bolívia Etiópia e Zimbabwe, e mesmo Nicarágua.

Assim, concluímos que a simples expropriação e distribuição de terras aos camponeses não têm uma conexão direta com o desenvolvimento das relações capitalistas, porque estas relações são eminentemente o resultado de um processo urbano-industrial e se estabeleceram num contexto de grandes transformações técnicas, ideológicas, urbanas, político-sociais e várias foram suas causas. Nesta nova sociedade a indústria torna-se o polo dinâmico que submente aos seus ditames os demais setores.

Mas, podemos estender o assunto para mais dois casos, o do Japão da Era Meiji e o da Coreia do Sul.

O caso do Japão, durante o Período (Restauração) Meiji, que aboliu o poder do Xogunato Tokugawa  e fincou os alicerces para a industrialização e o desenvolvimento do país, é emblemático.

Inicialmente, recorro a Mason:

“O sistema feudal foi oficialmente desmantelado, e os  daimyo cederam suas terras ao imperador, que em 1868 havia movido sua corte para Edo, renomeando-a Tóquio, “capital oriental”.

Em 1871, os samurais perderam seu direito notório de “matar e ir embora”, e em 1877, 30.000 deles morreram em uma rebelião [...].

Tudo isso foi obtido com dinheiro extorquido de pesados tributos impostos aos camponeses e de jovens que trabalhavam nas indústrias têxteis e nas minas de carvão por longas horas em troca de salários muito baixos – quase como escravos. [...] Há descrições contemporâneas de camponeses que decapitavam suas crianças famintas, incapazes de suportar seu sofrimento”, (p. 271).

E Marshall:

“Entre as primeiras reformas do novo governo incluíram-se a relocalização da capital imperial e a nacionalização dos domínios feudais, substituindo-os por prefeituras, ambas com a finalidade de centralizar o poder. O restrito sistema feudal foi abolido, incluindo a classe do samurais, da qual tinham vindo os próprios líderes governamentais”, (p. 141/2).

“Cumprindo as promessas da Carta de Juramento de 1868, as restrições às profissões, fundadas na classe social, foram eliminadas em 1869”, (p. 112).

“As medidas de contenção causaram algumas dificuldades ao setor agrícola, em particular, mas, por outro lado, ajudaram a transferir mão-de-obra para o setor da indústria mais moderno”, (p.136).

Restauração Meiji (Wikipédia):

“Em 1968, todas as terras dos Tokugawa foram  confiscadas e colocadas sob “controle imperial”, colocando-os sob a prerrogativa do novo governo Meiji.

Finalmente, e 1871, os daimyo, passados e presentes, foram convocados antes do Imperador, onde foi declarado que todos os domínios passariam a ser devolvidos ao Imperador. Os cerca de 300 domínios (HAN) foram transformados em prefeituras, cada um sob o controle de um governante nomeado pelo Estado. Em 1888, várias prefeituras foram fundidas em várias etapas para reduzir o seu número para 75. Para o daimyo foram prometidas 10% dos seus rendimentos associados aos feudos. Mais tarde, as suas dívidas e pagamentos dos salários dos samurais deviam ser assumidas pelo Estado (sublinhei).

“Em 1871, Meiji aboliu a hierarquia instaurada pelos xoguns. Assim, os samurais, até então obrigados de pai para filho a obedecer ao seu senhor, o daimiô, segundo um rígido código de honra (o Bushidô), se põem a serviço do imperador.

Os antigos feudos foram extintos e os privilégios pessoais foram eliminados através de uma reforma agrária e da reformulação da legislação do imposto territorial rural”, (em pt.wikipedia.org>wiki, “Era Meiji – Wikipédia, a enciclopédia livre).

Estas citações são suficientes para mostrar que no caminho do Japão para o desenvolvimento não houve uma reforma agrária com expropriação e distribuição aos camponeses, mas sim uma expropriação que levou a uma centralização por parte do novo governo.

Este fato vem corroborar a minha conclusão de que a simples reforma agrária como a conhecemos, com expropriação e distribuição para a população pobre, não é requisito para o desenvolvimento das relações de produção capitalistas e, consequentemente, para o desenvolvimento socioeconômico dos países, mesmo para aqueles que já desenvolveram ditas relações de produção. Ou seja, não existe conectividade de causa-efeito (reforma agrária-desenvolvimento de relações capitalistas).

Dito isto, passamos a analisar as condições que levaram a Coreia do Sul ao desenvolvimento socioeconômico, tal como entendemos.

O caso da Coreia do Sul se afigura como um caso distinto do Japão porque a reforma agrária se deu em 1948, com o apoio norte americano.

Ao contrário do que ocorreu no Japão, durante a Era Meiji, que centralizou a posse da terra pelo Estado, a reforma agrária na Coreia do Sul foi uma contraofensiva para desmotivar a influência socialista da Coreia do Norte.

Mas, conforme já destaquei no texto principal do Posfácio os alicerces para o desenvolvimento socioeconômico do país foram fincados mais de 15 anos após a reforma, com o governo do presidente Park.

Ora, a conclusão pertinente a este assunto mostra que também existiu outro tipo de reforma agrária mais importante para o desenvolvimento das relações de produção capitalistas do que a simples expropriação e distribuição de terras aos camponeses pobres, que não foi cogitada por Stedile e outros defensores da reforma agrária.

E esta diz respeito à abolição das relações feudais e outras formas de relações pré-capitalistas no campo, como aconteceu com o Japão, Sérvia e Áustria, em 1848, quando uma revolução pressionou o governo para abolir as obrigações feudais, (Scheidel, p. 469).

Esta luta para fugir das obrigações feudais já vinha se desenvolvendo há tempos, como mostra os exemplos da Peste Negra (1347-1351), apontada indevidamente (pois concorreram vários fatores) por alguns economistas como a principal razão contributiva para o desenvolvimento capitalista, séculos depois. Voltarei ao assunto em um outro artigo.  

Cito o historiador Simon Jenkins sobre o clima cultural no século XIV e as consequências da peste sobre as relações de trabalho:

“Desde o século XIV que poetas, pintores e escultores encontraram inspiração nos escritos e artefatos da Grécia e da Roma clássicas. Os eruditos recuperaram o humanismo clássico, revivendo o conceito de moralidade emergente dos pensamentos e ações dos indivíduos, mais do que do sobrenatural”, (p. 145).

“A Peste Negra alterou drasticamente a relação entre mestres e operários. Falharam as tentativas de aprovar leis para impedir artesãos de uma maior liberdade de movimentos para procurarem vender o seu trabalho”, (p. 130).

“A peste alterou profundamente a estrutura de poder na Europa. Conduziu a um rápido declínio da servidão, pelo menos a oeste. No leste, tornou-se muitas vezes mais severa para evitar a migração da mão-de-obra”, (p. 132).

Os autores socialistas Marx, Engels e Kautsky (este em “A questão Agrária”), viam a reforma agrária de forma diferente, pois a divisão em pequenos lotes não só não melhorava as condições dos camponeses, evitava uma exploração racional, como impedia a adoção de técnicas de produção capitalistas modernas com melhoramentos na produtividade. Por outro lado, estes teóricos não viam nos pequenos camponeses (muitos dos quais com ilusões pequeno-burguesas), requisitos para liderarem uma revolução socialista, que deveria ser levada a cabo pela vanguarda do operariado urbano.  

Cito Rosemeire Aparecida e Eliana Tomiasi;

“Sua visão sobre o campesinato era altamente depreciativa: essa seria uma classe miserável, retrógrada e vacilante, um entrave à superação do modo capitalista de produção, (p. 2).

Kautsky classificava como um equívoco a teoria da superioridade da agricultura familiar sobre a capitalista advertindo que o aumento numérico das unidades familiares de produção eram o indício de agravamento da condição camponesa, pois revelavam a fragmentação das explorações.

Em suma, advogava a inviabilidade da agricultura camponesa e a viabilidade da grande exploração capitalista, tomando para si a tarefa política de apregoar suas fragilidades e, assim, abreviar o tempo necessário ...”, (p. 3).

Seleciono algumas ideias de Marx e Engels sobre o campesinato, segundo Marcelo Buzetto:

- Para satisfazer as carências da sociedade é preciso usar o conhecimento científico e os modernos métodos para aumentar a produção rural, e tal iniciativa terá mais êxito cultivando a terra em larga escala, numa grande exploração;

- O parcelamento da terra em pequenos lotes faz do lavrador um inimigo do progresso social e da própria nacionalização da terra, pois esse “fanático ao seu pedaço de terra” pode atirá-lo para o “fatal antagonismo com a classe operária”, (itálicos meus).

Portanto, sob a ótica dos principais teóricos socialistas (marxistas) a questão agrária não se resume a uma questão apenas de “justiça social” e/ou de “melhoria das condições de vida dos camponeses”, mas se sujeita a uma perspectiva de maior alcance, que visa a transformação da sociedade capitalista em socialista.

Não seria exagero concluir que sob esta ótica a simples reforma agrária poderia, se não associada à liderança do movimento operário urbano que visa uma transformação social, ser um retrocesso social, porque não permitiria alcançar a produtividade auferida pela grande propriedade fundiária capitalista, com modernos métodos de produção, nem romper com a mentalidade arcaica dos camponeses, contraposta aos operários.

Importante que se afirme que a Revolução Industrial foi engendrada por burgueses, sob a proeminência de uma sociedade urbana, com profundas transformações sociais. Neste sentido, o setor industrial é o polo dinâmico que permite o aumento de produtividade na agricultura, através da mecanização e do trabalho assalariado. Em outras palavras a produtividade no campo é “consequência” da industrialização, ou seja, da mecanização, da indústria química, das pesquisas em laboratórios com equipamentos sofisticados, a cargo de grandes grupos industriais-financeiros.

A questão posta em dúvida é se as sociedades agrícolas atrasadas poderão iniciar seus passos para a modernidade adotando inicialmente relações de produção capitalistas no campo, com a respectiva mecanização. Posto que o polo dinâmico para esta transformação é “urbano-industrial”, se dá no sentido indústria-campo, esta via se torna praticamente impossível porque a mecanização deverá ser suprida por importações, sem haver uma auto-sustentabilidade, trocas entre cidade-indústria /campo-agricultura e vice versa, requerida ao desenvolvimento, com problemas para o balanço de pagamentos.     

 

BIBLIOGRAFIA COMPLEMEMTAR:

Friedman, George, “Focos de tensão – os choques geopolíticos que  ameaçam o futuro da Europa”, D. Quixote, Alfragide, 1ª ed., maio 2015;

Gibbon, Edward, “Ensaios de história”, Ed. Iluminuras, S.P., 2014;

Henshall, Kenneth, “História do Japão”, Edições 70, 2ª ed., maio 2018;

Jenkins, Simon, “Breve história da Europa – de Péricles a Putin”, Editorial Presença, Barcarena, 2020;

Mason, Colin, “Uma breve história da Ásia”, Editora Vozes, Petrópolis, 2017;

Pinto, Jaime Nogueira, “Bárbaros e Iluminados – populismo e utopia no século XXI”, Ed. D. Quixote, Alfragide, 2017;

Scheidel, Walter, “A violência e a história da desigualdade – da idade da pedra ao século XXI”, Ed. 70, Lisboa, outubro de 2017;

Woodward, Bob, “Medo – Trunp na Casa Branca”, Cap. 1 a 14, Ed. D. Quixote, 1ª ed., novembro 2018.

 

Aparecida, Rosemeire e Paulino, Eliane Tomiasi, “Fundamentos teóricos para o entendimento da reforma agrária”, em www.uel.br>artigod, pdf;

Buzetto, Marcelo, “Reforma agrária e revolução socialista – A contribuição da análise marxista”, revistas.marilia.unesp.br, pdf;

Caldas, Pedro Heitor, “O desenvolvimento da indústria coreana e brasileira e o desdobramento pós 2º choque do petróleo”, em panteon.ufrj.br;

Esquerda, “Coreia do Sul: o milagre desmascarado, em www.esquerda.net>artigo;

Herdeiro Aécio, “O envolvimento sul-coreano na Guerra do Vietname”, em herdeirodeaecio.blogspot.   com;

Lima, Uallace Moreira, “O debate sobre o processo de desenvolvimento econômico da Coreia do Sul:  uma linha alternativa de interpretação”, www.researchgate.net, pdf;

Masiero, Gilmar, “A economia coreana: características estruturais”, em www4.pucsp.br, pdf;;

Stedile, João Pedro, “Experiências históricas de reforma agrário no mundo”, vol. I, em www.expressaopopular.com.br, pdf;


Registro Igac: SIIGAC/2020/5476

Lisboa 2020/12/14 

OBSTÁCULOS SOCIAIS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - POSFÁCIO

 

OBSTÁCULOS  SOCOCULTURAIS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

(COMENTÁRIOS AO LIVRO DE HA-JOON CHANG)

 

POSFÁCIO

 

As críticas aos livros de Ha-Joon que constam do texto original deste artigo foram realizadas, logo após a leitura dos livros mencionados, de uma maneira quase automática, espontânea, tempestiva, porque focavam basicamente os aspectos econômicos e socioculturais, relegando a importância da geopolítica para um plano um tanto secundário, no traço de meus artigos anteriores, postados neste blog. 

No entanto, no referido texto já chamava a atenção para a guinada geopolítica efetuada pelo governo dos Estados Unidos em direção a Ásia, em vista da ameaça socialista que desaguava naquela região, complementada com a tomada de poder por Mao na China, em 1947.

Por isto escrevi e repito, abrindo um parêntese do que poderia vir em outra ocasião:

“Entretanto, o que o autor não nos contou foi que a Coréia também se beneficiou da “guinada” dos E.U.A. após o término da 2ª Guerra Mundial, conforme nos conta Fiori em “História, Estratégia e Desenvolvimento – Os Milagres da Guerra-Fria”, com o texto de Fiori seguindo este parágrafo (consultar tópico “A cultura e o desenvolvimento”).

Confesso que era muito pouco em relação a um assunto de suma importância, num artigo que tinha por objetivo uma crítica economicista da questão.

Em 2019, lendo o livro “MEDO – Trump na Casa Branca”, de Woodward, me chamou a atenção o fato de o presidente dos Estados Unidos estar disposto a cancelar um acordo antigo com a Coréia do Sul, chamado KORUS, sendo dissuadido por seus assessores, ou melhor, o documento fora escondido evitando a sua assinatura. 

Conforme o texto;

“Cohn ficou estupefacto. Há meses que Trump ameaçava denunciar o acordo, que era uma das bases de uma relação econômica, uma aliança militar e, mais importante, de operações e recursos ultrassecretos de segurança.

[...] A denúncia do acordo de comércio KORUS, que a Coréia do Sul considerava essencial para a sua economia, poderia levar a uma corte total de relações” (pgs. 17/8).

“<<Roubei-a da secretária dele>>, contaria mais tarde a um associado. <<[...] Ele nuca vai ver aquele documento, Tenho que proteger o país>>” (p. 19).

“Em várias conversas telefônicas seguras com o presidente Moon Já-in da Coreia do Sul, Trump tinha intensificado as críticas ao acordo de comércio LORUS entre os dois países. Não ia largar a questão do défice comercial de 18.000 milhões e de despesas de 3,5 mil milhões decorrente do estacionamento de 28.500 tropas norte americanas”, (p. 357).

Este fato associado ao meu posterior interesse por geopolítica, que culminou com a publicação de um artigo neste site, relançou a minha curiosidade sobre o assunto, de forma a levar aos leitores mais informações, que não foram consideradas por mim e pelo economista de Ha-Joon em seus comentários.

Antes de entrarmos em novas considerações me reporto à afirmação sucinta do autor quanto à questão de que para promover o desenvolvimento “precisamos de uma combinação de exortação ideológica, tecnologia, medidas políticas favoráveis ...”.

Focamos em “combinação de exortação ideológica” e questionamos o alcance do seu significado.

Estaria esta exortação associada à cultura? Poderia esta combinação de exortação ser a mesma para todos os países que buscam o desenvolvimento econômico? Qual a importância dessa exortação no contexto no desenvolvimento?

Estas são algumas das questões que ficam desamparadas nas argumentações do autor (Ha-Joon). Diante disto, remeto os leitores para o livro de Henshall sobre como se deu o desenvolvimento do Japão, durante o Período Meiji (1868-1912). Não vou repetir aqui os argumentos, mas os leitores poderão encontrar alguns exemplos no artigo “A Nova Geopolítica – Fundamentos e Ideologia”, publicado neste blog, tópico 3º, “O liberalismo político e econômico e a privatização”.

Não é novidade que existem diversas interpretações sobre o sucesso da Coreia do Sul em alcançar o desenvolvimento econômico, que clamam para si as razões que fizeram este país ser o exemplo para os quais outros países devem seguir.

Aproveito também a oportunidade para realizar comentários adicionais sobre o desenvolvimento socioeconômico da Coreia do Sul.

Em 1910 a Coreia foi anexada ao Japão, permanecendo sob seu domínio até o final da Segunda Grande Guerra Mundial. 

Com o fim da 2ª Guerra Mundial a importância histórica na região ocorre com o advento da Guerra da Coréia em junho de 1950, quando a Coréia do Norte ultrapassa o paralelo de latitude 38 pretendendo unificar o país sob a égide do “socialismo soviético”. Na ocasião o Japão estava ocupado pelos EUA, cabendo ao General Douglas MacArthur o comando das forças aliadas, com objetivo de reformular a economia e o sistema educacional, dissolvendo os conglomerados industriais denominados zaibatsu.

Com a eclosão da guerra as reformas no Japão foram revertidas e o citado general passou a comandar as forças de reação à invasão norte-coreana. Com a guerra os EUA incentivaram a economia japonesa  com contratos de equipamento militares e outros, inclusive salvando a Toyota de bancarrota, com contratos de fornecimento de equipamentos de apoio. MacArthur objetivada continuar a guerra e invadir a Coréia do Norte, unificando o país sob a tutela da Coréia do Sul e dos EUA. Foi demitido pelo presidente americano por afrontar a política externa (geopolítica) americana, traçada por Washington.

 

HISTÓRIA OU HISTORICISMO?

A CONTRIBUIÇÃO DO IMPERISLISMO JAPONÊS, O APOIO AMERICANO AO PRESDENTE RHEE, A GUERRA DA COREIA E A VIRAGEM POLÍTICA DO PRES. PARK PARA O DESEVENVOLVIMENTO ECONÔMICO DA COREIA DO SUL.

De volta ao nosso propósito, quanto à importância  da geopolítica, o apoio dos Estados Unidos, o aspecto histórico e as políticas internas adotadas que contribuíram para o desenvolvimento da Coréia do Sul recorro ao texto de Uallace Moreira Lima, com vistas a acrescentar algumas informações e considerações, que julgo importantes para os leitores (“O debate sobre o desenvolvimento econômico da Coreia do Sul: uma linha alternativa de interpretação”, em periódicos.sbu.unicamp>view – em pdf).

O texto é dividido em 3 (três) seções, sendo a primeira a exposição das três correntes teóricas principais, que interpretam o desenvolvimento daquele país (Coreia).  

Na segunda seção o autor faz “uma síntese da evolução histórica da Coreia do Sul” e na terceira “discute a condução da política econômica” com base em 4 (quatro) aspectos da política interna, conforme citação abaixo:

Cito o autor:

“A hipótese aqui defendida aqui é que o avanço da economia coreana com profunda transformação estrutural e upgrading em seu comércio exterior foi possível dentro de um contexto externo inicialmente favorável, em decorrência de um conjunto de características históricas que diferenciam de outras economias de industrialização tardia, basicamente em quatro aspectos da política interna em relação a: 1) estrutura de propriedade do capital; 2) centralização financeira; 3) organização empresarial; 4) e absorção/ /desenvolvimento tecnológico. O cenário externo favorável à Coreia do Sul foi importante, mas não exclusivamente determinante para que o Estado conduzisse políticas de forma coesa com os interesses do país” (grifos meus, p. 4).

Ainda, segundo o autor, a ideia de que o desenvolvimento da Coréia do Sul se deu através das leis do mercado livre (interpretação neoclássica), sem ou com pouca participação do Estado, é descartada por ser a-histórica e não corresponder aos fatos que ocorreram no decorrer do processo de desenvolvimento.

A segunda linha de interpretação teórica é a que  coloca o Estado como o principal promotor do desenvolvimento, dando pouca ou mesmo nenhuma  relevância ao ambiente externo favorável. O autor (Uallace) classifica o pensamento de Chang com a corrente heterodoxa endogenista, cujo enfoque é enfatizar o papel do dirigismo estatal no processo de desenvolvimento coreano, abstraindo das condições históricas internas e internacionais, ou conforme salientei no texto principal, com relação à geopolítica adotada pelos Estados Unidos para a Ásia, após a Guerra da Coreia.

A terceira corrente teórica está associada à relevância do cenário externo favorável, “criando condições necessárias” para que o país pudesse se lançar no processo de desenvolvimento (p. 13).

Não seria exagero considerar que Wallace pretende lançar uma quarta corrente de interpretação.

Em relação a Chang (endogenista) o que percebo é que sub-repticiamente está nos propondo um modelo de desenvolvimento econômico que deu certo na Coréia, mas que não pode ser aplicado  indiscriminadamente em todas as situações, sem se levar em conta as condições socioculturais, históricas, estágio de desenvolvimento (estrutura produtiva), as relações internacionais (alianças, inimizades) de cada sociedade e até mesmo a sua posição geográfica, que é uma das questões em que se assenta a geopolítica. Neste caso, teríamos também que admitir que seria necessário uma ditadura sangrenta para que qualquer país alcançasse o desenvolvimento econômico.

Isto não significa que algumas de suas sugestões não sejam importantes, como: controle das empresas multinacionais, o papel de um banco central,  importações de tecnologias, o apoio do Estado às empresas privadas, controle pelo Estado de setores estratégicos, formação profissional, exportação, etc.

No tópico “Uma síntese da evolução histórica da Coreia do Sul: cenário externo favorável”, Uallace, que valoriza o passado histórico da Coreia, afirma:

“A visão de que a Coréia do Sul seria um país importante no reordenamento do quadro político internacional, fazia do país um aliado estratégico para os EUA mais do ponto de vista político do que econômico, pois a Coréia teria relevância para os EUA tentarem conter a expansão da influência dos soviéticos na região”, (p. 22/606). Na verdade diga-se na geopolítica americana.

De qualquer forma, essa nova visão dos EUA em relação a Coreia nesse momento foi significativa em vários sentidos. Por exemplo, foram os EUA responsáveis pela reforma agrária e pelo estímulo da formação de mão-de-obra qualificada no país.

A análise do cenário externo é fundamental para o entendimento da evolução da economia coreana e diferenciá-la de outros países de industrialização tardia, como é o caso do Brasil. Em diferentes momentos históricos o cenário externo foi extremamente favorável para a Coreia do Sul. No primeiro momento, durante a colonização japonesa, houve alguns benefícios para a Coreia, embora fosse uma colônia e predominasse a relação centro e periferia ... [...]

No início da Segunda Guerra Mundial, o Japão incentivou as Zaibatsu a transferir para a Coreia alguns setores industriais com o intuito de que as empresas produzissem produtos e depois transferisse para a metrópole, resultando assim no aumento da participação da indústria pesada [...] criando uma infraestrutura no país e dando início à formação de mão-de-obra qualificada (Cumings, 1987).

É importante considerar que além da formação de uma mão-de-obra qualificada herdado pela Coreia através do processo de colonização japonesa, há também a influência do Japão na relação Estado setor privado. [...] O Japão corroborou com o fortalecimento do nacionalismo da Coreia, característica fundamental para compreender a presença de um Estado forte ...” (Cumings, 1987, Amsden, 1989; apud Uallace, p. 22/606).

Posteriormente a este período ocorre a Guerra da Coreia e o país encontra-se sob a presidência de Syngman Rhee  e segundo Uallace:

“Essa guerra teve resultados desastrosos para o país, tendo em vista que toda a infraestrutura criada foi profundamente atingida e isso terminou impactando também a formação de mão-de-obra qualificada, pois a infraestrutura que empregava esta mão-de-obra qualificada não mais existia ou estava muito danificada, exigindo uma realocação desses trabalhadores para setores que não correspondiam a sua qualificação” (p. 22/606).

Em seguida menciona que os EUA estreitaram os laços com a Coreia do Sul, durante o período da Guerra do Vietnam, remetendo recursos para o país, os quais foram diminuídos após 1960.

Obs: Vejam os leitores que este período (após 1960) é o que coincide com a presidência de Park, que adota uma nova política econômica diferente da que vigorava na presidência de Rhee, durante os anos 50, o qual seguia os preceitos dos EUA.

Neste particular fica uma confusão porque ao mesmo tempo em que o autor realça a importância do Japão para a formação de uma mão-de-obra qualificada, citando outros autores, afirma que a Guerra da Coreia teve consequências desastrosas para o país. O mesmo se diga com respeito ao período de ingerência dos EUA (1945-1948), que segundo o autor contribui para a reforma agrária e a qualificação da mão-de-obra. 

A importância do cenário externo parece ter alguma certa relevância para o autor: 

“A evolução do contexto histórico entre os anos 1940 e 1980, deixa nítido que o cenário externo foi favorável para que a Coreia do Sul pudesse lograr o desenvolvimento econômico com taxas elevadas de crescimento e profunda transformação estrutural. Entretanto, não significa afirmar que o cenário externo foi determinante para tal fato, mas sim na medida importante na medida em que o governo coreano utilizou de forma estratégica esse ambiente benéfico, adotando um modelo de desenvolvimento econômico em que a presença do Estado foi peça- chave na condução política econômica que promovesse o crescimento e a transformação estrutura, materializado nos planos quinquenais implementados no país entre os anos de 1960 aos anos 1980 (pgs. 28/611).

E na Conclusão:

“A performance de crescimento econômico, transformação estrutural e uma estratégia de inserção externa concentrada em produtos mais intensivos em tecnologia da Coreia do Sul, só foi possível pela peculiaridade da estratégia de política econômica interna (p. 42/626). 

Ou seja, leva-nos a crer, ao assumir e citar terceiros, que tanto a ocupação japonesa, quanto à “administração” americana de 1945-1948 e a política adotada por Rhee durante os anos 50  também contribuíram para lançar a Coreia do Sul no caminho do desenvolvimento. Portanto, houve um encadeamento de fatos ao longo dos anos que se acumularam e, por conseguinte, ajudaram e permitiram o sucesso da política econômica de Park.

Diante deste posicionamento deixa-nos espaço para citar outras fontes de informações e adicionar comentários que contrastam com esta visão.

Inicialmente, cito algumas informações que permitem uma melhor avaliação:

“A industrialização situa-se principalmente no norte (na futura Coreia do Norte) sendo o sul predominantemente agrícola” (“Coreia do Sul: o milagre desmascarado”, em www.esquerda.net>art).

Cito Mason e Masiero:

“O aumento massivo da indústria e da urbanização resultou em grandes mudanças na sociedade coreana, incluindo uma queda da população rural para 18%, comparada com 55% em 1965” (o autor se refere à comparação com o final da década de 1990), (p. 305).

“A divisão da Península Coreana, em 1945, criou duas unidades distintas. O norte possuía a maior parte dos recursos naturais e as indústrias pesadas, desenvolvidas durante a ocupação japonesa. O sul possuía a maior parte dos recursos agrícolas, tenho o seu desenvolvimento industrial se concentrado inicialmente na manufatura de bens de consumo de massa orientada para a exportação, especialmente indústrias de trabalho intensivas como têxteis, calçados, vestuário e alimentos.

A economia sul coreana baseada na agricultura, tem demonstrado, desde os anos 60, grande dinamismo industrial. Uma série de planos econômicos foram iniciados em 1962 e orientaram o desenvolvimento da manufatura leve para a exportação” (negritos meus, Masiero, p. 1).

Segundo a Tabela 01, apresentada por pelo prof. Masiero, os diversos setores econômicos eram assim representados:

    Anos                                         1953         1960

Setor primário e mineração:        48,4%       38,90%

Setor manufatureiro           :          9,0%       13,80%

Setor de serviços                :         40,0%      43,20%

            Setor governamental           :            2,6%         4,10%

     Fonte: Seoul Oficce Statistics, August 1995; apud  Masiero

Segundo o mesmo autor (Masiero) em 1980 (Park foi assassinado em finais de 1979), o Setor primário e mineração contribui com 16,2%, o manufatureiro com 28,2% e o governo com 10,1%. Esses números já nos dizem muita coisa. Estas informações fortalecem e indicam que a Coreia do Sul até o início do governo Park (1961) era predominantemente agrícola e que a indústria ainda não era primordial na economia do país. Em 1980 a manufatura ultrapassa o setor primário e mineração e o governo aumenta a sua contribuição de 2,6 % (1953) para 10,1%, demonstrando o grande esforço e a sua importância durante a presidência de Park.

Por outro lado, o PNB (Produto Nacional Bruto) do país salta de US$ 1,9 bilhões em 1960 para US$ 60,6 bilhões em 1980 e as exportações, com a população crescendo de 25 milhões para 38,1 milhões, respectivamente. Não menos importante é o crescimento das exportações de 533,66%.

Estrutura manufatureira     1953    1960    1980

Indústria leve %                      68, 9     76,6     46.4

Indústria pesada %                  21,1      23,1     53,6

Fonte: Seoul Oficce of Statistics, August 1995; apud Masiero

Com o fim da Guerra da Coreia as economias das duas Coreias foram bastante danificadas:

A guerra nada resolveu, obteve pouco além da destruição ...”, segundo Mason (p. 305):

“Durante três anos, a guerra é devastadora e coloca o  mundo à beira de uma Terceira Guerra  Mundial (“Coreia do Sul: o milagre desmascarado”, em www.esquerda.net).

Os dados também demonstram que a Coreia do Sul durante a presidência de Rhee não atingiu progressos no que diz respeito às bases que possibilitassem o desenvolvimento econômico. Nesse período houve uma forte influência da política liberal orquestrada pelos EUA, com a liberalização e privatização dos bancos, da assunção da propriedade das empresas japonesas por parte dos americanos e liberdade ao capital externo (diga-se americano).

Em artigos postados neste blog já coloquei a minha posição sobre a inviabilidade dos países subdesenvolvidos alcançarem o desenvolvimento socioeconômico adotando políticas econômicas liberais (neoliberais). Por este motivo evito repetir os mesmos argumentos neste artigo. Consultar: “A ideologia das Vantagens Comparativa”, “Desenvolvimento e Livre Comércio” e “A Nova Geopolítica (fundamentos e ideologia)”, tópico “Liberalismo político e econômico e a privatização”, postados neste blog.

Comentários: Em primeiro lugar desconheço quaisquer contribuições importantes das Metrópoles para o desenvolvimento econômico de suas Colônias. É verdade que Marx afirmou que as Metrópoles eram um espelho para o qual as Colônias iriam olhar, mostrando-lhes o caminho. Com isso, deduz-se ou deduziram que no futuro as Colônias iriam seguir, normalmente, as Metrópoles, seguindo os exemplos e os passos necessários ao desenvolvimento. Embora pareça uma grande afirmação podemos hoje concluir que é muito primária, pois desconsideravam as condições históricas, socioculturais e estágios de desenvolvimento, imersos em novas relações internacionais, entre as Metrópoles, Colônias e os países de industrialização tardia. Não por acaso existem ainda hoje sociedades que estão em contato com os meios de comunicação modernos e outras modernidades, mas permanecem num estágio comparativamente bastante retrógrado.

Por seu lado a história nos mostrou algo bem diferente. Para a surpresa geral, o que ninguém previu, nem mesmo Marx e, posteriormente, Trotsky (com a sua teoria do “desenvolvimento desigual e combinado”), foi que o domínio ia levar os países dominados a um impasse ao desenvolvimento acompanhado por uma desestruturação de suas economias, mesmo que primárias ou de industrialização incipiente. E que a industrialização dos países coloniais e daqueles de industrialização “tardia”, deixada a cargo das forças de mercado, iria trazer distorções, com sérios entraves ao desenvolvimento. A internacionalização dessas economias (suas trocas) se daria de forma complementar, através de especializações determinadas pela Divisão Internacional do Trabalho.  

Isto, porque houve uma mudança de paradigmas no se refere à forma de domínio, que passou a ser industrial, financeiro, tecnológico e ideológico, com respaldo do poder político e por vezes militar, ao mesmo tempo em que os países desenvolvidos passaram a “receitar”, através de ingerências políticas nos organismos internacionais, políticas econômicas desalinhadas com as realidades dos países subdesenvolvidos.

O fato de o Japão construir estradas de ferro para o escoamento de produtos coreanos, transferir indústrias químicas e mecânicas para o país e este ter um sistema bancário sob o controle japonês são poucos significativos como alicerces para o desenvolvimento. Para um desenvolvimento social e econômico é necessário que a industrialização não esteja apenas voltada para suprir algumas necessidades do país colonizador, que no geral transferem indústrias com tecnologia obsoleta.

Necessita-se de uma industrialização “integrada” com indústrias de ponta, com uma mão-de-obra qualificada, com apoio da ciência, fazendo inovações tanto nas técnicas de produção quanto no melhoramento e criação de produtos. Se também levarmos em consideração os aspectos culturais, o Japão não iria transferir uma tecnologia de ponta, porque os japoneses desprezavam os coreanos e adotaram no país um sistema de exploração bastante cruel, quase de escravidão. Seria permitir que os desprezados coreanos se tornassem num potencial competidor (isto já está em Sun Tzu, 400 anos a.c). Dizer que a mão-de-obra coreana foi qualificada pelo Japão e que a Coreia aproveitou estas vantagens é ir longe demais.

Relatar estes fatos é puro historicismo. Em vez de simplesmente mencionar seria importante que os fatos fossem compatibilizados com as mudanças ocorridas nas diretrizes das políticas econômicas e nos planos de desenvolvimento adotados, com avaliações dos tipos de tecnologias transferidas e para quais setores. Reconheço que é um trabalho hercúleo, principalmente, porque esta avaliação não pode ficar sob a responsabilidade de economistas, mas de técnicos especializados.

Para os que se dedicam ao assunto, sem terem conhecimentos específicos sobre as técnicas de produção, uma análise histórica, inclusive comparativa, dos procedimentos e práticas dos países industrializados e das suas indústrias “multinacionais” (internacionais) nos permite tirar conclusões bastante plausíveis.

Seria esperar muito do Japão, um dos países imperialistas mais cruéis que se tem notícia. Uma mão-de-obra qualificada com vistas a um processo de desenvolvimento tem que estar inserida em setores estratégicos que reforcem as sinergias entre eles, amparados na ciência e apoiadas numa infraestrutura adequada e adaptada à estrutura produtiva. Este é o tipo de investimento que o capital estrangeiro não realiza, devendo-se considerar ainda que os cargos de direção e chefia eram sempre ocupados por pessoas nascidas nas Metrópoles.  Também vai contra os argumentos de Chang que atribui ao Estado o papel na formação de uma mão-de-obra bem qualificada, no período do Presidente  Park.

        “O controle da Coreia pelo Japão, que durou até o final da Segunda Guerra Mundial em 1945, continuou a ser duro – e mesmo brutal, e ainda influencia os sentimentos dos coreanos em relação ao Japão. [...] Metade da produção de arroz coreana era para encher os estômagos japoneses, provocando desnutrição e pobreza massivas na Coreia” (sublinhei, Mason p.304).

“Durante a Segunda Guerra Mundial, quase dois milhões de coreanos foram conscritos para trabalho escravo no Japão, grande parte deles em jornadas de 12 horas por dia em minas sob condições terríveis

Entre os conscritos estavam mais de 100.000 “mulheres de conforto” (comfort women) – jovens forçadas a se prostituir aos soldados japoneses” (sublinhei, Mason p. 305; essa questão da prostituição é uma das grandes desavenças e rancores com os japoneses, que ainda perduram.    

“O desenvolvimento sob o governo japonês trouxe poucos benefícios para os coreanos. Praticamente todas as indústrias pertenciam à empresas japonesas instaladas ou não na Coreia. [...] A colonização japonesa foi severa. Entre 1930 e 1945, o governo passou a exigir que todos os coreanos falassem japonês (grifos meus, Masiero).

A ocupação Americana (1945-1948) na Coreia foi caracterizada por incerteza e confusão. Esta situação foi decorrente de uma clara política americana para a Coreia [...]”, ( Masiero, p.10)

A participação do governo na formação de cientistas e técnicos pode ser constatada:

“Esses engenheiros e outros cientistas trabalham nos muitos Institutos de Pesquisa e Desenvolvimento Governamentais ou das grandes empresas, no Instituto Coreano de Ciência e Tecnologia (KIST) desde sua criação em 1966 e no Instituto Coreano Avançado de Ciências (KAIST) desde 1975 e sua duplicação em 1995. Este último é responsável por mais da metade dos doutores em ciências e engenharia formados na Coreia. Estes institutos públicos e privados foram e ainda são incentivados pelo governo através de empréstimos preferenciais, dedução de impostos , depreciação acelerada, redução de tarifas”, (Masiero, p 8).

“O percentual do orçamento total do governo destinado para a educação cresceu de 2,5% em 1951 para 17% em 1966 e 23% em 1995. Neste período a participação no total dos gastos não foi maior que um terço, ficando os demais dois terços para a iniciativa privada; normalmente grandes empresas e as famílias”, (idem, p, 6). 

Quando vejo estes argumentos, me lembro do Brasil que fundou a usina siderúrgica indústria de Volta Redonda em abril de 1941; criou o BNDS em junho de 1952 (para impulsionar e financiar a economia); recebeu investimentos ingleses para construção de linhas férreas durante o auge do café, com a mudança da produção para o Oeste de São Paulo, nos finais do século XIX; com filiais de bancos ingleses para financiamento; deu incentivos para as empresas privadas (não as obrigou) para formação de quadros (incluindo alimentação) e praticamente já erradicou o analfabetismo e continua a marcar passo.

Por outro lado parece ser consenso que com o fim da Guerra da Coreia as economias das duas Coreias estavam bastante danificadas:

A guerra nada resolveu, obteve pouco além da destruição ...”, segundo Mason (p. 305):

“Durante três anos, a guerra é devastadora e coloca o  mundo à beira de uma Terceira Guerra  Mundial (“Coreia do Sul; o milagre desmascarado”, em www.esquerda.net).

“A Coreia do Sul só pode iniciar sua reconstrução econômica e desenvolvimento somente o cessar fogo através de massiva assistência econômica dos Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas, (itálicos meus, Masiero, p. 12).

Para reforçar a situação em que se encontrava a Coreia do Sul no final da guerra, cito passagens do Documentário “Guerra da Coreia”, levado pelo Canal Odisseia, PT, em 23/11/2020:

“O luxo de esquecer a guerra não era possível na península coreana. Três anos de conflito sangrento deixaram ambas as Coreias devastadas, as suas cidades arrasadas e as suas economias destruídas. Após a assinatura do Armistício a península coreana era um campo de destroços. Os EUA largaram mais bombas na Coreia do Norte nos três anos de guerra do que largamos em toda 2ª Guerra Mundial. Basicamente, arrasámos o país. O lado da península sul não ficou melhor. Ficou tudo destruído. Tivemos que começar do zero. Injetaram milhões de dólares para reconstruir a Coreia do Sul, mas o país continuava a ser um dos mais pobres do mundo. Syngman Rhee, que continuou o seu regime autoritário após o Armistício, liderava um governo corrupto e incompetente. Procurava obter ajuda econômica dos EUA e de outros países, mas usava para subsidiar o seu poder, desviando-a de qualquer plano econômico. No campo e nas grandes cidades, a comida e os recursos básicos eram escassos. Venho de uma ladeia piscatória do Sul, a leste da Coreia do Sul” (relato de Victor Cha, Conselho de Segurança Nacional (2004-2007).

E que a industrialização (ou mesmo a internacionalização) de suas economias se daria basicamente de forma complementar, especializadas num quadro de Divisão Internacional do Trabalho, ou melhor, na estática Teoria das Vantagens Comparativas, de David Ricardo.

Resumindo este tópico: mesmo se considerarmos que durante a ocupação japonesa a Coreia recebeu instalações modernas, o que é muito pouco provável,  essas indústrias serviam às necessidades do Japão, não eram integradas (“não era um conjunto coerente”, www.esquerda.net); a Coreia alcançou o desenvolvimento décadas após o colonialismo japonês quando as tecnologias anteriormente transferidas já estavam muito provavelmente obsoletas; após o término da Segunda Guerra Mundial o sul era predominantemente agrícola (75% da população era rural no início dos anos 1950, segundo www.esquerda.net); e continuou até o início do  governo Park e, finalmente, a Guerra da Coreia destruiu bastante a infraestrutura e a economia como um todo.

Vendo as cenas do documentário, na época, custa-me acreditar que aqueles escombros, verdadeiros esqueletos industriais pudessem contribuir de alguma forma para o desenvolvimento do país mais de uma década depois. Isto sem levar o número de mortos, calculado em milhões, muitos dos quais, provavelmente, especializados em alguma profissão. 

Voltando à questão quanto à modernização também existem controvérsias, pois no mesmo artigo  (www.esquerda.net) encontramos esta informação sobre a modernização da indústria coreana durante o imperialismo japonês. Segundo este artigo o Japão deixou:

“instalações modernas em termos de transporte e de eletricidade, uma indústria relativamente importante que ia do têxtil ao armamento, passando química e pela construção mecânica, e também um sistema bancário completo”.

Contrariamente, o que o texto nos permite deduzir é que a modernização ocorria no setor de transporte e iluminação, porque a seguir no mesmo artigo encontramos:

“Tendo ficado na posse de uma indústria atrasada e de um sistema financeiro, que anteriormente pertencia aos japoneses, o governo de Syngman Rhee serve-se disso com o beneplácito do Governo militar dos Estados Unidos, para recompensar e consolidar a lealdade dos proprietários que constituíam a sua clientela política” (em www.esquerda.net).

“O desenvolvimento industrial dos anos cinquenta foi essencialmente organizado em torno da produção de bens com vista à substituição de importações, para satisfazer o mercado interno, principalmente agroalimentar e têxtil. Esses dois setores representavam 55% da produção industrial em 1955” (grifo meu, em www.esquerda.net).

Como todos sabem, esta prática de transferir tecnologia defasada era e é bastante comum nas políticas das empresas multinacionais, daí porque alguns países subdesenvolvidos passaram, num segundo momento, a exigir em acordos a transferência de tecnologia. Este foi um dos grandes pecados que o Brasil pagou caro, ao permitir que as multinacionais transferissem para o país uma tecnologia obsoleta, sob o amparo da Instrução nº 113, conforme mencionei em diversos artigos. Outrossim, na época o desenvolvimento já não se fazia com indústria têxtil e agroindústria.

Coube aos teóricos marxistas, já nos anos 70 do século passado, considerar o modus operandi das empresas multinacionais nas suas relações entre matrizes e filiais e, consequentemente, de uma forma mais abrangente a importância dessas empresas numa NDIT (Nova Divisão Internacional do Trabalho). 

Suas conclusões não corroboram as teses relativas às contribuições ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, num sistema liberal. Infelizmente, os economistas liberais se abstraem da realidade e constroem modelos e levantam hipóteses que não correspondem às realidades. Trata-se de uma questão ideológica, através da qual se reforça o status quo, os laços entre dominantes e dominados.

Os leitores poderão observar o quanto as informações nos textos citados e nos próprios textos são um tanto contraditórias. Mas, como afirmei acima, com estas informações temos que garimpar e verificar o que é plausível.

O outro ponto que convém reforçar é que no período de governança de Rhee (1948-1960) a Coreia do Sul adotava uma política econômica com base nos preceitos dos EUA, orientada para o liberalismo e que somente quando Park assumiu houve mudança de paradigmas:

       “O sistema financeiro coreano começou a ser montado já no período de colonização japonesa. [...] Com o fim do domínio japonês sobre a Coréia, início da ocupação americana e o período da Guerra da Coréia, todas as propriedades japonesas foram repassadas para o governo americano, inclusive as incipientes instituições financeiras. [...] Os anos 1950 serão marcados também pelo processo de privatização dos bancos, uma exigência do governo americano.

Os anos 1960 foram marcados pelo processo de reestatização do sistema bancário, fazendo com que o comando estatal predominasse tanto sobre os fluxos de crédito interno como externo, com o objetivo de financiar o processo de industrialização (Wallace, p. 34/618; os negritos são meus).

Não foi somente isto segundo Ha-Joon. Lembrem-se de que, em um período praticamente idêntico, o Brasil também entrou num processo de substituição de importações, objetivando, com os benefícios concedidos às empresas estrangeiras, o desenvolvimento do país, conforme consta de diversos textos que publiquei neste site. Park assumiu o poder em 1961 e deu um golpe poucos anos depois e no Brasil o golpe se deu em 1964, que “oficialmente” durou até 1985.

Continuando, Uallace destaca outros fatores importantes que contribuíram para o processo de desenvolvimento: vultoso aporte de recursos para a área militar, por parte dos EUA, com o início da Guerra do Vietnam; tais recursos permitiram realoca-los para outros setores da economia, transportes, infraestrutura e indústria; estrutura de propriedade do capital; organização empresarial; centralização do capital; processo de absorção e desenvolvimento tecnológico (p. 28/612).

Acredito que o período que vai da colonização japonesa até a morte do presidente Park não pode ser considerado como uma continuidade, sem que se pondere o corte radical na política econômica, que se iniciou com o presidente citado (Park), colocando para baixo do tapete a política liberal de seu antecessor. E é este período do Presidente Park que Ha-Joon Chang considera fundamental para a viragem da economia sul-coreana. Na realidade este “pormenor” é de fundamental importância para fugirmos do simples historicismo, adotado também pela Escola de Campinas, que alerta para a importância histórica, mas que também não nos diz muita coisa, se levarmos apenas as citações de Wallace.

Quanto à absorção de tecnologia é forçoso dizer que ela simplesmente não aconteceu com uma industrialização, mas esteve inserida na própria política adotada por Park, como bem esclarece Chang. Portanto, deve-se analisar em pormenor este assunto.

Ora, não levar em consideração a substancial mudança na política econômica é fazer tábula rasa (ignorar) as profundas diferenças que as duas políticas têm sobre o processo de desenvolvimento.

Em que pese Ha-Joon não levar em consideração tanto a geopolítica dos EUA para a região, com a ajuda externa financeira, quanto às condições socioculturais, o fato é que houve uma modificação fundamental na política interna do país.

Isto é importante, porque para Chang a centralização do capital financeiro pelo estado, o estímulo do governo à iniciativa privada, à criação de empresas estatais como motores de absorção de tecnologia e de novas indústrias, associadas a investimentos em áreas técnico-científicas (educação), o controle das multinacionais em relação aos setores estratégicos e aos que competiam com as indústrias nativas, a obrigatoriedade de transferir tecnologia, o controle das importações de bens supérfluos e outros mais foram fundamentais para lançar o país no caminho do desenvolvimento.

Cito novamente o autor em “As nações hipócritas”:

“O Governo coreano também controlou fortemente o investimento estrangeiro, acolhendo-o de braços abertos em certos setores, e proibindo-o completamente noutros, de acordo com a evolução do plano de desenvolvimento nacional”, (Chang, p. 28).

“O Presidente Park lançou um ambicioso Programas de Indústria Pesada e Química (IPQ) em 1973 [...]. Novas empresas foram criadas nas áreas de eletrônica, maquinaria, produtos químicos e outras indústrias avançadas”, (p. 21).

“A obsessão do país com o desenvolvimento econômico refletia-se totalmente na educação”, (p. 21/2).

E segundo Masiero:

“A Coreia do Sul conseguiu dar continuidade ao seu desenvolvimento econômico de forma acelerada a partir do governo Park.

Neste período, as condições econômicas e de infraestrutura ainda se encontravam pouco desenvolvidas, sendo que o país possuía uma das mais baixas tendas per capita do mundo e baixo nível de reservas e tecnologia, (p. 21).

Acredito que houve um lapso do autor porque não houve continuidade e sim uma ruptura. Ainda segundo Masiero, o período de 1963-1971, considerado como a 1ª arrancada do governo Park, a economia cresceu 8,8% a.a.; no período de 1972-1975, 1ª fase da industrialização pesada, cresceu 18,9% e na 2ª fase da industrialização pesada, que vai de 1975 até sua morte (1979), cresceu 10,6%.

Evidentemente, conforme já informamos em outros artigos, não é apenas o crescimento econômico que é importante, porque crescimento e desenvolvimento econômico são conceitualmente distintos, pois este último trata de mudanças estruturais na economia, para setores em tecnologia de ponta.

O que é importante é que Chang é um crítico perspicaz do liberalismo econômico, que deixa nas mãos das empresas multinacionais as transferências e avanços tecnológicos. Por este motivo, sem considerar este corte substancial, para não dizer de paradigmas, fica impossível captar os fundamentos deste processo de desenvolvimento.

Com relação a reforma agrária implementada pelo governo com apoio dos EUA em 1948 e a sua importância para as nações que buscam o desenvolvimento abri o Anexo I, que trata dos aspectos gerais da reforma agrária, concluindo que a mesma é incapaz de surtir os efeitos necessários para lançar um país no caminho do desenvolvimento.

Também, não me detive sobre a forte repressão dos sindicatos nas duas administrações, principalmente porque o assunto está relacionado com as posições assumidas por Ha-Joon Chang. Mas não deixo de ressaltar a provável importância do fato em relação à competitividade dos produtos coreanos, em momentos importantes, merecendo uma investigação mais aprofundada. Os interessados  poderão encontrar detalhes nas obras citadas.

 

A QUESTÃO DA GEOPOLÍTICA AMERICANA

Já havia afirmado em artigos anteriores, que esta viragem na geopolítica americana acorreu em detrimento dos acordos que vinham sendo delineados com o Brasil. Também, não compartilho da ideia de que este foi um fato de relevância secundária para o desenvolvimento coreano. Pelo contrário, acredito que estes fatores se combinaram e se reforçaram dialeticamente permitindo lançar os fundamentos para o desenvolvimento. E uma das questões dialéticas é que consequências e efeitos se relacionam, ocupando posições opostas, conforme Engels nos ensinou em “Socialismo utópico e científico”. 

Segundo Wallace:

“Portanto, fica claro que os recursos externos dos EUA foram importantes para a Coreia nos anos 1940 e 1950, enquanto os recursos japoneses foram relevantes nos anos 1960 e 1970” (p. 24/608).

O artigo “Coreia do Sul: o milagre desmascarado” é mais específico sobre o assunto:

“Facto totalmente escamoteado pelo Banco Mundial, a Coreia não recorreu, de todo, a empréstimos externos durante os dezessete anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial e, depois, apenas contraiu empréstimos de forma muito moderada até 1967.

Entre 1945 e 1961, a Coreia não pede empréstimos e não recebe qualquer tipo de investimentos estrangeiros. Segundo os critérios do Banco e do pensamento neoclássico, tal situação é uma anomalia.

Em compensação, no mesmo período, a Coreia recebe sob a forma de donativos 3.100 milhões de dólares. Essa soma representa o total da ajuda externa recebida. Esse montante é de fato considerável: é o dobro do que foi recebido pela Bélgica/Luxemburgo/Holanda durante o Plano Marshall, mais de um terço do que a França recebeu e mais de 10% do que a Grã-Bretanha obteve. Retomando a comparação do capítulo 4 sobre um período mais longo, os donativos recebidos pela Coreia entre 1945 e 1961, foram superiores ao total de empréstimos concedidos pelo Banco Mundial ao conjunto dos países em desenvolvimento, que conquistaram a independência (incluindo as colônias).

A partir de 1962 a Coreia contrai empréstimos, mas moderadamente. Entre 1962 e 1966, os donativos dos Estados Unidos eram ainda 70% do total do capital que tinha entrado no país, os empréstimos 28% e o investimento estrangeiro 2%. É apenas a partir de 1967 que as entradas de capital assumem principalmente a forma de empréstimos contraídos junto a bancos estrangeiros, sobretudo japoneses. O investimento estrangeiro só se torna importante a partir dos finais dos anos oitenta, quando a Coreia já tinha sucesso a nível industrial” (grifos meus, em www.esquerda.net).

Em complemento, cito a Monografia de Bacharelado, de Pedro Heitor Caldas, com a orientação do Prof. Carlos Pinkusfeld, em panteon.urfj.br>bitstream:

“A Coreia teria recebido, entre 1946 e 1978, ajuda militar e econômica da ordem de US$ 12,6 bilhões. Isto faria dela o país a receber o maior contingente de auxílio externo do mundo, especialmente nos anos 50. Somente em 1956, a Coreia teria recebido US$ 330 milhões em assistência econômica e US$ 400 milhões em ajuda militar. Se somarmos a este contingente o valor gasto ali por soldados americanos, chegamos ao impressionante influxo de  US$ 1,13 bilhões, o equivalente a metade do PIB coreano deste ano”. Complementando ainda através da tabela a seguir (tabela 2.1.4.1) que indica doações ao redor de 10% do PIB” (Yoon-Je Cho apud Caldas, p. 20)

“A ajuda americana também vinha através de produtos doados pelos EUA ao governo coreano. Este revendia a preços de mercado gerando receita para o Estado, o que foi fundamental para reconstruir a infraestrutura do país, notadamente escolas públicas que se expandiram particularmente a partir das doações”, (Cho apud Caldas, p. 21).

“Entra em cena o General Park Chung Hee que assume o país depois do golpe de estado em 1961 (1961-19790). Sob o comando do general a participação do general na Guerra do Vietnã foi de extrema importância para a Coreia do Sul e permitiu a assinatura do Memorando Brown, que garantiu vantagens econômicas à Coréia e previa segundo Cho: 1) apoio financeiro ao país; 2) assistência técnica e financeira para a modernização das forças armadas; 3) apoio à expansão das exportações; 4) prioridade para as empresas de origem sul-coreana em contratos de fornecimento e serviços relacionados à guerra e, 5) garantia de que técnicos civis coreanos teriam oportunidade de trabalho no Vietnã”, (p. 23).

Nesse período, os EUA haviam anunciado a diminuição do fluxo de ajuda econômica, porém tal não se verificou por completo à media que os EUA substituíram a ajuda direta por bilionários contratos de mercadorias e serviços, remessa de soldados aliados, que vemos mais detalhadamente em outra seção, e assistência técnica militar’ (negritos meus; Silva apud  Caldas, p. 23)

E repito mais uma vez Masiero:

       “A Coréia do Sul só pode iniciar sua reconstrução econômica e desenvolvimento somente após o cessar fogo através de massiva assistência econômica dos Estados Unidos e da Organização das Nações Unidas, (itálicos meus, Masiero, p. 12).     

Evitando controvérsias e até mesmo outras interpretações, temos que distinguir reconstrução econômica de desenvolvimento.

Acredito que estas citações são suficientes para demonstrar, de forma incontestável, a importância que a geopolítica americana desempenhou no desenvolvimento econômico da Coreia do Sul.

Ora, este período que se inicia em 1961 é exatamente o que coincide com a presidência do Presidente Park, no qual se baseia a análise de Ha-Joon. E é um período que vai frontalmente contra dos ditames da política econômica externa dos EUA, que anteriormente apoiavam a privatização do sistema bancário, de toda a indústria e também a liberdade das empresas multinacionais. Portanto, a política de Park, ao contrário dos seus antecessores, vai contra o liberalismo propagado por Washington.

Então, a questão básica passa a ser saber o porquê dos EUA continuarem a apoiar o país quando a política econômica era contrária às suas diretrizes, ou, talvez, quem sabe, em “tese”, contrária aos seus interesses. Em minha opinião, sem colocarmos estes pontos não avançamos na compreensão do processo de desenvolvimento coreano. Como também não avançamos, tanto quanto podemos, se excluirmos os condicionantes socioculturais.

Desnecessário reafirmar que a região da Ásia estava bastante vulnerável à ideologia socialista, tanto pela Rússia como pela China de Mao, que apoiaram a Coreia do Norte na Guerra da Coreia.

Uma das condições necessárias para que a política do Presidente Park fosse aceita pelos EUA era o alinhamento político desse presidente ao combate do socialismo que tomava vulto na região.

Para sedimentar este alinhamento se deu o engajamento da Coreia do Sul na Guerra do Vietnam. Com a escalada dessa guerra, com Johnson na presidência dos EUA, o presidente Park começa a enviar militares sul-coreanos, para combater ao lado dos americanos, com um contingente inicial de 140 militares em setembro de 1964. Estima-se que o total de sul-coreanos envolvidos na guerra foi em torno de 313.000, nunca ultrapassando o efetivo de 47.000 mil soldados (para mais informações consultar “O envolvimento sul-coreano na guerra do Vietnam – Herdeiro Aécio”, em herdeirodeaecio.blogspot.com).

Daí a sua “benevolência” quanto ao regime instalado por Park e a sua política econômica.

Ou conforme Marshall:

“[...] mas o que lhe faltou compreender foi que os americanos sabiam que, se não fossem em auxílio de seu aliado sul-coreano, os seus outros aliados, em todo o mundo, perderiam a confiança neles. E, se os aliados da América, no auge da Guerra Fria, começassem a alargar as suas opções ou passar para o lado comunista, toda a estratégia global seria posta em causa” (p. 188, citado no texto).

Por outro lado, não se pode descartar a hipótese que de que aos EUA ficariam bastante vulneráveis ideologicamente com o falhanço do capitalismo na Coreia do Sul.

Considerando este ponto, o subdesenvolvimento da Coreia era um ponto negativo para os americanos, defensores do capitalismo, podendo incentivar ainda mais os outros países da região para o socialismo. Daí a sua “benevolência” quanto ao regime instalado por Park e a sua política econômica.

Escusado dizer que a democracia está desalinhada e ameaçada, mesmo com a retórica atual. O desmantelamento dos sindicados, o debacle socialismo na União Soviética e repúblicas, a globalização e o monetarismo anglo-saxão (leia-se “neoliberalismo”) contribuíram para liberar as rédeas do capitalismo, desvencilhando-o dos seus entraves externos, ou melhor, da ameaça ideológica do socialismo em favor das classes desfavorecidas. Os líderes do capitalismo americano não tinham mais estas preocupações, se fortaleceram e lançaram uma contraofensiva ideológica bem sucedida, com a globalização e o novo liberalismo, conforme o Consenso de Washington. 

Não precisamos de muito para constatar que o contraponto ideológico e teórico do socialismo, mesmo sendo um blef das repúblicas soviéticas que não foi detectável durante o período da Guerra-Fria, ajudou a moldar um Estado do Bem Estar Social, um sonho, uma utopia, que as leis “às soltas” do capitalismo estão em vias de destruir. No momento em que o socialismo da China se converteu ao capitalismo estatal-dirigido também deixou de ser ameaça socialista.  

Os resultados não tardaram por vir, em diversos países, num elevado grau de contágio. No país líder, no momento em que Reagan reprimia os sindicatos e abraçava às teorias da oferta, os Estados Unidos, já nos meados dos anos 80 ocorreram: a crise de “poupanças e empréstimos”; crise asiática nos finais dos anos 90 (no rescaldo da pressão pela liberalização dos mercados financeiros asiáticos e russo, apoiada pelo FMI); especulação e bolha nas empresas ponto.com, início de 2000; crise financeira de 2007/8 (a maior depois da Grande Depressão); desemprego, salário mínimo federal defasado durante anos, concentração de renda exacerbada e pauperização da classe média (os leitores poderão consultar o livro de Reinhart e Rogoff, para verificar o número de crises e países). No Japão a crise imobiliária de 1992 se propagou por mais de dez anos.

Por estes motivos compartilho da ideia de que o cenário geopolítico foi de fundamental importância para que a Coreia do Sul pudesse alcançar o status de país desenvolvido nos anos posteriores. Não que tenha sido determinante, conforme muito bem salienta Uallace.

Se fosse determinante teria dado o salto de qualidade já na era da presidência de Rhee (1948-1959), que adotou o liberalismo econômico. Por isto, seria improvável, para não dizer impossível, que o desenvolvimento fosse alcançado sem as modificações implantadas pelo Presidente Park. Por outro lado, se adotarmos a posição de que o apoio americano foi secundário chegaríamos à conclusão de que os EUA despejaram recursos no país e, também, na região a troco de nada, fato totalmente incabível. Neste contexto, poderíamos alegar que a ajuda americana para a reconstrução da Europa com o Plano Marshall, também foi irrelevante, devendo-se ressaltar que a Coreia recebeu subsídios e donativos superiores a muitos dos países europeus, segundo informações acima, que lhe permitiu a importação de equipamentos tecnológicos sofisticados.

Portanto, estes dois aspectos são complementares e não podem ser considerados isoladamente ou qual deles seria determinante. Hoje em dia, no momento em que os gastos em tecnologia, ciência e educação são extremamente relevantes, em qualquer economia que queira alcançar ou manter-se desenvolvida, a ajuda aos subdesenvolvidos se faz necessária        para facilitar a importação de equipamentos tecnologicamente sofisticados, incrementar as exportações (como realmente foi feito) e de realizar e permitir a transferência tecnológica, que deverá ser absorvida criativamente pelos cientistas e técnicos do país receptor (muitos deles especializados nos países desenvolvidos, nas áreas “escolhidas”, através de acordos de cooperação).

Durante o período de Park que vai de 1970 a 1979 e posteriores, até 1989, o saldo da balança comercial do país com os EUA foi sempre positivo e com o Japão sempre negativo, fato que confirma o apoio dos EUA às exportações, possibilitando ao país a importação de tecnologia e a assistência técnica  japonesa, (segundo Uallace: Fonte United Nations Commodity Trade Stastitics Database).

Destino das exportações e importações da Coreia:

                Ano:         1970         1976        1979

Estados Unidos:

       Exportações:      46,8%      32,4%      29,2%    

       Importações:      29,5%      22,3         22,6%

Japão:

        Exportações:     28,1%      23,4%      22,3%   

        Importações:     40,8%      35,3%      32,6%        Fonte:United Nations Commodit Trade Statistics Database

Os acordos de cooperação com Estados Unidos e Japão para a formação de cientistas e engenheiros também foram importantes.

“No período de grande assistência técnica, até a metade da década de 60, muitos empregados do governo ou das empresas eram enviados aos Estados Unidos para treinamento ou negócios”. (Masiero).

O mesmo se diga com relação aos cursos superiores e formação de doutores (PhD).

E o mais importante é que não houve “fuga de cérebros” como ocorreu atualmente ocorre no Brasil (conforme salientei em artigos anteriores). O governo de Park adotou uma formação científica e técnica (engenheiros) que fosse compatível com a estrutura industrial que vinha sendo implantada, assegurando os empregos. Não se tratava de um esforço em educação aleatório, desconectado da industrialização e, consequentemente, do processo de desenvolvimento..

As relações e acordos entre os países servem também para evitar que os países desenvolvidos adotem sanções ou forcem a adoção de políticas contrárias às realidades dos países, inviabilizando-os. Conforme destaquei em artigos anteriores, também existem muitos meios que podem ser utilizados pelos países desenvolvidos para criar obstáculos aos que querem alcançar níveis mais elevados de desenvolvimento socioeconômico, principalmente quando estes últimos possuem estruturas de produção arcaicas e que foram destruídas pela guerra, como foi o caso da Coreia do Sul.

Não se fazem mais pesquisas científicas e tecnológicas individualmente em pequenos laboratórios, mas sim em equipes, com o auxílio de equipamentos sofisticados e bastante caros. Também os ramos científicos e industriais se multiplicaram e os desafios tornaram-se maiores.

 

       VOLTANDO À QUESTÃO CULTURAL

E quanto à cultura? O que temos a dizer tendo em vista que o texto principal realça esta questão?

Na conclusão do mencionado artigo alertava para os efeitos que a Instrução Sumoc nº 113 trouxe e afirmava:

“Queiramos ou não a autoestima, a perseverança, abdicação do presente em relação ao futuro e um pouco de patriotismo também fazem o caldo cultural, da matéria prima que deverá pavimentar o caminho do desenvolvimento”.

Estes são uns dos pontos que venho insistindo nos meus diversos artigos postados neste blog, contra a visão economicista reinante. Outrossim, no artigo “Poupança, investimento, a falácia (paradoxo) da poupança externa e outros aspectos do desenvolvimento”, publicado neste blog, em julho de 2016, menciono diversos aspectos socioculturais e ideológicos que foram entraves ao desenvolvimento do Brasil e contribuíram para uma industrialização dependente.

No artigo “Industrialização e desenvolvimento no Brasil – aspectos políticos e sociais (1939 – 1964)”, publicado neste blog em julho de 2015, tópico “O que o protecionismo não explica”, reproduzi alguns algumas passagens de Holanda (Raízes do Brasil), relativas aos aspectos socioculturais dos povos ibéricos:

“Sucede que justamente a repulsa firme a todas as modalidades de racionalização e, por conseguinte, de despersonalização tem sido, até os nossos dias, uns dos traços constantes dos povos de estirpe ibérica” (Holanda, p159).

“Um fato que não se pode deixar de tomar em consideração no exame da psicologia desses povos é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda a moral fundada no culto ao trabalho” Idem, p. 42/3).

“Assim, raramente se tem podido chegar, na esfera dos negócios, a uma adequada racionalização: o freguês ou cliente há de assumir de preferência a posição de amigo”, (Idem, p. 160).

“O contraste com a chamada mentalidade capitalista não é recente”, (p. 161).

Embora tenha as minhas dúvidas, se estas situações já mudaram o suficiente, pelo menos no seio dos meios acadêmicos e intelectuais, o que podemos afirmar é que o Brasil perdeu o bonde da história e que agora tudo será mais difícil. Isto, porque hoje em dia é muito mais difícil trilhar os caminhos do desenvolvimento. As sociedades ficaram mais complexas; os investimentos para alavancar tornaram-se vultosos; os países subdesenvolvidos criaram resistências e bloqueios que os desestruturaram (ou seja, já esculhambaram as suas sociedades); muitas vezes os Organismos Internacionais criados pelos países desenvolvidos tomaram a frente das decisões adotando ideologias convenientes aos mesmos, vinculando a liberação de recursos à adoção de políticas liberais; os países desenvolvidos tornaram-se mais poderosos e aprenderam a se defender através de sanções. 

Mas, oportunamente, permitam-me aproveitar o momento para reproduzir a visão de Friedman sobre as diferenças culturais entre os países do Mediterrâneo e os dos países do Norte, ou mesmo dentro de um mesmo país:

“A instabilidade que irá resultar aqui poderá expandir-se para norte se os problemas econômicos se alastrarem. Não originará guerras entre as nações, mas guerra no seio das nações, entre as massas e a elite e entre grupos étnicos. As políticas mediterrâneas sempre foram brandas. Parte dessa brandura advém de uma cultura, senão de tolerância, pelo menos de inação. Há uma predisposição para suportar coisas que seriam insuportáveis no Norte. Recorde-se a nossa necessidade da Guarda Costeira cipriota e a responda compassiva do comandante do nosso barco. Quando lhe perguntei se iria apresentar um relatório sobre aquela infração, encolheu os ombros não em sinal de impotência, mas de indulgência.

Parte disto resulta de se encontrarem da Europa. São europeus, mas são diferentes deles em alguns aspectos. A eficiência maníaca dos europeus do Norte, a cultura do trabalho como forma de vida, não é compatível com a dos seus vizinhos árabes do outro lado do Mediterrâneo, com quem vivido a lutar e a manter relações comerciais há séculos. É uma cultura comercial, não industrial e uma cultura comercial tem um tempo profundamente diferente. Quando negociamos no sul da Europa é um evento social que pode durar um dia, com ambas as partes a apreciar a experiência. No Norte o preço é fixo e inegociável” (Negritos meus; George Friedman, em “Focos de tensão”, Ed. D. Quixote, maio 2015, pgs. 325/6).

Também, no artigo principal deste Posfácio, cito diversos aspectos socioculturais que fortalecem a minha convicção, cabendo reproduzir Charlotte King (Economic Intelligence Unit, Londes) sobre a questão de Moçambique:

“Uma parte da dificuldade em implantar estas medidas é a elevada resistência de políticos e setor privado, habituados a um Estado despesista” (negrito meu).

É provável que a visão economicista de Ha-Joon tenha contribuído para enaltecer prematuramente alguns países africanos, notadamente Moçambique e também o Brasil, conforme salientei na Conclusão do texto principal.

No artigo principal escrevi que “existem outros aspectos socioculturais “intangíveis” que poderão com a interação de outros, dinamizar ou bloquear o desenvolvimento econômico...” (melhor seria ter dito “incomensuráveis”), afirmando:

Isto é o que distingue o forte capitalismo alemão em comparação com o francês e o italiano e o estímulo à cultura do “empreendedorismo” do capitalismo americano”.

E citando Japiassú:

“Por isso, não podemos explicar esse novo saber apenas pelas exigências econômico-industriais. As mediações socioculturais desempenharam também um papel importante. As amis significativas foram o realismo e o racionalismo próprios aos novos empreendedores, (p. 115).

“Portanto, em nome do realismo histórico, não podemos negar a importância das mentalidades, das atitudes e das visões do mundo (das ideologias) como fatores mais ou menos invisíveis atuando no Progresso da ciência e da indústria” (p. 299, em “Como nasceu a ciência moderna”).

No tocante especificamente à Coreia do Sul, cito passagem de Masiero, que me chamou a atenção por estar muito associada ao que afirmei no texto principal:

“Memórias do tempo de guerra, o relevo montanhoso, a grande densidade demográfica, só superada por Bangladesh, invernos severos e poucos recursos naturais para a sobrevivência também são normalmente apontados como motivadores do trabalho árduo e contínuo. Este espírito de superação individual e coletivo é também percebido no sentimento ou vontade de “vencer o Japão” em indicadores de desempenho ou mesmo na expressão coreana muito popular pali, pali que significa depressa, depressa. A exemplo da palavra japonesa ganbate, que significa esforça-te, mais pronunciada que “tudo bem” no Brasil, traduz o imperativo chamamento público para “deixar de ser preguiçoso” e reforçar o can-do espírito coreano”, (p. 9).

Segundo o texto principal:

“Valores como perseverança, determinação, esperança, eficiência, patriotismo, compromissos sociais, autoestima, coesão cultural e ideológica, criatividade, predisposição para o risco, etc, são “ingredientes” indispensáveis para fazer com que o país possa trilhar o caminho para o desenvolvimento econômico e social”.

“Por trás da tecnologia, existem aspectos fundamentais das relações humanas, formais e informais, todo um sistema cultural, educacional, estrutura e cultura organizacional, resistências sócias à mudança, disciplina, compromisso, técnicas de comercialização, mudanças de hábito e atitudes, indispensáveis e adequadas ao seu funcionamento”.

A colonização cruel imposta pelo Japão à Coreia durante 35 anos, trouxe ou exacerbou uma rivalidade com relação aos japoneses, que persiste, pelos maus tratos sofridos, conforme expus em tópico precedente. Por isso o desejo de não se sujeitar a uma dominação estrangeira, a vontade de superação encontram ecos na autoestima, no patriotismo, na determinação e quem sabe na dureza das condições de vida, conforme destaca Masiero.

A relevância da cultura e dos fatores que a condicionam ainda intriga historiadores e estudiosos, ainda sem resultados satisfatórios e, inicialmente, com base em observações e deduções, pouco científicas, conforme podemos observar neste texto posto pelo historiador inglês Edward Gibbon (1737-1794), em relação aos povos germânicos:

“As nações mais civilizadas da Europa moderna surgiram das florestas da Germânia, e nas rudimentares instituições desses bárbaros podemos distinguir os princípios originários de nossas atuais maneiras e leis. Em sua primitiva condição de simplicidade e independência, os germânicos foram observados pelo penetrante olhar e delineados pelo magistral pincel de Tácito, primeiro historiador a aplicar a ciência da filosofia ao estudo dos fatos”, (p. 107)..

“É difícil determinar e fácil exagerar a influência do clima da Germânia. Muitos autores supuseram, e a maioria deles reconhece, embora ao que parece, sem qualquer prova adequada, que o rigoroso frio do norte era favorável à vida longa e ao vigor generativo, que as mulheres eram mais férteis e a espécie humana era mais prolífera do que em climas mais temperados. Podemos afirmar com segurança que o cortante ar da Germânia formou os imensos e másculos membros dos nativos (cuja estatura era, em geral, superior à dos povos do sul), deu-lhes uma espécie de força mais adaptada a violentas erupções do que o trabalho paciente e inspirou-lhes a bravura constitutiva de seu caráter, como resultado de seus nervos e espíritos. A severidade de uma campanha de inverno, que arrefecia a coragem das tropas romanas, mal era sentida por estes robustos filhos do norte, que, por sua vez, não resistiam ao calor do verão e mergulhavam em letargia e doenças quando expostos aos raios do sol italiano”, (“Ensaios de história”, Ed. Iluminuras, 2014, p. 110/11).

Para finalizar, gostaria de lembrar aos leitores que já manifestei a minha opinião sobre a questão do desenvolvimento econômico, adotando a orientação do economista brasileiro Celso Furtado. Segundo o renomado economista, o mundo não suporta um modelo de desenvolvimento, tal qual adotado pelos países desenvolvidos, que os subdesenvolvidos procuram imitar. Portanto, podemos concluir que:

“Até o momento, estes desequilíbrios são a solução para uma situação que não pode ser alcançada a nível global”.

Por isto as políticas propostas pelos países desenvolvidos não podem surtir os efeitos declaradamente propalados.

No texto original os leitores encontraram vários exemplos de culturas que bloqueiam o desenvolvimento socioeconômico.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMEMTAR:

Friedman, George, “Focos de tensão – os choques geopolíticos que  ameaçam o futuro da Europa”, D. Quixote, Alfragide, 1ª ed., maio 2015;

Gibbon, Edward, “Ensaios de história”, Ed. Iluminuras, S.P., 2014;

Henshall, Kenneth, “História do Japão”, Edições 70, 2ª ed., maio 2018;

Jenkins, Simon, “Breve história da Europa – de Péricles a Putin”, Editorial Presença, Barcarena, 2020;

Mason, Colin, “Uma breve história da Ásia”, Editora Vozes, Petrópolis, 2017;

Pinto, Jaime Nogueira, “Bárbaros e Iluminados – populismo e utopia no século XXI”, Ed. D. Quixote, Alfragide, 2017;

Scheidel, Walter, “A violência e a história da desigualdade – da idade da pedra ao século XXI”, Ed. 70, Lisboa, outubro de 2017;

Woodward, Bob, “Medo – Trunp na Casa Branca”, Cap. 1 a 14, Ed. D. Quixote, 1ª ed., novembro 2018.

 

Aparecida, Rosemeire e Paulino, Eliane Tomiasi, “Fundamentos teóricos para o entendimento da reforma agrária”, em www.uel.br>artigod, pdf;

Buzetto, Marcelo, “Reforma agrária e revolução socialista – A contribuição da análise marxista”, revistas.marilia.unesp.br, pdf;

Caldas, Pedro Heitor, “O desenvolvimento da indústria coreana e brasileira e o desdobramento pós 2º choque do petróleo”, em panteon.ufrj.br;

Esquerda, “Coreia do Sul: o milagre desmascarado, em www.esquerda.net>artigo;

Herdeiro Aécio, “O envolvimento sul-coreano na Guerra do Vietname”, em herdeirodeaecio.blogspot.   com;

Lima, Uallace Moreira, “O debate sobre o processo de desenvolvimento econômico da Coreia do Sul:  uma linha alternativa de interpretação”, www.researchgate.net, pdf;

Masiero, Gilmar, “A economia coreana: características estruturais”, em www4.pucsp.br, pdf;;

Stedile, João Pedro, “Experiências históricas de reforma agrário no mundo”, vol. I, em www.expressaopopular.com.br, pdf;

 

Registro Igac nº Ref: Siigac/2020/5476

Lisboa 2020/12/14