terça-feira, 15 de julho de 2014

O PRECONCEITO NAS SAGRADAS ESCRITURAS

O PRECONCEITO NAS SAGRADAS ESCRITURAS


 


APRESENTAÇÃO

A idéia de escrever este texto surgiu de uma leitura desprentenciosa dos ensinamnetos, passagens e principais personagens do Antigo Testamento, assuntos que fizeram parte da minha formação cultural.

Por ter crescido e criado sob a influência da tradição judaico-cristã, embora não seja um católico fervoroso, senti a curiosidade de conhecer certas passagens e personagens bíblicas que, de determinada forma, direta ou indiretamente, influenciaram as nossas crenças, idéias, valores, comportamentos, etc.

À medida que lia os textos bíblicos me deparei com passagens que despertaram o sinal de alerta para os assuntos preconceituosos, nela contidos, que hoje são motivos de debates e recriminações e que estão na ordem do dia.

Por não ser um expert no assunto, não é minha intenção me aprofundar demasiadamente sobre a questão, analisando pormenores, bastando, para mim, examinar algumas passagens significativas, que foram embasadas na crença judaica de que os judeus são o povo escolhido por Deus, o que já denota um preconceito. E estas passagens me permitiram tirar as devidas conclusões.

Não sendo um católico fervoroso, mesmo que criado numa cultura cristã, não tenho os conhecimentos profundos sobre passagens dos textos bíblicos. Entretanto, isto não me impede de refletir sobre as passagens bíblicas, mormente as do Velho Testamento, com a finalidade de tirar algumas conclusões sobre os preconceitos, ali expostos.
Segundo o Dicionário Online de Português (www.dicio.com.br), preconceito significa: Opinião ou pensamento acerca de algo ou alguém cujo teor é construído a partir de análises sem fundamento, sendo preconcebidas, sem conhecimento e/ou reflexão.

Em sentido paralelo, no Dicionário Michaelis (michaelis.uol.com.br) encontramos a seguinte conceituação: Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente de experiência e razão, ou: Atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença, opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos.

A tendência a prejulgar e consequentemente discriminar pessoas e grupos parece ser uma característica indissociável do ser humano, como nos mostra Leonard Mlodinow, no seu excelente Subliminar, Zahar ed, 2013:

Prejulgar pessoas de acordo com uma categoria social faz parte de uma longa tradição, mesmo entre os que adotam a causa dos desprivilegiados (p. 187).

O autor cita frases de Mahatma Gandhi e Abraham Lincoln.

E mais adiante:

Os cientistas dizem que nós não teríamos sobrevivido como espécie sem nossa capacidade de categorizar, mas eu vou mais adiante: sem ela, mal se consegue sobreviver como indivíduo ( p.190).

Ou ainda:

Você pode achar desestimulante saber que, mesmo quando divisões em grupos são anônimas e desimportantes, e mesmo em detrimento do custo social do próprio grupo, as pessoas sempre escolhem discriminar em favor de seu in-group, em lugar de agir pelo bem maior. Mas isso não nos condena a um mundo de intermináveis discriminações sociais. Assim como os estereótipos inconscientes, a discriminação inconsciente pode ser superada. Aliás, embora não seja muito custoso estabelecer as bases para a discriminação de grupo, é preciso menos do que imaginamos para eliminá-las ( p. 207).

Não é necessário cansar o leitor com diversas citações do autor. A meu ver, estas são suficientes.

Por isto, o fato de pertencerem a uma mesma raiz cultural religiosa não impediu que os cristãos perseguissem os judeus, durante a Inquisição, nem entrassem em conflito com os protestantes, mormente no que ficou conhecido como a ¨Guerra dos Trinta Anos¨, no século XVII, assuntos que fogem ao nosso escopo..

As discriminações chegaram ao auge de desumanidade, durante o holocausto na II Grande Guerra Mundial, no momento em que eram expostos de forma cruel os instintos ¨mais primitivos¨ do ser humano e quando todos os princípios morais, religiosos (por incrível que pareça) e de sociabilidade foram rompidos em consequência de uma degenerescência social.

Nesse jogo, o poder, os interesses econômicos e os fatores políticos também dão uma importante contribuição, na medida em que os sentimentos discriminatórios são estimulados, com o fito de alcançar determinados fins, muitas vezes, previamente estabelecidos, mas posteriormente incontroláveis.

O objetivo deste pequeno texto é tentar mostrar e, ao mesmo tempo, fazer com que aqueles que se apegam demasiadamente aos textos religiosos reflitam sobre estes preconceitos, que como veremos, não se limitam as determinados povos e constam também, para nossa surpresa, do Velho Testamento, fundamento da concepção judaico-cristã, que se instalou nos países ocidentais.

Muito embora possam ser detectados sinais de outros tipos de preconceitos, como, por exemplo, o sexual, entre gêneros, eles fogem ao meu objetivo.

Eles, me parecem irrelevantes no contexto atual, pois o que se almeja é a convivência ¨relativamente¨ pacífica entre os povos, que, por séculos, se encontram mergulhados em eternos conflitos destrutivos, com flagrante ameaça à vida, a sobrevivência cultural de povos, impondo sofrimentos desnecessários a seus filhos, pais, parentes e descendentes.



PASSAGENS (ACONTECIMENTOS) BÍBLICAS


Por não ser versado em assuntos religiosos, me servi dos conhecimentos e comentários que constam da publicação intitulada QUEM É QUEM NA BÍBLIA, da Seleções Reader's Digest, Enciclopédia Biográfica Ilustrada da Bíblia, ed. 2005, que traça um panorama aprofundado e instrutivo sobre os personagens bíblicos.

O meu intuito é reproduzir algumas passagens que constam do livro, para depois tecer breves comentários e finalizar com a minha conclusão.

CAM - Depois que se recuperou da embriaguez e soube o que acontecera, Noé disse: ¨Maldito seja Canaã! Que ele seja para, para seus irmãos o último dos escravos!¨ (Gn 9,25). Os intérpretes divergem sobre a razão de Noé ter amaldiçoado Canaã, que era um dos filhos de Cam, e não o próprio Cam. No entanto, na Bíblia não é incomum os filhos serem castigados pelos pecados de seus pais. Alguns descendentes de Canaã, os gaboanitas - em consonância, aparentemente, com a profecia de Noé - ouviram Josué dizer: ¨Jamais cessareis de ser servos como rachadores de lenha e carregadores de água¨(Js 9,23) - pg. 63.

CANAÃ - Filho de Cam, neto de Noé, Canaã era o ancestral dos cananeus, grupamento esparsos de pessoas que se mostraram causadores de problemas aos israelitas durante o período de assentamento na Terra Prometida. Foi Cam que ¨viu a nudez¨ de Noé bêbado, mas foi Canaã que recebeu a maldição.

Parece que a maldição se confirmou quando Israel ¨submeteu os cananeus à corveia¨ (Js 1,28). Entre os descendentes de Canaã elencados em Gênesis 10,15 estavam Het (hititas, heteus), os jebuseos (povo que vivia nos arredores de Jerusalém), os amorreus (povo da região montanhosa de Canaã) e os heveus (talvez os hurritas) - pg. 64.

ISMAEL - No início da vida, Ismael, o filho de Abraão com a criada egípcia Agar, foi o pomo de discórdia entre sua mãe e Sara, mulher de Abraão. Embora Deus tivesse dito a Abraão que ele seria pai de ¨um grande povo¨(Gen 12,2), Sara continuava estéril e envelhecera.

A promessa de Deus foi cumprida e Sara engravidou e deu à luz a Isaac um ano depois. Na cerimônia de desmame de Isaac, Sara teve um ataque de fúria ao vê-lo brincando com o meio irmão Ismael. Resolvida a não permitir que Abraão partilhasse a sua herança, Sara insistiu com Abraão para banir Ismael e Agar. Abraão hesitou, mas Deus lhe disse para fazer a vontade de Sara.

Ismael morreu com idade avançada - 137 anos. Seus numerosos descendentes, supostamente os nômades beduínos da Arábia , partilharam seu amor pela liberdade resultante da vida do deserto - pg. 173.

Alguns comentaristas argumentam que Ismael não era apto para ser instrumento da promessa de Deus a Abraão, porque era filho de uma escrava estrangeira. Mas, segundo o costume da época, o menino teria sido considerado filho legal de Sara. Talvez o obstáculo real para Ismael tornar-se herdeiro da promessa fosse a falta de fé que levou ao seu nascimento - pg. 22.

ABRAÃO - Três anos depois da morte de Sara, Abraão empenhava-se em encontrar uma mulher adequada para Isaac, que então estava com quarenta anos. Cercado pelas muitas culturas estrangeiras de Canaã, Abraão decidira que seu filho se casaria com alguém de seu próprio povo. Por um lado, ele não queria que seu herdeiro fosse seduzido pela religião pagã dos cananeus, cujos ritos de fertilidade seriam uma tentação contínua para os israelitas incautos pelos séculos afora.

Por outro lado, ela não queria que seu filho, que haveria de viver na Terra Prometida, encontrasse uma esposa adequada e se estabelecesse com seus parentes em outro lugar. ... O mordomo escolheu Rebeca, a jovem neta de um dos irmãos do próprio patriarca, que preenchia os requisitos de uma noiva dentro do clã, o que era importantíssimo naquele tempo - pg. 23/4.

ABRAÃO - A promessa é repetida ao seu filho Isaac, particularmente em Gênesis 26,3: ¨Habita nesta terra, eu estarei contigo e te abençoarei. Porque é a ti e à tua raça que darei todas estas terras e manterei o juramento que fiz a teu pai Abraão (P. 25).

CETURA - Em I Crônicas 1,32 ela é identificada como concubina de Abraão, deixando claro que apenas Isaac deve ser considerado o legítimo herdeiro do patriarca. [...] Abraaão presenteou os filhos de Centura, mas ¨os enviou para longe de seu filho Isaac, para o leste, para a terra do Oriente¨(Gen 25,6). Por causa deles, Abraão está ligado às tribos árabes não incluídas entre os descendentes de Agar. Os descendentes de Mediã são mencionados com frequência no Antigo Testamento - como amigos, na história de MOisés, porém mais comumente como inimigos dos israelitas ( p. 64).

JOSUÉ - Josué prosseguiu conquistando outras cidades cananéias, derrotando, um após outro, os adversários. Todos esses reis, com suas terras, Josué os tomou de uma só vez , porquanto o Senhor, combatia por Israel¨(Js 10,42), ( p. 251).



BREVES COMENTÁRIOS


Muito embora os textos acima expostos sejam auto explicativos, penso ser necessário algumas palavras, para posicionar meus pensamentos.

A primeira conclusão que pode se chegar é que: os que não pertencem à linhagem judaica, definida por Deus, são sempre os indignos, os amaldiçoados e, por isso, devem ser excluídos e não podem fazer parte da grande família, por não terem os requisitos morais e religiosos necessários para conduzir o povo.

Assim, aconteceu com Ismael, filho da escrava egípcia Agar, que por imposição de Sara , com a benção e complacência de Deus, foi banido: ¨Abraão hesitou, mas Deus lhe disse para fazer a vontade de Sara, pois Isaac daria continuidade à sua linhagem, enquanto Ismael estava destinado a ser pai de outra nação¨.

Por sua vez, os que pertencem à linhagem, como Cam, mas caíram em erro frente à tradição, são os amaldiçoados, que serão os mais ferrenhos inimigos do povo judeu, são os indignos e por isso não merecem a honra de fazerem parte do clã.

Isto acontece na passagem em que Noé amaldiçoou Canaã, filho de Cam, por este não ter cumprido à tradição. Noé disse: ¨Maldito seja Canaã! Que ele seja, para seus irmãos, o último dos escravos!¨ (Gn 9,25).

E ¨Alguuns descendentes de Canaã, os gabaonitas - em consequência, aparentemente com a profecia de Noé - ouviram Josué dizer: ¨Jamais cessareis de ser servos como rachadores de lenha e carregadores de água¨(Js 9,23).

Canaã, filho de Cam, neto de Noé, ancestral dos cananeus que ¨mostraram ser causadores de problemas aos israelitas¨. Mas Israel os submeteu a corvéia (Jz 1,28), confirmando a maldição de Noé.

¨Entre os descendentes de Canaã elencados em Gênesis 10,15 estavam Het (hititas, heteus), os jubuseos (povo que vivia nos arredores de Jerusalém), os amorreus (povo da região montanhosa de Canaã) e os heveus (talvez hutitas)¨.

Os filhos de Cetura (que provavelmente não é israelita, não sabemos), concubina de Abraão, após a morte de Sara, também, tiveram destino diferente, pois Abraão os enviou para o Oriente. Os descendentes de Mediã, filha de Cetura, são comumente identificados como inimigos dos israelitas.




COMO VEJO A BÍBLIA (ANTIGO TESTAMENTO)


Na minha concepção o Antigo Testamento é a história do povo judeu. Um povo que para sobreviver precisou se unir em torno de um objetivo específico, para construir uma nação.

Escrita em determinados momentos históricos é o elo que liga e une o povo judeu em busca de um objetivo. Para isto, utiliza meios e instrumentos de convencimento e convicção, que podem ser irreais, mas em determinadas circunstâncias, em decorrência das próprias necessidades, surgem e são assimiladas como verdades absolutas.

Para alcançar estes objetivos, lança mão de uma ideologia ou estratégia, cria um ¨SER¨ superior para incutir num povo disperso e sem disciplina uma promessa e uma esperança, para que o povo não desista de perseguir seu objetivo, porque a recompensa virá.

Um Deus, evidentemente, sobrenatural com poderes para punir os desvios, as fraquezas e os vícios, com a mão divina estendida a seus escolhidos (Abraão, Moisés, Josué), mas que sempre está ao seu lado, porque os desvios, embora ofusquem o caminho para alcançar os objetivos, podem ser corrigidos, se disciplinados. O Deus todo poderoso capaz de conter os vícios, através das punições, e unir o povo pela esperança.

Entretanto, a ideia divina de preferir e proteger um povo específico vai de encontro a própria concepção de DEUS, um ¨SER¨ todo poderoso, mas justo, amoroso, benevolente, que perdoa e admite o erro. Nessa concepção, Deus passa a ser o contrário do que se apregoa, pois discrimina os outros povos em benefício dos israelitas, que são punidos e sofrem privações, mas no final das contas sempre são protegidos. Assim, o DEUS que protege os judeus é injusto.

Outrossim, traz aspectos e ensinamentos bastante interessantes sobre as paixões, virtudes, fraquezas, vícios e ambições do âmago do ser humano, independentemente das etnias, raças, etc., ou seja, que, indiscriminadamente fazem parte da natureza do ser humano. E diversas lições de vida, quando prega que para alcançar os objetivos terá que haver privações.

Mas, ao mesmo tempo que revela e expõe os vícios e as fraquezas de seu povo, discrimina os outros povos da região, que possuem os mesmos defeitos, considerando-os indignos, diante de Deus.




CONCLUSÃO


Para uma ¨nação¨ (sem necessidade de conceituar) que tenha seus alicerces e foi fundada basicamente na identificação religiosa o assunto se torna bastante tormentoso.

Diante destas simples citações e comentários, não traz espanto que a região ainda esteja mergulhada em um conflito milenar, que provavelmente continuará por décadas, em virtude, dos antecedentes, principalmente religiosos.
Enquanto as pessoas, povos ou nações abraçarem de forma incondicional esses dogmas religiosos, sem que haja uma reflexão mais profunda, será difícil reverter a situação.

Diante de tantos preconceitos ¨avalizados por ¨Deus¨¨, portanto, arraigados culturalmente, fica difícil dar um passo à frente e enfrentar os problemas atuais com uma nova visão do mundo, que compreende as relações entre os povos e pessoas.


Os israelitas, assim como os demais povos da região, ou mesmo da antiguidade, tanto escravizaram quanto foram escravizados. Agar era a escrava egípcia de Abraão, com quem teve um filho Ismael, e, por isto, obedecendo a vontade divina, foi designado para ser o ancestral de outro povo.

No final das contas, quem são os perseguidos e os perseguidores? Todos que discriminam, sem exceção. Muitos dos que hoje são perseguidos, em algum outro momento, foram perseguidores. Isto serve particularmente para os povos do Oriente Médio.

Isto não significa dizer que as discriminações atuais são justificáveis e que não temos o dever de combatê-las. Caso contrário, este processo será interminável, depondo contra existência do ser humano, ferindo todos os princípios de sociabilidade, trazendo humilhações, sofrimentos e vinganças que não mais se justificam.

A Lei do Talião não mais se justifica, muito menos esta matança discriminatória e generalizada. É necessário encontrar uma forma de convivência, evitando que sejam impostos a outros povos sacrifícios desumanos.

As constatações das discriminações nas Sagradas Escrituras não fazem dos judeus um povo diferente dos demais, melhor, pior, ou seja lá o que for.

Conforme mencionei, as discriminações e o preconceito são inerentes ao ser humano. O que nos intriga é que sejam estimulados, ainda hoje, mesmo que de forma indireta, por textos religiosos, que por vezes pregam as virtudes e atitudes mais nobres do ser humano, tais como, amor, compreensão, compaixão, perdão, solidariedade, etc.

Outrossim, as minhas opiniões não são uma crítica direta ou indireta ao povo judeu, com o intuito estimular a discriminação contra eles.

Infelizmente , não tenho conhecimentos do Alcorão e sofri pouca ou nenhuma influência da cultura árabe, islâmica, muçulmana para tecer considerações sobre seus ensinamentos. Entretanto, seria ingenuidade de minha parte, principalmente pelos reais acontecimentos, acreditar que seus textos sagrados também não estejam impregnados dos mesmos, ou semelhantes, sentimentos.

Persistem dúvidas, não para mim, se os interesses econômicos, políticos e até mesmo religiosos boicotam os ¨esforços¨ de paz e estimulam o status quo.

Afora isto, que cada qual procure refletir e fazer a sua parte, sob pena de permanecer aprisionado aos antigos grilhões e escravo do passado.



 

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