BREVES
COMENTÁRIOS SOBRE A ARTE PICTÓRICA OCIDENTAL
(
A VISÃO DE UM LEIGO )
OBJETIVO
Com
este artigo pretendo apresentar algumas reflexões sobre a arte
pictórica, bem como manifestar a minha perplexidade em relação
aos caminhos traçados pela arte moderna.
Reconheço
que o tema abordado é um terreno movediço, bastante polêmico, de
grande interesse social, sujeito a controvérsias e discórdias, por
parte de especialistas, mestres e pessoas que participam direta ou
indiretamente dos movimentos artísticos.
Por
não ser um especialista sobre o assunto me detenho apenas em alguns
aspectos dessa arte, sem me adentrar nos diversos estilos e
movimentos artísticos. Repiso que este não é um estudo sistemático
sobre os diversos movimentos artísticos, mas apenas comentários
sobre alguns aspectos da história da arte no ocidente.
Por
ser um leigo, ele é ao mesmo tempo um incentivo para aqueles que
pretendem uma iniciação sobre os mistérios da arte pictórica, mas
que se sentem constrangidos e bloqueados mentalmente em expressar as
suas opiniões.
Para
romper com este constrangimento, sempre será importante recordar que
os impressionistas foram ridicularizados pelos especialistas da época
e que a arte de Van Gogh não teve o reconhecimento devido, durante a
sua curta existência, submetendo-se o artista, por isso, a privações
materiais e psicológicas. Da mesma forma, os fauves não tiveram no
seu início a admiração de seus contemporâneos.
Em
relação a Paul Cézanne um crítico de arte assim vaticinou:
"Não
passa de um doido, atacado, que pintou fantasias de delirium
tremens.
O
público se vingava metendo o malho na pintura de Cézanne: rude,
degenerada, incompetente" (Strickland, Carol, em Arte comentada,
Ediouro, 2004, p. 116).
O reconhecimento posteriorda arte de Van Gogh deve-se aos esforços de seu irmão Théo,
sempre disposto a ampará-lo material e psicologicamente. Sem este
amparo talvez não pudéssemos desfrutar da obra de arte de um gênio.
Por
este motivo, me dou o direito de errar, de fazer comentários mesmo
que impróprios que, no mais das vezes, podem ir de encontro às
opiniões dos historiadores e especialistas de arte.
Assim,
fica evidenciado que este artigo não pretende ser exaustivo e muito
menos um referencial sobre a história e alguns aspectos de arte
pictórica, sobre todos os artistas talentosos e criativos e sobre
estilos e escolas. Tais falhas não se devem ao meu desprezo por
artistas e estilos não mencionados, mas às minhas próprias
deficiências teóricas.
Outrossim,
mesmo em se tratado de um artigo escrito por um leigo, pretendo
comentar alguns aspectos da arte pictórica, que, ao mesmo tempo que
encanta a todos, nos traz algumas frustrações, quanto as mudanças
de rumos, que nos tempos atuais vem tomando, distorcendo concepções
e o modo de encará-las e valorizá-las.
Sem
qualquer preocupação com o rigor metodológico, dividi este artigo
nos seguintes tópicos: 1) O contexto histórico; 2) Outros
Requisitos da Arte Pictórica; 3) A arte pop e Andy Warhol; 4)
Exemplos da influência sócio-cultural sobre a arte; 5) Alguns
exemplos de criatividade; 6) Comentários finais.
O
CONTEXTO HISTÓRICO
A
história da arte, conforme já ficou demostrado diversas vezes, não
apresenta um evolução com contornos lineares que nos permitam
classificá-la e entendê-la sempre como uma etapa anterior que será
obrigatoriamente sucedida por uma outra mais avançada, fazendo com
que possamos vê-la como uma forma evolutiva de expressão da
sociedade, nos seus diversos momentos.
Começando
pela arte rupestre que pretendia ter seu efeito mágico sobre as
coisas e seres vivos que rodeavam o ser humano, ela sofrerá
transformações imprevisíveis de acordo com os valores e estímulos
sociais, que serão mais visíveis em determinados momentos de sua
história. Em diversos outros adquire um caráter estritamente
ideológico, a serviço de determinados valores sociais e em defesa
desses valores.
Neste
sentido, passa a ser um servo da sociedade, que lhe "impõe"
funções tipicamente subservientes e auxiliares, muito embora
associadas a algumas características que lhes dão uma valorização
diferente no contexto social, destacando entre outras o talento do
artista.
É
verdade também que o mesmo talento, em alguns outros momentos não é
um elemento que por si só seja motivo de destaque, valorização e
veneração, como na idade média, onde os artistas são artífices
muitas vezes "anônimos", obrigados a desempenhar, através
de sua arte, papéis de conteúdo ideológico, sob comando das
classes dominantes.
Falo
em distorções da arte contemporânea, no sentido pejorativo, com o
intuito de ressaltar que os valores que faziam uma obra de arte
admirável e alguma coisa divina, com todas as qualificações para
a criatividade e o talento do artista, se tornaram subvertidas pelos
novos valores e concepções.
Sempre
houve, por todos, mesmo por parte dos apreciadores e especialistas,
a dificuldade em saber avaliar a verdadeira qualificação de uma
obra de arte, principalmente nos momentos de grandes transformações,
na maneira e na forma de apresentá-las, muito embora alguns momentos
se destaquem mais que outros.
O
exemplo mais típico, que faz parte da história da arte pictórica é
o surgimentos da arte impressionista e dos fauves, que quando
apresentadas foram extremamente criticadas e até mesmo debochadas,
principalmente na crítica especializada.
Isto
nos serve de exemplo ou como um aviso de que esta é uma seara
difícil de ser satisfatória e plenamente definida quanto à sua
qualidade, em decorrência da subjetividade e das diversas
transformações as quais estão submetidas.
Para
um leigo, mais difícil ainda se desvincular de ideias
pré-concebidas que ficaram arraigadas em seu imaginário, inclusive
pelo peso que as grandes obras do passado exercem ao longo da
história.
Por
isso mesmo, nos damos ao luxo de apreciar um Mona Liza, uma obra do
barroco Caravaggio e Rembrandt, de Michelangelo, cristalizada na
Capela Sistina, Vaticano, de um Rafael, a beleza e a sutileza de um
Botticelli, que mesmo com o passar dos anos permanecem em nós como
um verdadeiro exemplo do que seja uma bela obra de arte pictórica.
A
dificuldade em nos desfazermos destas concepções arraigadas, aqui
falo mais sobre o ângulo das pessoas leigas, nos bloqueia de tal
forma que não conseguimos apreciar outras obras de arte que
apresentem características fora daqueles conceitos e concepções,
aprioristicamente ensinados e assimilados. Como disse, isso acontece,
principalmente, nos momentos de grandes transformações.
Ela
(arte) também será o depositário de emoções adormecidas, que
permanecem escondidas no fundo das nossas almas e, de repente, como
que por um passe de mágica, desabrocham, não sabemos quando e
porque. Não por acaso evocamos os valores e as qualidades das artes
tradicionais, que fizeram parte de nossa vivência, que permanecem no
âmago do nosso ser e que, por isto, permitem que possamos
apreciá-las e valorizá-las, mesmo nos tempos atuais.
Isto
nos leva a ser um tanto "reacionários" quanto as novas
obras e injustos em relação aos esforços despendidos por artistas
talentosos, que contribuem para nos mostrar um modo diferente de
fazer arte.
No
entanto, pelo fato de estarmos lidando com emoções, concepções e
conceitos arraigados, é muito difícil nos libertarmos destes
vínculos que ficaram impregnados em nossa memória. Exemplificando,
lembro de como é difícil poder valorizar e apreciar uma obra de
arte abstrata, que não retrate e represente algo palpável e visível
do mundo real, mesmo que a obra seja sempre uma representação da
realidade e nunca a própria realidade.
De
forma um tanto semelhante e em determinado momento, questionou-se a
arte quanto ao seu caráter utilitário, que se expressou na máxima:
se não tem uma utilidade prática, para que serve?. Esta arte de
utilidade prática teve a sua expressão na escola Bauhaus, com a
“concepção estética do objeto útil”, que acreditava “em que
a beleza seria resultante da coerência entre forma, função e
fazer” (Gullar, Etapas ... p. 209). Inaugurada por Walter
Gropius e fechada em 1933, por conta da ascensão do nazismo,
voltava-se “principalmente para aplicações práticas” (Chipp,
p.318)
As
concepções e definições prosseguiam, sem contudo fornecer uma
concepção que nos desse uma resposta satisfatória, por que sempre
as respostas eram deficientes para definir e caracterizar o que seria
uma boa arte pictórica.
Não
bastasse isto, os movimentos políticos e ideológicos, como
instrumentos de manipulação, exerceram forte influência na
avaliação do que poderia ser considerado uma obra de arte
significativa, importante e magnífica. Por causa desta
"manipulação", quando foram desvendados os motivos
passaram e os contextos sociais nos quais foram produzidas, algumas
passaram a ser "desqualificadas", ou sem tanta importância.
Mais
recentemente lembremos do nazismo e do socialismo, para quem, este
último, qualquer obra de arte produzida no mundo capitalista era
degenerada e decadente, por que não enaltecia nem representava o
proletariado, cerrando baterias contra o surrealismo, que se afirmava
como uma corrente artística. Mais para longe, não poderíamos
deixar de mencionar o período iconoclasta que atingiu o império
bizantino , durante o século VIII ( sobre o assunto consultar “Arte
e política”, Introdução por Peter Selz, em Chipp, 463).
O
mesmo poderíamos dizer da arte sacra que transmitia valores
culturais e religiosos através de imagens históricas da Bíblia,
para um população que não sabia ler, mas que frequentava a igreja.
No
Brasil não passou despercebido o embate teórico entre o nordeste e
o centro-sul, que culminou na Semana de Arte Moderna, em 1922, ponto
de partida para o modernismo no Brasil, tendo como expoentes Mario e
Oswlld de Andrade, em contraposição a visão agroindustrial
de Gilberto Freyre.
Devemos
lembrar, que durante um tempo, a arte pictórica ocidental foi
considerada como o parâmetro da excelência artística, mas não
demorou tanto para que os grandes pintores (Gauguin), na passagem do
século XX, fossem buscar inspirações nas artes primitivas e
orientais, combinando-as com as suas concepções tradicionais,
modificando completamente suas concepções e os seus rumos.
Entretanto,
no século vinte ela se liberta, adquire uma liberdade de expressão
que foge aos parâmetros do que até então se supunha. A arte
abstrata parece ser uma arte que se liberta de todo o contexto
social, adquirindo vida própria, impossível de ser acorrentada.
Mas
o contexto social será sempre relevante, mesmo que nos faltem os
meios e não possamos abordá-lo de uma forma mais precisa e que só
possam ser desvendados em momentos posteriores. É este vai e vem que
dá a obra de arte o seu valor ao longo da história.
Nas
palavras de Ferreira Gullar:
"Os
movimentos de vanguarda nasceram das mudanças introduzidas na
sociedade pela revolução industrial e o
desenvolvimento-tecnológico. Essas mudanças conduziram, de um lado,
à substituição da produção artesanal pela industrial e, de
outro, à crise da representação figurativa da realidade" ( em
Argumentação ..... , p.10).
Mas,
como no passado, o problema passa a ser como avaliá-la de acordo com
os novos valores sociais, com as modificações nas concepções, nos
conceitos, que passaram a prevalecer através da dinâmica da vida
social das sociedades atuais.
Na
sua essência uma obra de arte para ser classificada como tal não
precisa ser bela ou feia, pois se trata de uma forma do artista
expressar, interpretar e expor as suas emoções, concepções e seus
sentimentos em relação à realidade concreta e aos valores
sócio-culturais, ou ambos em uma relação dialética, de acordo com
os meios materiais postos à sua disposição.
A
ideia da arte pictórica (ou no geral) como deleite, como função do
"belo", também faz parte de uma etapa da história da
arte. Lembremos os festivais dos povos primitivos que invocam os
deuses para combater os espíritos maus, para trazer fartura e
fertilidade, que se expressavam em máscaras, dragões e outros
utensílios, não necessariamente belos, para os parâmetros
ocidentais.
Portanto,
a ideologia está associada aos condicionamentos sócio-culturais que
influem na percepção do artista, que tenta retratar, de certa
forma, o ambiente social em que vive, ou, ao mesmo tempo em que não
foge do contexto social, dando-lhe os contornos que se manifestam
através de sua visão, emoções e sentimentos.
Amigo
de Robespierre e Marat e entusiasta da revolução francesa,
Jacques-Louis David foi um artista que através de sua arte enalteceu
os valores revolucionários. Na sua obra "A morte de Marat"
o artista expõe toda sua técnica para retratar o revolucionário
como um mártir, à feição de Cristo: "o fundo escuro
ilumina-se à direita, como se a glória celestial esperasse pelo
santo moribundo" (História da pintura, p.255).
O
mesmo podemos dizer da obra contestatória, de forte carga emocional,
ideológica, que critica o status
quo,
exalta os valores sócio-culturais e denuncia a brutalidade, os
horrores da guerra, a barbárie, como "O 3 de maio de 1808"
de Goya e "Guernica" de Picasso.
Embora
não seja um assunto demasiadamente explorado, a escolha das cores
pode contribuir para fortalecer o aspecto ideológico da obra, ou
mesmo para dar um efeito particular sobre a figura e o quadro,
dando-lhe a ênfase necessária, pretendida pelo autor, em virtude do
simbolismo que representam: o vermelho simboliza excitação, sangue,
paixão, intensidade, amor, sexo; o verde a esperança, fertilidade,
natureza, abundância; o amarelo o otimismo, espiritualidade e a
criatividade; o preto o sinistro, tenebroso, fúnebre, força,
formalidade; o branco a pureza, a paz, etc.
Para
melhor explicar cito Van Gogh, em carta a seu irmão Theo, agosto de
1888:
"Mas
o quadro não termina assim. Para terminá-lo, vou passar a ser um
colorista arbitrário. Exagero a cor do cabelo, chego a colocar tons
laranja, amarelo-cromo, e amarelo-limão pálido.
Atrás
da cabeça, em lugar de pintar a parede comum da sala medíocre,
pinto o infinito, um fundo simples do mais rico e intenso azul que
posso conseguir, e com essa combinação simples, a cabeça brilhante
contra o rico fundo azul,
obtenho um efeito misterioso
como uma estrela no azul profundo do céu" ( citado em Chipp,
p.31).
""Auto
retrato com chapéu de palha" reflete a influência
impressionista. Van Gogh queria "pintar gente com alguma coisa
do eterno que o halo simboliza". O redemoinho de pinceladas
envolvendo sua cabeça tem esse efeito" ( Strickland, p. 121).
Por isso considera-se que libertou as cores.
"Tentei
expressar as paixões humanas com o vermelho e o verde" (p.32).
Sobre
“O QUARTO”, 1988. Carta a Theo, outubro de 1888:
"Desta
vez, é simplesmente o meu quarto, apenas aqui a cor deve fazer tudo,
e dar, pela sua simplificação, um estilo maior às coisas, ser
sugestiva aqui do repouso ou do sono em geral" (Chipp, p. 37).
OUTROS
REQUISITOS
Acredito
que existem elementos (requisitos) que dão grandeza a uma obra de
arte, mesmo quando ela expressa uma função tipicamente ideológica.
Criatividade:
me refiro a algo de novo que o artista introduz. Ela não se refere
apenas à introdução de um novo estilo e técnica, mas também a
uma nova forma de apresentar o tema, disposição das figuras, uma
nova forma expressar o sentimento, ou até mesmo o uso da cor e de
novos materiais que lhes possam dar uma nova dimensão. Em algum
ponto, a criatividade também pode se manifestar através do talento,
na forma de dispor as figuras e realçá-las, através das cores,
dando uma expressividade quase que inédita a composição pictórica.
Seria o ineditismo.
Entretanto,
um novo estilo pode ser compartilhado por diversos artistas
talentosos que não participaram da criação desse estilo.
Talento:
está ligado a forma como exprimir o que se quer, a habilidade em
reproduzir o sentimento, dar vida ao quadro ou pintura, trazer o
impacto que se deseja. Significa manejar a criatividade com o uso dos
materiais à disposição, o ordenamento, a intensidade e a escolha
das cores, para dar a expressividade que se deseja. Em um certo
sentido não pode dispensar o dom artístico para desenhar, mas vai
além deste talento. E talento é inato, não se adquire, se
aprimora.
Em
Elogio ao Desenho, Gullar vaticina:
"...
Picasso nunca subestimou o papel do desenho na pintura. Tornou-se,
pelo contrário, o grande desenhista de nossa época. ... Uma pintura
em que o desenho é secundário ou inexistente não atinge a mesma
profundidade que outra em que o desenho é fundamental"
(Argumentação ... , p. 120).
Em
Henri Matisse, “Notas de um pintor”, 1908:
“A
expressão, para mim, não reside na paixão que se espelha num rosto
ou se afirma por um gesto violento. Ela se acha em toda a disposição
do meu quadro: o lugar ocupado pelos corpos, os vazios ao redor
deles, as proporções – tudo isso tem o seu papel. A composição
é a arte de arranjar de maneira decorativa os diversos elementos de
que o pintor dispõe para exprimir seus sentimentos.
É
possível obter, através das cores, baseando-se em seu parentesco ou
em seus contrastes, efeitos extremamente agradáveis” (Chipp, p.
128).
Em
“Elogio da cor”, Gullar, Argumentação ... ,p. 116:
“Na
época moderna, depois que a pintura se liberta do academismo e do
naturalismo, o artista redescobre a cor, estabelecendo com ela uma
relação que nunca tivera antes” (p. 115).
Trabalho:
o trabalho, como o próprio nome diz, está ligado ao esforço físico
e mental que o artista coloca na sua obra. Diz respeito também ao
tempo despendido no estudo e na avaliação dos aspectos relevantes
para fazer com que a obra alcance o seu intuito. Muitas vezes as
novas ideias surgem do trabalho, da necessidade de por em prática
as concepções e ideias pré-concebidas.
Picasso
trabalhava freneticamente ( ver estudos para "Guernica" ) e
Matisse já acamado, quase incapacitado pela artrite, não deixava
de fazer experimentos no teto do quarto. Rodin começou a esculpir a
sua "Porta do inferno" em 1880 e, conforme consta,
trabalhou toda a sua vida na escultura. Basta presenciar o "Juízo
Final", Capela Sistina, Vaticano, de Miguelangelo, para avaliar
e presumir o esforço físico e intelectual do pintor e escultor, que desempenhou a sua tarefa deitado. Vale ressaltar
ainda os estudos de Leonardo Da Vinci.
Para
mim, é difícil conceber uma grande obra de arte sem que haja esse
trabalho físico e intelectual, as vezes sobre-humano, que lhe dá
significação e valorização, principalmente numa sociedade em que
o ócio não é tão admirado. Já não se produzem gênios como no
passado, mas todos querem ser antecipadamente assim considerados,
principalmente sem esforço.
Concordo
que estes elementos são muito vagos, fluidos, flexíveis e permitem
interpretações diversas, por que, de alguma forma, sempre um
elemento poderá invadir ou influenciar a esfera do outro.
O
talento pode interferir na criatividade pela forma como o artista
aborda um assunto, pela disposição das figuras ou desenhos
representados, pela expressividade que consegue dar à sua
composição.
Ora,
combinando todos estes fatores "indefinidos", considerando
ainda a subjetividade, a vivência e os aspectos psicológicos, de
cada um dos observadores, críticos, consumidores, marchands e
artistas, vemos como é difícil julgar objetivamente uma obra de
arte. Por isto, é comum que cada um, independentemente de seu grau
de instrução e talento, esteja mais vinculado a um estilo. É o que
acontece com a maioria dos artistas, embora trilhem caminhos
próprios.
Mas,
num certo sentido, a ascensão da arte abstrata veio borrar e
embaraçar ainda mais os conceitos, pois perdeu-se o referencial, que
era a representação da realidade concreta, que era o ponto de
partida para a avaliação e o julgamento. O desenho, que em parte,
permite abordar o talento e o esforço, já não é necessário e o
manejo e a justaposição das cores tornou-se aleatória.
Assim
sendo, o artista, antes de tudo, através das modernas técnicas de
marketing, pretende dar a sua arte um toque de genialidade,
indefinível e impossível de se captar. Ser artista no mundo de
hoje é sinônimo de gênio, de criatividade, independentemente do
que produza.
Isto
não quer dizer que não podemos apreciar e até mesmo gostar de uma
pintura abstrata, mesmo porque ela nos traz emoções, recordações,
aflorando os nossos sentimentos mais profundos, adormecidos no nosso
inconsciente.
Mas
um simples ponto, um traço, uma mancha, uma simples combinação ou
choque de cores lançadas no quadro não devem ser considerados uma
excelente obra de arte, pelo caráter enigmático que possuem,
impossível de ser revelado, pelo simples fato de que é impossível
saber o que o artista expressa.
E
aí, só nos resta gostar ou não da obra, pelo que ela nos desperta
e de acordo com os críticos especializados, os marchands e
interesses comerciais dizem. Como dizia Andy Warhol: " A arte é
um negócio como outro qualquer". Sim, é verdade, mas espera-se
que ela carregue as qualidades que a fazem valer tanto.
É
bem verdade que ao longo da história um ou outro elemento se
sobressaiu e isto dependendo das condições sociais em que a obra era
realizada. Ou seja, a combinação de cada um desses elementos era
ditada também pelas condições sociais vigentes. Durante a idade
média os artistas eram praticamente anônimos, sendo difícil
avaliar a contribuição de cada. Também a criatividade estava
adormecida pela falta de dinâmica da vida social, regida pelo
tradicionalismo.
No
entanto, mais precisamente, a partir do Renascimento, os patronos, os
observadores, os apreciadores e os consumidores de arte esperavam dos
artistas as virtudes (criatividade, talento e esforço físico e
mental) que eles não possuíam, associadas ao desprendimento, pelas
condições muitas vezes adversas, em levar adiante a sua obra.
Existem diversos exemplos de gênios artísticos que despenderam
esforços sobre humanos para alcançar os seus objetivos artísticos
mais nobres.
A
ARTE POP E ANDY WARHOL
É
muito difícil para um não especialista em arte tecer comentários
não tão elogiosos sobre o famoso artista Andy Warhol, ícone do
movimento pop, que desfrutou de grande popularidade nos anos 60.
A
arte pictórica pop não é um fenômeno estritamente americano, como
muitos pensam, mas os americanos deram a ela os seus traços mais
característicos, sendo Andy Warhol a expressão máxima e o símbolo
deste movimento artístico.
O
artista representa um momento em que autor e obra se fundem, num
processo dialético, em que a obra enaltece o autor e este se
comporta como o fundamento de sua obra, promovendo-a através de
todos os meus possíveis e imagináveis. A obra não deixa de ser
espalhafatosa e o artista vai no mesmo sentido.
A
sua arte realça a vida repetitiva e despersonalizada da sociedade
americana, a banalização dos fatos da sua vida cotidiana, ao mesmo
tempo que o autor também se banaliza, através da exposição
midiática, que reforça a sua obra, com suas opiniões bombásticas.
Penso
que ele é o exemplo da banalização, ao procurar se promover a todo
custo, em aspectos artísticos ou não. Com Andy a arte tornou-se
marketing e este arte.
Talvez
a sua obra não tivesse alcançado tanto sucesso se o autor não
fosse, ele próprio, em suas convicções, um artista midiático, que
se promovia o tempo todo para alcançar o estrelato e sabia manipular
isto como ninguém.
Ao
que parece, não restarem dúvidas de que Andy era um exímio
desenhista e já tinha demonstrado a sua aptidão para tal antes de
iniciar a sua incursão pela arte pop.
Seu
apogeu e estrelato não se explica unicamente pela excelência de sua
arte, mas por uma combinação de fatores sócio-culturais, a
contracultura, e o manejo excessivo do marketing, em sua
autopromoção. Gostava de chocar, era um narcisista e faria
qualquer coisa a seu alcance para ser notado. Nisto reside o seu
inegável e inigualável talento e oportunismo.
Da
mesma forma o seu "relativo ostracismo" não se explica
exclusivamente pela qualidade posterior de sua obra, mas pelo
esgotamento de um modelo que explorava a contracultura, saturada e
inundados pelo psicodelismo e cultura hippie.
"Talvez
sua ubiquidade póstuma derive não da sua arte (ainda que as latas
de sopa Kampbell seja com certeza um ícone nacional) mas da
auto-promoção dos anos 1970 e 1980 que fixou no inconsciente .... e
outras folhas de fofocas de circulação nacional" (Scherman ,
p.430).
Desesperado
por sucesso, tentou seguir os caminhos já trilhados por Lichtenstein
e Jasper, mas percebeu que não conseguiria o estrelato por esse
meio. "O sentimento de vitimização de Andy começou a
funcionar de imediato" (idem, p. 84). Insinuou que Lichtenstein
tinha roubado suas ideias.
Sua
incrível habilidade em aproveitar as oportunidades para alcançar o
sucesso levou-o a um "nicho", por sugestão e orientação
de Mariel Latou, a quem solicitou "uma ideia fabulosa"
(idem, p. 87), pagando-lhe determinada importância.
"Sua
decisão de pintar a lata de sopa Kampbell refletiu, entre outras
coisas, sua fé em Mariel Latou" (idem, p. 88).
"O
relato de Warhol em Popism faz eco a Carey - Andy entrevistou seu
velho amigo para o livro - mas rebaixou Latou a uma anônima "amiga"
que sugere apenas dinheiro, não as latas de sopa . (Andy, obviamente
não reconhece que o dinheiro mudou de mãos) , P. 89.
Também
os seus filmes "underground" - do submundo, insinuantes,
até mesmo degradantes, espalhafatosos, aberrantes - celebrados
como uma verdadeira obra de arte, não são mais que a exposição da
vida íntima e sexual de seus companheiros problemáticos, drogados,
"desgraçados" infelizes, influenciados por ele para isto.
Que inconscientemente ou não, não vem ao caso, forneciam o material
de que servia o artista, para revelar ao público e à mídia os
pormenores, as desgraças e as fraquezas de seus círculos de
convidados.
"Na
Factory, na época de Velvet, ganhou o apelido de Drella, contração
de Drácula e Cinderella. Este apelido, que não lhe agradava, tinha
claras implicações negativas (como vampirizar e explorar sem
piedade os que vinham a ele) , mas, de um lado, ressaltava as
contradições da personagem, tal como eram percebidas pelo seu
círculo íntimo, e, de outro, o apelido era mesmo cômico" (
Korichi, p.144).
"Ao
contrário, os escândalos que eclodiam regularmente à saída de
cada um deles o encantavam. Em Taylor
Mead's ass ,
"ele filmou as nádegas de Taylor, em close-up durante duas
horas. Durante a filmagem que durou alguma horas, de costas para a
câmera que enquadrava em close-up as suas nádegas, Taylor Mead se
entregou a uma ginástica improvável, enfiando regularmente toda
sorte de objetos no traseiro" ( Korichi, p. 143).
"Ele
tomava com referência explícita o gênero pornográfico. A câmara
de Warhol registrava em plano fixo e fechado a dinâmica da
sensualidade e a mecânica impessoal do prazer sexual. Seja numa
tentativa de espiritualização, como em Blow
Jet (1963),
que mostra em close-up o rosto de um homem objeto de felação até o
gozo (praticado por uma mulher? Um homem? Jamais saberemos, o que
contribui para o caráter perturbador da sequência). Seja numa
vontade de ser muito explícito, de mostrar tudo, como em
Couch
(1964), em que casais (ou grupos) fazendo sexo se sucedem diante da
câmara no meio da Factory. Couch tem cinquenta bobinas de filme de
35 minutos" (Korichi, p. 145).
Andy
Warhol observou: "Até ali, em geral nossas produções
suscitavam comentários como artístico,
kitschi, chique,
ou mais simplesmente, chato. Depois de Chelsea Girls, palavras como
degenerados,
inquietante, homossexual, drogado nu e real
foram regularmente associadas a nós" (idem, p.145).
Um
verdadeiro Marquês de Sade dos tempos modernos, com a tecnologia e
a mídia a seu lado, para escandalizar e divulgar os seus mais
profundos e obscuros desejos. Só que o antigo era mais autêntico,
fazia por que gostava.
"Os
filmes de Warhol refletiam experiências sadomasoquistas entre ele e
seu círculo? Como Warol conseguiu derrubar a inibição de suas
"superstrars"? Ele começara a ter uma sólida reputação
de manipulador sádico. Personagem perfeitamente sádica, Andy é
capaz, com sua simples presença, de impelir as pessoas a transarem
nuas ou a fazer qualquer coisa para chamar a atenção"
(Korichi, p. 148).
A
resposta a estas perguntas são dadas pela escritora que declara que
as drogas corriam soltas, num ambiente frequentado por toda sorte de
pessoas, muitos dos quais estavam engajados em processos de
autodestruição (p. 149). Warhol explorava estas situações e os
seus amigos íntimos para chocar e fazer sucesso.
Quando
saiu do hospital após uma tentativa de assassinato (1968) a sua
principal preocupação tinha sido a repercussão e a cobertura da
mídia ao acontecimento. Para a sua "infelicidade", na
mesma época ocorreu o assassinato de Robert Kennedy, fato que o
deixou deprimido.
Segundo
especialistas da história da arte o seu toque genial foi captar a
influência dos meios de comunicação no imaginário da população,
através da repetição, divulgação e promoção. Mas, se assim
for, não estaremos mais falando de arte, ou melhor, de uma grande
obra de arte, que mereça tanta admiração.
Andy
Warhol, era um bom designer, provavelmente tinha talento e, talvez,
até mesmo criatividade, mas estas qualidades foram suplantadas por
sua vaidade extrema e pelo desejo em fazer dinheiro rápido, usando
a autopromoção, como alavanca.
Warhol
de Duchamp jamais poderiam ser alçados a expoentes da história da
arte. Embora talentosos, nunca colocaram à disposição da arte e em
função dela suas criatividades, talentos e trabalhos. A
irreverência, a autopromoção, o escândalo e o marketing não são
suficientes para conceder o status de grandiosidade a uma obra
pictórica.
Não
despertaria meu interesse ir a um museu ver um urinol ou uma roda de
bicicleta, mesmo que possam ter conotações ideológicas
interessantes. Sim, trata-se de uma obra de arte, mas nunca terá
grandeza.
Andy
Warhol foi uma personalidade única que conseguiu subverter a arte e
submetê-la ao marketing, influenciando uma geração posterior, que
continua querendo alcançar o estrelato através de comportamentos
extravagantes, sem trabalho, apenas lançando supostas ideias
geniais.
"Duchamp,
como o pai do pós-modernismo e da arte conceitual, foi o verdadeiro
padrinho de Andy, levando essa ideia do artista como mágico a um
passo adiante; qualquer coisa que o artista concebesse seria
arte. Aqui o dedo duchampiano, o indicador: Andy Warhol apontando o
que é e o que não é arte" (Scherman, p.433).
Por
fim, acredito que a irreverência, a manifestação e protesto jocosos, a
manipulação da mídia, os escândalos, os comportamentos exóticos
e anti-sociais não podem e não devem ser os parâmetros para julgar
a importância e a qualidade de uma obra de arte, que transcende a
nossa simples existência, por mais que o artista possua o dom que
lhe permita alcançar o estrelato. O seu trabalho deve estar a
serviço da arte, o que, infelizmente, não aconteceu com Warhol.
ALGUNS
EXEMPLOS DA INFLUÊNCIA SOCIAL SOBRE A ARTE
-
a arte rupestre que invoca os poderes e as forças
sobrenaturais para atuar sobre o objeto da arte, como por exemplo
as lanças cravadas na figura representada, que seria a caça;
-
as artes primitivas que invocavam os "Deuses" para combater
os maus espíritos e proteger a comunidade, provocar a fertilidade, através de festivais e
rituais, com o uso de máscaras e diversos outros apetrechos,
instrumentos e artifícios;
-
a arte iconoclasta do período bizantino;
-
a arte da Renascença que sofre com a ebulição e a fermentação
das transformações sociais, políticas e técnicas, como a
perspectiva, e que para com elas contribui;
-
o maneirismo que com as suas figuras distorcidas retratou o conflito
religioso/ideológico da Reforma e Contra-reforma;
-
o Barroco como resultado da Contra-Reforma e do Concílio de Trento,
que laicizou e secularizou a arte sacra na obra de Caravaggio (Ver
"Confirmação de Tomé"); ou de Rembrandt que com suas
pinceladas largas deu tamanha expressividade à inveja, à cobiça,
ao ciúme e ódio na figura do irmão, baseado no tema bíblico "A
volta do filho pródigo" ( Museu Hermitage, Sâo Petersburgo);
-
os impressionistas que com suas rápidas pinceladas tentavam captar a
luminosidade imediata, influenciado pelas grandes e rápidas
transformações sociais e a fotografia;
-
o surrealismo que tomou de emprestado do inconsciente psicanalítico
para dar uma novo enfoque a forma de como fazer arte;
-
o movimento Dadá, ready-made, do período da 1ª Grande Guerra, com
sua irreverência,
nilismo, descrença
e crítica aos valores culturais ocidentais da época;
-
o futurismo que baseava a sua arte nos mecanismos industrias;
-
a arte Pop que banalizou a arte e clama pela participação das
massa, cuja arte retrata uma sociedade de massas consumidoras, de
uma sociedade despersonalizada, repetitiva no seu dia a dia;
ALGUNS
EXEMPLOS DE CRIATIVIDADE
-
Botticelli que com as suas leves pinceladas traz leveza e dar algo de
sobrenatural às suas obras, em "Primavera" e "
Nascimento de Vênus";
-
Da Vinci com o seu sfumato,
a técnica da perspectiva e com a técnica extrema de dar
representação individual aos personagens representados, consegue
dar-lhes vida, individualidade e características próprias ( Ver a
"Última ceia", "Adoração dos Magos" (Galeria
dei Uffizi ) e "Estudos de expressão") ;
-
Caravaggio que trouxe as divindades (santos) para o plano humano;
-
Van Gogh que, inspirado nas pinturas japonesas, libertou as cores que
aprisionavam os artistas ao real;
-
Gauguin que com a influência da pintura primitiva, do Extremo
Oriente e da arte popular deu nova dimensão a representação
pictórica, com suas cores fortes e simbólicas; se refugiou no Taiti
após um período de sucesso como corretor da Bolsa de Paris;
-
Manet, Monet e Renoir que abandonaram os ateliês para pintar ao ar
livre, para captar, com rápidas pinceladas, os efeitos da
luminosidade na cor e consequentemente nos objetos;
-
o pontilhismo de Seraut;
-
Edvard Munch que com as distorções das formas e cores expressou
magnificamente o medo e o terror que assombram o indivíduo, para
consigo;
-
Paul Cezane que retratou a natureza com os seus cubos, cones e
cilindros e influenciou toda uma geração posterior e deu asas
para o surgimento do cubismo;
-
Matisse que trouxe a simplificação do desenho realçando as cores
(“A dança”, MoMA, NY, pintura simplificada em três cores);
-
Kandinski que "suprime a referência à realidade objetiva"
(Argumentação... , p.70) e procura associar cor e música. Sobre
sua arte cito Gompertz: "É algo surpreendentemente difícil
definir com clareza o que é que torna essas linhas de alguma maneira
diferentes daquelas que você ou eu poderíamos desenhar, mas existe
alguma coisa. Há algo relacionado à sua fluidez, ou composição,
ou forma, que leva milhões de nós às galerias de arte moderna
para ver pintores como Mark Rothko e Walissy Kandinski. Eles
conseguiram arranjar suas formas e pinceladas em desenhos capazes de
estabelecer uma conexão conosco, sem que saibamos por quê"
(Gompertz, p. 167).
-
Picasso. Sobre Picasso reproduzo as palavras de Ferreira Gullar: "
Pablo Picasso .... participou de quase todos os movimentos
artísticos da pintura moderna, sem se deixar deter em nenhum deles:
foi cubista, expressionista, surrealista e mais outras tantas coisas
para as quais não se inventaram nomes. Durante mais de 60 anos
pintou, desenhou, gravou, esculpiu, pintou cenários" ( Etapas
da .... , p.21). Juntamente com Braque, foi o precursor do cubismo e
com o seu ineditismo causou grandes transformações na arte..
Penso
que com relação a Picasso pode-se dizer que ele transcende à sua
época. Talvez se possa aplicar ao artista as palavras de Hauser
destinadas a Shakespeare: "A grandeza de Shakespeare já não se
pode ser explicada sociologicamente, como também não o pode a
qualidade artística em geral" ( Vol I, p. 545).
Portanto,
não poderíamos deixar de citar Pablo Picasso como o maior artista
do século passado, que com a sua genialidade cobriu toda uma gama de
estilos de arte do século XX, passeando sobre elas, e que com o seu
ineditismo causou grandes modificações na arte pictórica e na
escultura.
COMENTÁRIOS
FINAIS
É
praticamente impossível, para qualquer pessoa, seja artista,
crítico, admirador, marchand, falar ou conceituar arte de uma forma
genérica. O mesmo se aplica para ramos específicos da arte, como a
pictórica, por que no final das contas, embora com as suas
particularidades, elas possuem vasos comunicantes, que interferem
umas nas outras.
Ela
(a arte)está sempre disposta a nos surpreender com o inesperado,
abrindo novos caminhos nunca imagináveis. Artistas foram buscar em
outros ramos inspirações para a sua própria arte. Kandinski
associava a arte pictórica aos sons e os surrealistas foram em busca
do inconsciente freudiano.
Por
outro lado, as descobertas de novos materiais postos à disposição
do artista, a matéria prima, por assim dizer, também interferem nas
suas concepções e no modo de fazer arte. Tudo o que foi dito
dificulta o julgamento e a avalição de uma obra de arte.
Mas,
após o advento do período Renascentista, rotulado como o começo da
pintura moderna, sempre permaneceu em nosso consciente e inconsciente
a imagem da arte e do artista enigmático e místico, quase
sobrenatural, algo que fugia os atributos dos seres "normais".
Os
artistas passaram a ser venerados e embora muitos não tenham sido
valorizados em sua existência, isto passou a ser obra do acaso e dos
limites das pessoas comuns em entender o artista e sua obra. Este
fato colabora para fortalecer a imagem que permanece em nossos
íntimo.
Este
algo enigmático também era fruto da própria vida do artista que em
regra se distanciava das convenções e dos padrões sociais, como os
artistas boêmios e desregrados. E é exatamente esta visão que ainda
leva milhares de pessoas aos museus de todo mundo: tentar entender a
obra de arte.
Outrossim,
se apelarmos para o senso comum, a ponderação e a razoabilidade não
resolveremos os problemas conceituais, por que são também conceitos
vagos que dependem dos valores sócio-culturais, além de que as
grandes transformações artísticas não obedeceram estes princípios
e isto seria a morte da própria arte. Nestes períodos de grandes
transformações de estilos os artistas levaram as suas concepções
ao extremo, sem qualquer indício de racionalidade e bom senso,
aceito socialmente.
Mas,
mesmo assim, não podemos ficar passivos a tudo que acontece no
mundo artístico e isto não nos impede de fazermos alguma
apreciações sobre os movimentos da arte pictórica, principalmente
nos tempos atuais.
Conforme
expus neste artigo, não consigo conceder a uma boa arte sem que
haja pelo menos três elementos, que mencionei: criatividade, talento
e trabalho. Mais uma vez, concordo que os conceitos são vagos, com
dose de subjetividade, e sujeitos a influências sócio-culturais.
Mas, acredito que, pelo menos, são um norte, um ponto de partida,
para tentar classificar a qualidade de uma obra de arte.
Ora,
o caminho para a arte puramente abstrata, que segundo críticos já
se anunciava, embora timidamente, desde o impressionismo, veio
alargar o campo da arte pictórica, dando-lhe novos contornos e
embaralhando os conceitos dos elementos mencionados.
Estes
novos movimentos artísticos (falo da arte pictórica) foram buscar
no caráter enigmático do artista, que permanece adormecido no nosso
íntimo como motivo de admiração, como um fator inexplicável e
sobrenatural, novos parâmetros que estabeleciam uma avaliação das
obras de arte.
Resgataram
do inconsciente popular o espectro do artista gênio, que seria
necessariamente excêntrico (Gauguin), escandaloso, exótico,
exibicionista e egocêntrico (Warhol), paranoico (Van Gogh),
narcisista, desajustado aos padrões sociais ( Caravaggio e Gauguin)
e incompreendido, como padrão necessário à qualidade da obra.
Esqueceram
que estes "atributos" também existem nas pessoas
limitadas e não talentosas e que nem todos os gênios são
obrigatoriamente problemáticos e desajustados. E isto realimenta a
porra-louquice. Antes mesmo de produzir algum trabalho que mostre
talento o artista tem que já ser artista, por que possui àqueles
atributos.
Amparados
pelo marketing e pelos interesses puramente monetários subverteram
os valores, os conceitos, impondo valores alienígenas que
desembocaram em expressões de espanto, mas que não inibiram o
interesse pelas artes: Isso é arte? Meu Deus, quanto loucura! A
morte da arte. Qual o propósito?
Outrossim, os críticos ajudam a por lenha na fogueira, segundo James Gardner:
"Julgar não é com eles. Essa timidez faz alguma sentido quando consideramos que tradicionalmente os críticos têm-se enganado quanto aos gênios das respectivas gerações: Coubert, Monet, Van Gogh, Picasso e Pallock foram massacrados pela crítica. ... Melhor louvar mil nulidades como o novo Picasso do que não perceber um hipotético novo Picasso" (p. 33).
Atualmente, ir a um museu de arte moderna, tornou-se não mais um motivo de prazer em descobrir o desconhecido, proposto pelos artistas criativos, mas motivo risos e chacota, para ver, mas não admirar, o absurdo, racionalizar sobre ele (absurdo) e se perguntar: como pode o ser humano produzir tal coisa, ter sucesso e ganhar rios de dinheiro?
Outrossim, os críticos ajudam a por lenha na fogueira, segundo James Gardner:
"Julgar não é com eles. Essa timidez faz alguma sentido quando consideramos que tradicionalmente os críticos têm-se enganado quanto aos gênios das respectivas gerações: Coubert, Monet, Van Gogh, Picasso e Pallock foram massacrados pela crítica. ... Melhor louvar mil nulidades como o novo Picasso do que não perceber um hipotético novo Picasso" (p. 33).
Atualmente, ir a um museu de arte moderna, tornou-se não mais um motivo de prazer em descobrir o desconhecido, proposto pelos artistas criativos, mas motivo risos e chacota, para ver, mas não admirar, o absurdo, racionalizar sobre ele (absurdo) e se perguntar: como pode o ser humano produzir tal coisa, ter sucesso e ganhar rios de dinheiro?
Para
finalizar, reproduzo a opinião do artista e ícone pop Andy Warhol
sobre arte: "Quando lhe perguntaram se seu filme de seis horas
de duração, de um homem dormindo, era arte: "Bem, primeiro,
foi feito por um artista e, segundo, isso revelaria arte""
(Strickland, p. 158).
Isso
vai ao encontro de tudo que tentei expor neste artigo. Antes de fazer
arte ele tem que ser artista, não interessa por quais meios. Por que
ser artista é o requisito para uma boa obra de arte,
independentemente do que produza. Um segundo aspecto é que pelo fato
de ser arte não significa que seja uma boa obra de arte.
Classificar
a uma obra de arte pela notoriedade a qualquer custo do artista é
algo que foge a racionalidade, subverte os conceitos do que seja uma
boa obra de arte, e dá asas ao que temos visto, principalmente
através da arte conceitual, que foi buscar em Duchamp e Andy Warhol
os motivos de suas inspirações.
"Bidlo
se deu ao trabalho de encenar uma performance na qual urinava numa
lareira, repetindo assim o imortal tinido de Pallock no coração do
Peggy Guggenheim" ( Gardner, p. 91).
Arte
Performática: ""Joseph Beuys percorreu uma galeria de
Dusseldorf desempenhando: "Como Explicar Quadros a Uma Lebre
Morta" (1965). Em sua
performance "Seedbed"
"Sementeira", em 1972, Vito Acconci se masturbou durante
seus horas debaixo de uma rampa na galeria Sonnabend, transmitindo
seus gemidos e murmúrios por alto-falantes" (Strickland, p.
179). Realmente esta é a performance de um "macho" , que
deve ser "apreciada". Imaginem uma criança presenciando
esta cena "instrutiva", contribuindo para o seu aprendizado
ético, estético e moral.
"Shigeko Kubota foi além: enfiou o pincel na pudenda e passou-o sobre a tela no chão. Intitulou os trabalhos Vagina Paintings" (Gardner, p. 226). Sobre as diversas manifestações ou obras do "artista?" conceitual Chris Burden, remeto o leitor para o livro "Cultura ou lixo".
"Shigeko Kubota foi além: enfiou o pincel na pudenda e passou-o sobre a tela no chão. Intitulou os trabalhos Vagina Paintings" (Gardner, p. 226). Sobre as diversas manifestações ou obras do "artista?" conceitual Chris Burden, remeto o leitor para o livro "Cultura ou lixo".
Para
a arte Conceitual o que define uma obra de arte é a ideia criativa,
sendo o objeto concreto um desperdício, supérfluo. No entanto, este
movimento não define nem conceitua o que é uma ideia criativa. Num
pequeno esforço podemos imaginar o que tudo isto significa: a ideia
criativa é aquela que vem de um artista estabelecido ( se for
underground melhor), mesmo que não produza nada, ou
independentemente do que produza, principalmente se vier sem esforço
físico ou mental. A grande ideia flui de uma mente genial,
pré-concebida e determinada por ele mesmo e pelo marketing.
Por
fim, filme pornô também virou arte, por que expõe e revela a
"sensualidade" do ser humano. E se é arte deveria ter
livre trânsito na sociedade, independentemente de faixa etária.
Aonde chegamos? Há redenção?
BIBLIOGRAFIA
BÁSICA
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Durval Muniz de, A invenção do nordeste e outras artes, Ed. Cortez,
1999;
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Wendy, História da Pintura, Ed. Ática, 2006;
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Diversos
ensaios, em Arte Moderna, Taschen, Vol I e II;
Eco,
Humberto:
-
História da beleza, Ed. Record, 2004;
-
História da feiura, Ed. Record, 2007;
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James, Cultura ou lixo?, Civilização Brasileira, 1996;
Gompertz,
Will, Isso é arte?, Ed. Zahar, 2012;
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-
Argumentação contra a morte da arte, Ed. Revan, 1993;
-
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Hauser,
A., História social da LITERATURA e da Arte, Vol I/II, ed. Mestre
Jou, 2ª ed, 1972;
Japiassu,
Hilton, A Revolução científica moderna, Imago, 1985;
Korichi,
Mériam, Andy Warhol, L&PM Pocket, 2011;
Scherman,
Tony e Dalton, David, em Andy WARHOL o gênio do Pop, Ed. Globo,
2010;
Strickland,
Carol, Arte comentada, Ed. Ediouro, 2004.