quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A ARTE PICTÓRICA OCIDENTAL


BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A ARTE PICTÓRICA OCIDENTAL

( A VISÃO DE UM LEIGO )


OBJETIVO

Com este artigo pretendo apresentar algumas reflexões sobre a arte pictórica, bem como manifestar a minha perplexidade em relação aos caminhos traçados pela arte moderna.

Reconheço que o tema abordado é um terreno movediço, bastante polêmico, de grande interesse social, sujeito a controvérsias e discórdias, por parte de especialistas, mestres e pessoas que participam direta ou indiretamente dos movimentos artísticos.

Por não ser um especialista sobre o assunto me detenho apenas em alguns aspectos dessa arte, sem me adentrar nos diversos estilos e movimentos artísticos. Repiso que este não é um estudo sistemático sobre os diversos movimentos artísticos, mas apenas comentários sobre alguns aspectos da história da arte no ocidente.

Por ser um leigo, ele é ao mesmo tempo um incentivo para aqueles que pretendem uma iniciação sobre os mistérios da arte pictórica, mas que se sentem constrangidos e bloqueados mentalmente em expressar as suas opiniões.

Para romper com este constrangimento, sempre será importante recordar que os impressionistas foram ridicularizados pelos especialistas da época e que a arte de Van Gogh não teve o reconhecimento devido, durante a sua curta existência, submetendo-se o artista, por isso, a privações materiais e psicológicas. Da mesma forma, os fauves não tiveram no seu início a admiração de seus contemporâneos.

Em relação a Paul Cézanne um crítico de arte assim vaticinou:

"Não passa de um doido, atacado, que pintou fantasias de delirium tremens.

O público se vingava metendo o malho na pintura de Cézanne: rude, degenerada, incompetente" (Strickland, Carol, em Arte comentada, Ediouro, 2004, p. 116).

O reconhecimento  posteriorda arte de Van Gogh deve-se aos esforços de seu irmão Théo, sempre disposto a ampará-lo material e psicologicamente. Sem este amparo talvez não pudéssemos desfrutar da obra de arte de um gênio.

Por este motivo, me dou o direito de errar, de fazer comentários mesmo que impróprios que, no mais das vezes, podem ir de encontro às opiniões dos historiadores e especialistas de arte.

Assim, fica evidenciado que este artigo não pretende ser exaustivo e muito menos um referencial sobre a história e alguns aspectos de arte pictórica, sobre todos os artistas talentosos e criativos e sobre estilos e escolas. Tais falhas não se devem ao meu desprezo por artistas e estilos não mencionados, mas às minhas próprias deficiências teóricas.

Outrossim, mesmo em se tratado de um artigo escrito por um leigo, pretendo comentar alguns aspectos da arte pictórica, que, ao mesmo tempo que encanta a todos, nos traz algumas frustrações, quanto as mudanças de rumos, que nos tempos atuais vem tomando, distorcendo concepções e o modo de encará-las e valorizá-las.

Sem qualquer preocupação com o rigor metodológico, dividi este artigo nos seguintes tópicos: 1) O contexto histórico; 2) Outros Requisitos da Arte Pictórica; 3) A arte pop e Andy Warhol; 4) Exemplos da influência sócio-cultural sobre a arte; 5) Alguns exemplos de criatividade; 6) Comentários finais.


O CONTEXTO HISTÓRICO
 
A história da arte, conforme já ficou demostrado diversas vezes, não apresenta um evolução com contornos lineares que nos permitam classificá-la e entendê-la sempre como uma etapa anterior que será obrigatoriamente sucedida por uma outra mais avançada, fazendo com que possamos vê-la como uma forma evolutiva de expressão da sociedade, nos seus diversos momentos.

Começando pela arte rupestre que pretendia ter seu efeito mágico sobre as coisas e seres vivos que rodeavam o ser humano, ela sofrerá transformações imprevisíveis de acordo com os valores e estímulos sociais, que serão mais visíveis em determinados momentos de sua história. Em diversos outros adquire um caráter estritamente ideológico, a serviço de determinados valores sociais e em defesa desses valores.

Neste sentido, passa a ser um servo da sociedade, que lhe "impõe" funções tipicamente subservientes e auxiliares, muito embora associadas a algumas características que lhes dão uma valorização diferente no contexto social, destacando entre outras o talento do artista.

É verdade também que o mesmo talento, em alguns outros momentos não é um elemento que por si só seja motivo de destaque, valorização e veneração, como na idade média, onde os artistas são artífices muitas vezes "anônimos", obrigados a desempenhar, através de sua arte, papéis de conteúdo ideológico, sob comando das classes dominantes.

Falo em distorções da arte contemporânea, no sentido pejorativo, com o intuito de ressaltar que os valores que faziam uma obra de arte admirável e alguma coisa divina, com todas as qualificações para a criatividade e o talento do artista, se tornaram subvertidas pelos novos valores e concepções.

Sempre houve, por todos, mesmo por parte dos apreciadores e especialistas, a dificuldade em saber avaliar a verdadeira qualificação de uma obra de arte, principalmente nos momentos de grandes transformações, na maneira e na forma de apresentá-las, muito embora alguns momentos se destaquem mais que outros.

O exemplo mais típico, que faz parte da história da arte pictórica é o surgimentos da arte impressionista e dos fauves, que quando apresentadas foram extremamente criticadas e até mesmo debochadas, principalmente na crítica especializada.

Isto nos serve de exemplo ou como um aviso de que esta é uma seara difícil de ser satisfatória e plenamente definida quanto à sua qualidade, em decorrência da subjetividade e das diversas transformações as quais estão submetidas.

Para um leigo, mais difícil ainda se desvincular de ideias pré-concebidas que ficaram arraigadas em seu imaginário, inclusive pelo peso que as grandes obras do passado exercem ao longo da história.

Por isso mesmo, nos damos ao luxo de apreciar um Mona Liza, uma obra do barroco Caravaggio e Rembrandt, de Michelangelo, cristalizada na Capela Sistina, Vaticano, de um Rafael, a beleza e a sutileza de um Botticelli, que mesmo com o passar dos anos permanecem em nós como um verdadeiro exemplo do que seja uma bela obra de arte pictórica.

A dificuldade em nos desfazermos destas concepções arraigadas, aqui falo mais sobre o ângulo das pessoas leigas, nos bloqueia de tal forma que não conseguimos apreciar outras obras de arte que apresentem características fora daqueles conceitos e concepções, aprioristicamente ensinados e assimilados. Como disse, isso acontece, principalmente, nos momentos de grandes transformações.

Ela (arte) também será o depositário de emoções adormecidas, que permanecem escondidas no fundo das nossas almas e, de repente, como que por um passe de mágica, desabrocham, não sabemos quando e porque. Não por acaso evocamos os valores e as qualidades das artes tradicionais, que fizeram parte de nossa vivência, que permanecem no âmago do nosso ser e que, por isto, permitem que possamos apreciá-las e valorizá-las, mesmo nos tempos atuais.

Isto nos leva a ser um tanto "reacionários" quanto as novas obras e injustos em relação aos esforços despendidos por artistas talentosos, que contribuem para nos mostrar um modo diferente de fazer arte.

No entanto, pelo fato de estarmos lidando com emoções, concepções e conceitos arraigados, é muito difícil nos libertarmos destes vínculos que ficaram impregnados em nossa memória. Exemplificando, lembro de como é difícil poder valorizar e apreciar uma obra de arte abstrata, que não retrate e represente algo palpável e visível do mundo real, mesmo que a obra seja sempre uma representação da realidade e nunca a própria realidade.

De forma um tanto semelhante e em determinado momento, questionou-se a arte quanto ao seu caráter utilitário, que se expressou na máxima: se não tem uma utilidade prática, para que serve?. Esta arte de utilidade prática teve a sua expressão na escola Bauhaus, com a “concepção estética do objeto útil”, que acreditava “em que a beleza seria resultante da coerência entre forma, função e fazer” (Gullar, Etapas ... p. 209). Inaugurada por Walter Gropius e fechada em 1933, por conta da ascensão do nazismo, voltava-se “principalmente para aplicações práticas” (Chipp, p.318)

As concepções e definições prosseguiam, sem contudo fornecer uma concepção que nos desse uma resposta satisfatória, por que sempre as respostas eram deficientes para definir e caracterizar o que seria uma boa arte pictórica.

Não bastasse isto, os movimentos políticos e ideológicos, como instrumentos de manipulação, exerceram forte influência na avaliação do que poderia ser considerado uma obra de arte significativa, importante e magnífica. Por causa desta "manipulação", quando foram desvendados os motivos passaram e os contextos sociais nos quais foram produzidas, algumas passaram a ser "desqualificadas", ou sem tanta importância.

Mais recentemente lembremos do nazismo e do socialismo, para quem, este último, qualquer obra de arte produzida no mundo capitalista era degenerada e decadente, por que não enaltecia nem representava o proletariado, cerrando baterias contra o surrealismo, que se afirmava como uma corrente artística. Mais para longe, não poderíamos deixar de mencionar o período iconoclasta que atingiu o império bizantino , durante o século VIII ( sobre o assunto consultar “Arte e política”, Introdução por Peter Selz, em Chipp, 463).

O mesmo poderíamos dizer da arte sacra que transmitia valores culturais e religiosos através de imagens históricas da Bíblia, para um população que não sabia ler, mas que frequentava a igreja.

No Brasil não passou despercebido o embate teórico entre o nordeste e o centro-sul, que culminou na Semana de Arte Moderna, em 1922, ponto de partida para o modernismo no Brasil, tendo como expoentes Mario e Oswlld de Andrade, em contraposição a visão agroindustrial de Gilberto Freyre.

Devemos lembrar, que durante um tempo, a arte pictórica ocidental foi considerada como o parâmetro da excelência artística, mas não demorou tanto para que os grandes pintores (Gauguin), na passagem do século XX, fossem buscar inspirações nas artes primitivas e orientais, combinando-as com as suas concepções tradicionais, modificando completamente suas concepções e os seus rumos.

Entretanto, no século vinte ela se liberta, adquire uma liberdade de expressão que foge aos parâmetros do que até então se supunha. A arte abstrata parece ser uma arte que se liberta de todo o contexto social, adquirindo vida própria, impossível de ser acorrentada.

Mas o contexto social será sempre relevante, mesmo que nos faltem os meios e não possamos abordá-lo de uma forma mais precisa e que só possam ser desvendados em momentos posteriores. É este vai e vem que dá a obra de arte o seu valor ao longo da história.

Nas palavras de Ferreira Gullar:

"Os movimentos de vanguarda nasceram das mudanças introduzidas na sociedade pela revolução industrial e o desenvolvimento-tecnológico. Essas mudanças conduziram, de um lado, à substituição da produção artesanal pela industrial e, de outro, à crise da representação figurativa da realidade" ( em Argumentação ..... , p.10).

Mas, como no passado, o problema passa a ser como avaliá-la de acordo com os novos valores sociais, com as modificações nas concepções, nos conceitos, que passaram a prevalecer através da dinâmica da vida social das sociedades atuais.

Na sua essência uma obra de arte para ser classificada como tal não precisa ser bela ou feia, pois se trata de uma forma do artista expressar, interpretar e expor as suas emoções, concepções e seus sentimentos em relação à realidade concreta e aos valores sócio-culturais, ou ambos em uma relação dialética, de acordo com os meios materiais postos à sua disposição.

A ideia da arte pictórica (ou no geral) como deleite, como função do "belo", também faz parte de uma etapa da história da arte. Lembremos os festivais dos povos primitivos que invocam os deuses para combater os espíritos maus, para trazer fartura e fertilidade, que se expressavam em máscaras, dragões e outros utensílios, não necessariamente belos, para os parâmetros ocidentais.

Portanto, a ideologia está associada aos condicionamentos sócio-culturais que influem na percepção do artista, que tenta retratar, de certa forma, o ambiente social em que vive, ou, ao mesmo tempo em que não foge do contexto social, dando-lhe os contornos que se manifestam através de sua visão, emoções e sentimentos.

Amigo de Robespierre e Marat e entusiasta da revolução francesa, Jacques-Louis David foi um artista que através de sua arte enalteceu os valores revolucionários. Na sua obra "A morte de Marat" o artista expõe toda sua técnica para retratar o revolucionário como um mártir, à feição de Cristo: "o fundo escuro ilumina-se à direita, como se a glória celestial esperasse pelo santo moribundo" (História da pintura, p.255).

O mesmo podemos dizer da obra contestatória, de forte carga emocional, ideológica, que critica o status quo, exalta os valores sócio-culturais e denuncia a brutalidade, os horrores da guerra, a barbárie, como "O 3 de maio de 1808" de Goya e "Guernica" de Picasso.

Embora não seja um assunto demasiadamente explorado, a escolha das cores pode contribuir para fortalecer o aspecto ideológico da obra, ou mesmo para dar um efeito particular sobre a figura e o quadro, dando-lhe a ênfase necessária, pretendida pelo autor, em virtude do simbolismo que representam: o vermelho simboliza excitação, sangue, paixão, intensidade, amor, sexo; o verde a esperança, fertilidade, natureza, abundância; o amarelo o otimismo, espiritualidade e a criatividade; o preto o sinistro, tenebroso, fúnebre, força, formalidade; o branco a pureza, a paz, etc.

Para melhor explicar cito Van Gogh, em carta a seu irmão Theo, agosto de 1888:

"Mas o quadro não termina assim. Para terminá-lo, vou passar a ser um colorista arbitrário. Exagero a cor do cabelo, chego a colocar tons laranja, amarelo-cromo, e amarelo-limão pálido.

Atrás da cabeça, em lugar de pintar a parede comum da sala medíocre, pinto o infinito, um fundo simples do mais rico e intenso azul que posso conseguir, e com essa combinação simples, a cabeça brilhante contra o rico fundo azul, obtenho um efeito misterioso como uma estrela no azul profundo do céu" ( citado em Chipp, p.31).

""Auto retrato com chapéu de palha" reflete a influência impressionista. Van Gogh queria "pintar gente com alguma coisa do eterno que o halo simboliza". O redemoinho de pinceladas envolvendo sua cabeça tem esse efeito" ( Strickland, p. 121). Por isso considera-se que libertou as cores.

"Tentei expressar as paixões humanas com o vermelho e o verde" (p.32).

Sobre “O QUARTO”, 1988. Carta a Theo, outubro de 1888:

"Desta vez, é simplesmente o meu quarto, apenas aqui a cor deve fazer tudo, e dar, pela sua simplificação, um estilo maior às coisas, ser sugestiva aqui do repouso ou do sono em geral" (Chipp, p. 37).

OUTROS REQUISITOS
Acredito que existem elementos (requisitos) que dão grandeza a uma obra de arte, mesmo quando ela expressa uma função tipicamente ideológica.
 
Criatividade: me refiro a algo de novo que o artista introduz. Ela não se refere apenas à introdução de um novo estilo e técnica, mas também a uma nova forma de apresentar o tema, disposição das figuras, uma nova forma expressar o sentimento, ou até mesmo o uso da cor e de novos materiais que lhes possam dar uma nova dimensão. Em algum ponto, a criatividade também pode se manifestar através do talento, na forma de dispor as figuras e realçá-las, através das cores, dando uma expressividade quase que inédita a composição pictórica. Seria o ineditismo.

Entretanto, um novo estilo pode ser compartilhado por diversos artistas talentosos que não participaram da criação desse estilo.

Talento: está ligado a forma como exprimir o que se quer, a habilidade em reproduzir o sentimento, dar vida ao quadro ou pintura, trazer o impacto que se deseja. Significa manejar a criatividade com o uso dos materiais à disposição, o ordenamento, a intensidade e a escolha das cores, para dar a expressividade que se deseja. Em um certo sentido não pode dispensar o dom artístico para desenhar, mas vai além deste talento. E talento é inato, não se adquire, se aprimora.

Em Elogio ao Desenho, Gullar vaticina:

"... Picasso nunca subestimou o papel do desenho na pintura. Tornou-se, pelo contrário, o grande desenhista de nossa época. ... Uma pintura em que o desenho é secundário ou inexistente não atinge a mesma profundidade que outra em que o desenho é fundamental" (Argumentação ... , p. 120).

Em Henri Matisse, “Notas de um pintor”, 1908:

A expressão, para mim, não reside na paixão que se espelha num rosto ou se afirma por um gesto violento. Ela se acha em toda a disposição do meu quadro: o lugar ocupado pelos corpos, os vazios ao redor deles, as proporções – tudo isso tem o seu papel. A composição é a arte de arranjar de maneira decorativa os diversos elementos de que o pintor dispõe para exprimir seus sentimentos.

É possível obter, através das cores, baseando-se em seu parentesco ou em seus contrastes, efeitos extremamente agradáveis” (Chipp, p. 128).

Em “Elogio da cor”, Gullar, Argumentação ... ,p. 116:

Na época moderna, depois que a pintura se liberta do academismo e do naturalismo, o artista redescobre a cor, estabelecendo com ela uma relação que nunca tivera antes” (p. 115).

Trabalho: o trabalho, como o próprio nome diz, está ligado ao esforço físico e mental que o artista coloca na sua obra. Diz respeito também ao tempo despendido no estudo e na avaliação dos aspectos relevantes para fazer com que a obra alcance o seu intuito. Muitas vezes as novas ideias surgem do trabalho, da necessidade de por em prática as concepções e ideias pré-concebidas.

Picasso trabalhava freneticamente ( ver estudos para "Guernica" ) e Matisse já acamado, quase incapacitado pela artrite, não deixava de fazer experimentos no teto do quarto. Rodin começou a esculpir a sua "Porta do inferno" em 1880 e, conforme consta, trabalhou toda a sua vida na escultura. Basta presenciar o "Juízo Final", Capela Sistina, Vaticano, de Miguelangelo, para avaliar e presumir o esforço físico e intelectual do pintor e escultor, que desempenhou a sua tarefa deitado. Vale ressaltar ainda os estudos de Leonardo Da Vinci.

Para mim, é difícil conceber uma grande obra de arte sem que haja esse trabalho físico e intelectual, as vezes sobre-humano, que lhe dá significação e valorização, principalmente numa sociedade em que o ócio não é tão admirado. Já não se produzem gênios como no passado, mas todos querem ser antecipadamente assim considerados, principalmente sem esforço.

Concordo que estes elementos são muito vagos, fluidos, flexíveis e permitem interpretações diversas, por que, de alguma forma, sempre um elemento poderá invadir ou influenciar a esfera do outro.

O talento pode interferir na criatividade pela forma como o artista aborda um assunto, pela disposição das figuras ou desenhos representados, pela expressividade que consegue dar à sua composição.

Ora, combinando todos estes fatores "indefinidos", considerando ainda a subjetividade, a vivência e os aspectos psicológicos, de cada um dos observadores, críticos, consumidores, marchands e artistas, vemos como é difícil julgar objetivamente uma obra de arte. Por isto, é comum que cada um, independentemente de seu grau de instrução e talento, esteja mais vinculado a um estilo. É o que acontece com a maioria dos artistas, embora trilhem caminhos próprios.

Mas, num certo sentido, a ascensão da arte abstrata veio borrar e embaraçar ainda mais os conceitos, pois perdeu-se o referencial, que era a representação da realidade concreta, que era o ponto de partida para a avaliação e o julgamento. O desenho, que em parte, permite abordar o talento e o esforço, já não é necessário e o manejo e a justaposição das cores tornou-se aleatória.

Assim sendo, o artista, antes de tudo, através das modernas técnicas de marketing, pretende dar a sua arte um toque de genialidade, indefinível e impossível de se captar. Ser artista no mundo de hoje é sinônimo de gênio, de criatividade, independentemente do que produza.

Isto não quer dizer que não podemos apreciar e até mesmo gostar de uma pintura abstrata, mesmo porque ela nos traz emoções, recordações, aflorando os nossos sentimentos mais profundos, adormecidos no nosso inconsciente.

Mas um simples ponto, um traço, uma mancha, uma simples combinação ou choque de cores lançadas no quadro não devem ser considerados uma excelente obra de arte, pelo caráter enigmático que possuem, impossível de ser revelado, pelo simples fato de que é impossível saber o que o artista expressa.

E aí, só nos resta gostar ou não da obra, pelo que ela nos desperta e de acordo com os críticos especializados, os marchands e interesses comerciais dizem. Como dizia Andy Warhol: " A arte é um negócio como outro qualquer". Sim, é verdade, mas espera-se que ela carregue as qualidades que a fazem valer tanto.

É bem verdade que ao longo da história um ou outro elemento se sobressaiu e isto dependendo das condições sociais em que a obra era realizada. Ou seja, a combinação de cada um desses elementos era ditada também pelas condições sociais vigentes. Durante a idade média os artistas eram praticamente anônimos, sendo difícil avaliar a contribuição de cada. Também a criatividade estava adormecida pela falta de dinâmica da vida social, regida pelo tradicionalismo.

No entanto, mais precisamente, a partir do Renascimento, os patronos, os observadores, os apreciadores e os consumidores de arte esperavam dos artistas as virtudes (criatividade, talento e esforço físico e mental) que eles não possuíam, associadas ao desprendimento, pelas condições muitas vezes adversas, em levar adiante a sua obra. Existem diversos exemplos de gênios artísticos que despenderam esforços sobre humanos para alcançar os seus objetivos artísticos mais nobres.


A ARTE POP E ANDY WARHOL

É muito difícil para um não especialista em arte tecer comentários não tão elogiosos sobre o famoso artista Andy Warhol, ícone do movimento pop, que desfrutou de grande popularidade nos anos 60.

A arte pictórica pop não é um fenômeno estritamente americano, como muitos pensam, mas os americanos deram a ela os seus traços mais característicos, sendo Andy Warhol a expressão máxima e o símbolo deste movimento artístico.

O artista representa um momento em que autor e obra se fundem, num processo dialético, em que a obra enaltece o autor e este se comporta como o fundamento de sua obra, promovendo-a através de todos os meus possíveis e imagináveis. A obra não deixa de ser espalhafatosa e o artista vai no mesmo sentido.

A sua arte realça a vida repetitiva e despersonalizada da sociedade americana, a banalização dos fatos da sua vida cotidiana, ao mesmo tempo que o autor também se banaliza, através da exposição midiática, que reforça a sua obra, com suas opiniões bombásticas.

Penso que ele é o exemplo da banalização, ao procurar se promover a todo custo, em aspectos artísticos ou não. Com Andy a arte tornou-se marketing e este arte.

Talvez a sua obra não tivesse alcançado tanto sucesso se o autor não fosse, ele próprio, em suas convicções, um artista midiático, que se promovia o tempo todo para alcançar o estrelato e sabia manipular isto como ninguém.

Ao que parece, não restarem dúvidas de que Andy era um exímio desenhista e já tinha demonstrado a sua aptidão para tal antes de iniciar a sua incursão pela arte pop.

Seu apogeu e estrelato não se explica unicamente pela excelência de sua arte, mas por uma combinação de fatores sócio-culturais, a contracultura, e o manejo excessivo do marketing, em sua autopromoção. Gostava de chocar, era um narcisista e faria qualquer coisa a seu alcance para ser notado. Nisto reside o seu inegável e inigualável talento e oportunismo.

Da mesma forma o seu "relativo ostracismo" não se explica exclusivamente pela qualidade posterior de sua obra, mas pelo esgotamento de um modelo que explorava a contracultura, saturada e inundados pelo psicodelismo e cultura hippie.

"Talvez sua ubiquidade póstuma derive não da sua arte (ainda que as latas de sopa Kampbell seja com certeza um ícone nacional) mas da auto-promoção dos anos 1970 e 1980 que fixou no inconsciente .... e outras folhas de fofocas de circulação nacional" (Scherman , p.430).

Desesperado por sucesso, tentou seguir os caminhos já trilhados por Lichtenstein e Jasper, mas percebeu que não conseguiria o estrelato por esse meio. "O sentimento de vitimização de Andy começou a funcionar de imediato" (idem, p. 84). Insinuou que Lichtenstein tinha roubado suas ideias.

Sua incrível habilidade em aproveitar as oportunidades para alcançar o sucesso levou-o a um "nicho", por sugestão e orientação de Mariel Latou, a quem solicitou "uma ideia fabulosa" (idem, p. 87), pagando-lhe determinada importância.

"Sua decisão de pintar a lata de sopa Kampbell refletiu, entre outras coisas, sua fé em Mariel Latou" (idem, p. 88).

"O relato de Warhol em Popism faz eco a Carey - Andy entrevistou seu velho amigo para o livro - mas rebaixou Latou a uma anônima "amiga" que sugere apenas dinheiro, não as latas de sopa . (Andy, obviamente não reconhece que o dinheiro mudou de mãos) , P. 89.

Também os seus filmes "underground" - do submundo, insinuantes, até mesmo degradantes, espalhafatosos, aberrantes - celebrados como uma verdadeira obra de arte, não são mais que a exposição da vida íntima e sexual de seus companheiros problemáticos, drogados, "desgraçados" infelizes, influenciados por ele para isto. Que inconscientemente ou não, não vem ao caso, forneciam o material de que servia o artista, para revelar ao público e à mídia os pormenores, as desgraças e as fraquezas de seus círculos de convidados.

"Na Factory, na época de Velvet, ganhou o apelido de Drella, contração de Drácula e Cinderella. Este apelido, que não lhe agradava, tinha claras implicações negativas (como vampirizar e explorar sem piedade os que vinham a ele) , mas, de um lado, ressaltava as contradições da personagem, tal como eram percebidas pelo seu círculo íntimo, e, de outro, o apelido era mesmo cômico" ( Korichi, p.144).

"Ao contrário, os escândalos que eclodiam regularmente à saída de cada um deles o encantavam. Em Taylor Mead's ass , "ele filmou as nádegas de Taylor, em close-up durante duas horas. Durante a filmagem que durou alguma horas, de costas para a câmera que enquadrava em close-up as suas nádegas, Taylor Mead se entregou a uma ginástica improvável, enfiando regularmente toda sorte de objetos no traseiro" ( Korichi, p. 143).

"Ele tomava com referência explícita o gênero pornográfico. A câmara de Warhol registrava em plano fixo e fechado a dinâmica da sensualidade e a mecânica impessoal do prazer sexual. Seja numa tentativa de espiritualização, como em Blow Jet (1963), que mostra em close-up o rosto de um homem objeto de felação até o gozo (praticado por uma mulher? Um homem? Jamais saberemos, o que contribui para o caráter perturbador da sequência). Seja numa vontade de ser muito explícito, de mostrar tudo, como em Couch (1964), em que casais (ou grupos) fazendo sexo se sucedem diante da câmara no meio da Factory. Couch tem cinquenta bobinas de filme de 35 minutos" (Korichi, p. 145).

Andy Warhol observou: "Até ali, em geral nossas produções suscitavam comentários como artístico, kitschi, chique, ou mais simplesmente, chato. Depois de Chelsea Girls, palavras como degenerados, inquietante, homossexual, drogado nu e real foram regularmente associadas a nós" (idem, p.145).

Um verdadeiro Marquês de Sade dos tempos modernos, com a tecnologia e a mídia a seu lado, para escandalizar e divulgar os seus mais profundos e obscuros desejos. Só que o antigo era mais autêntico, fazia por que gostava.

"Os filmes de Warhol refletiam experiências sadomasoquistas entre ele e seu círculo? Como Warol conseguiu derrubar a inibição de suas "superstrars"? Ele começara a ter uma sólida reputação de manipulador sádico. Personagem perfeitamente sádica, Andy é capaz, com sua simples presença, de impelir as pessoas a transarem nuas ou a fazer qualquer coisa para chamar a atenção" (Korichi, p. 148).

A resposta a estas perguntas são dadas pela escritora que declara que as drogas corriam soltas, num ambiente frequentado por toda sorte de pessoas, muitos dos quais estavam engajados em processos de autodestruição (p. 149). Warhol explorava estas situações e os seus amigos íntimos para chocar e fazer sucesso.

Quando saiu do hospital após uma tentativa de assassinato (1968) a sua principal preocupação tinha sido a repercussão e a cobertura da mídia ao acontecimento. Para a sua "infelicidade", na mesma época ocorreu o assassinato de Robert Kennedy, fato que o deixou deprimido.

Segundo especialistas da história da arte o seu toque genial foi captar a influência dos meios de comunicação no imaginário da população, através da repetição, divulgação e promoção. Mas, se assim for, não estaremos mais falando de arte, ou melhor, de uma grande obra de arte, que mereça tanta admiração.

Andy Warhol, era um bom designer, provavelmente tinha talento e, talvez, até mesmo criatividade, mas estas qualidades foram suplantadas por sua vaidade extrema e pelo desejo em fazer dinheiro rápido, usando a autopromoção, como alavanca.

Warhol de Duchamp jamais poderiam ser alçados a expoentes da história da arte. Embora talentosos, nunca colocaram à disposição da arte e em função dela suas criatividades, talentos e trabalhos. A irreverência, a autopromoção, o escândalo e o marketing não são suficientes para conceder o status de grandiosidade a uma obra pictórica.

Não despertaria meu interesse ir a um museu ver um urinol ou uma roda de bicicleta, mesmo que possam ter conotações ideológicas interessantes. Sim, trata-se de uma obra de arte, mas nunca terá grandeza.

Andy Warhol foi uma personalidade única que conseguiu subverter a arte e submetê-la ao marketing, influenciando uma geração posterior, que continua querendo alcançar o estrelato através de comportamentos extravagantes, sem trabalho, apenas lançando supostas ideias geniais.

"Duchamp, como o pai do pós-modernismo e da arte conceitual, foi o verdadeiro padrinho de Andy, levando essa ideia do artista como mágico a um passo adiante; qualquer coisa que o artista concebesse seria arte. Aqui o dedo duchampiano, o indicador: Andy Warhol apontando o que é e o que não é arte" (Scherman, p.433).

Por fim, acredito que a irreverência, a manifestação e protesto jocosos, a manipulação da mídia, os escândalos, os comportamentos exóticos e anti-sociais não podem e não devem ser os parâmetros para julgar a importância e a qualidade de uma obra de arte, que transcende a nossa simples existência, por mais que o artista possua o dom que lhe permita alcançar o estrelato. O seu trabalho deve estar a serviço da arte, o que, infelizmente, não aconteceu com Warhol. 

ALGUNS EXEMPLOS DA INFLUÊNCIA SOCIAL SOBRE A ARTE
- a arte rupestre que invoca os poderes e as forças sobrenaturais para atuar sobre o objeto da arte, como por exemplo as lanças cravadas na figura representada, que seria a caça;

- as artes primitivas que invocavam os "Deuses" para combater os maus espíritos e proteger a comunidade, provocar a fertilidade, através de festivais e rituais, com o uso de máscaras e diversos outros apetrechos, instrumentos e artifícios;

- a arte iconoclasta do período bizantino;

- a arte da Renascença que sofre com a ebulição e a fermentação das transformações sociais, políticas e técnicas, como a perspectiva, e que para com elas contribui;

- o maneirismo que com as suas figuras distorcidas retratou o conflito religioso/ideológico da Reforma e Contra-reforma;

- o Barroco como resultado da Contra-Reforma e do Concílio de Trento, que laicizou e secularizou a arte sacra na obra de Caravaggio (Ver "Confirmação de Tomé"); ou de Rembrandt que com suas pinceladas largas deu tamanha expressividade à inveja, à cobiça, ao ciúme e ódio na figura do irmão, baseado no tema bíblico "A volta do filho pródigo" ( Museu Hermitage, Sâo Petersburgo);

- os impressionistas que com suas rápidas pinceladas tentavam captar a luminosidade imediata, influenciado pelas grandes e rápidas transformações sociais e a fotografia;

- o surrealismo que tomou de emprestado do inconsciente psicanalítico para dar uma novo enfoque a forma de como fazer arte;

- o movimento Dadá, ready-made, do período da 1ª Grande Guerra, com sua irreverência, nilismo, descrença e crítica aos valores culturais ocidentais da época;

- o futurismo que baseava a sua arte nos mecanismos industrias;

- a arte Pop que banalizou a arte e clama pela participação das massa, cuja arte retrata uma sociedade de massas consumidoras, de uma sociedade despersonalizada, repetitiva no seu dia a dia;


ALGUNS EXEMPLOS DE CRIATIVIDADE
 
- Botticelli que com as suas leves pinceladas traz leveza e dar algo de sobrenatural às suas obras, em "Primavera" e " Nascimento de Vênus";

- Da Vinci com o seu sfumato, a técnica da perspectiva e com a técnica extrema de dar representação individual aos personagens representados, consegue dar-lhes vida, individualidade e características próprias ( Ver a "Última ceia", "Adoração dos Magos" (Galeria dei Uffizi ) e "Estudos de expressão") ;

- Caravaggio que trouxe as divindades (santos) para o plano humano;

- Van Gogh que, inspirado nas pinturas japonesas, libertou as cores que aprisionavam os artistas ao real;

- Gauguin que com a influência da pintura primitiva, do Extremo Oriente e da arte popular deu nova dimensão a representação pictórica, com suas cores fortes e simbólicas; se refugiou no Taiti após um período de sucesso como corretor da Bolsa de Paris;

- Manet, Monet e Renoir que abandonaram os ateliês para pintar ao ar livre, para captar, com rápidas pinceladas, os efeitos da luminosidade na cor e consequentemente nos objetos;

- o pontilhismo de Seraut;

- Edvard Munch que com as distorções das formas e cores expressou magnificamente o medo e o terror que assombram o indivíduo, para consigo;

- Paul Cezane que retratou a natureza com os seus cubos, cones e cilindros e influenciou toda uma geração posterior e deu asas para o surgimento do cubismo;

- Matisse que trouxe a simplificação do desenho realçando as cores (“A dança”, MoMA, NY, pintura simplificada em três cores);

- Kandinski que "suprime a referência à realidade objetiva" (Argumentação... , p.70) e procura associar cor e música. Sobre sua arte cito Gompertz: "É algo surpreendentemente difícil definir com clareza o que é que torna essas linhas de alguma maneira diferentes daquelas que você ou eu poderíamos desenhar, mas existe alguma coisa. Há algo relacionado à sua fluidez, ou composição, ou forma, que leva milhões de nós às galerias de arte moderna para ver pintores como Mark Rothko e Walissy Kandinski. Eles conseguiram arranjar suas formas e pinceladas em desenhos capazes de estabelecer uma conexão conosco, sem que saibamos por quê" (Gompertz, p. 167).

- Picasso. Sobre Picasso reproduzo as palavras de Ferreira Gullar: " Pablo Picasso .... participou de quase todos os movimentos artísticos da pintura moderna, sem se deixar deter em nenhum deles: foi cubista, expressionista, surrealista e mais outras tantas coisas para as quais não se inventaram nomes. Durante mais de 60 anos pintou, desenhou, gravou, esculpiu, pintou cenários" ( Etapas da .... , p.21). Juntamente com Braque, foi o precursor do cubismo e com o seu ineditismo causou grandes transformações na arte..

Penso que com relação a Picasso pode-se dizer que ele transcende à sua época. Talvez se possa aplicar ao artista as palavras de Hauser destinadas a Shakespeare: "A grandeza de Shakespeare já não se pode ser explicada sociologicamente, como também não o pode a qualidade artística em geral" ( Vol I, p. 545).

Portanto, não poderíamos deixar de citar Pablo Picasso como o maior artista do século passado, que com a sua genialidade cobriu toda uma gama de estilos de arte do século XX, passeando sobre elas, e que com o seu ineditismo causou grandes modificações na arte pictórica e na escultura. 
 

COMENTÁRIOS FINAIS
 
É praticamente impossível, para qualquer pessoa, seja artista, crítico, admirador, marchand, falar ou conceituar arte de uma forma genérica. O mesmo se aplica para ramos específicos da arte, como a pictórica, por que no final das contas, embora com as suas particularidades, elas possuem vasos comunicantes, que interferem umas nas outras.

Ela (a arte)está sempre disposta a nos surpreender com o inesperado, abrindo novos caminhos nunca imagináveis. Artistas foram buscar em outros ramos inspirações para a sua própria arte. Kandinski associava a arte pictórica aos sons e os surrealistas foram em busca do inconsciente freudiano.

Por outro lado, as descobertas de novos materiais postos à disposição do artista, a matéria prima, por assim dizer, também interferem nas suas concepções e no modo de fazer arte. Tudo o que foi dito dificulta o julgamento e a avalição de uma obra de arte.

Mas, após o advento do período Renascentista, rotulado como o começo da pintura moderna, sempre permaneceu em nosso consciente e inconsciente a imagem da arte e do artista enigmático e místico, quase sobrenatural, algo que fugia os atributos dos seres "normais".

Os artistas passaram a ser venerados e embora muitos não tenham sido valorizados em sua existência, isto passou a ser obra do acaso e dos limites das pessoas comuns em entender o artista e sua obra. Este fato colabora para fortalecer a imagem que permanece em nossos íntimo.

Este algo enigmático também era fruto da própria vida do artista que em regra se distanciava das convenções e dos padrões sociais, como os artistas boêmios e desregrados. E é exatamente esta visão que ainda leva milhares de pessoas aos museus de todo mundo: tentar entender a obra de arte.

Outrossim, se apelarmos para o senso comum, a ponderação e a razoabilidade não resolveremos os problemas conceituais, por que são também conceitos vagos que dependem dos valores sócio-culturais, além de que as grandes transformações artísticas não obedeceram estes princípios e isto seria a morte da própria arte. Nestes períodos de grandes transformações de estilos os artistas levaram as suas concepções ao extremo, sem qualquer indício de racionalidade e bom senso, aceito socialmente.

Mas, mesmo assim, não podemos ficar passivos a tudo que acontece no mundo artístico e isto não nos impede de fazermos alguma apreciações sobre os movimentos da arte pictórica, principalmente nos tempos atuais.

Conforme expus neste artigo, não consigo conceder a uma boa arte sem que haja pelo menos três elementos, que mencionei: criatividade, talento e trabalho. Mais uma vez, concordo que os conceitos são vagos, com dose de subjetividade, e sujeitos a influências sócio-culturais. Mas, acredito que, pelo menos, são um norte, um ponto de partida, para tentar classificar a qualidade de uma obra de arte.

Ora, o caminho para a arte puramente abstrata, que segundo críticos já se anunciava, embora timidamente, desde o impressionismo, veio alargar o campo da arte pictórica, dando-lhe novos contornos e embaralhando os conceitos dos elementos mencionados.

Estes novos movimentos artísticos (falo da arte pictórica) foram buscar no caráter enigmático do artista, que permanece adormecido no nosso íntimo como motivo de admiração, como um fator inexplicável e sobrenatural, novos parâmetros que estabeleciam uma avaliação das obras de arte.

Resgataram do inconsciente popular o espectro do artista gênio, que seria necessariamente excêntrico (Gauguin), escandaloso, exótico, exibicionista e egocêntrico (Warhol), paranoico (Van Gogh), narcisista, desajustado aos padrões sociais ( Caravaggio e Gauguin) e incompreendido, como padrão necessário à qualidade da obra.

Esqueceram que estes "atributos" também existem nas pessoas limitadas e não talentosas e que nem todos os gênios são obrigatoriamente problemáticos e desajustados. E isto realimenta a porra-louquice. Antes mesmo de produzir algum trabalho que mostre talento o artista tem que já ser artista, por que possui àqueles atributos.

Amparados pelo marketing e pelos interesses puramente monetários subverteram os valores, os conceitos, impondo valores alienígenas que desembocaram em expressões de espanto, mas que não inibiram o interesse pelas artes: Isso é arte? Meu Deus, quanto loucura! A morte da arte. Qual o propósito?


Outrossim, os críticos ajudam a por lenha na fogueira, segundo James Gardner:


"Julgar não é com eles. Essa timidez faz alguma sentido quando consideramos que tradicionalmente os críticos têm-se enganado quanto aos gênios das respectivas gerações: Coubert, Monet, Van Gogh, Picasso e Pallock foram massacrados pela crítica. ... Melhor louvar mil nulidades como o novo Picasso do que não perceber um  hipotético novo Picasso" (p. 33). 


Atualmente, ir a um museu de arte moderna, tornou-se não mais um motivo de prazer em descobrir o desconhecido, proposto pelos artistas criativos, mas motivo risos e chacota, para ver, mas não admirar, o absurdo, racionalizar sobre ele (absurdo) e se perguntar: como pode o ser humano produzir tal coisa, ter sucesso e ganhar rios de dinheiro?

Para finalizar, reproduzo a opinião do artista e ícone pop Andy Warhol sobre arte: "Quando lhe perguntaram se seu filme de seis horas de duração, de um homem dormindo, era arte: "Bem, primeiro, foi feito por um artista e, segundo, isso revelaria arte"" (Strickland, p. 158).

Isso vai ao encontro de tudo que tentei expor neste artigo. Antes de fazer arte ele tem que ser artista, não interessa por quais meios. Por que ser artista é o requisito para uma boa obra de arte, independentemente do que produza. Um segundo aspecto é que pelo fato de ser arte não significa que seja uma boa obra de arte.
Classificar a uma obra de arte pela notoriedade a qualquer custo do artista é algo que foge a racionalidade, subverte os conceitos do que seja uma boa obra de arte, e dá asas ao que temos visto, principalmente através da arte conceitual, que foi buscar em Duchamp e Andy Warhol os motivos de suas inspirações.

"Bidlo se deu ao trabalho de encenar uma performance na qual urinava numa lareira, repetindo assim o imortal tinido de Pallock no coração do Peggy Guggenheim" ( Gardner, p. 91).

Arte Performática: ""Joseph Beuys percorreu uma galeria de Dusseldorf desempenhando: "Como Explicar Quadros a Uma Lebre Morta" (1965). Em sua performance "Seedbed" "Sementeira", em 1972, Vito Acconci se masturbou durante seus horas debaixo de uma rampa na galeria Sonnabend, transmitindo seus gemidos e murmúrios por alto-falantes" (Strickland, p. 179). Realmente esta é a performance de um "macho" , que deve ser "apreciada". Imaginem uma criança presenciando esta cena "instrutiva", contribuindo para o seu aprendizado ético, estético e moral.


"Shigeko Kubota foi além: enfiou o pincel na pudenda e passou-o sobre a tela no chão. Intitulou os trabalhos Vagina Paintings" (Gardner, p. 226). Sobre as diversas manifestações ou obras do "artista?" conceitual Chris Burden, remeto o leitor para o livro "Cultura ou lixo".

Para a arte Conceitual o que define uma obra de arte é a ideia criativa, sendo o objeto concreto um desperdício, supérfluo. No entanto, este movimento não define nem conceitua o que é uma ideia criativa. Num pequeno esforço podemos imaginar o que tudo isto significa: a ideia criativa é aquela que vem de um artista estabelecido ( se for underground melhor), mesmo que não produza nada, ou independentemente do que produza, principalmente se vier sem esforço físico ou mental. A grande ideia flui de uma mente genial, pré-concebida e determinada por ele mesmo e pelo marketing.

Por fim, filme pornô também virou arte, por que expõe e revela a "sensualidade" do ser humano. E se é arte deveria ter livre trânsito na sociedade, independentemente de faixa etária. Aonde chegamos? Há redenção?


BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Albuquerque, Durval Muniz de, A invenção do nordeste e outras artes, Ed. Cortez, 1999;

Beckett, Wendy, História da Pintura, Ed. Ática, 2006;

Chipp.H.B., Teorias da arte moderna, Ed. Martins Fontes, 2ª tiragem, 1999;

Diversos ensaios, em Arte Moderna, Taschen, Vol I e II;

Eco, Humberto:

- História da beleza, Ed. Record, 2004;

- História da feiura, Ed. Record, 2007;

Gardner, James, Cultura ou lixo?, Civilização Brasileira, 1996;

Gompertz, Will, Isso é arte?, Ed. Zahar, 2012;

Gullar, Ferreira:

- Argumentação contra a morte da arte, Ed. Revan, 1993;

- Etapas da arte contemporânea, Ed. Revan, 1998;

Hauser, A., História social da LITERATURA e da Arte, Vol I/II, ed. Mestre Jou, 2ª ed, 1972;

Japiassu, Hilton, A Revolução científica moderna, Imago, 1985;

Korichi, Mériam, Andy Warhol, L&PM Pocket, 2011;

Scherman, Tony e Dalton, David, em Andy WARHOL o gênio do Pop, Ed. Globo, 2010;

Strickland, Carol, Arte comentada, Ed. Ediouro, 2004.