quarta-feira, 28 de janeiro de 2015


MODELOS MATEMÁTICOS APLICADOS À ECONOMIA

( POR QUE ELES FALHAM )
REVISTA, REATUALIZADA E REAMPLIADA
                                                                            

Por: Manuel Elisio Frota Neto


PRELIMINARES

Há muitos anos a "ciência" econômica vem sofrendo tentativas de torná-la uma ciência exata, com a aplicação de modelos matemáticos, que pretendem prever os resultados que cada economia em particular, ou em conjunto, alcançaria.

Somos "diariamente" bombardeados com previsões e prognósticos de crescimento para economia mundial, para cada economia em particular, sobre retração, inflação, comércio exterior, taxa de juros e câmbio e seus reflexos sobre a inflação, os reflexos de uns sobre os outros, sobre as produções e os preços das commodities, especialmente os do petróleo, e destes sobre a inflação e o comércio exterior, etc, etc, constantemente alardeados pela imprensa.

Estes modelos se utilizam de técnicas matemáticas sofisticadíssimas e são operados por computadores bastante velozes. Provavelmente, nem esses gênios conseguem entender uns aos outros. E, como se não bastasse, já fazem previsões para médio prazo.

Esquecem que os prognósticos estampados influenciam o comportamento das pessoas que, por sua vez, voltam a interferir sobre os mesmos prognósticos, num processo dialético sem fim, não sabemos se indefinido ou não. Como nem toda a população tem acesso ou se interessa por estas previsões, estas influências recíprocas atuam de modos diversos, com resultados imprevisíveis.

No início dos anos 70, após um breve período de forte crescimento econômico os economistas projetavam um futuro brilhante para a economia brasileira. Algo muito parecido com o Brasil pós crise 2008. O Brasil seria o país do futuro. Os indicadores econômicos sustentavam tais previsões. Passados todos estes anos constatamos que o Brasil continua a ser o país do futuro, só que este futuro nunca chega.

Neste processo, economistas abraçaram a matemática, a econometria e as finanças, os matemáticos e os físicos se tornaram economistas e financistas e os financistas matemáticos e economistas, mas ambos esqueceram ou subestimaram os fundamentos da "ciência econômica". Os "nerds", atuando preponderantemente no mercado financeiro, influenciaram toda uma geração de economistas.

Para eles, "nerds", " A verdade era um segredo universal sobre a maneira como o mercado funcionava, que só poderia ser descoberto através da matemática" (Patterson, Scott em "Mentes Brilhantes, Rombos Bilionários", Ed. Best Business, 2012, p.21). Quanta soberba e falta de noção da realidade.

Na verdade, para elaborar seus modelos e se tornarem as estrelas em ascensão se basearam em dogmas econômicos. Mas nunca se interessaram em questionar e avaliar tais dogmas. Aceitaram-os porque eram gênios e não haviam porque se preocuparem com questões tão banais. A verdade estava na matemática e o resto não interessava. O funcionamento da economia ajudou a encobrir suas cegueiras. E o pior cego é aquele que não quer ver.

Por sua vez, os economistas, em sua grande maioria, apoiaram-se na matemática por conveniência e para encobrir os problemas teóricos de sua disciplina. Dizendo isto, não quero ser ridículo, nem muito menos extremista, em não reconhecer que a matemática poderá contribuir para o estudo da economia, mesmo não sendo um fanático por ela. Também não poderíamos deixar de reconhecer a capacidade e a genialidade daqueles que constroem e manipulam com extrema facilidade os números e a matemática.

É verdade que todos nós, por razões que não interessa, criamos expectativas, fazemos prognósticos e projeções sobre nossas vidas e como consequência sobre situações que direta e indiretamente nos afetam, sobre toda sorte de situações que nos rodeia, com a intenção de nos protegermos, como prevenção e etapas para alcançarmos novos objetivos.

Entretanto, no momento, muitos destes prognósticos ficaram sob a responsabilidade destes gênios que constroem e utilizam estes modelos sofisticados para nos dizer como será o futuro. E como estes modelos são sofisticados e fogem do alcance da grande maioria perdemos a capacidade de raciocinar sobre o razoável.

Longe de querer negar a genialidade destes senhores. Evidentemente, o meu propósito é outro. O meu intuito, com as limitações que me são próprias, é levantar algumas pequenas questões no que diz respeito credibilidade de tais modelos, genericamente falando, apresentar algumas razões porque eles não podem alcançar os objetivos propostos, ou seja, porque eles não funcionam adequadamente e em certo sentido desmistificar esta suposta cientificidade, de precisão milimétrica, que em nada contribue para atacar os verdadeiros problemas das economias capitalistas.

Afinal de contas, depois de tantos fracassos, cheguei a conclusão de que não só os gênios podem contribuir. Sobre este assunto cabe mencionar "Mentes brilhantes......, já citado. Se os pés e as mentes não tiverem assentados sobre e na realidade, ser gênio não basta. Não é demais lembrar que o gênio Jean Paul Sartre, guru e paradigma moral e intelectual de toda uma geração, não teve qualquer impedimento moral nem intelectual em apoiar as brutalidades do stalinismo. Mais importante é a ponderação. Em outras palavras, cada um contribui a seu modo.

É lógico que modelos são simplificações das realidades. Mas, essa é a questão, por que insistir em modelar, de forma sofisticada, áreas onde os erros e fracassos são enormes? E sempre com um ar de cientificidade.

Em primeiro lugar, servindo apenas com uma ilustração preliminar, poderíamos observar que existe algo incoerente com os inúmeros diagnósticos baseados em diversos modelos, que são constantemente revisados em um espaço de tempo muito exíguo, pela mesma fonte. Isto, a meu ver, já seria suficiente para desacreditá-los.

Mas, por incrível que pareça, existem outras razões simples e banais, que não podem ser esclarecidas através de modelos, que nos mostram os abusos perpetrados por aqueles que querem se projetar sofisticando e inventando , complicando e não esclarecendo.

Existem algumas razões para acreditarmos que os modelos matemáticos e econométricos aplicados à economia não apresentam resultados satisfatórios em relação aos seus objetivos, que são explicar o funcionamento da economia e fazer prognósticos apurados e, até mesmo, resolver os dilemas e entraves das sociedades capitalistas, evitando as crises desnecessárias, que podem ser evitadas, e que jogam milhares de pessoas em situações vexaminosas, destruindo lares e trazendo sofrimentos.

A meu ver seria infrutífero criticar os modelos através de outros, opinando sobre as diversas variáveis. Assim procedendo estaria trilhando o mesmo caminho de tantos outros. Existe uma infinidade de modelos. Além disso, confesso a minha incapacidade e aptidão para tal. Para mim, é desnecessário discutir se o comportamento do mercado é aleatório e tem uma distribuição em forma de sino, ou se alguns modelos não levaram em consideração determinadas varáveis. Mesmo porque muitos vão ao mercado e se comportam de forma diferente às suas convicções teóricas. E outros sequer levam estas teorias em consideração e mesmo assim obtêm sucesso.

Que fique claro que não sou ativista contrário às previsões e prognósticos. Eles fazem parte da vida, do nosso cotidiano e todos nós, em maior ou menor grau, fazemos constantemente. Ao poupar para a velhice e ao educar os filhos já estamos criando uma expectativa de vida e fazendo previsões. Fazemos previsões e criamos expectativas sobre o nosso trabalho e tudo o mais que nos rodeia.

O que critico neste artigo são as previsões que pretendem ser "científicas" e que por isso ficam a cargo de uma elite que tem interesse em utilizar recursos complexos, em linguagem sofisticada (ex: mats), a poucos acessível, mas que não passam de uma simples futurologia bem aparelhada, montada sobre premissas simplórias e falsas.

O meu objetivo será desmistificar estas previsões, correndo também o risco de ser, no mínimo imprudente, por não me filiar e não me interessar pelos rumos que a economia está sendo abordada. Mas, resolvi aceitar o desafio, dando a minha pequena contribuição, que poderá servir como alerta para aqueles que se sentem massacrados e enganados por esta falsa ciência.

Este artigo será dividido nos seguintes tópicos: 1) breve histórico sobre a evolução da influência da matemática e das finanças sobre o pensamento econômico, dividido em dois tópicos: 1.1) a ideologia das "ciências sociais"; 1.2) aspectos socioeconômicos da "financeirização"; 2) personagens em destaque no mundo das finanças; 3) porque os modelos falham; 4)) alguns poucos exemplos de acontecimentos imprevisíveis que alteraram os prognósticos e de fracassos retumbantes de previsões; 5) alguns comentários sobre a "teoria" do professor Eugene Fama, agraciado com o Prêmio Nobel sobre a sua contribuição na área das finanças; 6) considerações finais, onde procuro fazer um balanço da contribuição dos "cientistas" econômicos em relação a outras ciências.

Em "Breve histórico", que em função da reatualização e em relação ao texto original não se tornou tão breve, dividido posteriormente em dois sub-títulos, procuro os motivos "ideológicos" que juntamente com as condições materiais, "socioeconômicas", viabilizaram a matematização da economia nas últimas décadas e que culminou com o desastre de 2007/8.


BREVE HISTÓRICO

A IDEOLOGIA NAS “CIÊNCIAS” HUMANAS

A nossa “aventura” começa com as profundas transformações econômicas e sociais que ocorreram no período do renascentista, com a ascensão do realismo econômico racional burguês (da quantificação), da ascensão dos artesãos e engenheiros, contrariamente à concepção de Koyré:

“Por isso, não podemos explicar esse novo saber apenas pelas exigências econômico-industriais. Mediações socioculturais também desempenharam um papel importante. As mais significativas foram o realismo e o racionalismo próprios aos novos empreendedores. Na formação desse realismo e desse racionalismo, as práticas e hábitos mentais típicos do capitalismo tiveram um papel relevante” (Japiassú, p. 115).

 “O mundo regido pelas catedrais passa a ser dominado pelos bancos. O sistema mercantilista nascente tem necessidade de conhecimentos práticos ou teóricos distintos dos saberes religiosos. [...] Insere-se e faz parte integrante de um amplo contexto histórico, inseparável de um movimento visando a racionalização da existência” (idem, p. 116).

Conforme Japiassú, com base nessas transformações nasce propriamente a ciência moderna no século seguinte (XVI) e alcança a maturidade nos séculos XVIII e XIX.

Esta “ciência”, faz uma ruptura com os paradigmas dos saberes anteriores, se funda com base nos princípios da lógica-dedutiva, na objetividade, na racionalidade, na experimentação, na medição e consequentemente na matematização, tendo a física como parâmetro:

“Esses dois sentidos formam a “Nova Visão do Mundo” denominada filosofia mecânica fundada nos seguintes pressupostos: a) Natureza não é manifestação de um princípio vivo, mas um sistema de matéria e movimento regido por leis quantitativas; b) podemos determinar essas leis com uma precisão matemática; ...” (Japiassú, p. 110).

Em Descartes, “fundador do racionalismo moderno” (Japiassú), encontramos a essência desse racionalismo e de seu método:

“Uma vez explicitados e estabelecidos estes pressupostos, explicar um fenômeno passa a significar construir um modelo mecânico capaz de substituir o fenômeno real”.

“Donde prevalecer sua visão mecanicista do mundo. Com efeito, o termo grego mekanê passa a significar: a) uma visão do mundo considerando o Universo assimilável a um grande relógio construído por um Grande Relojoeiro; ...” (Japiassú, p.110).

“Método universal tomando por modelo a inteligibilidade matemática” (Japiassú, p. 103).

O mundo torna-se matemático e deve ser explicado por leis quantificáveis, pela ciência dos movimentos, pela mecânica (Descartes).

Entretanto, essa “ciência” não nasce despretensiosa, pela simples vontade de conhecer, de desvendar a realidade. Atrelada a ela nasce o poder-saber, que a dirige e condiciona. Os cientistas passam a ser senhores absolutos de um saber não acessível ao cidadão comum.

Ao mesmo tempo, com a nova visão do mundo, da qual ela nasce, a burguesia ascendente pode combater o “saber dominante anterior” e “instaurar um novo saber”, com sua nova ideologia:

“Socialmente, tal projeto possui um sentido e, a seu modo, uma utilidade: eliminar o saber dominante anterior (dos clérigos) e instaurar um novo (dos burgueses) em seu lugar” (Japiassú, p. 115).

Segundo Japiassú é Bacon quem preconiza a “orientação pragmático-utilitária do saber” (p.206) e sua relação com o poder no Novum Organum:

“A ciência e o poder humano se correspondem em todos os pontos e têm o mesmo objetivo” ( apud Japiassú, p.254).

“Em suma, Bacon e Descartes perceberam com muita nitidez: outros novos conhecimentos com os quais sonhavam seus contemporâneos deveriam constituir um poderoso instrumento de ação, no sentido mais amplo do termo: ”Saber é Poder”” ( Japiassú, p. 262).

“Em parte, Galileu se interessava pelo movimento dos projéteis para servir aos cálculos de balística. Ora, a partir do século XVI, o conhecimento deixa de ser uma atividade do otium (ciência pura) para converter-se num negócio. Em outras palavras, a ciência já nasceu vinculada ao poder político. E sempre esteve, de uma forma ou de outra, a seu serviço” (idem, p. 273).

Em outras palavras “o poder produz saberes” (Foucault).

É nesse contexto de objetividade, racionalismo, experimentação  matematização e maquinismo, em síntese dessa visão do mundo, que nascem e prosperam as chamadas ciências sociais, principalmente no século XIX, quando surgem a sociologia, a antropologia, a psicologia, a psicanálise, ciência política, behaviorismo, etc. E é nesse contexto que as “ciências humanas” vão se espelhar, para adquirir o “status” de ciência.

É o que irá acontecer no âmbito da sociologia positivista de Emile Durkheim em “tratar os fatos sociais como coisas” (Japiassú em A crise ... p. 59) e das experiências de Pavlov, que buscam relações de “causa-efeito”, reflexo condicionado, estímulo-resposta.

E é também durante esse período que elas se tornam independentes umas das outras. A economia que nos primórdios era “Economia Política” e tratava de questões institucionais passa a ser independente, uma disciplina a parte das demais “ciências humanas”, que procura desvendar as leis econômicas básicas, dissociadas dos contextos sociais.

Ao mesmo tempo em que se fracionam muitas vezes sob roupagens ideológicas. Na psicologia temos a psicologia comportamental, cognitiva, industrial, da criança, jurídica, criminal, etc. Na economia: clássica, marginalista, macro, micro, marxista, keynesiana, estruturalista, industrial, internacional e, pasmem, comportamental (que trata do comportamento dos agentes socioeconômicos, sem se preocupar com as leis que regem a economia), com diversos Prêmios Nobel (Ver "Um Raio X sobre "O Espírito Animal", neste blog) .  

Todos nós conhecemos as dificuldades e os verdadeiros embates que as ditas “ciências humanas” encontraram e encontram para se afirmarem como verdadeiras ciências e como os seus interlocutores desejam exasperadamente o rótulo de cientistas, porque donos de um saber-poder. Por não serem passíveis de quantificação (matematização), objetividade (são perpassadas por questões ideológicas e relações de poder), experimentação e “certeza” tornam-se desprestigiadas, sendo no mais das vezes consideradas como “opiniões”. E não sendo sujeitas à experimentação suas previsões tornam-se verdadeiras “chutometrias”, sem qualquer fundamento dito “científico”.

É bem verdade que desde os seus primórdios a economia teve uma relação muito próxima dos números, que foram utilizados para explicar e ajudar no raciocínio. Ricardo fez uso dos números para explicar a “lei das vantagens comparativas”, como também Marx em seus exemplos dos esquemas de reprodução. Não restam dúvidas que ela lida com números, podendo-se fazer uso da matemática para melhor elucidar os raciocínios e demonstrar a validade dos argumentos. Mas daí torná-la sujeita a matematização vai uma enorme diferença. 

Na segunda metade do século XIX a teoria marginalista passa a incorporar definitivamente o raciocínio matemático (cálculo infinitesimal e diferencial), mas ele ainda é auxiliar, complementar e elucidativo às argumentações teóricas.

Em sua Tese de Mestrado sobre a matematização da economia brasileira Luperi identifica um segundo momento no processo de  influências da matemática e da física, coincidindo este momento com a crise da matemática e da física, no início do século XX, com a substituição da mecânica clássica pela física quântica.

Segundo o autor:

“A partir das transformações ocorridas no início do século XX, a matemática assumia um papel que colocava de lado o experimento. Este, portanto, ficaria desvinculado da teorização” (p. 18).

Mas, em que pese à tentativa do autor em demonstrar a importância de matemáticos e físicos nas formulações matemáticas aplicadas à economia, a teoria marginalista continuou influenciando o pensamento econômico até a década de 80, ensinado nas universidades e nos cursos de mestrado.

E com a Grande Depressão de 1929 entra em cena a teoria keynesiana da demanda efetiva, que iria influenciar o pensamento econômico de toda uma geração do pós-guerra. Junto a ele uma conciliação da economia clássica e keynesiana, formulada por Hicks, conhecido como o modelo IS-LM. Portanto, ao que me parece, estas inovações matemáticas ficaram restritas ao discurso acadêmico, sem grandes repercussões nas políticas econômicas do pós-guerra.

Diga-se de passagem que é na década de 30 que Michael Kalecki, economista marxista de formação matemática, que paralelamente a Keynes formulou a teoria da demanda efetiva, adotando os esquemas de reprodução de Marx, tentará aplicar modelos matemáticos à economia para calcular e prever os ciclos econômicos, sem grande sucesso.

Entretanto, concomitantemente a prevalência e talvez a influência das ideias keynesianas, é importante destacar que após a Grande Depressão a economia passa por um processo de quantificação e medição das variáveis e atividades econômicas, com destaque para a contabilidade nacional. A partir de então, a política econômica se guiará com os olhos voltados para a contração e expansão do PIB, a taxa de desemprego, taxa de investimento, poupança, déficit público, etc.

A questão que se coloca é o porquê da matematização da economia, através de modelos ultra-sofisticados, nos anos recentes, em substituição a teorização?

Não creio que devemos buscar a resposta na ruptura efetuada pela física quântica e a crise da matemática, muito embora devamos reconhecer que estas mudanças teóricas possam ser um novo método mais sofisticado e talvez “eficaz” (dúvidas) de abordar a economia através da matemática, assim como o desenvolvimento da informática facilitou a sua aplicação. Se a matemática se utiliza do modelo hipotético-dedutivo, em substituição ao modelo empírico-dedutivo, da física mecânica, esta passagem não diz respeito aos motivos econômico-sociais que condicionaram essa mudança.

Todavia, é o próprio autor quem reconhece a importância da busca do “status” científico para a economia:

“Os integrantes dessa escola (marginalista), um grupo de pesquisadores formados basicamente em engenharia, buscaram conceber um projeto que garantisse a “cientificidade” da economia política, a que eles consideravam insuficiente no momento” (p.20).

“Buscava-se para a economia, assim como aconteceu na “revolução” marginalista do final do século XIX, o “status” de ciência” (p. 27).

Este seria o pano de fundo de caráter ideológico que juntamente com a ideologia dos mercados perfeitos e racionais, da mão invisível de Smith, do capitalismo sem crises, estimulam a matematização da economia para torná-la uma verdadeira ciência. É bem mais fácil matematizar um mercado que tende ao equilíbrio do que prevê matematicamente crises com fundamento nas leis socioeconômicas.

Entretanto, essas ideologias não levariam a uma matematização radical sem que ocorressem as com condições materiais socioeconômicas para tal.

E isto só seria possível com a “financeirização” e a consequente globalização, viabilizadas pelo suporte técnico da eletrônica, e a contribuição de profissionais, administradores ligados às finanças, matemáticos, físicos, estatísticos que migraram e se especializaram na área financeira.

Estes profissionais foram principalmente acolhidos pela Universidade de Chicago, no departamento de administração financeira, sob a batuta de Milton Friedman, matemático de formação, que passou a ditar as regras e influenciar a formação de toda uma geração em finanças, com repercussões na teoria econômica, já que eram adeptos da teoria dos mercados perfeitos.

A Universidade de Chicago passou a ser uma referência no mundo das finanças e economia, com todo o suporte da mídia, e a sua importância era tamanha que muitos de seus membros foram constantemente indicados e agraciados com o Prêmio Nobel.

Alguns deles, estrategistas familiarizados e fascinados na arte de ganhar em jogos de azar, através de modelos probabilísticos, aplicados também ao mercado financeiro, principalmente na Bolsa de Valores, tais como: Ed Thorp, A. Osborne, Fisher Black, Myron Scholes, Robert Merton para citar alguns (Ver o tópico sobre os Personagens em Destaque).

Chamo de “financeirização” tanto a importância concreta das finanças do mundo dos negócios, dos bancos e financeiras, quanto o aspecto ideológico e o respectivo viés de olhar e analisar a economia através das lentes das finanças, principalmente da importância das Bolsas de Valores, cujos movimentos e oscilações passam a ter importância nas decisões econômicas.

Transpuseram para a economia a visão do mercado financeiro, mormente das Bolsas de Valores, que por suas características de movimentos aleatórios, de jogo, estão mais propensas ao cálculo probabilístico e, consequentemente, a “matematização”. Aliado a isto assumiram a teoria dos mercados perfeitos e racionais que facilita a modelação.

Nos passos seguintes me proponho, com a ajuda inestimável da bibliografia selecionada, a mostrar o ambiente socioeconômico que deu impulso a “matematização” da economia, tal como entendemos.



ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS DA “FINANCEIRIZAÇÃO”

Neste tópico, tento estabelecer o marco histórico em que os modelos matemáticos, juntamente com as finanças, assumiram paulatinamente o comando do pensamento econômico, realçando também alguns dos fatores políticos, econômicos e culturais que formaram o pano de fundo para o seu desdobramento, a sua consumação e o seu triunfo nos anos 80, com a chegada ao poder do Presidente americano Ronald Reagan e da Prime Minister Margareth Thatcher.

Um processo, que se inicia logo após a segunda grande guerra, germinado e urdido pela intelligentsia americana, cujo berço foi a Universidade de Chicago, sob a orientação do estatístico-economista Milton Friedman, responsável pelo curso de economia, que influenciou mais de uma geração de economistas.

Muitos dos quais agraciados com o prêmio Nobel e que se destacaram ao ocupar postos chaves nas instituições nacionais e internacionais e exerceram o controle do pensamento econômico em escala mundial, inclusive com o exercício do poder (consultar "Direito, economia e mercados racionais, em www.melisiofrota@blogspot.com.br).

Para inciar, começo com a seguinte citação:

" A conexão entre o movimento browniano e os preços da bolsa foi feito por um aluno da Universidade de Paris chamado Louis Bachelier, em 1900. Naquele ano, ele havia escrito uma dissertação intitulada " A Teoria da Especulação", que era a tentativa de criar uma fórmula que capturasse o movimento dos títulos de dívida na Bolsa de Valores de Paris. A primeira tradução para o inglês do ensaio, que caíra no ostracismo até ressurgir na década de 1950, foi incluída no livro sobre a aleatoriedade dos mercados que Thorp lera no Novo México.

A chave para a análise de Bachelier era sua observação de que os preços dos títulos, de certa maneira, da mesma forma que o fenômeno descoberto por Brown em 1827. Os títulos negociados na Bolsa de Valores de Paris seguiam um padrão que, matematicamente, se movia exatamente como aquelas partículas de pólen, que oscilavam de forma aleatória". (Mentes brilhantes ....... ps 47/48).

E quem era Ed Thorp? "Era um gênio completo detentor de um Ph.D. em física, pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), professor de matemática no Massachusetts Institute of Tecnology e especialista em traçar estratégias para ganhar em todos os tipos de jogo, do bacará ao vinte e um". ( Mentes brilhantes......p.30)

Podemos citar outros exemplos claros de como a matemática foi se introduzindo na economia e, posteriormente, ditando as regras nesta "disciplina¨:

" O astrofísico era M.F.M. Osborne, e trabalhava no Laboratório de Pesquisa da Marinha americana em Washington. Osborne chegaria ao laboratório em 1941, direto da pós-graduação da Universidade da Califórnia em Berkeley, e passou a Segunda Guerra Mundial em tarefas de pesquisa de operações, como, por exemplo, imaginar a melhor maneira de se descobrirem os submarinos e explodi-los. Depois da guerra, ele e os outros cientistas tiveram liberdade para estudar o que quer que lhes interessasse. Os tópicos de pesquisa de Osborne incluíam aerodinâmica do voo dos insetos e a performance hidrodinâmica de salmões em migração. Para ele, a Bolsa de Valores era só mais um conjunto de dados interessantes". ( Fox, Justin em O Mito dos Mercados Racionais, ed Best Business, 2010, p. 95).

E sobre Samuelson, um dos mais citados e conhecidos economistas do século passado: " Filho de imigrantes bem-sucedidos de Gary, Indiana, Samuelson chegou à Universidade de Chicago em 1932 e se apaixonou pela lógica elegante dos economistas neoclássicos. Como aluno de pós-graduação em Harvard, ficou convencido de que essa lógica era melhor expressa matematicamente e embarcou em um programa auto dirigido de pesquisa que fez com que se tornasse o primeiro economista americano desde Irving Fisher cujas técnicas quantitativas equivalessem às de seus colegas das carreiras técnicas.

Samuelson acreditava que as equações esclareciam os conceitos econômicos que geralmente as palavras atrapalhavam" ( O Mito ......., p. 88).

Também Irving Fisher, o economista mais citado durante o período pré-crise, apologista da sustentabilidade do mercado, era um adepto da matemática, conforme Fox: "Irving Fisher foi capaz de chegar a um ponto que Bachelier não conseguiu porque tinha mais do que a matemática e a teoria das probabilidades à sua disposição. Ele era um economista.

Em Yale, onde se formou como primeiro da turma em 1888, mesmo enquanto sustentava a família dando aulas ou com prêmios acadêmicos, Fisher se formou em matemática" ( O Mito ......, p25).

A matemática era um grande apelo para uma disciplina que pretendia galgar o status de ciência. Afinal ela (a economia) também lida com números e os economistas seriam cientistas. Mas só isto, na minha opinião, não justifica esta influência devastadora que a matemática passou a exercer sobre a economia.

Na década de 1920, o economista russo Nikolai Kondratiev, através de uma análise empírica, plotou dados estatísticos para propor o que ficou conhecido como "os ciclos longos de Kondratiev", com duração aproximada de 40 anos, tentando demonstrar que a economia capitalista entrava em crises prolongadas, com duração e intervalos regulares, sendo uma de suas características. Embora não totalmente esquecida, sempre comentada, pois os economistas adoram ressuscitar defuntos, os seus estudos não têm qualquer importância nos dias de hoje.

No início dos anos 1930, o brilhante economista polonês Michael Kalecki, que chegou a uma conclusão semelhante ao economista inglês Keynes, por caminhos diferentes, fazendo uso dos modelos de esquemas de produção de Marx, proporia modelos matemáticos com propósito de explicar e determinar os ciclos econômicos; "Era um dos primeiros modelos matemáticos construídos para explicar os ciclos econômicos de conjuntura ...", em MIchael Kalecki-Um pioneiro da teoria econômica, economidiando.blogspot.com. Pelo visto, faz parte da história.

Joan Robinson, economista inglesa, fez um trabalho interessante, mostrando como do dois economistas trilharam caminhos diferentes para chegar à conclusões assemelhadas.

Mas, será que o grande fascínio pela matemática e estatística pode ser considerado o único responsável pela ascensão e difusão da matemática na economia?

Durante a virada do século XIX e os primeiros anos do século vinte as economias capitalistas avançadas passaram por um processo de "financeirização", se assim podemos denominar, onde os grandes bancos passaram a ter um papel importante sobre a economia, inclusive sobre a indústria. Este processo foi captado pelo economista austríaco Rudolf Hilferding em seu livro "O capital financeiro". Embora as suas conclusões não possam ser aplicadas genericamente para todas as economias capitalistas é inegável que as principais economias passavam por transformações importantes.

Nas suas conclusões os bancos passavam a ter maior influência na direção e decisões sobre as empresas, através de seus representantes no Conselhos de Administração, acentuando a dependência da indústria em relação aos bancos.

O processo de concentração/centralização previsto por Marx leva a grandes transformações sociais e na política econômica dos países imperialistas.

"Hilferding pensa, assim, que a transformação estrutural do capitalismo está determinada pelo aparecimento e desenvolvimento do mercado acionário. Ela libera o capitalista industrial da função de empreendedor industrial.

Incumbido aos bancos a decisão de fornecer o capital, estes preferem acordar créditos às sociedades por ações, às quais fica-lhes facilitada a supervisão da gestão financeira pelo envio de representantes aos seus conselhos de administração.

Essa participação do capital bancário nas sociedades por ações acentua a dependência da indústria em relação aos bancos.

A ligação entre os grandes bancos e a indústria muda igualmente o caráter da concorrência capitalista.

Esta estreita interdependência entre os interesses dos bancos e os interesses da indústria determina também, segundo Hilferding, um crescimento da concentração bancária.

A tendência à criação de um banco central vai junto com à criação de um cartel geral, o qual poderia então reger conscientemente o conjunto da produção" (Desenvolvimento e crise do capitalismo no pensamento de Rudolf Hilferding, em laurocampos.org.br/... desenvolvimento -e ...).

Acredito, embora não possa comprovar, que a grande depressão também teve um efeito importante sobre o avanço da matemática na teoria e nos nos assuntos econômicos. Os roaring twenties, a grande expansão da década dos 20, terminou com uma grande depressão, momento em que a ciência econômica não deixou de ser profundamente questionada. Na época, o famoso economista Irving Fisher, da Universidade de Yale, que recebia grande cobertura da mídia, apologista ferrenho da alta declarava: " Estou totalmente convicto de que as ações atingiram um patamar que se manterá permanentemente elevado". ( Santana, Ivan em 1929, ed Objetiva 2014, p. 340).

E quando os problemas começaram a aparecer afirmava "que a queda dos últimos dias era apenas "o resultado de um comportamento lunático, mas passageiro, por parte dos investidores"" ( 1929, p. 252). Segundo o mesmo autor Irving Fisher perdeu tudo que tinha com a quebra da bolsa, inclusive sua casa, e foi morar de favor com sua filha (p. 340).

A crise é o momento propício para soterrar de vez o pensamento clássico. Em março de 1933, o novo presidente democrata Franklin Roosevelt, lança o New Deal, programa econômico inspirado nas ideias do economista britânico John Maynard Keynes, visando a recuperação da economia através de um do aumento dos gastos públicos em infraestrutura e a implantação de outras medidas no tocante a seguridade social, controle sobre o mercado financeiro (em novembro sai a Lei Galinholas-reais e em 1934 é criada a SEC), intermediação dos sindicatos nas negociações e outras medidas, todas de grande repercussão nos anos vindouros, levando o país ao Welfare State.

Qual a repercussão sobre a economia de cada um destes fatores e deles em conjunto sobre a economia americana e mundial e desta sobre aquela? Seriam estes fatores suficientes para reverter o quadro de desconfiança, desespero e o desânimo dos agentes econômicos, numa economia assolada pela crise, com uma taxa de desemprego em torno de 25%? E quais deles seriam os mais importantes e quais os irrelevantes?

Este é o pano de fundo da economia mundial pós-crise e que os modelos matemáticos são incapazes de captar, porque não podem incluir os fatores políticos e institucionais em suas previsões.

Entretanto a economia não atinge os níveis pré-crise. A resposta republicana não tardou. Preocupados ideologicamente com a intervenção do Estado na economia, ante a ameaça ideológica socialista, lançaram uma contraofensiva que culminou com a desaceleração do programa a partir de 1937.

Por um acaso, com a eclosão da 2ª guerra mundial a economia americana se recupera e os anos pós-guerra passam a ser a época dos anos dourados e os momentos difíceis caem no esquecimento.

Poderíamos dizer que a 2ª grande guerra foi também uma época keynesiana, de forma indireta ou disfarçada, exacerbada, por que a economia forçada de guerra obrigou o estado a intervir na economia, administrando, estabelecendo estratégias e alimentando a economia através de investimentos maciços em pesquisa e produção de armamentos. Mas era uma economia de guerra, portanto justificável.

É necessário advertir que Keynes nunca propôs uma intervenção estatal naqueles moldes, pois feria os seus princípios democráticos. Na sua concepção a intervenção estatal entraria apenas para ajustar as disfunções da economia capitalista, sem uma interferência marcante nos interesses individuais.

Por outro lado, a intelligentsia acadêmica americana sempre foi avessa a aceitar que as economias capitalistas sofriam de espasmos periódicos. Diante da ameaça do socialismo, era necessário criar e vender uma imagem de que a economia capitalista era superior, de que se ajustava espontaneamente, através das leis do mercado ou de uma mão invisível, e por isto não precisava da intervenção do estado para corrigir os erros e amenizar os desvios. Daí o motivo de que Keynes nunca foi bem aceito nas universidades.

E após a Grande Depressão e posteriormente com o fim da 2ª Grande Guerra os Estados Unidos da América passaram a ser o baluarte em defesa da superioridade do regime capitalista, num ambiente de Guerra Fria.

Impulsionada por uma demanda por produtos duráveis deprimida e pelo programa de recuperação das economia devastadas pela guerra, plano Marshall, a economia americana alcança anos de grande prosperidade, tornando-se um líder econômico e ideológico inconteste das economias capitalistas. Sobre o montante da ajuda financeira aos países europeus consultar Plano Marshall, pt.wikipedia,org/wiki.

Com o fim da 2ª grande guerra, a recuperação da economia americana, a diretriz política de reconstrução e recuperação dos países capitalistas europeus (Plano Marshall, 1947) e o início da guerra fria (1947) formam o cenário perfeito para o retorno da concepção ideológica dos mercados perfeitos, abalada com a crise de 1929 e as novas teorias de Keynes e Kalecki.

Outrossim, preocupados com o avanço ideológico do socialismo/comunismo, os E.U.A. "escolhem" o Japão como o seu representante na Ásia. Abrem exceções para a política econômica japonesa, têm interesse em sua expansão, facilitam as suas exportações, estabelecem políticas de cooperação tecnológica, ao mesmo tempo que abrem espaço para que os Zaibatsus/Keiretsus comandem, política e economicamente, o processo de recuperação/expansão, dando impulso, ao que se denominou, o "milagre econômico japonês", no início dos anos 60.

Não poderia deixar de mencionar o Acordo de Bretton Woods que fez parte do quadro institucional que permitiu os anos dourados do pós-guerra, embora a sua importância seja contestada por alguns.

"Mesmo hoje, mais de três décadas após a sua extinção, o sistema monetário internacional baseado nos acordos de Bretton Woods permanece um enigma. Para alguns, Bretton Woods foi um componente essencial da idade de ouro de crescimento no pós-guerra. O acordo proporcionou um grau de estabilidade admirável nas taxas de câmbio, quando comparado à volatilidade nos períodos antecedentes e subsequentes" ( Eichengreen, Barry, A globalização do capital, Ed. 34, 2002, p.131).

Esquecem que "a conjuntura era outra no quarto de século posterior Segunda Guerra Mundial" (idem, p.132) e, por isso, não pode ser analisado separadamente.

Mas é impossível relacionar e principalmente dimensionar todos os fatores que contribuíram em importância para os anos dourados.

Entretanto, podemos perceber como os interesses políticos influenciam diretamente e moldam as economias dos diversos países.

Todos estes e outros fatores do ambiente pós-guerra foram esquecidos e não ponderados pelos modelistas matemáticos, e deram margens às previsões econômicas sobre a economia do Japão, que, no final, fracassaram.

Mas, agora, para os chicagoanos, não é mais a concepção do egoísmo e o interesse individual que promove o equilíbrio da economia, através da mão-invisível, mas a racionalidade dos agentes econômicos. Deram uma nova roupagem à mão-invisível. Sobre o assunto consultar o artigo "Direito, Economia e Mercados Racionais (Uma crítica aos economistas racionais), em www.melisiofrota.blogspot.com.br.

Este parece ser o clima ideal para enfraquecer e desacreditar os economistas teóricos e propiciar o avanço da matemática.

Nas décadas seguintes à gande crise, durante a recuperação da Europa e Japão no pós-guerra, a lei Glass-Steagall, a Securities and Exchange Act (1934) frearam e suspenderam a tendência e o processo evolutivo de "financeirização" das economias que se iniciara nos inícios do século XX.

A reconstrução da Europa fortalece a importância das multinacionais americanas e facilita ainda mais a constituição de grandes conglomerados industriais. O financiamento dessa reconstrução é administrado pelos Estados.

Na recuperação do Japão, embora os bancos tivessem um papel importante na constituição das Keiretsus, o Estado administra os fluxos financeiros e as taxas de juros, incentivando a produção, esta também sob a orientação do MITI, num esforço integrado, que objetivava a industrialização.

"Os desequilíbrios externos e as restrições impostas na conta de capital pelo governo dos EUA., nos anos 1960, foram decisivos parra a formação do mercado de eurodólar. Em 1974, os EUA aboliram os controles sobre os fluxos de capital, inclusive os limites diretos sobre os empréstimos bancários, que objetivavam controlar a saída de capital nos anos 1960. Progressivamente, foi sendo promovida a liberdade dos fluxos de capital na economia internacional, financeiramente, cada vez mais integrada, ainda que organizada de forma assimétrica e hierárquica.

Em 1980, o Depositary Institutions Desregulation and Monetary Control Act (1980) extinguiu a Regulation Q, que regulamentava os tetos sobre as taxas de juros sobre os depósitos das instituições depositárias, desencadeando o processo de desregulamentação do sistema financeiro doméstico. A desregulamentação facilitou a conglomeração e o envolvimento dos bancos com o financiamento de posições nos mercados de capitais e em operações "fora de balanço". Isso resultou em elevado grau de "alavancagem" das empresas e instituições financeiras" (em Comparando capitalismos financeiros - Instituto de Economia, www.eco.unicamp.br/docprod).

O fim do sistema de Bretton Woods, consequência da mobilização do capital financeiro internacional, alterou os fluxos financeiros.

Com a crise do petróleo de 1973 os mercados financeiros sofrem modificações e a reciclagem dos petrodólares alteram os fluxos financeiros internacionais, trazendo um aumento da liquidez, com os grandes bancos redirecionando grande parte destes fluxos para os países subdesenvolvidos.

Tudo isto, associado a uma sociedade onde a ascensão financeira pessoal torna-se a maior virtude, facilitou para que os grandes financistas bem sucedidos passassem a ter mais influência sobre os assuntos econômicos. Numa sociedade na qual a grande ofensa não é ser chamado de f.d.p., como nós latinos, mas de "loser".

As mudanças estruturais e a ascensão financeira dessas personalidades ligados ao mundo financeiro trouxeram uma inversão do ponto de vista, de como se vê a economia. Se antes o mercado financeiro era visto sob a ótica de que pertencia a um todo, agora ele passa a ditar as regras, a sua visão de mundo é a da economia como um todo, que se submete a visão dos financistas.

Os bancos atuam em diversas frentes e suas funções se alargam. Os bancos de investimentos são os responsáveis pelas grandes fusões, incorporações, fazem aquisições hostis (takeover), alavancam as possibilidades de aquisições, lançam ações no mercado financeiro para capitalizar as empresas. Além disso, administram os grandes fundos de pensão, as fortunas pessoais, operam no câmbio, no leasing, intermedeiam hedges, etc.

Em 1999, o que já vinha ocorrendo nos bastidores da economia americana torna-se real e legal. O Congresso Americano revoga a Lei Glass-Stegall, de 1933, pós-crise, que estabelecia a separação dos bancos comerciais e de inversão, com o intuito de evitar a especulação.

Através de grandes lobbies financeiros, respaldados pela ideologia dominante e com a colaboração dos ideólogos monetaristas de Chicago, o Congresso Americano estraçalha a lei que regulava a atuação dos bancos em mercados segmentados. O capitalismo financeiro venceu.

A Bolsa é a referência e o seu sucesso ou fracasso se reflete na economia. E esta (economia) é a Bolsa. Se ela vai bem é sinal de que tudo o mais na economia está em ordem.

Para dar suporte e fortalecer as minhas conclusões cito:

"Em seu anseio pela ordem matemática e por modelos elegantes o sistema econômico menosprezou o papel inconvenientemente grande do mau comportamento (...) e dos mais absolutos surtos de irracionalidade. A incrivelmente inexata teoria dos mercados eficientes contava com a crença absoluta dos nossos líderes financistas e com uma crença parcial de todo mundo" (Grahan, citado em Mentes brilhantes ...., p. 369).

Krugman: "Da maneira como eu vejo, a profissão de economista se perdeu porque eles, como um grupo, confundiram a beleza, paramentada com uma matemática impressionante de se ver, com a verdade" (ídem, p. 369). Os teóricos foram dispersados e/ou tornaram-se matemáticos e os matemáticos "supostamente" teóricos.

Segundo Wilmott, "Bancos e fundos hedge empregam matemáticos sem qualquer experiência no mercado financeiro para construir modelos que ninguém testa cientificamente em situações para as quais eles não foram feitos, por traders que não os compreendem. E depois as pessoas se surpreendem com os prejuízos!" (citado em Mentes brilhantes ...., p. 370).

Wilmott: "Mas, agora só aqueles que têm PhD em matemática ou física são considerados adequados para entender a complexidade dos mercados" (idem, p. 371).

Em suma, dando continuidade ao meu arcabouço teórico, concluo que trazer a matemática para o centro do pensamento econômico tornou possível ludibriar e encobrir os diversos interesses escusos dos grandes negócios, bem como os econômicos, políticos, ideológicos.

E, isto não pode ser visto como uma simples obra do acaso, mas como uma relação de poder, como um projeto de domínio, articulado pela intelligentsia, financistas, mídia e órgãos de poder, onde os interesses mais profundos se escondiam sob o manto da "ciência exata".

Os fluxos financeiros internacionais assumem o comando, "controlam" o processo de acumulação em escala internacional e criam crises artificiais ou não (cambiais, financeiras) de acordo com os seus interesses. Os países asiáticos caem de joelho frente a especulação desenfreada e sucumbem. A crise asiática de 1997 chega e devasta uma série de países, através do contágio. As previsões sobre aqueles países mais uma vez falharam. Em 1998 é a vez da Rússia sofrer as consequências da política de privatizações aceleradas e especulativas. No início de 1999 a crise chega ao Brasil.

"O negócio era bom demais para ser ignorado pelas instituições financeiras, e assim, na década de 1990, os mercados de capitais da Indonésia - que sempre tinham sido bastante abertos - provocaram um crescente fluxo de dinheiro do exterior, em uma média de 4 por cento do PIB, entre 1990 e 1996, dinheiro atraído pelo retorno elevado e pelo dinamismo do sudeste asiático. Parte desse dinheiro era utilizada em empréstimos interbancários, como ocorria na Tailândia; grande parte ia também diretamente para as corporações, de várias formas, isto é, simples empréstimos, títulos ou títulos comerciais" (Blustein, Paul, VEXAME, Os bastidores do FMI na crise que abalou o sistema financeiro mundial, ed. Record, 2002, p.109).

"Empréstimos de bancos estrangeiros eram sem dúvidas o calcanhar-de-aquiles do Coréia do Sul. Em contraste com o caso da Tailândia, o influxo de capital financeiro estrangeiro teve um papel modesto no crescimento de uma Coréia do Sul fortemente protegida. Seul mantinha rédeas curtas na compra de títulos e ações do exterior. Mas acabou abrindo o seu sistema financeiro no início dos anos 90, a fim de facilitar que fosse tomado mais dinheiro de bancos estrangeiros. E os bancos sul-coreanos tomavam emprestado no mercado interbancário, aproveitando a vantagem dos juros baixos estrangeiros e depois transferindo os fundos para seus clientes nacionais. Esta era a prática bancária prudente, pois significava que a Coréia & Cia estava tomando dinheiro do exterior a curto prazo - empréstimos que teriam de ser saldados em moeda forte e depois cedia o dinheiro a longo prazo ao chaebol dominado pela mania de grandeza e só pensando em expansão. Apesar de tudo, os bancos estrangeiros, tendo à frente japoneses e europeus, convergiram para aquele novo e promissor mercado" (idem, p. 135).

"A equipe internacional do Tesouro já de longa data tinha instado Seul a abrir seu mercado financeiro - abandonando, por exemplo, as restrições à concorrência de bancos estrangeiros e permitindo que as empresas nacionais tomassem emprestado do mercado mundial de títulos e vendessem mais ações a estrangeiros. A principal pressão exercida pelo Tesouro em sua política frente a Seul era o lobbying de empresas americanas de serviços financeiros, que queriam abrir o mercado coreano" ( Vexame, p. 151).

"Os esforços de Lipton se concentravam em obter promessas firmes e específicas dos coreanos de que iriam acelerar a liberação do sistema financeiro nacional. Ele queria também uma política monetária mais estrita. O pessoal do Fundo julgava que muitas das propostas eram boas. Mas se irritavam com outras, que pareciam mais dirigidas para defender os interesses dos Estados Unidos do que os da Coréia do Sul. Entre estas, a exigência de que Seul concedesse mais facilidades às corretoras estrangeiras" (Vexame, p.153).

E tudo isto sob a supervisão, orientação e ingerência do FMI que assimilava e endossava toda a ideologia dominante, formatada nos E.U.A., que induziam e forçavam os países a aderir as ideias dos financistas de Chicago e os seus interesses econômicos. Sob os olhares complacentes do FMI, que aderia e era influenciado e pressionado por esta ideologia, os capitais financeiros aprofundavam o processo de "financeirização", alastrando as crises mundo afora. Por fim, o Fundo se preocupava apenas em remendar os estragos, sempre impondo o mesmo receituário, ditando regras draconianas para os países em crise, de acordo com a doutrina americana.

Regras generalizantes, que se alinhavam ao pensamento econômico ideológico dominante, em sintonia com o Tesouro Americano, o Fed e outros países membros do G7, que não levavam em consideração as especialidades de cada país e seu estágio de desenvolvimento: mais abertura, principalmente para os serviços financeiros, mais privatizações, aperto monetário, equilíbrio orçamentário, cortes de subsídios, elevação das taxas de juros, etc.

Reservo aos leitores algumas passagens do Livro VEXAME, de Paul Blustein, já citado, nos ajudará a esclarecer melhor este assunto:

"Este livro oferece uma retrospectiva dos principais eventos da crise e de como eles foram enfrentados pelo "Alto Comando", o grupo controlador da política econômica global que inclui não só o FMI, mas o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, o Federal Reserve, e outras instituições financeiras do G-7 que supervisionam as operações do Fundo e guiam a política econômica global" (p.25).

"O curioso é que o FMI durante os anos 90 esteve na vanguarda do movimento para liberalizar capitais, o que elevou a globalização a novos níveis .... . Mas o novo objetivo para os adeptos da globalização no FMI - secundados pelos governos dos grandes países, como Estados Unidos e Grã-Bretanha - passou a ser a eliminação dos obstáculos criados pelas barreiras nacionais aos estrangeiros" (p.26).

Sobre o artigo intitulado "Um Comitê para a Salvação do Mundo, revista Time, início de 1999: "A capa era ilustrada com uma foto de Robert Rubin, então secretário do Tesouro, o seu vice (e mais tarde substituto) Lawrence Summers, e Alan Greespan, presidente do Federal Reserve, todos posando no cenário esplêndido em meio aos mármores da sede do Tesouro, de braços cruzados e com expressões fisionômicas alegres. Conforme a foto e o texto do artigo, esses três homens, em colaboração discreta com o FMI, exerciam extraordinária influência sobre a estratégia para conter a crise" (p.27).

"A importância do pânico não era negada pelo FMI. Só que Sachs ia além, e dizia, em essência, que esse papel eta tão esmagador que as tradicionais soluções de austeridade - cortes no orçamento, política monetária estrita, e assim por diante - só poderiam exacerbar o problema. Afinal o impacto de uma retirada de capital é recessionário, portanto "não é preciso colocar mais retração onde já existe retração. Não aperte demais a política fiscal. Não jogue a taxa de juros para cima. Nada disso restaura a confiança. Só faz agravar a situação"" (p.163).

"Esse fator explica a incapacidade do FMI em prevenir crises. Na Ásia houve outro problema: é que nem sempre os funcionários do Fundo acreditavam realmente na vulnerabilidade dos países da região " (p. 78).

"Em encontro privado com ministros das finanças da Ásia Oriental, Stiglitz, 54 anos, economista-chefe do Banco Mundial, tomou uma posição contrária ao DOGMA do FMI em favor da liberalização do fluxo de capital ao redor do globo. Ele incentivou os ministros a levarem adiante um plano que estava sendo considerado por alguns no sentido de impor controles de emergência sobre fundos de curto prazo, tanto na hora de entrarem no país, quanto na hora de saírem dele. Quando os ministros se manifestaram preocupados de que as medidas fossem atrair a ira do FMI e dos mercados financeiros, Stglitz sugeriu que o impacto poderia ser suavizado se a ação fosse efetuada coletivamente" (grifo meu, p.165).

"Foi o que a Malásia fez em setembro de 1998, quando impôs o controle de capital. Ela teve um bom desempenho econômico nos dois anos que se seguiram a esta iniciativa, um fato surpreendente, se levarmos em conta as funestas previsões dos seus críticos no Tesouro americano e no FMI, que pensavam que o país pagaria um alto preço por sua transgressão" (Vexame, p. 377).

E isso não o impedia dar sugestões que, algumas vezes, chegavam a ser inacreditáveis, aparentemente desprovidas de propósito, para um país como o Brasil, mas não sabíamos os reais interesses que estavam por trás:

"As conversações (com o FMI) tiveram início com uma enérgica proposta de Camdessus: o Brasil deveria adotar um currency board (plano de conversibilidade) com o real rigorosamente atrelado ao dólar em uma faixa inferior à vigente, que era de 1,47 o dólar. "Por que não?", indagou o diretor administrativo". (Vexame , p. 352)

Se os modelos podiam ser aplicados com relativo sucesso ao mercado financeiro fazendo a fortuna de seus operadores o restante também deverá ser modelado, à sua imagem, porque este é o novo paradigma.

"Agora, os economistas não podiam mais ser agrupados como psicólogos ou sociólogos. Eles pertenciam a uma ciência de verdade".

A nova ciência havia saído da costela dessa nova economia científica. Na economia, o centro de tudo era a racionalidade dos indivíduos. Nas finanças, era a racionalidade dos mercados financeiros. Esse foi, durante muito tempo, um ponto de partida extremamente produtivo. Ao traçarem uma premissa simplista sobre o mundo real, os professores de finanças conseguiram produzir uma quantidade extremamente útil de pesquisa" (grifo meu, O Mito ....., p. 140).

Finalmente as administrações de Reagan e Thatcher coroaram o êxito e a vitória do capital financeiro. Os países, principalmente os menos desenvolvidos e mais vulneráveis, ficaram à mercê do fluxo financeiro internacional, alastrando crises cambiais e financeiras.

"Com a globalização financeira, a órbita das finanças passou a hegemonizar toda a dinâmica do sistema capitalista. Para se ter uma ideia da magnitude do mercado financeiro mundial, basta dizer que hoje circula diariamente nas várias praças mundiais cerca de 1,8 trilhão de dólares (Roberts, 2000) e a massa de capitais em operação nos mercados financeiros já alcança UU$ 118 trilhões (Mckinsey, 2005), montante correspondente a mais de duas vezes o PIB mundial. Essa massa de recursos basicamente especulativos tem a possibilidade de se movimentar pelo mundo ao longo das 24 horas do dia" (em A globalização e os clássicos do imperialismo, www.unicamp.br/cemar/anais).

E se os quants, nerds, gênios bem sucedidos, milionários eram capazes de modelar os mercados financeiros, porque não podiam fazer o mesmo com as economias, em geral, e com diversos outros ramos e setores (ex: commodities, câmbio, balança comercial, superavit primário, crescimento dos países,etc ), com a ajuda de computadores ultravelozes?

"Em resposta àqueles que discordavam e que afirmavam que os artigos do Journal of Finance eram "excessivamente matemáticos e teóricos", Fred Westan afirma: ""Os problemas e as questões emergentes no mundo das finanças tornam insuficientes que imaginemos contribuir para a melhora das decisões econômicas e dos negócios (grifo meu) por meio de simples generalização do bom senso". Os modelos e a matemática eram o futuro" ( O Mito ..., p. 138).

"A economia irlandesa tinha entrado em crise três anos antes, sob o peso de várias manobras financeiras ao estilo americano e maus conselhos dos financistas dos Estados Unidos" (Lewis, Michael, Flash boys, Ed. Intrínseca, 2014, p.136).

A crise de 2007/2008 iria comprovar quem eram os desprovidos de bom senso?


PERSONAGENS EM DESTAQUE
Quem são os grandes protagonistas desta época negra? A seguir, listo algumas das personalidades que tiveram grande influência sobre a teoria econômica nas últimas décadas, remodelando e reinventado a teoria da mão invisível de Adam Smith, sobre uma nova roupagem e que trouxeram as finanças para um papel de destaque.

Em regra, foram personalidades que se dedicaram a pesquisas sobre o mecanismo do mercado financeiro, elaborando modelos com a finalidade de testar e comprovar as suas teses. Nela também estão incluídas pessoas de destaque do mundo financeiro. Objetivado dar uma visão mais abrangente não poderia deixar de incluir alguns de seus dados pessoais, como orientação e formação acadêmica, prêmios recebidos, quais as teorias que os tornaram famosos e influentes.

Ed Thorp, chefão dos quants. Quando professor de matemática na década de 1950, Thorp utilizou suas habilidades para quebrar a mesa de vinte e um (ou blackjack), juntando temas-chaves do mundo dos jogos e do investimento e, mais tarde, se tornou o primeiro gênio da matemática a sacar como usar técnicas semelhantes para ganhar milhões em Wall Street (Mentes brilhantes... , p.10);

Milton Friedman (1912-2006), não era um extremista radical, pelo menos em matéria de métodos em estudar economia. Garoto de classe operária de Rathway, New Jersey, que se formaou em matemática na Universidade de Rutgers e esperava virar atuário, foi conduzido para a economia por dois jovens instrutores - um discípulo de Chicago das teorias monetaristas de Fisher... ( O Mito...., p.104).

Estatístico e economista, concluiu em 1933 o curso de pós-graduação da Universidade de Chicago, retornando a esta como pesquisador assistente em 1934/1935.

Em 1946, passa a ensinar teoria econômica naquela Universidade, onde permaneceu até 1977, tornando-se o seu grande mentor e principal interlocutor, que iria influenciar e moldar o pensamento econômico por mais de três (3) décadas.

Lá formou uma comunidade intelectual que desfrutaria de grande prestígio internacional, principalmente nos E.U.A, e que "produziu um grande número de vencedores de prêmio Nobel". Para maiores detalhes consultar, Milton Friedman em pt.wikipedia.org/wiki/Milton_Friedman.

Monetarista ferrenho foi agraciado com o Prêmio Nobel em 1976. Grande nome da Faculdade de Economia de Chicago, influenciou uma geração de economistas e administradores, que mais tarde tiveram papel de destaque no mundo das finanças.

Acreditava, juntamente com os acadêmicos de Chicago, que sofreram sua orientação, que os problemas econômicos poderiam ser atacados "com a premissa inicial de que, se não houver interferêncoa do governo, o mercado sabe das coisas" (O Mito....., p. 120). Também "movido pela ideia (digo crença) de que o que quer que o governo faça está errado, zombou Franco Modigliani" (p. 124). Como se vê, podemos constatar a influência das premissas na construção dos modelos..

Eugene Fama, professor de finanças da Universidade de Chicago, que, no final da década de 1960, formulou a hipótese da eficiência dos mercados. Mais tarde, em uma série de estudos empíricos realizados com Kenneth French na década de 1990, demonstrou que as provas não sustentavam a hipótese original ( O mito..., p.392).

"Professores assim, e a chance de ter aula de economia com o cada vez mais famoso Friedman, começaram a atrair cada vez mais talentos (e melhores) alunos para a faculdade de administração. O mais significativo e o primeiro a chegar foi Eugene Fama, um jovem e intenso aluno (o primeiro da família a se formar) da Universidade de Tufts. Fama chegou a Chicago, como aluno de MBA, em 1960 ..." (p.127).

Posteriormente formulou a famosa tese, de grande repercussão no meio acadêmico e na esfera financeira "de que era impossível ganhar sistematicamente do mercado", "conhecida como a hipótese dos mercados eficientes (HME)" (Mentes brilhantes...,p. 51).

Agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 2013, por suas valiosas contribuições ao mundo das finanças, mesmo que suas ideias tenham contribuído para a explosão da crise de 2007/2008. Para mais informações sobre o assunto ver o tópico específico.

Myron Scholes, colega de turma e amigo de Michael Jensen e Richard Rool em Chicago. Co Fisher Black, inventou o modelo Black-Scoles de precificação de opções, enquanto dava aulas no MIT. Posteriormente, seria sócio no fracassado fundo hedge Long-Term Capital Management e covencedor do prêmio Nobel de economia em 1997 ( O mito...,p. 397).

Canadense, american financial economist, graduado pela Universidade de Economia de Chicago, teve as influências de George Stigler, Milton Freidman e Merton MIller.

Fisher Black, cientista da informática que foi apresentado às finanças ao trabalhar com Jack Trynor na consultoria Arthur D. Little na década de 1960. Coautor, com Myron Scholes, do modelo Black-Scholes de precificação de opções, mais tarde se tornou sócio da Goldman Sachs e um dos primeiros a apoiar as pesquisas das finanças comportamentais.

Robert Merton, aluno de Paul Samuelson no MIT, que ajudou a resolver o enigma do precificação das opções com Fisher Black e Myron Scholes e depois se deixou a criar uma abordagem hiper racional e hiper matemática às finanças e ao gerenciamento do risco. Dividiu o Prêmio Nobel de Economia em 1997 com Scholes e foi sócio deste no fundo hedge Long_ttrem Capital Management , que desmoronou em 1998 ( O mito...,p. 395).

Richard Roll, ex-engenheiro aeronáutico que se matriculou no curso de Ph.D. em finanças da Universidade de Chicago em meados dos anos de 1960 e se tornou um dos líderes da ideia dos mercados eficientes nas finanças. Foi autor de dois artigos na década de 1980, que colocaram em dúvida se os movimentos dos mercados financeiros podiam ser explicados pelas forças racionais do mercado (O mito..., p. 396).

Michael Jensen, egresso da Faculdade de Administração da Universidade de Chicago da década de 1960, tornou-se o maior apóstolo da ideia de que os executivos das SAs precisavam, acima de tudo, lutar para fazer subir os preços das ações e serem remunerados por isso, embora depois ele tenha tido algumas dúvidas Também foi criador do "alfa"uma medida, ajustada pelo risco, da técnica de investimentoque se tornou o principal benchmark de era dos findos hedge (O mito..., p. 393).

Merton Miller, formulou, com seu colega Franco Modigliani, na Carnegie Tech, uma nova abordagem teórica às finanças com artigos históricos sobre o custo do capital e dividendos em 1958 e 1961. Depois disso, mudou-se para a Universidade de Chicago, onde se transformou em uma vigorosa luz- guia do Departamento de Finanças, na década de 1960 até o início de 1990. Covencedor do Prêmio Nobel de Economia em 1990 ( O mito..., p. 395).

Kenneth Arrow, economista que, no início da década de 1950, ajudou a formular, junto a Gerard Debreu, o melhor modelo matemático de como a mão invisível do mercado funcionava, para depois passar o resto da vida analisando situações em que ela não funcionava. Dividiu o Prêmio Nobel de Economia em 1972 ( O mito..., p. 391).

M.F.M. Osborne, físico da marinha americana, cuja pesquisa dos padrões das bolsas de valores, publicada em 1959, ajudou a criar o movimento do passeio aleatório. Posteriormente, colaborou co m Victor NIederhoffer, aluno de pós-graduação da Universidade de Chicago, na pesquisa de padrões não aleatórios não aleatórios nos movimentos dos preços das ações ( O mito...,p. 396).

Harry Roberts, professor de estatística da Universidade de Chicago, cuja discussão sobre a aleatoriedade da bolsa de valores foi publicada quase simultaneamente com a de Osborne, em 1959. Mentor de Eugene Fama, formulou a ideia de separar a hipótese dos mercados eficientes nas formas forte e fraca( O mito..., p. 396).

Robert Lucas, economista da Universidade de Chicago que popularizou a teoria das expectativas racionais, a versão da economia da hipótese dos mercados eficientes (oriunda das finanças). Vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1995 ( idem, p. 394).

Estas simples citações servem ao meu objetivo de comprovar a importância da Universidade de Chicago, sob a batuta de Milton Friedman, em relação a influência que exerceu sobre o pensamento econômico da época e que nos levou à crise recente.

Eram economistas, matemáticos, estatísticos, administradores das finanças, físicos, engenheiros, etc, todos bem sucedidos profissionalmente, muitos ligados diretamente ao mercado financeiro, onde faziam fortunas, trabalhando de uma certa forma coordenada, para comprovar a eficiência dos mercados financeiros e exportar esta concepção para os demais ramos e setores. Eram os grandes protagonistas do pensamento econômico vigente. Todos gênios, mas que não aplicavam os seus dons de forma realística e objetiva. Viviam num mundo de fantasia, embora fossem bens sucedidos profissional e financeiramente. Eram articulados e tinham o apoio da mídia. Por isso, não espanta a quantidade de Prêmios Nobel que angariaram. E continuam sendo agraciados.

"O dia era 8 de março de 2006, e o Torneio de Põquer de Wall Street estava prestes a começar. Mais de uma centena de jogadores bem-sucedidos circulava pelo salão, traders de elite e negociantes tradicionais durante o dia e entusiastas do jogo à noite. Aquela pequena reunião era o encontro seleto de um grupo de pessoas ricas e brilhantes que, apenas por conta do cérebro e de uma boa dose de audácia haviam se tornado os novos magnatas de Wall Street. Essa roda das grandes finanças -e talvez Muller, mais que os outros -era tão discreta que poucas pessoas fora daquele salão tinham sequer ouvido falar de seus nomes. No entanto, nos bastidores, suas decisões controlavam a entrada e a saída de bilhões de dólares que passavam diariamente pelo sistema financeiro global" (Mentes brilhantes..., p. 10).

"Muller e Simons eram gigantes em um grupo incomum de investidores conhecidos como "quants", que utilizavam técnicas matemáticas mirabolantes e computadores supervelozes para colher do mercado pequenas quantidades de dólares, bilhões de vezes. No início da década de 2000, esses investidores fanáticos por tecnologia passaram a dominar Wall Street, auxiliados por avanços te´ricos na aplicação da matemática aos mercados financeiros, novidades que renderam a seus descobridores várias prateleiras de prêmios Nobel. Os quants aplicavam esses mesmos progressos ao trabalho prático e lucrativo de calcular padrões previsíveis da maneira como o mercado funcionava e se movia" (idem, p. 15)

"Matemático silencioso e cerebral, com diplomas das Universidades de Chicago e de Harvard, Chriss tinha entrado em Wall Street pelo Morgam Stanle, onde conheceu Muller. Em 1998, trabalhou na Goldman Sachs Asset Management, logo depois que Asness saiu. Ele também era membro do círculo interno dos quants que gostavam de jogar pôquer"(idem, p.19).

"É impressionante como nenhum dos quants - apesar de todo o elevado QI que tinham e de suas paredes cheias de diplomas, seus impressionantes Ph.Ds, seus bilhões de dólares de patrimônio ganhos antecipando cada curva e queda do mercado, as dezenas de anos que passaram estudando cada desvio estatístico que aparecesse debaixo do sol - tenha viso o trem descarrilhando" (p. 27).

Sobre Weinstein: " Também se interessou por vinte e um e, em 1993, pegou o livro de Ed Thorp, Beat the Dealer. Adorou a maneira como a contagem de cartas lhe concedia uma vantagem estatística para prever o futuro" (Mentes brilhantes ..., p. 124).

"A combinação potente de brilhantismo na matemática, naturezas fervorosamente competitivas e um instinto de jogador exacerbado levava a uma obsessão quase fanática pelo pôquer - as chances, os jogos mentais envolvidos, os blefes (se eu apostar tanto, ele vai pensar que eu acho que ele pensa que ...) Asness ..... . Mas os homens contra os quais ele competia eram absolutamente fanáticos por pôquer" (p. 20).

Depois de citar estas passagens, chego a conclusão que estes quants, não por acaso encontraram nos mercados financeiros os seus devidos lugares, pois existiam as possibilidades de fazer fortuna rápida, aplicando modelos matemáticos e probabilísticos.

No artigo intitulado "A CRISE DE 2008 E AS INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS", mais precisamente no tópico "QUEM SÃO OS RESPONSÁVEIS PELA CRISE", assim me pronunciei:

"Querer atribuir responsabilidades igualitárias a todos é mascarar a situação, fazer vista grossa, ignorar as diferenças sociais, tirar as responsabilidades daqueles que se incubem da condução e direção das decisões econômicas e políticas a quem, pressupõe-se, cabem zelar pelo ¨bem¨ e o estado saudável da economia. Esta responsabilidade recai igualmente sobre os ombros daqueles arquitetos e defensores da ideologia dos mercados racionais e perfeitos que, de certa forma, contribuíram indiretamente para alastrar este dogma e que estavam em posição de influir e usufruir das decisões políticas/econômicas, independentemente de seus interesses mais nobres e estritamente particulares.

Nestes casos, sempre é bom lembrar, existe a força e a atratividade da atividade ideológica/teórica, respaldada por modelos matemáticos sofisticados, que deixa mais vulnerável as camadas menos protegidas da sociedade, os incautos e crédulos, os não experts e os não profissionalmente melhor posicionados. Que não podem perceber de que se trata de um jogo de cartas marcadas e que os vencedores já estão ¨previamente¨ definidos. Por uma questão lógica e real, não podem tirar grandes vantagens desse momento da economia.

A desregulamentação e a securitização se alastraram com o fundamento de que os riscos estavam ¨racionalmente¨ diluídos e por isso não havia possibilidades de crise. Tudo estava sob controle por que os gênios das finanças eram extremamente racionais. Os modelos serviam para cobrir com uma manta científica as decisões, alijando os simples mortais, incapazes de entender os mistérios das finanças e da complexidade matemática. Todos surfavam ou desejavam surfar na onda da especulação. Todos atuavam ¨racionalmente¨, mas com a alma do especulador".


AS VARIÁVEIS DOS MODELOS
Neste tópico procuro listar e comentar algumas variáveis dos modelos, que repercutem nos resultados almejados. Os comentários são sucintos e alguns dos tópicos não precisam de grande explicação, por serem por demais óbvios. Peço perdão.

Dentre elas podemos apontar: 1) o número de variáveis reais e o peso de cada uma delas que podem ser modificados ao longo do período; 2) a incomensurabilidade de diversas variáveis: naturais, políticas, econômicas, sociológicas; 3) mudanças no comportamento dos agentes e dos paradigmas econômicos (consumidores, investidores, consumidores/investidores; 4) as consequências adversas, o contágio, o mecanismo auto-reforçador, o pânico, as relações recíprocas entre as variáveis; 5) capacidade de interferência dos agentes econômicos nas próprias previsões e prognósticos e a especulação sobre os diversos ativos, que alteram de forma abrupta as demandas, ofertas e preços; 6) a impossibilidade de prever as descobertas científicas e tecnológicas e os seus respectivos impactos nas variáveis econômicas; 7) as forças intrínsecas dos fatores que agem sobre a economia capitalista; 8) a hipótese de que os diversos mercados são homogêneos e a supremacia das finanças; 9) os pressupostos dos modelos; 10) as instituições e a economia.

1) o número de variáveis e o peso de cada uma no modelo

Fala-se de modelos de centenas, talvez milhares, de variáveis. Sinceramente não me dei ao trabalho de conferir e catalogar os números. Mas eles não podem incluir todas as variáveis como o comércio exterior e a política econômica dos respectivos países. Eles são fechados. 

Entretanto, ao escolher estas variáveis deve-se atribuir um peso a cada uma delas no modelo, ou seja, a relevância de cada uma delas no todo (referido modelo). Mas estes pesos variam de acordo com as circunstâncias da economia. Em um momento de crise elas têm uma relevância diferente do que num momento de expansão moderada. Um movimento abrupto do capital financeiro especulativo tem um impacto diferente sobre as variáveis do modelo e destas sobre os resultados dos modelos. Ou seja, a relevância de cada variável modifica-se dependendo da situação política e econômica.

O comércio exterior é geralmente considerado uma variável exógena aos modelos, bem como os desastres naturais, a política (interna e externa, inclusive econômica), as inovações tecnológicas e em certa medida o comportamento dos agentes econômicos (as expectativas dos agentes, indiferente que sejam elas racionais ou não, ao contrário do que pensa Robert Lucas). Entretanto como não levar em consideração um comércio externo que representa em torno de 35% do PIB de um  país? 

Atualmente, podemos acrescentar a esta lista os fluxos "erráticos" e especulativos da capital internacional, impossíveis de serem previstos, pois dependem do comportamento especulativo dos agentes econômicos, conforme podemos constatar das diversas crises financeira e cambiais, como a crise asiática e brasileira que veio a seguir. 

O influxo do capital especulativo traz em  regra a apreciação da moeda do país, pressionado a balança comercial e de serviços, comprometendo as políticas de desenvolvimento econômico dos países economicamente mais vulneráveis. Inclusive podem conviver, durante determinado período de tempo, com déficits na balança comercial e de transações correntes, como aconteceu com o Brasil durante o plano real e final dos anos 2000.  

Gosto muito de uma frase do Prof. Edmar Bacha que em algum momento, não sei onde, expressou de algo parecido com: Em determinadas situações é possível modelar. Mas, o problema é identificar os momentos. É aí onde moram a razão, a sensibilidade e o perigo. Como modelar em situações de crises, depressões, especulação, superaquecimento da economia?

Da mesma forma, apenas como exemplo, uma queda acentuada no preço do petróleo, como no momento atual, trará um impacto nas variáveis, alterando o peso de cada uma delas, em maior ou menor escala. A crise do petróleo de 1973, trouxe uma mudança significativa no circuito financeiro internacional e nos balanços de pagamentos com repercussões diversas em diferentes países, que por sua vez interferiram nas variáveis dos modelos de outros países.

Outrossim, elas podem ter pesos diferentes em outras sociedades. Então, teríamos que integrar os diferentes modelos, para saber que um impacto em dado modelo poderá interferir em outros modelos. Por outro lado, um outro modelo não deveria se tornar apenas mais uma variável de um modelo.

Uma mudança cambial traz efeitos diferentes nas economias e nas suas variáveis e estes efeitos voltam a interferir nas variáveis de outros modelos.

O problema dos modelos é que eles não são flexíveis, dinâmicos. O peso e a intensidade de suas variáveis são determinadas "a priori", sem que haja possibilidades de captar as constantes e inúmeras mudanças, inclusive mudanças imperceptíveis, mas que já estão interferindo nas variáveis. As correlações entre as variáveis são pré-concebidas. Não conseguem captar a intensidade das pressões sociais, da reação dos agentes econômicos diante de uma situação adversa, de um momento específico porque passa a economia, de uma medida política e econômica. 

A tendência de se estabelecer padrões fixos, regras fixas e imutáveis, atemporais e universais para a economia de um país em particular ou em conjunto, individualmente, sem levar em consideração as suas peculiaridades, não tem alcançado bons resultados. 

O exemplo é a simplória curva de Phillips que previa uma relação estreita entre inflação, crescimento e desemprego, constatada empiricamente em determinado momento, mas sem levar em conta outras vaiáveis econômicas. Pois bem, esta fórmula não impediu que os EUA, no final do século passado e início deste, continuassem crescendo com baixo desemprego e baixa inflação e taxa de juros.

Hoje, os economistas embora ainda não tenham tirado todas as implicações, pelo menos já relativizaram a importância da curva de Phillips: "Há, de fato, uma relação, mas que está longe de ser mecânica; ela varia com o tempo e o país" (Blanchard, Olivier, Macroeconomia, 2ª tiragem, Campus, p. 29). 

Da mesma forma, como não reconhecer as sérias consequências da guinada da política internacional do governo Eisenhower nas expectativas econômicas do Brasil, obrigando o governo Vargas a alterar as medidas econômicas de fomento ao desenvolvimento (assunto objeto de outros artigos neste site). 

A taxa de juros que de acordo com a economia tradicional passou o principal instrumento de política monetária, para o combate à inflação repercute também na taxa de câmbio, que por sua vez altera a balança comercial, no investimento (através da eficiência marginal do capital), no fluxo internacional do capital, na concorrência entre o capital alienígena e autóctone, no consumo e também no déficit público e na dívida externa, dentre outras variáveis. Ora, a forma como os agentes econômicos irão perceber e reagir a uma mudança positiva da  taxa de juros irá também depender do nível do déficit público em que se encontra o país.

Nunca é demais lembrar que a redução da taxa de juros em uma economia que se encontra em depressão não cria o estímulo necessário para alavancar e tirar a economia de tal situação, de acordo com o princípio da "preferência pela liquidez", conforme explicado por Keynes. 

Ilustrativa é a manchete do Globo, de 11.03.2016, que reproduzo: "BC DEFENDE REFORMAS E AJUSTE FISCAL PARA CONTROLAR A INFLAÇÃO - Ata do Copom indica que incertezas impedem queda da taxa de juros".

"Na Ata do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada ontem, o Banco Central alertou o governo para que não abandone o ajuste fiscal e faça as reformas necessárias para resolver a crise das contas públicas, mesmo no cenário turbulento que vive o país. Foi justamente por causa destas incertezas externas e internas que o Copom resolveu manter os juros básicos do país em 14,25%, na reunião da semana passada, indica o texto". 

Na mesma página o Jornal traz manchete sobre a política do BCE para impulsionar a zona do euro: "BCE DEIXA JUROS AINDA MAIS NEGATIVOS":

"Diante de uma inflação que permanece abaixo da meta de 2% nos países da região há mais de três anos, o BCE tem poucas cartas na manga para estimular a economia. E a recente queda nos preços das principais commodities dificulta ainda mais a tarefa da autoridade monetária da zona do euro". 

Enfim, como a própria experiência e prática tem demonstrado não existe uma correlação biunívoca entre taxa de juros e inflação. Não se sabe ao certo quanto uma variação na taxa de juros é suficiente para debelar ou mesmo reduzir a inflação, porque, além das variáveis aqui comentadas, entram em conotação até mesmo o histórico do país e fatores institucionais (ver item 10)
  

2) a imprevisibilidade dos agentes econômicos
Conforme  demonstrou Keynes em sua Teoria Geral as decisões dos agentes econômicos baseiam-se em expectativas e prognósticos e estes não são mensuráveis e muito menos previsíveis. Os prognósticos são sempre condicionados pelos acontecimentos passados e pelas nossaspróprias limitações em prever o futuro, cujos acontecimentos estão fora do nosso escopo teórico. 

3) a incomensurabilidade de diversas variáveis
Acredito que não haja necessidade de longos comentários sobre este tópico. Podemos constatar através do nosso dia a dia que existem diversas variáveis que não podem ser previstas e quando previstas são impossíveis que suas intensidades sejam mensuradas.

Podemos citar os desastres naturais, terremotos maremotos, tsunami, secas, enchentes, pragas nas lavouras, etc. 

Continuando, podemos citar os acidentes nucleares (Japão), decisões políticas, as guerras, os ataques terroristas (lembrem 11 de setembro), as políticas desenvolvimentistas e nacionalistas de diversos países, as políticas econômicas de outros países e as expectativas dos agentes econômicos sobre elas. E por que não mencionar o que Paul Singer denominou de "imprevisibilidade da sina humana".

As crises financeiras de outros países, como a crise asiática e a crise dos subprimes, que contaminaram sobremaneira as outras economias e, que alteraram o curso dos acontecimentos econômicos e por sua vez políticos, num desdobramento que se propagou, sem que fosse possível mensurar os seus efeitos e as suas repercussões sobre as variáveis e destas sobre os modelos.

As decisões da política econômica de diversos países, como alteração da taxa de juros, expansão da moeda, política fiscal cujos efeitos repercutem em outros países, assim como a política aduaneira, que afeta as exportações, etc, etc. Os fluxos dos capitais especulativos, sem regras explícitas, exatamente por serem especulativos.

Vejam manchete do Jornal O Globo de 29.06.2016: "DÓLAR DESINFLADO"- Moeda americana cai 2,62% q R$ 3,306, com o movimento global e declarações de Ilan Goldfajn":

"Depois de a onda de pessimismo com o Brexit ter levado as Bolsas do mundo todo a perderem US$ 3 trilhões em apenas dois pregões, os mercados tiveram ontem um dia de alívio, devido à expectativa de uma possível ação conjunta dos bancos centrais para fortalecer o sistema financeiro".

Em reportagem do Jornal O Globo, de 9.7.2016, sob o título "Desvalorização bem vinda":

"A recente queda do dólar não provoca efeitos apenas nos mercados de câmbio. Para quem viu a moeda americana superar os R$ 4, a cotação de R$ 3,29 - no ano a desvalorização acumulada é de 16,5% - é um estímulo para tirar o passaporte da gaveta de férias". 

Na página 18 do mesmo Jornal

"As previsões para o dólar a curto prazo despencaram nas últimas semanas já que o mercado agora vê tendência de queda da moeda americana nos próximos meses. Redução das incertezas no front político - que melhora o cenário para a entrada de investimentos estrangeiros - taxa elevada de juros - com boa remuneração para o investidor em um ambiente mundial de juros baixos - ajuste externo de expectativa de aprovação de reformas são alguns fatores que ajudam a explicar a expectativa de um real mais forte.

Ontem, o Itaú Unibanco revisou sua sua projeção para o câmbio no fim de 2016 de R$ 3,65 para R$ 3,25. O Bradesco estima o dólar a R$ 3,20. Pelo Boletim Focus, que reúne as principais estimativas do mercado, a previsão caiu de R$ 3,68 no início de junho para R$ 3,46 agora, redução de mais de 6%  em apenas um mês. No início de abril, a avaliação era que o dólar estaria a R$ 4 no fim do ano".

Em 21.03.2016, tínhamos a seguinte previsão para dezembro de 2016, também de acordo com a Focus:

"O mercado financeiro revisou  para baixo sua estimativa para o comportamento do dólar. De acordo com o Relatório de Mercado Focus nesta segunda-feira, dia 21, pelo Banco Central, a moeda deve chegar em 31 de dezembro comercializada a R$ 4,20, contra R$ 4,25 estimados no levantamento da semana passada" (Previsão do dólar para o fim de 2016 cai ....., em economia.ig.com.br>2016-03-21). 

Em 10.08.2016, o Jornal O Globo noticiou em seu caderno de Economia, sob o título de Recuo Cambial, pg 19, que o dólar foi cotado a R$ 3,142 menor cotação em um ano, por fatores externos e cenário político. 

Acredito que estas citações são suficientes para demonstrar o quanto estas previsões são desprovidas de quaisquer credibilidade, servindo apenas para criar expectativas que, de antemão, sabemos que não se realizarão, ou melhor estão longe de se realizarem.  

A crise do petróleo de 1973, veio a reboque do confronto armado entre Egito e Síria de um lado e de Israel de outro, que recebeu apoio militar maciço dos E.U.A. Os países Árabes que já buscavam uma maior independência sobre a exploração de suas reservas, muitas ainda concentradas e sobre a influência das grandes empresas petrolíferas estrangeiras, tentaram a retaliação através do embargo. O resultado, não previsto, já se conhece: déficit nas contas externas de diversos países e modificação do circuito financeiro internacional, com necessidade de reciclagem dos petrodólares. (sobre o assunto consultar, Crescenzio, Bernard Di, em Crise de energia ou crise política, ed. Estampa, 1974).

Também podemos citar o recente desastre nuclear do Japão que foi obrigado a redirecionar a sua produção e investimentos para outros países asiáticos. Os exemplos são inúmeros e não é meu objetivo fazer um levantamento completo sobre o assunto, pois trata-se de um esforço hercúleo.

E os novos protagonistas desta lista são a "roubalheira" e a "má gestão" das grandes empresas públicas e que são destaque das economias de países sub desenvolvidos, tendo como principais exemplos o Brasil, a má administração da petrolífera PDVSA na Venezuela. Desnecessário falar sobre a Venezuela e sua desastrosa administração. E o assunto não se restringe às empresas públicas dos países subdesenvolvidos. Basta lembrar os casos da Enron e Worl.com e as falcatruas perpetradas pelos grandes bancos, principalmente americanos, na crise de 2007/8. 

Transcrevo partes da reportagem do Jornal O Globo, caderno de Economia, de 27.12.2004, da Bloomberg News, sobre a repercussão dos escândalos da Petrobras, que "respondeu por 35% das emissões corporativas de Brasil , em 2014", nas emissões de bonds (títulos) de outras empresas brasileiras.

"De acordo com Leoni "não há um sinal claro de uma resolução" para a investigação de corrupção envolvendo a Petrobras e as empreiteiras. E isto pode pesar sobre a decisão das empresas que querem vender títulos".

"O yeld (ágio) para os emissores brasileiros chegou a 7,7% neste mês, o mais alto desde junho de 2009. - O prêmio pago em novas emissões para países emergentes, e para o Brasil especificamente está mais alto agora, e deverá continuar assim nos próximos meses- disse Eduardo Freitas , codiretor de mercados de capitais de dívidas no unidade brasileiro do Citigroup, em São Paulo."

" - Muitas empresas enfrentarão dificuldades para acessar os mercados e vender novas dívidas - disse Carolina Lacerda, chefe de investiment banking da unidade brasileira do UBS".

Mas, como exemplo, escolhi o petróleo para dar um panorama geral de como as previsões chegam as raias do absurdo, porque muitas delas estão desconectadas de outras importantes variáveis, não mensuráveis, que afetam o preço desta commodities.

Tudo começa com a crise do petróleo de 1973. A partir principalmente deste momento começam as preocupações sobre as cotações do preço do petróleo no mercado internacional e sua produção. Diante deste novo evento, imprevisível quanto a sua intensidade, os modelos matemáticos vão se proliferando com o objetivo de prever a produção e a cotação do preço do petróleo.

Para o guru e especialista mundial Daniel Yergin, autor do best seller O Petróleo, " está em curso uma reorganização geopolítica" e qualquer previsão sobre as implicações futuras sobre a aproximação russos e chineses "seria especulação".

Para o referido autor "A maior ameaça é a volta do uso da energia como arma política em nome do nacionalismo. É o que chamamos de nacionalismo energético" (em Profundidade: PETRÓLEO, veja.abril.com.br/idade, 13/06/2007).

Entretanto, reproduzo o texto Um conto de quatro previsões - Hubbert, Deffeyes, Yergin & Jackson, resistir . info/energia/four - prediction - 21/11/2006, onde mostra que o autor também fazia as suas desastrosas previsões:

"Uma coluna publicada na revista Forbes de novembro de 2004, Daniel Yergin, historiador e presidente da Cambridge Energy Research Association (CERA), em resposta a uma pergunta respeitante à futura produção mundial de petróleo e aos seus preços, previu que a produção mundial do óleo emergiria, conduzindo os preços abaixo de U$ 38 por barril em novembro de 2005. De facto, os preços praticados do petróleo foram 50% a 100% mais elevados do que o previsto índice de preços a longo prazo de Yergin, pois a queda na produção do óleo forçou os preços para a alta a fim de equalizar a oferta e a procura.

Na semana passada, Peter Jackson, colaborador de Daniel Yergin, apresentou uma crítica à teoria do Pico Petrolífero esboçada por Hubbert e Deffeyese e , tal como Yergin antes dele, previu a ascensão da produção mundial, sem que o mundo mostrasse qualquer declínio real num período de tempo até 2040 ou 2050 (grifo meu).

No passado, Hubbert estava certo e Yergin estava errado. Agora os seus respectivos colaboradores estão a fazer previsões semelhantes, utilizando métodos semelhantes".

Me permitam continuar citando o mencionado autor, para termos uma verdadeira noção do disparate e inoperância de tais previsões:

"O preço do petróleo no mercado internacional disparou em resposta não apenas à perda das exportações de petróleo da Líbia, mas também ao estilhaçamento do equilíbrio geoestratégico que sustentou o Oriente Médio por décadas¨ ( A Busca, em www.intrinseca.com.br/upload/livros).

Continuando: "A mais recente explosão nos preços do petróleo e de outros produtos surgiu no fim do 3º trimestre de 2007, quando a queda do dólar deflagrou uma "fuga para outras commodities". Os preços do petróleo foram propelidos a uma alta que durou até julho de 2008 por fatores psicológicos, aquilo que o prof. Robert Schiller, da Universidade de Yale, descreveu como "excitação contagiosa quanto a perspectivas de investimentos". Era quase como apostas em um jogo de pôquer com uma previsão de preços a U$ 200 por barril sendo sobrepujada por outra previsão de U$ 250.

Os preços mais baixos estão forçando as empresas de energia a reduzir os seus orçamentos e a adiar o início de alguns novos projetos. Isso se fará sentir em uma nova virada do ciclo, depois de uma recuperação econômica. Enquanto isso, não é só o investimento em novos projetos de petróleo, gás natural e energia elétrica que será restringido". ( em Daniel Yergin: O que significa a queda no petróleo - Folha de S. Paulo, www1.folha.uol.com.br, 16/11/2008).

Pelo visto o Sr. Yergin se dobrou a verdade irrefutável. A esperança é que não se aventure em novas previsões.

Na visão de Tombini, em entrevista a Miriam Leitão, jornal O Globo, de 19/12/14; " A queda do petróleo nem os especialistas previram. Em junho e julho, estava em US$ 110 o barril do brent, e agora, US$ 60. Isso afeta empresas, países mais dependentes do petróleo e os mercados emergentes. Em relação às moedas, há um aumento de trepidação. Como ainda somos importadores líquidos de petróleo, haverá um ganho para o Brasil de US$ 5 bilhões a 10 bi. O país está ajustando a política monetária, a política fiscal está sendo reforçada e temos um colchão de reservas para enfrentar esse surto de volatilidade".

Pelo que foi exposto, podemos deduzir que o preço do petróleo tem um componente político, afora diversos outros fatores, pois aos grandes produtores (OPEP) não interessa viabilizar outras fontes alternativas de energia.

"A decisão da OPEP de manter a produção e deixar os preços caírem teve como alvo, dizem analistas, justamente a produção americana, com o objetivo de torná-la economicamente inviável. O cartel, com exceção da Venezuela e Irã, pode suportar um preço deprimido por um longo período, o suficiente para afastar potenciais investidores dos rivais americanos e garantir a médio prazo uma recuperação consistente das cotações nos mercados internacionais" ( reportagem da Bloomberg News, em O Globo, 22/12/2014, p.18).

Na Rússia, país altamente dependente das exportações de petróleo, com a queda da atual cotação dos preço desta commoditie, associada aos reflexos da crise política com a invasão da Ucrânia, o rublo já se desvalorizou 40% desde junho, a dívida russa avançou 2%, elevando a desvalorização da moeda em 17% em cinco dias, o país queimou reservas, há expectativas de elevação da inflação, o consumo aumentou, pressionando a inflação, que deverá pressionar os juros ( Jornal O Globo, caderno de Economia, Efeito da Crise, p.19/20, reportagem de Vivian Oswald).

E a pressão sobre os juros desencadeará um série de novos reflexos sobre as diversas varáveis, inclusive sobre o comportamento dos agentes econômicos internacionais, em uma cadeia impossível de ser avaliada e quantificada, em virtude dos efeitos de uma varável sobre as outras e destas sobre esta e também de todas entre si, numa relação dialética. Ver item 4, deste tópico.

E mais, diante de tais fatos não podemos descartar a hipótese de que muitas previsões também estejam contaminadas por fatores especulativos.

O pergunta que fica é se é possível uma previsão precisa, depois da crise de 1973 e em um mundo em total turbulência, usando modelos matemáticos, mesmo que sofisticados?

Para finalizar este item é interessante reproduzir a previsão sobre a taxa de câmbio do Brasil, segundo Focus, postada em 08.09.2014, portanto, faltando somente 4 meses do final do ano:

"Parada há seis semanas em R$ 3,35, a cotação para o câmbio de 2014 recuou para 2,33 no relatório do mercado Focus, divulgado esta segunda-feira, 08, pelo Banco Central. Com essa alteração, a projeção mediana para o câmbio médio deste ano foi reduzida de R$ 2,29 para R$ 2,28.

Para o ano que vem, os analistas mexeram em suas planilhas, mas com menor intensidade a perspectiva de que o dólar encerraria 2015 em R$ 2,50 foi ajustada para R$ 2,49. A mudança pequena não foi suficiente para gerar alteração na mediana das estimativas para o câmbio médio do próximo ano, que está em R$ 2,44 há quatro semanas" ( em Focus revê para baixo câmbio em 2014, www.em.com.br/..../focus). Quanta precisão.

"A previsão do mercado financeiro para a taxa de câmbio no fim de 2014 ficou estável em R$2,35 por dólar. Para 2015, expectativa também foi mantida em R$ 2,50 por dólar" (em Previsão de inflação, juros e câmbio em 2014, postado em 1 setembro de 2014, ).

Por sinal, quanto era a taxa de câmbio no final de dezembro de 2014? Em torno de 2,75 por dólar? Prever que ela fecharia o ano de 2015 no valor mencionado, quando em setembro a crise já era latente e se avizinhava, indica que o chute foi muito mal direcionado.

4) mudanças de paradigmas

Remeto o leitor para os itens 2 e 6 do presente tópico.

5) dos efeitos adversos, do contágio, do pânico, do processo de auto-realimentação (ou auto-reforçador) e das influências recíprocas entre as variáveis

Começo este ítem citando uma expressão muito feliz, não sei se cunhada por Krugman, mas citada por ele, sobre o pânico:

"No entanto, muito mais importante para a economia são os pânicos que, não importam quais sejam as suas causas, validam-se por si mesmos - pois o pânico em si justifica o pânico. O exemplo clássico é a corrida bancária" (Krugman, Paul, em A crise de 2008 - O desastre asiático, Elsevier Editora, 2009, p. 91).

"Havia falhas reais nessas economias, mas a principal delas era a vulnerabilidade ao pânico auto-realizável" (idem, p.99). Na verdade sempre existirão falhas, mas por que não foram, inicialmente, motivos de preocupação para o capital especulativo?

"A perda de confiança foi, até certo ponto (impossível saber qual ponto), um processo auto-reforçador . Enquanto os preços dos imóveis e os mercados de ações estavam em ascensão, até os investimentos questionáveis tendiam parecer bons. Quando a bolha começou a esvaziar, as perdas passaram a acumular-se , comprometendo ainda mais a confiança e promovendo nova redução na oferta de empréstimos" (idem, p.87).

Este processo de realimentação e auto-reforçador pode muito bem ser observado quando a economia entra em recessão/depressão ou quando está em ascensão. Através das teorias keynesianas podemos muito bem identificar este processo, bastante visível na confiança dos agentes econômicos.

Na depressão, os bancos retraem o crédito que realimenta o pessimismo que afeta os investimentos (seria um efeito multiplicador em sentido inverso à expansão). Na expansão os empréstimos concedidos se realimentam através do efeito do multiplicador monetário. Os investimentos também possuem um efeito multiplicador, sobre a renda, estimulando novos investimentos, conforme demonstrou Keynes.

Tento esclarecer, com o risco de alguns percalços:

Suponhamos que determinado país esteja com problemas em sua balança comercial e de serviços e necessite de capital estrangeiro para fechar suas contas externas, ou até mesmo preservar suas reservas monetárias.

Estes problemas poderiam ter sido causados por pressões internacionais para abertura da economia (inclusive serviços financeiros), queda da demanda externa, variação de câmbio dos países concorrentes ou outras situações adversas.

Para isto, resolve elevar a taxa de juros com o intuito de atrair o capital externo, de que necessita.

Inicialmente, é difícil concluir que a adoção de tal medida surtirá os efeitos desejados, por que irá depender das medidas econômicas e políticas de outros países, das expectativas do capital estrangeiro quanto a economia em questão, das possibilidades de realocação de recursos para economias mais saudáveis, da confiança que as autoridades transmitirão aos agentes econômicos, quanto as garantias ao capital, dos fundamentos da economia (questão também subjetiva).

Entretanto, admitamos que o capital flua para o país em questão. Ora, o aumento das taxas de juros, em tese, inibirá os investimentos, a economia se desaquecerá pelo processo auto-reforçador, o desemprego aumentará, as empresas terão mais dificuldades para saldar suas dívidas, o câmbio provavelmente irá se valorizar (mas o fantasma da desvalorização continuará a perdurar) e isto por sua vez poderá agravar a situação das contas externas.

Isto tudo em uma economia que já se encontra combalida. A fuga de capital já aconteceu e trouxe problemas para o país. Na verdade, o que eles pretendem (Tesouro e FMI) é evitar novas fugas e o retorno do capital (mas qual a garantia?. Nenhuma). E qual serão os efeitos destas circunstâncias sobre a taxa de juros, diante deste novo quadro? E, aí, outros fatores políticos entrarão em cena e poderão dar novo curso às políticas econômicas.

Observamos que o raciocínio é sempre "ceteris paribus", mantida as demais condições constantes, uma variável repercute em outra variável e esta em outra, sempre mantendo as demais condições constantes, numa cadeia sequencial, que pode vir a se tornar num círculo vicioso. Espera-se que com isto as expectativas dos agentes se modifiquem. Mas elas serão modificadas ou não de acordo com as expectativas de modificações das outras variáveis.

No entanto, todo este raciocínio não leva em consideração o que está acontecendo nos outros países, em suas políticas econômicas e todos estes reflexos também não estão imunes às expectativas dos investidores, nacionais e internacionais e do capital especulativo.

Se a elevação da taxa de juros tende a evitar a desvalorização cambial e até mesmo valorizar o câmbio (segundo o programa do FMI), espera-se que uma desvalorização cambial possa reduzir os juros (taxa).

Na filosofia do FMI e do Tesouro a elevação da taxa de juros, para sustentar o câmbio, convence o capital a permanecer no país e evita uma desvalorização mais acentuada (são apenas expectativas) e a inflação. Mas, por que tanta preocupação em evitar desvalorização no câmbio? Em sua visão, esta medida agrava a fuga de capitais. Será que este é realmente o seu propósito ou será que a sua intenção é evitar perdas do capital especulativo internacional?

Os efeitos que uma desvalorização cambial terá sobre a inflação irá depender da base industrial do país, ou seja , o quanto ele ( o país) reagirá e de sua pauta de importação (se a procura por produtos estrangeiros é inelástica, da resposta da indústria do país e de sua estrutura produtiva).

Não precisa ser gênio para entender que isto tudo dependerá de diversos fatores como o grau de endividamento das empresas, da pauta de exportação do país, da diversificação industrial, do nível de confiança da população, etc. E qual será o peso de cada uma deles? Eles não permanecem constantes.

Os fundamentos da economia repercutem nos mercados financeiros e estes voltam a interferir nestes fundamentos e nas demais varáveis, muito embora estes (mercados financeiros: capital especulativo internacional, bolsa de valores, etc) possuam regras próprias e não se ajustem de modo automático à economia "real", como advogavam os clássicos.

Conforme Krugman: "Porém, como as crises podem ser auto-realizáveis, políticas econômicas saudáveis não são suficientes para conquistar a confiança do mercado - (também é importante considerar as percepções, os preconceitos e os caprichos dos agentes" (p.118).

Infelizmente, penso ser impossível saber de antemão as consequências dos efeitos adversos, da mensuração do processo de realimentação, da pânico que se estabelecerá, do contágio, do peso de cada variável, da influências recíprocas entre as variáveis. Isto dependerá ainda estágio de desenvolvimento de cada país, da diversidade de seu parque industrial, da sua pauta de exportação (produtos primários (commodities), industriais tradicionais).

Entretanto, há situações em que o contágio se dá por questões que fogem da situação concreta do país.

Por exemplo: de acordo com diversos economistas e agências de risco internacional a Indonésia e a Coreia do Sul não estavam com suas economias descontroladas e seus fundamentos pareciam ser sólidos, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela pelo capital especulativo internacional. Daí a surpresa pela crise que afligiu estes países.

Cito mais uma vez Krugman:

"O apetite dos investidores pela região fora alimentado pela percepção do compartilhamento do "milagre asiático". Quando a economia de um dos países se revelou não tão miraculosa, abalou-se a fé em todas as demais" (p.96).

"Não que os tailandeses fossem grandes investidores na Coréia ou vice-versa;mas o fluxo de dinheiro para a região frequentemente era canalizado pelos "fundos dos mercados emergentes", que juntavam todos num mesmo saco. Quando chegaram as más notícias sobre a Tailândia, o dinheiro se escoou desses fundos e, em consequência, deixou de fluir para os demais países da região" (p.95).

Um aumento da taxa de juros deverá influenciar o orçamento público, de forma diferenciada, caso haja déficit ou superavit, e este, por sua vez volta a interferir sobre o nível dos juros.

Em tese, uma alta da taxa de juros, deprime a atividade econômica, reduz a inflação, valoriza o câmbio, que traz efeitos sobre a balança comercial e transações correntes, que voltam a influenciar o câmbio, repercute sobre o endividamento externo, que exerce pressão sobre o câmbio, afeta o orçamento, que por sua vez vez volta a influir sobre os juros, aumenta o fluxo de capital especulativo, que pressiona a taxa de câmbio e juros, que também afeta a balança comercial,etc, etc.

Mas tudo isto, irá depender da situação econômica da economia,dos momentos de expansão ou retração, do estado e do nível do orçamento, da situação da balança comercial, do nível de endividamento externo, do nível das reservas, da diversificação da pauta de exportação, da concorrência de outros países, da política econômica deste países, das expectativas dos agentes econômicos, inclusive estrangeiros, em relação à economia em questão e outras, da variação dos preços das commodities e das expectativas em relação a elas, sobre a balança comercial. E não esqueçamos que o peso das variáveis muda, conforme exposto no item 1.

E se, por exemplo, a economia americana está em expansão com os juros em um determinado patamar não é certo que a elevação dos juros em um outro país trará os efeitos previstos e desejados. Diferentemente se a taxa de juros do outro país (EUA) encontra-se em um nível bastante baixo, uma elevação da taxa de juros no país, dependendo do grau de confiabilidade e dos fundamentos e de outros itens econômicos, quão saudáveis os outros parâmetros estejam, poderá redirecionar o fluxo do capital especulativo.

Isto, não é certo nem matemático, vai depender das expectativas dos agentes econômicos, do estado da economia e dos problemas que ela pretende resolver, e do estado das outras economias. Felizmente o raciocínio matemático não é autoaplicável a todas situações da vida real.

Um dos problemas da economia é que aprendemos, como em outros setores e por uma simples questão de simplificação, a raciocinar "ceteris paribus", mantida inalteradas todas as outras condições, e isto é seguramente uma ilusão. Nós, em regra, adquirimos este vício.

Uma séria crise do balanço de pagamentos, em economias não desenvolvidas, com uma estreita margem da pauta das exportações, não é tão simplesmente solucionada com uma desvalorização cambial, em decorrência da inelasticidade da demanda exterior, da saúde financeira dos países importadores, da entrada de novos concorrentes no mercado.

Em resumo, as variáveis econômicas, que em princípio poderiam ser quantificáveis, ao invés das que são imprevisíveis e incomensuráveis, não permanecem constantes, estão sempre em movimento e se relacionam com as outras, em um processo de influências recíprocas, de forma direta ou não, difícil de ser captado a priori e com precisão pelos modelos matemáticos, como os nerds pretendem. Ver parte final do item 2, deste tópico.

Embora a taxa de juros seja uma variável importante e considerada estratégica a sua variação e o seu nível podem não surtir os efeitos desejados, podendo ter resultados adversos, dependendo do ciclo em que a economia se encontra (armadilha pela liquidez), das situações de pânico, das razões e do estado em que se encontram as suas contas, que influenciam diretamente o pânico, que volta a interferir sobre aquelas e as taxas de juros. Além disso podem trazer mais recessão e desemprego, com os consequentes problemas sociais, em uma economia já combalida.

Ela não é um Deus ex-machina que resolve todos os problemas e a todos contempla, independentemente de outras variáveis e da situação peculiar de cada país. Não é panaceia para estes males e diversas outras situações.

Quais as razões do pânico e por que o contágio se propaga, independentemente da situação de cada economia? Um redirecionamento dos fluxos financeiros pode no início ter fundamento, mas depois de estabelecido o pânico estes fundamentos não mais interessam, e o pânico se realimenta. Até quando?

E se analisarmos mais atentamente, numa economia que se pretende ser racional (mercados racionais) o pânico jamais teria lugar. Pânico também é especulação.

"Mas é precisamente este tipo de crise o que é mais destruidor, o que mais afeta os outros países, e o mais difícil de conter. "Não sabemos que relações econômicas subjacentes têm condições de se manter em um clima de pânico. E crises de conta de capital são situações de pânico", explicou Khan. "As pessoas procuram agir o mais rapidamente possível. Quando o pânico realmente se instala, todas as suposições se tornam inválidas. Algumas coisas podem funcionar, outras não, impossível ter certeza. Não se consegue saber como reagir" (Vexame, p.42).

"Quando chegaram aqui, recorda um economista do FMI, "eles não tinham a menor ideia do que iriam fazer. Nós também não tínhamos uma noção clara a respeito" (Vexame, p. 351). O autor se refere a Malan e Lopes, representantes do Brasil durante a crise do início de 1999.

Segundo Eichengreen, p. 242:

"O fato de a Ásia, aparentemente o último baluarte da estabilidade, sucumbir aos problemas cambiais que afligiam o resto do mundo ressaltou a universalidade das pressões em curso pela transformação do sistema monetário internacional.

A crise asiática foi tão chocante por ter ocorrido sobre o pano de fundo de condições econômicas e financeiras favoráveis. Suas políticas monetárias e fiscais eram em geral bem equilibradas. Os tigre asiáticos não ostentavam nem enormes déficits fiscais, nem uma inflação persistente características de outros países em desenvolvimento propensos a crises" (Eichengreen, Barry, A globalização do capital, Ed. 34, 2002).

Já que os mercados são considerados racionais, o que assusta e não explica é por que estes "sintomas", que hipotética e posteriormente justificaram a crise asiática (mesmo que existissem), na opinião dos grandes analistas, não foram percebidos com antecedência pelos agentes econômicos/financeiros e estes não tomaram providências para ajustar paulatinamente a situação, evitando, através do contágio, uma catástrofe. E o que dizer daqueles que sofreram contágio?

Um exemplo da influência recíproca entre as variáveis pode ser extraído do conceito de reflexividade elaborado pelo mega especulador George Soros:

"O que torna a movimentação dos capitais globalizados tão volátil e aleatória é o que Soros denomina reflexividade. Aplicada aos mercados financeiros, a reflexidade denota o fato de que a percepção do risco dos aplicadores financeiros influi sobre a destinação das aplicações e esta afeta a percepção de risco original em geral intensificando-a. Quando a percepção de risco dos gerentes de capitais globalizados piora em relação a certo país, por exemplo, desencadeia-se uma fuga de capitais. Por efeito da reflexividade, a situação do país que perde capital degenera , o que aumenta ainda mais o risco percebido pelos aplicadores" ( Singer, Paul, O undo financeiro, Ed. Contexto, p. 115).

Em "Andar de bêbado", Leonard Mlodinow nos faz um relato, ocorrido em um campo de concentração nazista, de como escolhas racionais podem resultar em tragédia, via acaso.

6) a interferência dos agentes econômicos nos seus próprios prognósticos

Poucas palavras são suficientes para esclarecer este item, baseado na premissa e evidências de que os agentes econômicos interferem na economia em condições diversificadas, em poder econômico e político.

Em resumo, os poderosos agentes políticos econômicos fazem os seus prognósticos e ao fazerem se posicionam para que suas previsões se realizem, ou seja atuam sobre os fatores econômicos de forma a concretizar as suas apostas, que no final das contas são transformadas em prestígio e lucro. Estas interferências podem ser através do poder econômico, político, de informações privilegiadas.

Ou seja, os mercados, principalmente os financeiros, não funcionam isentos de vícios, como manipulação, de informações falsas, plantadas, formação de pools e informações privilegiadas.

No artigo intitulado "A CRISE DE 2008 E AS INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS", postado em www.melisiofrota.blogspot.com.br, escrevi:

"Portanto, todas informações são sempre assimétricas não só pela falta de divulgação mas também pela maneira de percebê-las, interpretá-las e pô-las em prática. Daí, deduzir que elas são tão fundamentais para o surgimento de crises e para servir de base para negar a existência da mão invisível vai uma longa diferença.

Na realidade, poderíamos dizer que na recente crise as informações assimétricas foram irrelevantes. Existiam, sim, informações plantadas, oba oba e uma teoria econômica respaldada por ilustres teóricos, empresários, principalmente da mídia, através de seus porta-vozes, políticos e até mesmo empresários milionários do ramo financeiro, atuando dentro do governo em benefícios próprios e em função desta ideologia. Ou seja, existia pura especulação. O setor imobiliário era o carro chefe. Construtores, produtores, vendedores, compradores, consumidores e o setor financeiro atuavam freneticamente, sem necessariamente saberem o que vendiam, compravam e emprestavam. Possibilidades de ganho, até mesmo as mais ilusórias, eram suficientes para turbinar os negócios. As inovações financeiras, respaldadas por modelos econométricos sofisticadíssimos, estavam de vento em poupa e cumpriam as suas funções em justificar e garantir os fundamentos teóricos e a especulação.

A desregulamentação e a securitização se alastraram com o fundamento de que os riscos estavam ¨racionalmente¨ diluídos e por isso não havia possibilidades de crise. Tudo estava sob controle por que os gênios das finanças eram extremamente racionais. Os modelos serviam para cobrir com uma manta científica as decisões, alijando os simples mortais, incapazes de entender os mistérios das finanças e da complexidade matemática. Todos surfavam ou desejavam surfar na onda da especulação. Todos atuavam ¨racionalmente¨, mas com a alma do especulador. Vendiam-se informações sem interesse em saber se eram falsas ou não, com ou sem interesse. Nenhuma das pontas (construtores, financistas, consumidores, produtores, vendedores, compradores) sabia e nem queria saber realmente o que vendiam, compravam e financiavam. Vendia-se e comprava-se de tudo sem se importarem com as consequências".

Reporto o leitor para a citação de Singer mencionada no final do ítem anterior.

7) as mudanças tecnológicas e a difusão de novos produtos

É muito difícil mensurar a importância e o impacto das descobertas, invenções, transformações tecnológicas de produção e produtos e as suas respectivas difusões sobre a economia e, consequentemente, sobre os modelos. Estas mudanças são a alma do capitalismo.

Ao longo da estória podemos citar a invenção da máquina a vapor que ajudou a desbravar novos territórios e trouxe impulsos no transporte de mercadorias e produtos.

Não poderíamos deixar de citar a invenção do automóvel e a sua difusão como meio de transporte, lazer, símbolo de status e desejo de consumo, que durante décadas trouxe extraordinários "benefícios" para a economia de diversos países, especificamente para os E.U.A., onde impulsionou a expansão da economia através de sua larga e dinâmica produção, trazendo a reboque grandes investimentos em infraestrutura.

Tal grande a importância da indústria automobilística para os Estados Unidos da América que esta ficou atrelada e associada à imagem de pujança e ao estilo de vida daquele país. Tornou-se um dos símbolos do "American Way Life", que ganhou o mundo no pós-guerra e com a guerra fria, com seus carrões Cadillcs, etc

As transformações sociais não ocorreram apenas na difusão do automóvel como produto de consumo, mas também a novas tecnologias de produção na linha de montagem e de administração, conhecida por fordismo.

Tão grande a sua importância para a economia dos E.U.A. que as suas indústrias durante décadas, juntamente com as empresas petrolíferas, ocuparam as posições a lista das maiores empresas americanas e do mundo. Detroit passa a ser a capital mundial do automóvel e a GM ocupa durante décadas (de 1931 a 2008) a posição de maior fabricante de carros do mundo, desbanda pela Toyota em 2008.

Finda a 2ª grande guerra, com a demanda por bens duráveis deprimida, esta indústria dá saltos extraordinários de produção, a ponto do presidente da General Motors Charles E. Wilson, em 1954, afirmar:

" O que é bom para a General Motors é bom para o país".

Pois bem. Na década de 80 a indústria automobilística japonesa adquire maturidade e passa a competir, em condições de igualdade, com as grandes empresas automobilísticas dos Estados Unidos e Europa.

Com a crise do petróleo e suas sequelas os carros japoneses, mais econômicos e menores, estavam mais adequados para os difíceis momentos e a indústria japonesa mais apta a ocupar este novo segmento do mercado, que se expandia.

O Japão passa a exportar cada vez mais carros para os Estados Unidos, que se vê obrigado a estabelecer cotas de importação, objetivando dar fôlego à sua indústria e diminuir o desfavorável défict em em suas transações com aquele país, déficit este fortalecido pelas exportações de produtos eletroeletrônicos.

Com abandono do fordismo e a introdução de novos métodos de produção, mais flexíveis (toyotismo), que se adequavam melhor às variações rápidas das demandas em um clima pós-crise do petróleo, a invasão nipônica enfraquece ainda mais a indústria automobilística americana, produzindo carros menores, mais econômicos, mais baratos e mais confiáveis, quanto a qualidade e os problemas pós-vendas. Mudanças de paradigmas ou do perfil de consumo.

Com elevadas taxas de crescimento, puxadas principalmente pelas exportações da indústria automobilística e de eletrônicos o Japão atinge o 2º maior PIB do mundo e passa a ser um novo grande player no mercado internacional, ameaçando as antigas lideranças. E aqui, mais uma vez, as previsões falham.

O mesmo pode se dizer da expansão da indústria eletrônica atual com a invenção e a difusão dos mini e micro computadores, smartfones, de acesso a internet e outras infinidades de produtos, acessíveis ao público de menor poder aquisitivo, que ainda estão transformado o mundo, numa velocidade espantosa, modificando os paradigmas de consumo e trabalho.

As possibilidades de que os E.U.A. se tornem auto suficientes ou reduzam drasticamente seu défict em petróleo, com a exploração do xisto, mudará o quadro geopolítico do mundo, modificando a posição, a importância e o poder de países e, consequentemente, com reflexos na economia e na política internacional e no redirecionamento do circuito financeiro internacional. O mesmo poderá ocorrer com as possibilidades de exploração de novas fontes alternativas de energia.

Fica claro que principalmente os modelos de médio e longo prazo não podem incorporar nem dimensionar estas possibilidades. Primeiro porque ainda estamos no campo das possibilidades; segundo porque seria impossível prever a profundidade destas transformações.

Quase todas as previsões sobre o futuro de novas inovações tecnológicas e as suas repercussões sobre os rumos das sociedades, efetuadas na década de 80, falharam.

Ao contrário das previsões, entraram em cena a internet, os computadores pessoais, os smartphones e os celulares, para citar poucos exemplos, que mudaram padrões de comportamento, causaram grandes transformações sociais e estão levando outros antigos produtos à obsolescência técnica. Abriram novas fronteiras e ameaçaram muitos regimes despóticos, alcançando grandes transformações sociais.

A revolução na eletrônica permitiu mudanças substanciais nos fluxos do capital financeiro internacional, viabilizando, através de sua velocidade, a sua volatilidade e consequentemente as possibilidades de especulação mundo afora, gerando crises cambiais e financeiras.

A invasão dos robôs revolucionou as relações trabalhistas nas empresas, nos métodos de produção e, agora, auxiliam os trabalhos domésticos.

Assim, qualquer previsão sobre estes aspectos, que afetam os modelos e suas variáveis, seria simples "chutometria" (uma nova palavra bem adequada para a situação), independentemente da sofisticação do modelo.

Por enquanto estamos no campo das expectativas e sobre elas só restam mais expectativas, difíceis de serem captadas e mensuradas por modelos matemáticos.

As dificuldades em prever as mudanças e transformações tecnológicas e seus efeitos se acentuam pelo fato de que elas também dependem de fatores sociais, como os conflitos de interesses entre os agentes econômicos, trabalhadores versus empresários e a administração e até mesmo fatores culturais e hostilidades entre países. Sobre o assunto consultar, entre outros:

- Magaline, A.G., Luta de classes e desvalorização do capital, Moraes editores, 1977;

- Gors André, Crítica da divisão do GTrabalho, Martins Fontes, 1980;

- Marx, Karl, O capital, livro I (inédito), Ed. Ciências humanas, 1978;

- Japiassu, Hilton, A revolução científica moderna, Imago Ed., 1984.

"As ideias básicas subjacentes à produção em massa já haviam, portanto, estado disponíveis na Europa antes do início da Segunda Guerra Mundial. No entanto, o caos econômico e o nacionalismo tacanho dos anos 20 e início dos 30, além do forte apego às tradições da produção artesanal, impediram sua maior disseminação" ( Womack, James P., Jones Daniel T., & Roos Daniel, em A máquina que mudou o mundo, Ed. Campus, 2ª ed., 1992, p. 33).

O papel dos imigrantes, força de trabalho dispersa e não especializada, foi, na realidade, o substrato cultural que permitiu a introdução do fordismo na indústria americana.

"Além disso, no Japão inexistiram os trabalhadores-hóspedes - isto é, imigrantes temporários dispostos a enfrentar condições precárias de trabalho, em de remuneração compensatória - ou minorias com opções ocupacionais limitadas. No ocidente, ao contrário, tais indivíduos haviam constituído o grosso da força de trabalho na maioria das companhias de produção em massa" (ídem, p. 41).

"A força de trabalho nativa do Japão, conforme Toyota e outras firmas logo constataram, já não mais estava propensa a ser tratada como custo variável ou peça intercambiável. Ainda mais, as novas leis trabalhistas introduzidas pela ocupação americana fortaleciam significantemente a posição dos trabalhadores na negociação de condições mais favoráveis de emprego" (ídem, p. 40).

8) as forças intrínsecas e desestabilizadoras das sociedades capitalistas

As forças intrínsecas que atuam de forma conjunta e desordenada nas sociedades capitalistas foram analisadas por Marx, Keynes, Kalecki e mais recentemente por Minski. Elas, periodicamente, levam estas economias para crises e depressões, foram identificadas, mas, entretanto, é difícil precisar os momentos em que atuam negativa ou positivamente.

Cito Paul Singer:

"A economia real e os mercados financeiros têm em seu seio os mesmos agentes e se sujeitam às mesmas ondas de otimismo e de pessimismo. Mas a alavancagem torna estas ondas de propagação mais rápidas e maiores nos mercados financeiros do que na economia real. O mercado financeiro atua como espelho deformante da economia real. Nesta, as reações às ondas são retidas e limitadas porque leva tempo tanto para expandir como desativar a capacidade produtiva" (Singer, p. 148).

"Esta mágica ( o autor se refere à alavancagem financeira ) parece tirar coelhos duma cartola vazia, pois gera novo valor sem custo, ou seja, sem que haja trabalho social, presente e passado. Ela está na raiz da especulação financeira e na possibilidade do mundo financeiro decolar do mundo real" (idem, p.52).

"O risco financeiro é autogerado pela expectativa de risco alimentado pelos agentes financeiros" (idem, p.36).

E continuo com o bem sucedido mega especulador George Soros, que não segue os mandamentos dos teóricos de Chicago, sobre o real funcionamento dos mercados financeiros em confronto com a teoria do equilíbrio geral:

"Consideremos a teoria econômica clássica. Em sua utilização do conceito de equilíbrio, ela imita a física newtoniana. Mas, nos mercados financeiros, onde as expectativas desempenham papel importante, a assertiva de que os mercados tendem ao equilíbrio não corresponde à realidade. A teoria das expectativas racionais teve de fazer muitos malabarismos para criar um mundo artificial em que o equilíbrio predomina; ocorre que, nesse mundo, é a realidade que se ajusta à teoria e não o contrário. Eis um caso em que o postulado da falibilidade radical é aplicável" ( Soros, George, A crise atual e o que ela significa, Ed. Agir, 2008, p. 73).

"Eu sustento que a teoria das expectativas racionais interpreta de modo totalmente errado o funcionamento do mercado financeiro. Embora tal teoria já não seja levada a sério fora dos círculos acadêmicos, a ideia de que os mercados financeiros se corrigem por si mesmos e tendem ao equilíbrio continua a ser o paradigma em que se baseiam os vários instrumentos e modelos de cotação artificiais que adquiriram papel dominante nos mercados financeiros. Sustento que o paradigma é falso e precisa ser urgentemente substituído" (Idem, p. 30).

No artigo intitulado "Direito, Economia e Mercados Racionais, postado em www.melisiofrota.blogspot.com.br, escrevi:

"Mesmo com a ajuda da mão invisível, os mercados não são eficientes para evitar as crises e para mitigar as grandes disparidades nacionais, regionais e individuais. Pelo contrário acirram estas disparidades. O que foi dito acima também serve como uma luva para a teoria das expectativas racionais. Esta é apenas mais uma derivação da teoria da racionalidade econômica do ser humano. Mas, se a racionalidade humana já é contestada o que dizer e esperar das ¨expectativas¨ racionais, que são, antes de tudo, expectativas? Convém lembrar que as mais diversas e ¨discrepantes teorias econômicas¨ foram e são elaboradas por pessoas extremamente racionais, o que já evidencia os retumbantes fracassos teóricos, que propiciam o caos econômico".

Para uma melhor avaliação, consultar os referidos autores.

9) as relações entre as variáveis 
Não existe uma relação biunívoca entre as variáveis, não simplesmente de causa-efeito nem sequenciais. O intervalo de variação em que uma variável se move pode não ter qualquer repercussão em outras variáveis, sendo impossível calcular o ponto de viragem em decorrência das expectativas e prognósticos dos agentes econômicos em cada situação particular.
  
10) o pressuposto dos mercados homogêneos e a supremacia das finanças
Com a emergência das finanças ao topo do mundo dos negócios, que se consolidou na década de 70, que germinou, após a crise de 1929 e a 2ª grande guerra, através dos professores focados em finanças e dos especuladores que invadiam Wall Street com seus modelos matemáticos sofisticados, em busca de prestígio e enriquecimento fácil, a produção acadêmica e a publicada na mídia especializada passou a ter papel de destaque.

Os bilionários das finanças, que fizeram fortunas e que por isso eram admirados numa sociedade extremamente competitiva, que valoriza a ascensão econômica, passaram a ser os interlocutores dos assuntos econômicos, articulados com a mídia.

A economia passou a ser vista como mais uma questão financeira. Entretanto, os financistas não se interessavam pelas peculiaridades dos mercados. O mercado financeiro era regido por leis que eles imaginavam e gostariam, em contraste com a realidade.

Permito-me citar novamente as palavras de Michael Lewis:

"A economia irlandesa tinha entrado em crise antes, sob o peso de várias manobras financeiras ao estilo americano e maus conselhos de financistas dos Estados Unidos" (grifo meu, em Flash Boys, p. 136).

Poderíamos dizer, sem exagero e com bastante grau de certeza, que a economia como um todo é fracionada e segmentada em diversos mercados, que possuem regras próprias, muito embora se comuniquem e formem um todo.

O problema é que estes diversos mercados, externo, interno, de trabalho, financeiro (subdividido em títulos, bolsa de valores, financiamento, captação e empréstimos), têm suas próprias peculiaridades, muito embora façam parte do todo e com ele se relacionem.

Por isto mesmo, a relação entre eles não se dá de forma espontânea e harmoniosa, como prescrevem os economistas clássicos, mas, muitas vezes, de forma traumática. Tomando de empréstimo um vocábulo de Paul Singer, existe sempre a possibilidade do mercado financeiro se "descolar" do mundo real, e isto "está na raiz da especulação financeira". Em outras palavras, em situações de especulação e excessiva expansão, por exemplo, ele cria vida própria, independente das condições de outros mercados.

Este mercado financeiro é mais propenso à alavancagem, às expectativas, à volatilidade, a uma excessiva mobilidade e ao pânico, decorrentes de políticas econômicas, crises políticas e econômicas e expectativas. Por sua vez, respondem de forma mais rápida a estes estímulos e aí, sim, contagiam a economia como um todo.

A ideia de que o mercado financeiro se ajusta de forma harmoniosa com a economia real é fruto do pressuposto clássico de que a moeda tem a função apenas de meio circulante. Daí a proposição de Friedman para um aumento regular e constante da moeda, ou base monetária.

E este todo não é a soma das partes individualmente, pois isto é o que nos ensina a palavra "sinergia", bastante utilizada em fusões e incorporações de empresas. Ou até mesmo, fazendo uso do vocábulo "dialética", em que "o todo não é a soma das partes" (Marx, Engels).

Com esta imagem distorcida a economia como um todo tornou-se apenas um apêndice do que acontecia nos mercados financeiros e era produzido no meio acadêmico vinculado a eles. Os fundamentos dos mercados financeiros, certos, errados ou imaginários, valiam e prevaleciam sobre e para todas as outras situações. O que era bom para a Bolsa era bom para a economia como um todo. A Bolsa ditava as regras e a economia a ela se submetia.

E o grande "promoter" destes estudos e teorias era a Universidade de Chicago, capitaneada pelo grande guru Milton Friedman, vencedor do Prêmio Nobel em 1976.

Em resumo, os mercados financeiros têm suas próprias regras e peculiaridades, como a extrema volatilidade associada às expectativas dos agentes. Também, em tese, são menos complexos e devem ser mais suscetíveis à modelagem do que a economia como um todo.

Este assunto também foi abordado no tópico "BREVE HISTÓRICO".

10) os pressupostos dos modelos

Os pressupostos dos modelos são os seus fundamentos, a base de montagem e os seus alicerces. Os modelos se desenvolvem a partir de seus pressupostos e a eles estão intimamente ligados.

Identifiquei alguns pressupostos que influenciaram os modelos aplicados à economia e ao mercado financeiro nos anos recentes, pré-crise, vinculados as escolas de economia tradicional, principalmente de Chicago, liderada sob a batuta de Milton Freedman. São eles:

1) do ajuste automático da economia capitalista, através da mão invisível (Adam Smith) e posteriormente a crença mais elaborada do comportamento racional dos agentes econômicos;

2) de que a política fiscal expansionista, mesmo em épocas de crise, depressão, gera a inflação;

3) de que a variação na taxa de câmbio (desvalorização) gera o equilíbrio automático da balança comercial e das transações correntes, através do aumento das exportações e redução das importações, independentemente da estrutura produtiva do país e de sua pauta de exportação;

4) de que o déficit das transações correntes ajusta automaticamente a taxa de câmbio e em seguida equilibra as transações correntes do balanço de pagamentos;

5) de que a expansão constante da moeda traz o crescimento econômico sem inflação (Friedman);

6) de que a redução da taxa de juros, a qualquer tempo, seria suficiente para e aumentar os investimentos e retomar o crescimento (armadilha para a liquidez, Keynes);

7) de que o capital externo traz indubitavelmente o desenvolvimento do país, sem que sejam implementadas outras medidas, com vistas a este propósito;

8) que tem que se poupar para investir (investimento ex-ante igual a poupança ex-post).

Todos estes pressupostos têm como ponto comum a crença e o fundamento de que os agentes econômicos são racionais e por isto as possibilidades de crise são afastadas. Não encontrei uma forma consistente para adequar e igualar estes dois pressupostos.

Procurarei tecer comentários sobre estes tópicos de forma conjunta sem a preocupação de abordar individualmente cada um deles.

A seguir, reproduzo as minhas palavras no artigo "DIREITO, ECONOMIA E MERCADOS RACIONAIS (UMA CRÍTICA AOS ECONOMISTAS RACIONAIS)", postado em www.melisiofrota.blogspot.com.br:

"Ora, os limites entre o comportamento racional e ¨irracional¨, melhor falar em inconsciente, nunca foram clara e cientificamente definidos. Ações, comportamentos inconscientes, preconceitos, convicções íntimas, atitudes irracionais podem ter o manto da racionalidade quando explicados e justificados racionalmente. A racionalidade se ajusta ao que nos propomos justificar. Para esta situação a psicanálise utiliza o termo racionalizar que significa justificar com motivos racionais, ou seja, utilizando a razão, atos e condutas provocados por elementos não racionais ou inconscientes (www.dicionarioinformal.com.br)

A história está repleta de exemplos. Durante a loucura do nazifascismo, até mesmo filósofos e juristas aderiram as ideias de seus líderes políticos, que souberem despertar e manipular os sentimentos adormecidos do ódio, da vingança e outros, assunto abordado por Freud. A psicologia das massas trata deste ¨enigma¨ humano. Modelos matemáticos sofisticados, aplicados à economia, são extremamente racionais, mas ineficazes e danosos quando partem de premissas ou pressupostos falsos. Servem, quando muito, para iludir e induzir leigos a erros, disfarçando os pressupostos e a realidade, represando, concentrando e destinando o poder das informações e decisões àqueles que sabem como manejá-los. Ou seja, criam uma barreira psicológica e excluem os mais leigos do conhecimento e da realidade dos fatos e os enganam.

Não existe esta racionalidade e eficiência genérica que serve a todos os propósitos, circunstâncias e atua com a mesma intensidade em todos os momentos. Poderíamos, até mesmo, pensar em outros ¨componentes ¨ do comportamento humano, tais como o papel do feeling nas decisões (de risco empresarial), a influência da cultura e costumes, a fé, a perseverança, a habilidade em lidar com diferentes situações e a impulsividade, que, por sinal, não é necessariamente de natureza inconsciente. Os diversos tipos de comportamentais tidos como ¨irracionais¨ não podem ser considerados indistintamente como não racionais, num sentido pejorativo, pois possuem conotações psíquicas e cargas emocionais diferenciadas, além de possuírem algo de ¨misterioso¨. Atuam, pois, de forma conjunta, positiva e/ou negativamente nos processos racionais, sem que se possa racionalmente determinar e quantificar a dosagem específica. A estória da fundação da CNN por Ted Turner pode servir de exemplo da importância do feeling nas decisões, ao contrário daqueles que depositam todas as suas esperanças e raciocínios no comportamento racional do ser humano.

Repetiram tanto essas mentiras, talvez por serem espertos demais ou mesmo irracionais, aí reside o paradoxo, que terminaram por convencer a si mesmos e aos outros mortais. Agora, depois da tempestade, ainda têm a ousadia de dar sugestões para sair da crise. Sempre com a mesma falta de criatividade, ou seja, menos governo. Muitos de seus esforços se voltam para comprovar e concluir que a ¨culpa¨ foi do governo. Formularam modelos matemáticos sofisticadíssimos para convencer os outros de suas ideias preconcebidas".

Sobre o assunto, cito uma das diversas frases famosas do investidor Warren Buffett:

"Os investidores devem ser críticos com relação aos modelos baseados na história. Usando termos esotéricos como beta, gama, sigma e similares esses modelos tendem a parecer impressionantes. Mas, muitas vezes, os investidores esquecem de examinar os pressupostos por trás dos símbolos. Nosso conselho: desconfie dos geeks produzindo fórmulas" (15 frases de Warren Buffett, em EXAME.com, exame.abril.com.br)

Os acontecimentos que marcaram o final dos anos 60 e a década de 70, como a quebra do sistema de Bretton Woods, a crise do petróleo, a mobilidade do capital (e as mudanças tecnológicas que permitiram esta mobilidade), o mercado de eurodólar, a crise do dólar, o milagre japonês e o déficit da balança comercial americana, para mencionar apenas alguns, são importantes para as décadas seguintes.

São situações que criam tensões que se acumulam nos subterrâneos das economias, mas que em conjunto irrompem inesperadamente, causando transtornos difíceis de serem controlados e contornados com os instrumentos e mecanismos que usualmente e antes vigoravam.

Estamos diante de quadro inusitado. Entretanto, estabelecer como dogma e admitir que as economias se ajustam é um retrocesso no pensamento acadêmico.

Remeto o leitor para o referido artigo onde abordo outras questões ligadas à racionalidade dos agentes econômicos em suas decisões, à luz do avanço de outras ciências e da psicanálise.

O mais interessante é que procuraram demonstrar a racionalidade dos agentes econômicos e a eficácia dos mercados através de modelos matemáticos sofisticados. Portanto, cabe um simples pergunta, para qual não encontrei resposta: Como podemos transformar em números sentimentos, emoções, feeling, percepções, convicções, perseverança, fé, costumes, etc?

Na verdade, os nerds tentaram resolver este enigma, mas através de convicções:

"As convicções dos chicagoanos , de que a bolsa de valores se aproximava de um tipo aleatório de perfeição, só aumentaram à medida que a década ia avançando" (O grifo é do autor, em O Mito...., p. 133). Parra eles "Os modelos e a matemática eram o futuro" (p. 138).

Entretanto, antes dos modelos existiam as convicções, sobre as quais o modelo seria elaborado. E os modelos eram desenvolvidos com o viés de provar que as convicções estavam certas. Se autointitulavam de racionais mas eram as verdadeiras crenças que alimentavam esta febre. Não perceberam que a palavra "racional" usada de forma genérica carrega uma alta dose de imprecisão e o seu simples uso não serve para assentar e descrever os fundamentos do que se pretende que seja uma ciência.

Com base nesta crença formularam outras como a que "era impossível ganhar consistentemente do mercado", elaborada pelo Prêmio Nobel Eugene Fama (sobre o assunto remeto o leitor para o ídem específico).

Cito passagens do livro ¨O mito dos mercados racionais¨, Fox, Justin, Ed. Best Seller Ltda, ed. 2010: ¨O que Reder queria dizer com essas duas frases infelizes era que os acadêmicos de Chicago atacavam quase todos os problemas econômicos com a premissa inicial de que , se não houvesse interferência do governo, o mercado sabe das coisas¨(p.120, grifo meu).

O interessante é que não tinham qualquer coerência ideológica ou intelectual e não acreditavam no que apregoavam e defendiam nos papers e nas teses que escreviam, como mostra a seguinte passagem:

¨Como resultado, afirma a hipótese, não é possível para os investidores ganhar do mercado de forma consistente. O principal proponente dessa teoria é Eugene Fama, professor de finanças da Universidade de Chicago, que foi professor de Cliff Asness e de um exército de quants que, ironicamente, partiram para Wall Street para tentar ganhar do mercado nas décadas de 1990 e 2000. Muitos quants utilizavam estratégias semelhantes, derivadas do trabalho de Fama, que acabaram implodindo em agosto de 2007¨ (grifos meus; Patterson, Scott, Mentes brilhantes, rombos bilionários, ed. best business, 2012, p. 406). Alguma dúvida de que eram jogadores? Quanta incoerência. Se inspiraram em modelos e apostavam contra eles.

Alguns itens merecem comentários breves e sucintos, embora todos estejam de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, associados a ideologia da mão invisível, na nova versão dos mercados racionais.

A tese de Milton Friedman de que o crescimento da base monetária a uma taxa constante leva ao crescimento constante e sem inflação, equilibrado, tentou ser implementada na década de 80 e foi um tremendo fracasso. Um dos problemas, como o dos economistas clássicos, é que em seu modelo a moeda é apenas uma meio de troca.

A crença de que a desvalorização da moeda leva um ajuste quase automático do déficit da balança comercial é desprovida de qualquer lógica, quando não se leva em consideração a estrutura produtiva do país e sua pauta de exportação. Países não desenvolvidos cujas exportações estão concentradas em duas ou três commodities, com demandas inelásticas, não podem aumentar suas exportações de forma significativa. Outrossim, a enxurrada de dólares, capital especulativo, pode retardar a desvalorização.

Da mesma forma, um déficit na balança comercial e de serviços não leva a uma desvalorização imediata do câmbio, em decorrência do movimento especulativo do capital.

A crença de que a redução da taxa de juros, independentemente da situação econômica em que se encontra o país, seria suficiente para retomar o crescimento, via aumento dos investimentos, não prospera porque estes dependem também das expectativas e das avaliações dos investidores. Por outro lado, em períodos de depressão atua o que Keynes denominou de Armadilha para a Liquidez. Vide como exemplo recente o Japão.

Também o pressuposto de que o capital externo traz indubitavelmente o desenvolvimento é infundado, porque não analisa a política e as táticas de investimento dos grandes conglomerados e, após várias décadas, não existem provas concretas de que seja verdade. Pelo contrário, as evidências caminham em sentido contrário, principalmente com a importância do capital especulativo internacional.

Mesmo que as economias se encontrem em frangalhos a crença é que o capital especulativo é a panaceia para todos os males. Não enxergam os problemas estruturais dos países em desenvolvimento.

A política fiscal expansionista em épocas de depressão e de grande capacidade ociosa da economia não traz inflação. Esta é a tese de Keynes e Kalecki, elaboradas na década de 30 e parcialmente implementadas pelo programa New Deal, a cargo do Presidente Roosevelt, boicotada posteriormente pelos republicanos, preocupados ideologicamente com a intervenção do Estado e com a repercussão mundial de tal intervenção, diante da ameaça ideológica do socialismo, que almejava o comunismo.

Sobre a questão de que é preciso poupar antes de investir, sugiro a leitura da obra de John Maynard Keynes (ver neste site Poupança, Investimento e o paradoxo (falácia) da poupança externa).


10) as instituições e a economia

Este tema ainda precisa ser melhor analisado e debatido. Foi incluído neste artigo porque agora surgiu uma nova componente que poderá ter repercussões diretas na economia, contribuindo para inviabilizá-la. 

Com a crise do euro ficou mais visível o papel que as instituições dos diversos países desempenharam para o desabrochar da crise. 

Cita-se a autonomia dos países em se endividarem individualmente, a falta de um emprestador de última instância para resolver os problemas de liquidez a nível geral, as discrepâncias das diversas legislações, como a legislação trabalhista, que não permitem uma política econômica coesa, integrativa, a política monetária adotada pelo país mais importante (Alemanha) que não leva em consideração as peculiaridades dos países periféricos.

"O problema fundamental é que toda a dívida pública na zona do euro é emitida não ao nível federal da zona do euro, mas daquilo a que Charles Goodhart chamou corretamente, nível "sub-soberano" dos Estados-nações, que já não emitem moeda própria e, por isso, já não têm capacidade para, se necessário, reembolsarem a dívida pública com moeda fiduciária soberana" (Turner, p. 222).

"Para que a zona do euro tenha sucesso, é necessária uma reforma radical. As dívidas públicas detidas ao nível sub-soberano têm que ser radicalmente reduzidas, com alguma dívida pública emitida ao nível federal da zona do euro:" (idem, p. 223).

"Desde logo, permitir que a União Europeia - ou pelo menos a zona do euro - pudesse evoluir para uma verdadeira união orçamental, e para uma autêntica união bancária"  (Soares, p. 76). 

"Pelo contrário, não foram previstas disposições especiais para a atuação das demais instituições políticas europeias no quadro das cooperações reforçadas" (idem, p. 81).

"Mesmo quando se tornou claro que a crise das dívidas soberanas na Grécia e depois na Irlanda estava a produzir um efeito de contágio sobre outros países da moeda única, o qual estaria a ser explorado por especuladores que aproveitavam as vulnerabilidades estruturais da união monetária, a Alemanha e os países próximos mantiveram sempre a tônica da sua resposta na responsabilidade individual dos países afetados" (idem, p.106). 

Sobre o assunto os leitores poderão consultar:

- Cartaxo, Rui, A dívida e a culpa, bnomics, Lisboa, maio 2016;

- Kupchan, Charles A. e outros, A crise do euro, d. quixote, Lisboa,   2016

- Soares, Antônio Goucha, Círculo-Leitores, Lisboa, maio 2016;

- Turner, Adair, Entre a dívida e o diabo, Gradiva, Lisboa, 2016.


ACONTECIMENTOS IMPREVISÍVEIS QUE ALTERARAM OS PROGNÓSTICOS

1) as crises do petróleo em 1973 e 1979 que mudaram os circuitos financeiros do mundo, criaram déficits nos balanços de pagamentos de diversas economias, ajustes em diversas economias, com reciclagem dos petrodólares;

2) a queda do muro de Berlim e a implosão das economias centralizadas, que redirecionaram os fluxos financeiros e abriram novos espaços econômicos para as empresas capitalistas;

3) o desastre nuclear no Japão que afetou drasticamente sua economia e suas empresas e redirecionou a produção e os investimentos para outros países asiáticos;

4) a primavera árabe e a guerra do Iraque;

5) a ascensão econômica da China após a morte de Mao Tse-Tung;

6) a revolução tecnológica da engenharia eletrônica;

7) a recente queda do preço do petróleo;

8) a recente crise do euro.


ALGUNS FRACASSOS RETUMBANTES

Sem querer ser exaustivo posso citar alguns dos fracassados prognósticos:

1) previsão do declínio econômico dos Estados Unidos da América;

2) a ascensão do Japão como a economia mais importante do planeta. O país entrou em um período de grande letargia econômica de mais de dez anos;

3) o conhecido e sofisticadíssimo modelo Black-Scholes, referência de precificação de opções, de Myron Scholes ( ganhador do Prêmio Nobel em 1997) e Fisher Black. Lançou e se afundou no fundo de hedge Long-Term Capital Management, que foi a falência.

¨Boa teoria. A pequena falha dessa teoria foi descoberta somente depois dos fatos: quando o mercado entra em queda livre e ninguém quer comprar, é impossível vender a descoberto. Se muitos investidores tentam ao mesmo tempo vender ações quando o mercado cai, criam o próprio desastre que estão buscando evitar¨ (em Lewis, Michael, Pânico, Ed. Campus, 2010, p. 2).

4) A crise de 1987. Se querem um exemplo do racional irrecuperável lhes dou: ¨Jens Carsten Jackwerth, professor visitante de pós-doutorado da Universidade da Califórnia em Berkley, e Mark Rubistein, coinventor do seguro de portfólio, ofereceram uma prova incontestável de que o dia 19 de outubro de 1987 era estatisticamente impossível. De acordo com sua fórmula de probabilidades, publicada em 1985, a probabilidade do crash era de um ¨evento 27 desvios-padrão longe da média¨, uma probabilidade 1 em 10 elevado à 160a potência: ¨Mesmo se alguém tivesse vivido todos os 20 bilhões de anos em que existe vida no universo e experimentado isso 20 bilhões de vezes (20 bilhões de Big Bangs), seria praticamente impossível que uma queda dessa magnitude pudesse acontecer uma única vez nesse período¨ (Petterson, Scott, Mentes brilhantes, rombos bilionários, ed. Best business, 2012, p. 77).

5) ascensão dos tigres asiáticos como potências econômicas;

6) a crise financeira de 2007/2008, quando quase todos os economistas, homens de negócios e políticos previam anos de prosperidade e a impossibilidade de uma crise;

7) no final dos anos 60, o guru Herman Khan, físico, matemático e estrategista, fundador do Hudson Institute, com um QI estimado em 145/160, previu no livro "O ano 2000" que o "Brasil terá uma renda per capita de 506 dólares e um produto bruto de 246 bilhões de dólares. A renda per capita é de 4.800 dólares e o PIB beira 800 bilhões de dólares" ( em brasil 500, users.matrix.com.br e Profecias desmentidas -EB - Cleofas, cleofas.com.br).


ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE EUGENE FAMA E SUA TEORIA

Inicio este tópico citando os cabeçalhos dos capítulos 6 e 7 do livro "O Mito dos Mercados Racionais", de Justin Fox, já citado:

Capítulo 6: GENE FAMA FAZ A MELHOR PROPOSIÇÃO PARA A ECONOMIA - " Na década de 1960, na Faculdade de Administração da Universidade de Chicago, o argumento de que é difícil bater o mercado se transforma na convicção de que ele é perfeito".

Capítulo 7: "A lição de que talvez nem valha a pena tentar ganhar do mercado se insere sinuosamente no ramo de investimentos".

Ao que tudo indica, Eugene Fama foi quem melhor expressou este pensamento: "Ele também batia de frente com uma teoria cada vez mais popular no mundo acadêmico, a de que era impossível ganhar consistentemente do mercado. Lançada no final dos anos 1960, por Eugene Fama, professor de finanças da Universidade de Chicago, essa teoria era conhecida como a "hipótese dos mercados eficientes" (HME). No fundo, a HME se baseava na ideia defendida por Bachelier de que os mercados se moviam aleatoriamente e que os preços atuais refletiam todas as informações conhecidas pelo mercado" (em Mentes Brilhantes ......., p. 51).

E quanto a Fama? "Professores assim, e a chance de ter aula de economia com o cada vez mais famoso Friedman, começaram a atrair cada vez mais (e melhores) alunos para a faculdade de administração. O mais significativo entre os primeiros a chegar foi Eugene Fama, um jovem e intenso aluno (o primeiro da família a se formar) da Universidade de Tufts> Fama chegou a Chicago como aluno de MBA, em 1960 - encaminhado para lá por professores que o consideravam intelectual demais para a Faculdade de Administração de Harvard" ( O Mito dos Mercados ....., p. 127).

Infelizmente, confesso que até hoje não consegui entender a sua teoria e identificar a sua utilidade.

A pergunta é: O que significa ganhar consistentemente do mercado? Não está claro, pois podemos admitir algumas hipóteses. Num primeiro momento podemos imaginar que isto significa que o investidor perderá tantas vezes quanto ganhará, ou vice-versa. Mas, isto não resolve o problema, pois:

1) o investidor poderá investir sempre a mesma importância inúmeras vezes;

2) o investidor investirá somas diferentes, diversas vezes, indefinidamente, e poderá lucrar com isto ou perder, muito embora possa ganhar e perder o mesmo número de vezes, porque as somas não são sempre iguais;

3) o reverso da medalha é que o investidor não consegue perder consistentemente do mercado.

Este enunciado também traz as seguintes hipóteses:

1) que o investidor financeiro estará sempre presente no mercado, independentemente de quaisquer circunstâncias, não importando que tenha perdido ou ganho inicialmente;

2) a presunção de que o agente econômico vai viver o tempo suficiente para igualar os resultado.

No entanto, não há provas suficientes de que os agentes econômicos se comportem assim e permaneçam sempre no mercado. Os perdedores, em regra, saem em revoada do mercado em momentos de crise e muitos não voltam ou não podem voltar porque os prejuízos foram enormes. E existem aqueles que jamais voltam, se suicidam.

Por seu turno, os vencedores também podem não permanecer no mercado, diante das possibilidades em diversificar as suas oportunidades de investimentos. Outros, simplesmente saem, ou não voltam a aplicar a totalidade das somas auferidas.

Em outras palavras, conforme veremos, eles não permanecem ou voltam obrigatoriamente ao mercado, com o mesmo fôlego, para confirmar a teoria do Sr. Fama.

Em 1929, livro já citado, Ivan Santana nos fornece um quadro bastante interessante do destino e de como os agentes econômicos se portaram após a crise:

"Amadeo Peter Giannini, do Bank of America, John Jakob Raskob, do Empire State Building, Charles E. Merril, da Merril Lynch, e David Sarnoff, da RCA, assim como o já citado Joe Kennedy, foram notáveis exceções naquela época de fracassos" (p. 334). Por incrível que pareça existem as exceções.

Charles Mitchell "tendo renunciado ao cargo de presidente do City Bank em 1933, ele passou a viver de rendas. Morreu em 1955, aos 78 anos" (p.336).

James Riordan (suicidou-se), Ivar Kreuger (suicidou-se em Paris), Jesse Livermore (suicidou-se), Richard Whitney, Michael Meehan, Billy Durant, Irving Fisher e centenas de outros desafortunados mostraram que a armadilha criada pela prosperidade dos Roaring Twenties e pela catástrofe de outubro de 1929 havia mudado, para pior, a história dos Estados Unidos da América e do mundo, afetando a vida de centenas de milhões de pessoas, os herdeiros da sociedade onde todos seriam ricos¨(p.353).

O grande especulador Jesse Livermore, considerado um dos grandes especuladores de sucesso, em sua ascensão e que inspirou o Livro Memórias de um Operador da Bolsa, de Edwin Lefèvre, "vendeu seus imóveis, seu Rolls-Royce amarelo. Tomou dinheiro emprestado a juros e não pagou. Gangsteres a soldo de agiotas o ameaçaram (1929, p.346).

Mirando-se no espelho, o grande Jesse Livermore, o urso de Boston, o maior especulador dos Roaring Twenties, uma figura mítica de Wall Street, sacou uma pistola do bolso do paletó, apontou-a para a testa e atirou. quando caiu no chão já estava morto" (p.346).

"O professor Irving Fisher, da Universidade de Yale, economista que havia garantido que um crash da Bolsa de Nova York era simplesmente impossível, ao menos foi coerente com suas ideias. Perdeu tudo o que tinha, inclusive a própria casa, quando Wall Street quebrou. Fisher teve que morar de favor com sua filha, onde morreu aos 80 anos, em 1947" (p. 340).

"Pedindo empréstimo aqui, oferecendo uma tacada infalível ali, Billy Durant continuou tentando se refazer, cada vez com menos capital. Os amigos agora se recusavam a recebê-lo, não o atendiam ao telefone" (p.339).

"O sogro de Irving Fisher, o católico Clarence Mackay, magnata dos telégrafos, que jamais aprovara o casamento de sua filha Ellin com o músico judeu, também perdera tudo que tinha no colapso de 1929. Só que Mackay, ao contrário do genro, não tinha com o refazer sua fortuna, pois isso dependia de capital e não de talento criativo" (p. 336).

"Julgado por vários crimes, Whitney foi condenado a cumprir pena de cinco a dez anos de prisão na penitenciária de Sing Sing. Jamais voltou ao mundo dos negócios. Morreu em 1974, aos 86 anos, sendo sustentado em seus últimos 33 nos de vida pelos rendimentos de um pecúlio doado por seu irmão ...." (p. 336).

"Homer Dowdy, o carteiro de Flint, foi outro que não conseguiu sacar seu dinheiro no Union Industrial Bank, justamente na época em que mais precisava, devido à doença de sua mulher. Com o felizmente tinha um emprego estável, Homer se casou novamente, viveu melhor que a maioria dos americanos nos difíceis anos de 30 e pôde proporcionar uma boa educação aos filhos" (p. 342).

"Após o crash de 1929, o engraxate Pat Bologna, tendo perdido seu precioso 'capital de risco" , voltou a se dedicar exclusivamente ao enfadonho esfrega-e-lustra na banca número 60 de Wall Street. Já não havia tantos clientes, e mesmo esses gatos-pingados davam gorjetas magras, compatíveis com os novos tempos.

Nunca mais Bologna deu conselhos de investimentos, mesmo porque ninguém os solicitou, e ele mesmo evitava falar no assunto para não perder freguês. Nas cinco décadas seguintes Pat continuou por lá, até que um dia pegou suas tralhas, foi embora e não se ouviu falar mais dele" (p.330). A estória de Pat Bologna, um engraxate que aconselhava seus clientes sobre investimentos na Bolsa é bastante conhecida.

Em suma, o investidor não se vale apenas de cálculos matemáticos e probabilísticos aprimorados, mas também da percepção política, econômica, de mudanças sociais e psicológicas de expectativas futuras e apostas, da intuição, até mesmo contrárias às probabilidades. Admitir o contrário seria acreditar e concluir que diversas expectativas e possibilidades de negócios estariam fadadas ao fracasso, simplesmente porque não estavam de acordo com as probabilidades.

Com tanto material à sua disposição para pesquisa, é incrível como o Sr. Fama não conseguiu ver a realidade diante de si e se propôs a teorizar e comprovar uma tese sem qualquer utilidade e importância, vaga, imprecisa, contrária aos fatos.

Ele é a imagem do investidor perdedor. Mesmo com os fatos e as evidências contrárias insistia, tal qual o investidor incorrigível, em comprovar a sua hipótese que em nada contribuiu para esclarecer e elucidar o funcionamento do mercado financeiro e, principalmente, as leis que regem a economia capitalista. Ou seja, não era o investidor racional, de que tanto se fala. Quanta falta de objetividade e desperdício. Ainda bem que foi agraciado com o Prêmio Nobel.

Se o professor Eugene Fama fosse mais cauteloso, mais humilde, menos vaidoso e principalmente mais prático e recorresse às fontes de que dispunha talvez pudesse ter empregado seu tempo de forma mais produtiva, sem desperdiçá-lo com teorias infrutíferas.

Cito passagens do livro Memórias de um Operador da Bolsa, de Edwiun Lefèvre, Elsevier Editora, 2008, considerado um clássico da literatura, que escreveu sobre Wall Street, no início do século XX e que trata, na prática, das operações em bolsa. Os grifos (negritos) são meus.

"A especulação com as ações nunca desaparecerá. Você não pode impedir que as pessoas pensem de modo errado, não importa quanto elas sejam capazes ou experientes. Planos cuidadosamente traçados fracassarão pois o inesperado e mesmo o imponderável ocorrerão. O desastre pode acontecer por uma convulsão da natureza ou do tempo, de sua própria ganância ou do orgulho de alguém; do medo ou da esperança descontrolada (p. 258).

Os inimigos mortais do especulador são: ignorância, ganância, medo e esperança. Acidentes que destruiram planos cuidadosamente elaborados também estão fora do alcance dos regulamentos criados por grupos de economistas de sangue frio ou filantropos de bom coração. Ainda existe outra fonte de prejuízos, ou seja, a informação deliberada apresentada como dicas honestas. E, por ela ser capaz de se aproximar de um operador de marcado com vários disfarces e camuflagens, é a mais traiçoeira e perigosa (p.259).

Mas, contra os rumores típicos de Wall Street, o público especulador não tem nem proteção nem restituição. Atacadistas de ações, manipuladores, grupos e indivíduos adotam vários artifícios para auxiliá-los a se desfazer de suas ações excedentes pelos melhores preços possíveis. A circulação de notícias otimistas por meio de jornais e impressoras de cotações é a mais perniciosa de todas.

Com exceção de todas as análises inteligentes sobre especulação, o operador de mercado deve considerar certos fatos com o jogo de Wall Street (p. 260).

Não pretendo continuar testando a paciência do leitor. Essas simples passagens serviram ao meu propósito. O leitor poderá obter maiores detalhes sobre o que foi dito no livro 1929, de Ivan Santana.

Dando continuidade a este tópico, me permito transcrever uma passagem do livro 1929, citado, de muita praticidade, simplicidade e objetividade, que vai de encontro a todas elucubrações teóricas:

"Muitos defensores do mercado de ações dizem que Irving Berlin mostrou que aplicar dinheiro na Bolsa, por todo o tempo, seja na alta ou na baixa, é um método infalível de se enriquecer. Mas se esquecem de assinalar que para isso é preciso ter outras rendas e viver um século" (grifo meu, p. 353).

E enquanto o Sr. Fama estava debruçado em modelos matemáticos tentando comprovar a sua teoria Buffet e Soros (apenas para citar os mais conhecidos) faziam fortuna no mercado financeiro, sem a menor preocupação com ela.

Um dos problemas mais graves desses modelos é que eles trabalham e são formuladas para o mundo sem impurezas, porque difícil detectá-las. Assim, não incluem, como não podem incluir, as manipulações dos mercados, o tráfico de influência, as informações privilegiadas e plantadas e a formação de pools, operadas pelos grandes agentes econômicos, que interferem nas regras e nas variáveis.

No artigo "Direito, Economia e Mercados Racionais" afirmei:

"As informações disponíveis não são suficiente para precificar de forma eficiente os ativos, por que existem informações manipuladas, outras falsas, que num primeiro momento não podem ser constatadas. Outrossim, estas informações precisam se concretizar para terem influência sobre os preços. Da mesma forma, o poder dos jogadores ou investidores, como queiram, geram expectativas de ganhos, que nem sempre são racionais. De antemão, não poderia predizer os efeitos de minha decisão sobre os preços, o que gera mais expectativas e indefinições. Expectativas têm alta dose de emoções que, necessariamente, não se baseiam em informações disponíveis. Decisões também se baseiam em expectativas, pressentimentos, desejos, emoções e outros fatores irracionais, como comportamentos de manada em épocas de crise.

A aptidão e o amor pelo risco fogem a racionalidade. Na verdade, pouca interessa se o mercado contém todas as informações disponíveis. Os negociantes, homens de negócio, especuladores ¨apostam¨ no devir, embora sejam ou pareçam ¨racionais¨ nas suas escolhas. E o devir é imponderável e imprevisível e, por isto, as ações ¨racionais¨ não podem levar a conclusões, soluções e consequências sempre satisfatórias, por serem pressupostamente ¨racionais¨".

A estória financeira está repleta de escândalos, que colocam em xeque o mundo perfeito do Sr. Fama e seus colaboradores. Para um aprofundamento da questão sugiro: 1) Stewart, James B., Wall St Covil de ladrões, Ed. ABDR, 2ª edição 1993; 2) Santana, Ivan, 1929, ed. Objetiva, 2014; 3) Santana, Ivan, Mercadores da noite.

E, para quem quiser se aventurar em conhecer as novas falcatruas, pós-crise, do mercado financeiro americano recomendo o livro Flash boys, de Michael Lewis.


COMENTÁRIOS FINAIS

Como poderíamos resumir o que foi dito ao longo deste artigo sobre os modelos matemáticos aplicados à economia:

1)  -  os modelos matemáticos aplicados à economia são positivistas, procuram relações de causa-efeito entre os fenômenos;

2)  -  entretanto, as relações entre variáveis são dialéticas. E diversas são as variáveis que se inter-relacionam em uma relação dialética;

3)  -  as variáveis sofrem as interferência do comportamento do ser humano, ou seja, este (ser) é ao mesmo tempo sujeito e objeto do conhecimento. O sujeito interfere no objeto do conhecimento. Ao contrário das ciências naturais em que o fenômeno existe independentemente do sujeito;

4)  -  as ciências humanas diferem das ciências naturais, que se baseiam no método lógico-dedutivo, na objetividade, na racionalidade, na experimentação e na matematização. Naquelas o fenômeno existe independentemente do sujeito, é repetível e por isso pode-se fazer uso da experimentação;
   
5) -  diversas variáveis são aleatórias, dependem tanto dos fenômenos naturais quanto do comportamento humano e por isso não podem ser previstas no modelo;

6)  -  eles projetam o status-quo, pois são incapazes de incorporar, captar e avaliar a importância das estruturas econômicas (monopólio, oligopólio, financeirização, setor de bens de capital, recursos naturais), do ambiente institucional, das relações sociais, do comportamento humano e as suas respectivas mudanças, em resposta a mudança das variáveis. Por mais sofisticados que sejam, projetam para o futuro com base no passado, daí serem os seus prognósticos vazios de conteúdo;

7) - os modelos não conseguem captar as mudanças em gestação das variáveis neles incorporadas e consequentemente na economia, a nova relação dialética entre elas e delas com o todo, e por isso mesmo, o momento em que ocorrerão as mudanças. Da mesma forma, a “dosimetria” ou a quantificação das medidas adotadas para controlar e corrigir os problemas não podem ser determinadas com certeza, assim como o momento da eficácia de seus efeitos;

8) -  o seu uso indiscriminado tem fundamento ideológico, baseado na relação poder-saber (Japiassú) e não refletem o interesse em explicar a realidade, mas dos sujeitos adquirirem o “status” de cientistas; e dos “mercados perfeitos” que, por sua vez, facilitam a “modelação”. O que importa é ter a capacidade de manusear os modelos mais sofisticados;

9) - paradoxalmente, quanto mais aumenta o número de variáveis mais se aproximam dos modelos simplificados quanto as incertezas dos resultados, ou seja, se tornam tão incertos quanto;

1   - as ciências humanas por não serem objetivas e quantificáveis (o comportamento humano por enquanto não é quantificável), e pelo simples fato de que o objeto do conhecimento sofre interferência do sujeito, são propensas e perpassadas por questões ideológicas e por relações de poder. Por isso, a importância de analisar e os seus fundamentos, que por sinal são encobertos e disfarçados pela “matematização”. Ao tratarem de aspectos estritamente econômicos, partem do pressuposto de que um aumento do PIB traz inevitavelmente um bem estar social, que é incomensurável.  

Para finalizar este artigo acho necessário tecer alguns comentários sobre a evolução da teoria econômica, comparada a outras ciências.

É triste verificar que passados dois séculos a teoria econômica continua presa a dogmas como mão invisível, mercados perfeitos, racionalidade dos agentes, teoria das vantagens comparativas, para citar alguns exemplos.

Enquanto permaneceu praticamente estagnada, dominada por fatores puramente ideológicos e até mesmo políticos que não lhe permitiram avanços significativos, outras ciências deram saltos quantitativos e qualitativos importantes, transformando o mundo, ou seja, dando uma verdadeira contribuição para a sociedade. Basta verificar os avanços na medicina, na genética, na engenharia naval, civil, mecânica, aeroespacial e eletrônica, na física, etc, etc, para nos cientificarmos da inoperância das teorias econômicas.

Enquanto isto, os economistas se comportam como os senhores absolutos do saber, sendo muitas vezes altamente remunerados. No final das contas, contribuem indiretamente para agravar os problemas sociais, como aconteceu na recente crise de 2008, porque simplesmente repetem e repetem teorias que viraram dogmas, sem o mínimo comprometimento em desvendar e amenizar os verdadeiros problemas sociais. Em regra, se tornaram um peso para sociedade porque com e em nada contribuem. Muitos tornaram-se especialistas e dão sugestões nos meios de comunicação, sem que possamos identificar os seus verdadeiros interesses.

Alguns dirão que é fácil chegar a estas conclusões depois da catástrofe. Não deixa de ter um quê de verdade. No entanto, algumas considerações devem ser feitas.

1) em primeiro lugar, a teoria dos mercados racionais e perfeitos é apenas uma versão mais atual da teoria da mão invisível de Adam Smith e da lei de Say, criticada por Marx em meados do século XIX e por Keynes e Kalecki na década de 1930;

2) os teóricos que fracassaram e reeditaram a teoria da mão invisível, de outra forma, mais sofisticada, com a palavra racionalidade em destaque, eram os gênios incontestáveis e por isso deveriam se preocupar em teorizar de acordo com a realidade, pesquisando o extenso material e as evidências que se encontravam à disposição;

3) preferiram ignorar, por conveniência ou não, o trabalho de outros importantes autores por questões simplesmente ideológicas, o que não condiz com um comportamento científico, como pretendiam;

4) não me propus a ser um pesquisador, cientista, conselheiro ou coisa que o valha e nem fui remunerado para tal. Era de se esperar mais desses gênios, que quiseram moldar o mundo às suas maneiras e no final não trouxeram as contribuições que "prometeram";

5) a fragilidade da teoria do Prof. Fama independe da crise de 2008. Outrossim, nunca fui aficionado pelo mercado financeiro. Até recentemente as suas proposições não me diziam respeito e não tinham qualquer importância, por que, infelizmente, o foco era outro;

6) na realidade, nós, simples mortais, temos a tendência de nos retrairmos diante dos absurdos ditos pelos gênios, ou por aqueles que assim se autointitulam, apoiados pela mídia e órgãos de poder;

7) os gênios também falham, inclusive por falta de sensibilidade, por ganância e soberba, e esta é a grande lição que devemos tirar. Por outro lado, existem outros gênios que não têm aptidões matemáticas, mas são dotados de humildade, sensibilidade, coerência e bom senso para lidar com os assuntos sociais. E existem outros que também sabem manipular os modelos e que não são adeptos de seu uso indiscriminado. Porque não foram ouvidos e sim "ridicularizados"? Essa é a questão.

Diante destes fatos, prefiro deduzir, sem apontar os dedos, que:

1) alguns foram intelectualmente desonestos e buscavam o estrelato a qualquer custo, mesmo contribuindo para o surgimento de grandes problemas sociais;

2) outros adquiriram o germe da soberba, acreditavam que eram gênios e por isso não deveriam se preocupar com outras opiniões. O que, na verdade, não é nada bom para quem pretende ser cientista;

3) haviam aqueles que simplesmente não se interessavam pela busca da verdade, porque os ventos sopravam a seu favor;

4) por último, existem os gênios incorrigíveis, que são aqueles viciados nas suas próprias teorias e não admitem contestação e, portanto, não possuem capacidade de discernimento. Vivem no mundo da lua e a realidade não lhes diz respeito.

Termino este texto com um "conselho" do investidor Warren Buffett: " cuidado com a mistura nerds e números", citado em Mentes brilhantes ......., p.374.




BIBLIOGRAFIA BÁSICA

1) Eichengreen, Barry, A globalização do capital. Ed. 34, 2002;

2) Fox, Justin, O mito dos mercados racionais, ed. Best Business, 2010;

3) Patterson, Scott, Mentes brilhantes, rombos bilionários, ed. Best Business, 2012;

4) Santana, Ivan, 1929, ed. Objetiva, 2014;

5) Japiassú, Hilton:

                     - Como nasceu a ciência moderna, Imago, 2007;

                     - A crise das ciências humanas, Cortez Ed., 2012;

                     - O mito da neutralidade científica, Imago, 1975.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

1) Crescenzio, Bernard DI, Crise de energia ou crise política, ed.Estampa, 1974;

2) Bauman, Zygmunt e Bordoni, Carlo, em Estado em crise, Zahar, 2016;

3) Eichengreen, Barry, A globalização do capital, , Ed. 34, 2002;

4) Kindleberger, Charles P, Manias, Pãnico e crashes, Ed. Nova Fronteira, 3ª ed, 1996;

5) Krugman, Paul, A crise de 2008 e a economia da depressão, Elsevier Ed., 2009;

6) Lewis Michael:

- Pânico, Ed. Elsevier, 2010;

- A jogada do século, Best Business, 2011;

- Bumerangue, Ed. Sextante, 2011;

- Flash boys, Ed. Intrínseca, 2014;

- A queda de Wall Street, Ed. Lua de papel, 3ª edição, 2016;

7) McDonald Lawrence G. & Robinson Patrícia, Uma colossal falta de bom senso, Ed. Record, 2009;

8) Mello, Pedro C. de & Spolador Humberto, Crises financeiras, Ed. Saint Paul, 2010;

9) Rajan, Raghuram G., Linhas de falha, Bei, 2011;

10) Roubini, Nouriel e Mihm, Stephen, A economia das crises, Ed. Intrínseca, 2010;

11) Singer, Paul, Para entender o mundo financeiro, Ed. Contexto, 2000;

13) Soares, Antônio Goucha, EURO e se a Alemanha sair primeiro? ,Círculo-leitores, Lisboa, maio 2016; 

14) Soros, George, A crise atual e o que ela significa, Ed. Agir, 2008;

15) Stewart, James B, Wall Street, Covil de ladrões, Ed. BertrandBrasil, 2ª ed, 1993;

16) Stiglitz, Joseph E:

- O mundo em queda livre, Companhia das Letras, 2010;

- Os exuberantes anos 90, Companhia das Letras, 2003;

17) Womack, James P., Jones Daniel T., & Roos Daniel, em A máquina que mudou o mundo, Ed. Campus, 2ª ed., 1992, p. 33).



REPORTAGENS E ARTIGOS

Jornal "O Globo":

- Bloomberg News, caderno de Economia, 27/12/2014;

- Bloomberg News, caderno de Economia, 22/12/2014;

- Caderno de Economia, Efeito da crise, reportagem de Vivian Oswald, p.19/20;

- Miriam Leitão, 19/12/2014;

Comparando capitalismos financeiros, www.eco.unicamp.br/docprod;

A globalização e os clássicos do imperialismo, www.unicamp.br/cemar/anais;


Michael Kalecki um pioneiro ..... , economidiando.blogspot.com;

Plano Marshall, pt.wikipedia.org/wiki;

Milton Friedman, pt.wikipedia.org/wiki;

Profundidade: PETRÓLEO, veja.abril.com.br/idade, 13/06/2007;

Um conto de quatro previsões, resistir.info/energia/four_prediction, 21/11/2006;

A busca, ;

O que significa a queda do petróleo - Folha de S.Paulo, www.folha.uol.com.br, 16/11/2008;

Focus revê para baixo previsão de câmbio em 2014, www.em.com.br/.../focus;

Previsão de inflação, juros e câmbio em 2014, ;

Brasil 500, users.matrix.com.br;

Profecias desmentidas - EB - cleofas.com.br;


- Direito, Economia e Mercados Racionais ( Uma crítica aos economistas racionais);

- A crise de 2008 e as informações assimétricas, "Quem são os responsáveis pela crise";

15 frases de Warren Buffett, EXAME.com, exame.abril.com.br.




Registrado no MEC, 01/2015



Manuel Elisio Frota Neto















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