sábado, 12 de julho de 2014

A IDEOLOGIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS


A IDEOLOGIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS



OBJETIVO



O objetivo deste texto é tentar entender, se possível trazer alguma luz, como e se a teoria das vantagens comparativas dos custos nos ajuda a esclarecer assuntos ligados ao desenvolvimento, crescimento, diferenças de desenvolvimento e na possibilidade de reversão de ¨escolhas¨ mal sucedidas, impostas ou não. De antemão, afirmo que quanto ao último aspecto ela não tem nada a nos dizer.

Este ensaio não alcançaria a sua finalidade se não fosse redigido em uma linguagem bastante accessível. De início, confesso a minha aversão e incapacidade para lidar com modelos matemáticos extremamente sofisticados. Acredito que eles são incapazes de captar aspectos relevantes do comportamento humano e de sua vida social, real.

Em um outro ensaio, denominado ¨Direito, Economia e Mercados Racionais - Uma Crítica aos Economistas Racionais¨, tive a oportunidade de me manisfestar sobre este assunto, inclusive com uma abordagem sobre ¨Informações Assimétricas¨, formulada por Joseph E. Stiglitz. Os economistas, matemáticos, etc, adeptos destes modelos, os tratam como fim em si mesmos, ou melhor, quanto mais sofisticados menos questionáveis.

Com o desenrolar da exposição, vai ficando evidente que eles (modelos) não são tão imprescindíveis quanto eles (economistas) imaginam e fazem crer. Mais importante é focar em seus princípios, fundamentos e conclusões. Na crise de 2008 e em outras recentes, nós já tivemos a experiência de como eles (ambos) ajudaram a nos levar para o caos.


A TEORIA DE DAVID RICARDO


A teoria das vantagens comparativas foi elaborada por David Ricardo em seu célebre livro The Principles of Political Economy and Taxation, publicado em 1817.

Embora não tenha conseguido obter um enunciado claro e sucinto do economista sobre o assunto, me apoio no subsídio de alguns economistas, que falam de uma maneira genérica sobre a teoria:

¨Vantagem comparativa dos custos é definida pela condição em que o custo de oportunidade da produção de um bem em termos de outros bens é mais baixo em um país comparativamente a outros6 (definição baseada em Krugman, citada em Notas de aulas – Março e abril – UFRGS, em www.ufrgs.bs/decon).

¨O comércio permite que as pessoas e países se concentrem naquilo que produzem melhor. Alguns países são mais eficientes do que outros na produção de quase tudo. A posse de habilidades superiores de produção é conhecida como vantagem absoluta, e diz-se que esses países têm uma vantagem absoluta sobre os outros. Então, como os países com desvantagens podem ser bem sucedidos no comércio? A resposta está no princípio da vantagem comparativa, que mostra que as pessoas e países se especializam naquilo em que são relativamente, e não absolutamente, mais eficientes¨ (Stiglitz, Joseph E., Introdução a Macroeconomia, Ed, Campus, 2003, p. 37/8).

No exemplo de Ricardo, para a Inglaterra era vantajoso se especializar em têxtil e Portugal em vinhos, uma pura coincidência, posto que o Tratado de Methuen, já havia estabelecido isto.

Desde então, tornou-se uma teoria irrefutável, um verdadeiro dogma, que traçou os caminhos da ciência econômica, sendo repetidamente mencionada pelos economistas.

No início da década de 70, quando estudava economia, um famoso professor que lecionava uma matéria ligada ao desenvolvimento econômico, afirmou que tinha descoberto o porquê do Brasil não ter se industrializado. Segundo ele, a razão se encontrava na teoria das vantagens comparativas. Era mais vantajoso o país se especializar na produção de produtos primários.

Esqueceu o ilustre professor de que o que poderia ser bom no passado poderá não ser no presente, o que é no presente poderá não ser no futuro e o que foi no passado possivelmente não será no futuro.


O TRATADO DE METHUEN

No século XVII, Portugal já apresentava evidências de falta de competitividade no mercado internacional e o consequente declínio econômico, frente as demais nações nações europeias.
 
Em dezembro de 1703, Inglaterra e Portugal celebram o Tratado de Methuen, também conhecido como o tratado dos ¨Panos e vinhos¨ no qual fica estabelecido que a Inglaterra se especializava na produção têxtil e Portugal na produção de vinho.

Embora pairem dúvidas e divergências da importância do Tratado sobre o futuro de Portugal (O Tratado de Methuen, interpretações e desmistificações, em www.klepidra.net), já que o país demonstrava um efetivo declínio econômico, este tratado ajudou a sepultar as esperanças de industrialização e selou o seu destino. Para muitos, a razão do declínio era o domínio político e os interesses da aristocracia portuguesa, que não possuÍa um espírito mercantilista. Consta que o Marquês de Pombal tinha interesse em rever o acordo, mas foi dissuadido pela influência política e os interesses da aristocracia. 

Primeira Observação: o comércio internacional, mais especificamente a decisão do que produzir, não se rege apenas e exclusivamente, pelos fundamentos e interesses econômicos (leia-se vantagens comparativas). Os acordos, pactos e tratados muitas vezes subvertem estes fundamentos. Na época, os ingleses eram predominantes nas vinícolas do Douro.

A não ser que admitamos que a mão invisível do Sr. Smith e a racionalidade humana já justificasse, a priori, tal fato. Se assim tivesse sido, considerando que a teoria de Ricardo foi ¨demonstrada¨ apenas em 1817, mais de cem anos depois de ser firmado o tratado, não haveria necessidade dela ter sido anunciada. Repito que parece ter sido muita coincidência. Estes fundamentos nem sempre serviram de guia para as decisões políticas.


AS PREMISSAS E AS CONCLUSÕES DA TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS

Neste tópico procuro fazer uma síntese da Teoria das Vantagens Comparativas e de sua evolução teórica, destacando as premissas básicas e as conclusões e resumos de cada trabalho. Estes destaques servirão aos meus propósitos. Para tanto, me sirvo dos seguintes trabalhos:
 
Aula 212013, Vantagem comparativa, www..economia.easalq.usp.br/intranet e das Notas de aula-Março e abril-UFRGS, www.ufrgs.bs/decon.

1) Teoria das vantagens comparativas de Ricardo:

Premissas:
  • Existem dois países no mundo (Local e Estrangeiro);
  • Cada um deles produz dois bens;
  • o trabalho L é o único fator de produção;
  • A oferta de trabalho é fixa para cada país;
  • o trabalho não é móvel entre países;
  • Estruturas de concorrência perfeita prevalecem em todos os mercados;
  • Cada país tem acesso a tecnologias diferenciadas, de forma que a produtividade do trabalho é diferente em cada país.
Resumo:
  • A previsão básica do modelo Ricardiano – que os países tendem a exportar bens em que têm uma produtividade relativamente mais alta – foi confirmada por vários estudos;
  • A distribuição dos ganhos obtidos com o comércio depende dos preços relativos dos bens que o país produz.
Premissa fundamental do modelo:
  • A especialização do comércio é comandada pelo critério de vantagens comparativas de custos.
Hipótese básicas do modelo:
  • Mercado competitivo: ausência de barreiras à livre movimentação dos bens entre os diferentes mercados/países;
  • Existência de um único fator de produção, o trabalho, o qual poderá ser empregado na produção de apenas dois bens;
  • O fator trabalho é perfeitamente móvel no interior de um país e entre diferentes setores da economia, mas imóvel entre países;
  • As tecnologias não são homogêneas no interior de um dado país e entre países, o que explica as diferenças de produtividade.
Definição dos ganhos do comércio:
  • A hipótese da teoria Ricardiana é de que a existência de comércio internacional, obedecido o critério de especialização segundo as vantagens comparativas, deve ser vantajoso para todos os países.
Conclusão:
  • A definição dos ganhos do comércio dependem não apenas
  • das vantagens/desvantagens de custos, mas é também influenciada pelo valor dos termos de troca.
2) Segundo o mesmo estudo citado, o modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson, estabelece:

Premissa central do modelo:
  • Os países tendem a exportar bens que sejam intensivos em fatores dos quais são dotados abundantemente.
As Hipóteses básicas desse modelo são:
  • Demanda homogênea: ambos os países possuem uma mesma função de demanda/escala de preferências/elasticidade-preço;
  • Tecnologia homogênea: ambos os países utilizam uma mesma tecnologia;
  • Pleno emprego dos recursos produtivos: alterações nos dados da economia se expressam unicamente em mudanças na alocação de recursos;
  • Concorrência perfeita nos mercados de bens e fatores: preços de bens e dos fatores convergem para um valor médio de equilíbrio mundial. 
Conclusão:

- A economia tende a especializar-se na produção e no comércio de bens que são intensivos em fatores de produção relativamente abundantes.
 
O referido trabalho chama a atenção para a conclusão do Paradoxo de Leontief nos seguintes termos:

- Os EUA são um país intensivo no fator capital, no entanto, são as importações que estão apresentando um coeficiente mais elevado de capital/trabalho, quando, segundo a previsão da teoria neoclássica , as exportações é que deveriam ser relativamente mais intensivas em capital.

3) Objetivando aperfeiçoar o modelo e comprovar a sua veracidade no comércio internacional, o renomado economista Paul Krugman introduziu novas variáveis e foi agraciado com o Prêmio Nobel , quais sejam:
  • Tamanho do mercado;
  • Economias de escala.
Situação 1: suponha que ambas as indústrias sejam do tipo perfeitamente competitivo;

Conclusão: O padrão de especialização do comércio será inteiramente definido pelo critério das vantagens comparativas de custos e conforme a dotação relativa dos fatores de cada país.

Situação 2: Suponha que a indústria de manufaturas opera em condição de concorrência monopolística, em ambos os países, de modo que cada uma das firmas produz bens diferenciados, ao passo que a indústria de alimentos opera em concorrência perfeita e produz bens homogêneos;

Conclusões:
    • O padrão de comércio intra-indústria é em si indeterminado: o modelo não informa sobre qual país produzirá quais bens na indústria de manufaturas;
    • O padrão de comércio inter-indústrias entre manufaturas e alimentos é determinado segundo a previsão do modelo das proporções relativas dos fatores: país local exporta manufaturas e país estrangeiro exporta alimentos;
    • O comércio interindústria é explicado pelas vantagens comparativas, ao passo que o comércio intra-indústria é explicado pelas economias de escala;
    • A explicação da especialização no comércio exclusivamente em termos de vantagens comparativas apenas será válida quando assumida a hipótese de que a estrutura de mercado seja de Concorrência perfeita (hipótese assumida pelos modelos Ricardiano Neoclássico anteriormente discutidos). 
Sobre o assunto, transcrevo matéria publicada em 28/03/2014, em www.infopedia.pt:

¨Em 2008, Krugman é distinguido com o Prêmio Nobel da Economia pela nova teoria sobre o comércio internacional (new trade theory) e geografia econômica. Antes de Krugman, o comércio internacional era explicado pela teoria das vantagens comparativas, segundo a qual os países têm vantagem em especializar-se nas suas atividades mais produtivas, desde que consigam obter os restantes produtos através do comércio.

Assim todos os países saem a ganhar porque a especialização permite-lhes obter ganhos de produtividade e o comércio permite-lhes obter, mais barato, os produtos em que não se especializaram.

Mas esta teoria não explica porque é que países muito semelhantes trocam entre si produtos muito semelhantes deste fenômeno e que mostram que o comércio, ao aumentar o mercado global para cada produto, permite ganhos de escala e acesso aos consumidores a uma variedade de produtos.

[…] O trabalho de Krugman sobre geografia econômica tenta explicar a concentração da população mundial nas cidades e o porquê da concentração de atividades econômicas parecidas nos mesmos locais. Isto pode ser explicado pelas economias de escala e pelos custos de transportes reduzidos¨.

Do que foi resumidamente exposto, com base nos trabalhos citados, constata-se que o economista não fez uma crítica contundente sobre a validade do ¨modelo¨ de Ricardo, gando, inclusive, a afirmá-la em determinadas situações.

Existem outros modelos que tratam do mesmo assunto. Pode-se avaliar a dimensão do imbróglio que o Sr. Ricardo nos legou.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA E SUA EVOLUÇÃO

Embora esse assuntos, mercados imperfeitos, economias de escala, tamanho dos mercados, externalidades e outros tenham, inegavelmente, importância, não vou entrar neste mérito porque já foram devidamente explicados.

Aqui, me ocupo de outros aspectos, prefiro levantar outras questões, que me parecem mais relevantes, para avaliar a validade da teoria e que servem mais aos meus propósitos.

Primeira consideração: Em todos os modelos desenvolvidos e em suas derivações há a hipótese implícita de que as demandas absorvem as possibilidades de produções. Por isso a teoria é também conhecida como ¨vantagem comparativa dos custos¨. Ela nos remete para a teoria dos mercados racionais, da lei de Say, do laissez-faire, da mão invisível, conceitos enraizados na teoria econômica clássica e que mais uma vez nos levou ao caos em 2008. Estas concepções, de longa data, já foram comprovadas serem falsas, embora continuem sendo afirmadas (Marx, Keynes, Kaleski).

O pressuposto é que não ocorrerá deficiência de demanda, nem superprodução. Mas, se esta hipótese já se tornou uma falácia em relação a um país, como poderá ser válida para dois?

Entretanto, existem outros fatores que afetam diretamente esta hipótese e a inviabilizam, principalmente no médio e longo prazo, acarretando desequilíbrio nas relações, podendo-se destacar:
    • possibilidades de crise interna e externa em cada país;
    • possibilidades de aumento da produção (superprodução);
    • essencialidade dos produtos produzidos e demandados;
    • existência de produtos substitutos;
    • elasticidade preço e renda de cada produto;
    • tamanho do mercado de cada país atendido;
    • elasticidade da oferta de cada produto;
    • distribuição de renda em cada país;
    • oferta dos fatores de produção;
    • facilidades de surgimento de novos concorrentes internacionais, em virtude da complexidade de produção de cada produto e do domínio da tecnologia de produção por um terceiro país;
    • descobertas e invenções que tornam o produto obsoleto;
    • desenvolvimento de infraestrutura;
    • fontes e formas de financiamentos (mercado financeiro mais desenvolvido);
    • política monetária do governo.
A interação desses fatores poderá trazer resultados imprevisíveis para o futuro das relações de troca baseadas inicialmente nas ditas ¨vantagens comparativas¨, completamente diversos da hipótese mencionada. Havendo uma crise econômica em um dos países, ou em escala internacional, os efeitos sobre a produção e a demanda de cada país serão diferentes, modificando as condições de troca originais, sendo improvável supor que os ajustes serão da mesma intensidade absoluta e relativa.

No início do século XX houve uma superprodução de café no Brasil, da qual resultou diversas medidas econômicas. Como ficou comprovado, as possibilidades de expansão da produção eram grandes, com a incorporação de novas terras no oeste paulista, a procura inelástica e a recuperação da concorrência internacional. Com a grande depressão de 1929 a crise se agravou, proporcionando uma guinada na política econômica do país.

Os exemplos se multiplicam. No final do século XIX e início do XX, ciclo da borracha, o Brasil tornou-se o grande produtor e exportador mundial de borracha, na região amazônica, com a extração do látex, chegando a rivalizar em importância com o café, representado 30% (trinta) das exportações brasileiras. As cidades de Manaus e Belém floresceram e tomaram grande impulso durante o período. Na década de 20 , empresários holandeses e ingleses introduziram a produção na Ásia (Ceilão, Indonésia e Malásia) e a produção brasileira sofreu um duro golpe. O golpe fatal veio com a inovação da borracha sintética, após a 2ª grande guerra mundial.

No século o açúcar brasileiro sofre grande concorrência da produção das colônias holandesas, que eram conhecedores das técnicas de refino, pois desde o início do século XVII forneciam os equipamentos para os engenhos brasileiros. Ainda, no final do século XX o açúcar de cana sofreu grande concorrência do açúcar de beterraba, que atingiu 75% (setenta e cinco) da produção mundial em 1900.

Segunda consideração: Também os modelos não levam em consideração as demandas pelos produtos exportados em cada país e as respectivas elasticidades-preço e renda. Se introduzirmos estes fatores e os mencionados no item anterior a situação muda drasticamente e, embora os países possam se beneficiar com as trocas, um deles poderá obter vantagens relativas em relação ao outro. Se a demanda de um país não absorver toda a potencialidade e possibilidade de produção do outro, passa a existir uma vantagem relativa de um em relação ao outro. A elasticidade-preço dos produtos desempenham o mesmo papel porque elas permitem expandir ou não a produção no futuro.

A importância dos efeitos da elasticidade-renda dos produtos sobre o balanço de pagamentos já foi mencionada em outros trabalhos. Aqui me interessa as diferenças nos benefícios auferidos pelos participantes e as possibilidades dessas diferenças se cristalizarem e se tornarem irreversíveis.

Estes fatos serão fundamentais para a análise da dinâmica do comércio no futuro. Essas vantagens relativas de uns em relação aos outros se enraízam, se materializam e potencializam as diferenças de benefícios. Através de hábitos e costumes, criam vínculos sociais e as possibilidades para que as diferenças se alarguem. Em síntese a teoria é estática. O modelo que mais se aproximou deste detalhe, elasticidade preço, foi o de Samuelson, mas não só não deu a devida importância, e nele as elasticidades e as procuras eram iguais. Por outro lado, afastou todos os outros fatores mencionados no item anterior.
 
Terceira consideração: As características dos produtos e os modelos. Os modelos partem sempre da análise de dois produtos comercializados por dois países. A partir daí generalizam para a produção de diversos produtos. Vou ser mais específico. Este pressuposto leva em conta o fato de que os produtos devem ser analisados apenas individualmente.

Mais uma vez a velha dialética pode vir em nosso socorro para nos auxiliar a esclarecer o erro. ¨O todo não é a soma das partes¨ diziam Engels e Marx. A produção de diversos produtos cria uma relação entre eles, uma correlação de interdependência, interações, incentivos que facilitam o desenvolvimento de outros e dá dinâmica ao processo. Alguma coisa parecida com as externalidades, mas algo mais.

Em tese, o que pode ser verdade para algumas das partes não é necessariamente verdade para o todo, em seu conjunto. Assim, pode-se concluir que a maneira como a divisão internacional do trabalho se externou não foi inevitavelmente com base na teoria das vantagens comparativas.

Me refiro a produtos que por sua própria natureza, ou mesmo da estrutura econômica em que são produzidos, já carregam o germe de outras atividades produtivas a eles ligadas, conexas. Foi o que se sucedeu com advento das estradas de ferro e com o automóvel e atualmente com a indústria eletrônica. Alavancaram a produção de outros produtos.

Evidentemente, as renovações ou melhoramentos dos mesmos produtos comercializados estão fora do contexto da teoria. Por isso mesmo ela é estática. Mas, num certo sentido, não poderia ser diferente, porque seria impossível prever os desdobramentos das novas invenções, que ocorreram tanto nos métodos de produção quanto nos próprios produtos. O problema é querer dar validade a teoria sem considerar estes aspectos.

Os automóveis, durante décadas, se renovam, incorporam novas tecnologias e produtos, desencadeiam novos estímulos industriais, inclusive com a difusão de novos métodos de produção (fordismo, toyotismo). Responsáveis pela revolução no estilo de vida do século XX, continuam sendo adquiridos e cobiçados e suas indústrias ainda desempenham grande importância na economia atual, embora percam importância relativa. Interagem com a tecnologia das informações, incorporam estas inovações e se modificam. Por isso, um ford bigode, embora seja um automóvel, não é igual ao novo focus. Continuam sendo automóveis, mas com características totalmente diferentes.

Em 2013, das 25 maiores empresas do mundo em faturamento a Toyota Motor ocupava a 8ª posição, Volkswagen a 9ª, General Motors a 22ª e o Grupo Daimler-Bens a 23ª. E as empresas petrolíferas ocupavam as posições mais importantes entre as 10 maiores, entre elas Royal Dutch Shell, Exxon Mobil, China Nacional Petroleum, Bristish Petroleum, Total (As 25 maiores empresas do mundo em exame.abril.com.br).
 
Para uma melhor percepção, reproduzo parágrafo do trabalho intitulado ¨Inovação tecnológica na indústria automobilística...¨, em www.scielo.br/pdf/ecos/v17:

¨Com base no método proposto pelo US Bureau of Census (BOC) para definir as indústrias high-tech ¨o automóvel pode ser descrito como uma plataforma hospedeira de tecnologias de ponta e a indústria [automobilística] como uma produtora destas tecnologias¨ (McAlinden et al, 2000, p. 20). De fato, a indústria automobilística utiliza (ou desenvolve internamente) tecnologias de ponta e componentes de quatro áreas consideradas avançadas – 1) computadores e telecomunicações, 2) eletrônica, 3) manufatura integrada por computadores e 4) design de materiais – de um total de dez que definiram, segundo a metodologia sugerida pelo BOC, as indústrias de alta tecnologia (Mc Alinden et al, 2000).

No que se refere à utilização das novas tecnologias na indústria automobilística – excetuando-se, é claro, as formas alternativas de propulsão (motores elétricos, híbridos e células de combustível) – a eletrônica, a tecnologia de informaçãoe os novos materiais são indiscutivelmente as variáveis chave (McAlinden et al..., 2000; Rapp, 2000; Chanaron, 2001; NRC, 2005). Por exemplo, segundo estimativas, a parcela de eletrônica embarcada no custo corrente dos veículos automotores era cerca de 10% em 2000. Atualmente, avalia-se que tal parcela já seja de 20% e estima-se que ela salte para aproximadamente 40% em 2015 (DOC, 2006)¨.

[…] Tradicionalmente vista como a indústria de aço e de ferro fundido, o setor automobilístico vem crescentemente também se empenhando no desenvolvimento e nas experiências com uso de materiais leves – incluindo-se aços de alta e ultra-alta resistência, alumínio, plásticos especiais resistentes a altas temperaturas, ligas de magnésio e fibras compostas reforçadas (de carbono, cerâmicas e outros materiais). Estes esforços têm tido também impactos complementares consideráveis nos chamados processos de manufatura avançados¨ ( McAlinden et al.., 2000;OPT, 2003b; NRC, 2003).

Como corolário, o desenvolvimento tecnológico, as inovações e as invenções de novos processos e produtos necessitam e dependem dos conhecimentos previamente acumulados e materializados, da aprendizagem e consequentemente da produção prévia de outros produtos, que passam a ser, em sentido figurado, algo como as ¨matérias-primas¨ dos novos produtos, tal como se tratasse de uma cadeia produtiva.

A aquisição de conhecimento, o aprendizado, e sua aplicação teórica e prática é um processo eminentemente social, uma conquista social. Ele se dá a nível social, ou seja, é um processo social.

Sem qualquer menosprezo, os gênios só florescem em determinadas condições históricas e sociais, quando o desenvolvimento social e técnico permitem e viabilizam as novas descobertas. Elas são possíveis e se apoiam em aprendizados teóricos e práticos anteriormente acumulados, que fornecem os meios necessários para que as novas ideias desabrochem. Nessas circunstâncias as suas ideias encontram eco e promovem estímulos a novas descobertas.

Essa interface cria um círculo vicioso, difícil de ser revertido por outras nações, mesmo por aquelas que inicialmente, antes, no início do processo, se encontravam em situações de desenvolvimento equivalentes, porque as vantagens adquiridas passam a ser vantagens consolidadas, pois reforçam e dão novos ímpetos às inovações e invenções.

Embora a teoria econômica reconheça as externalidades não dá um passo, ou melhor, dá um passo a frente e outro atrás. São citadas, mas não servem para questionar os modelos, têm sempre a intenção de reafirmar que em determinadas situações a teoria prevalece.

Por outro lado, a análise da teoria das vantagens comparativas¨ não deveria levar em conta as relações de troca quando envolvesse recursos naturais ou mesmo primários. Se determinado país é carente de recursos naturais nada mais lógico de que o comercio destes produtos lhe traz vantagens. Da mesma forma podemos dizer do país abundante destes recursos que comercializa com o outro. Nada mais óbvio que o comercio é vantajoso para os dois. É chover no molhado.

Mas, isto não significa dizer que explorar as vantagens da abundância de recursos no comercio exclui a opção pela busca de possibilidades de outras vantagens ou benefícios em atividades que não sejam primárias. Os argumentos levantados nos debates sobre a industrialização do Brasil chegam a ser grotescos. Eram puramente ideológicos, muito embora procurassem respaldo na teoria das vantagens comparativas. (Tópico seguinte)

Em resumo, a teoria proposta despreza a sinergia de produtos, serviços e atividades produtivas, fator este que, dado a complexidade e a pluralidade das atividades econômicas modernas dificilmente poderão ser captados por modelos matemáticos/econométricos, sem considerar ainda a impossibilidade de previsão de novos produtos e serviços e a importância que terão no futuro.
 
Dissecar o todo em partes, reduzir para generalizar, não tem sido o método mais adequado. O ideal é tentar uma abordagem sistêmica. Mas, se o método é falho em seus princípios o que dizer da conclusão?

Quarta consideração: Esta diz respeito a fatores históricos, sociais, políticos, ideológicos ,

que por razões óbvias estão excluídos do modelo.

A forma como a América foi colonizada demonstra que não existiu uma escolha nos termos em que a teoria propõe, em relação ao comercio de produtos que veria se estabelecer.

Esta escolha foi imposta de antemão pelos países colonizadores. Na verdade, à época não existia nem mesmo qualquer situação que pudesse justificar a validade dessa teoria. Ela surge com o advento da sociedade capitalista que necessita demonstrar a racionalidade da economia, em termos de superioridade em relação a ordem que vigorava, afirmando que as nações escolhiam os seus destinos, através do homo economicus, racional. Era a época do Iluminismo, em que a razão e a ciência iriam libertar os seres humanos.

Isto significa dizer que as escolhas do quê produzir passavam pelos interesses exclusivos dos colonizadores. As sociedades colonizadas organizaram as suas estruturas produtivas e sociais em função dos interesses dos colonizadores.

Essas sociedades colonizadas criaram uma vida material e social, através de hábitos, relações, laços que iriam se perpetuar, mas que obrigatoriamente não significava impossibilidades de traçar novos caminhos.

Se algumas nações conseguiram romper com estas raízes históricas teríamos que analisar, caso a caso, as condições que possibilitaram essas mudanças. A realidade é que essas atividades produtivas se enraizaram e organizaram a vida social dessas regiões e países. Por exemplo, no Brasil a urbanização se deu principalmente nas cidades litorâneas ou próximas.

Os interesses arraigados a essas atividades trouxe, como sempre ocorre, influência política, econômica e ideológica, que iriam possibilitar ou não avançar em direção ao progresso, industrialização, entendido como espelho das sociedades mais tecnologicamente desenvolvidas.

O Brasil não ficou imune a esses efeitos e os debates sobre a industrialização foram intensos. As elites do café dominaram durante décadas a política econômica brasileira, exerceram influência política e elegeram os seus legítimos interesses como os do país.

Para melhor esclarecer este ponto, repito as palavras do trabalho Industrialização e Desenvolvimento– Economia & Tecnologia (UFPR), em www.economiaetecnologia.ufpr.br:

¨Luz (1975) argumenta que o período do Império foi marcado pelo consenso sobre a vocação agrícola da economia brasileira. Os expoentes do debate da época, o Visconde do Cairu (José Maria da Silva Lisboa) e Tavares Bastos, eram ardorosos defensores do liberalismo econômico. Argumentavam que o país deveria especializar-se nas atividades agrícolas e na extração mineral, dadas as vantagens comparativas existentes, particularmente a abundância e a qualidade das terras cultiváveis.

[…] Este cenário é, em alguma medida, alterado com a Proclamação da República, especialmente por ocasião da elaboração da Constituinte Republicana. Neste momento, a ênfase nas atividades primário-exportadoras e o frágil desenvolvimento das atividades industriais passaram a ser questionados. Assim, ainda que a influência do pensamento liberal inglês, especialmente a visão ricardiana consolidada na teoria das vantagens comparativas, mantenha-se como predominante nos debates, pode-se notar o surgimento, ainda que marginal marginal, da defesa de um processo de industrialização como forma de ¨superar o caráter ainda colonial de nossa economia¨.

A evolução do debate foi marcada pelas alterações concretamente processadas no país . Não é mera coincidência que o surgimento de teses industrializantes tenha ocorrido após a Proclamação da República, período em que o país iniciava os primeiros passos na direção da constituição de uma nação.

[…] Apesar de seu desenvolvimento, as discussões sobre o papel da industrialização para o desenvolvimento brasileiro podem ser classificadas como marginais, tanta na perspectiva acadêmica, quanto de sua influência na execução de políticas econômicas voltadas ao desenvolvimento da indústria. Furtado (1968), entre outros, defende que as políticas econômicas instituídas pelo governo até a década de trinta serviam aos interesses da burguesia cafeeira. A política de valorização do café instituída a partir do Convênio de Taubaté (1906), assim como o uso intensivo das políticas de desvalorização da moeda tiveram o intuito de defender a renda dos exportadores frente às oscilações dos preços do café no mercado internacional são algumas evidências da predominância dos interesses cafeeiros¨.

Entra em cena um novo fator importante. A política econômica adotada para preservar uma atividade produtiva, baseada ou não em vantagens comparativas, desestimula o surgimento de outras atividades que poderiam ser mais benéficas no futuro. A influência e os interesses políticos anulam os fundamentos econômicos, conforme comentei sobre o Tratado de Methuen.

Os debates continuaram com Simonsen e Gudin, mesmo depois da opção industrializante:

¨A partir de 1937, com a instituição do estado Novo, Vargas assume deliberadamente o projeto industrializante, baseado na proteção à indústria nacional e na realização de investimentos públicos¨.

Gudin, um expoente economista, era partidário do liberalismo: ¨A influência da teoria das vantagens comparativas não é algo subliminar no obra de Gudin¨ (em www.economiaetecnologia.ufpr.br, já citado).

Nesse mesmo sentido:

¨O crescente poder econômico dos senhores do café rapidamente lhes passaria as rédeas do poder político, assegurando dessa forma, a utilização do aparelho do Estado para a consecução dos seus objetivos¨ ( Rego, José Márcio e outros Formação econômica do Brasil, ed. Saraiva, 2003, p.X).

Os empecilhos políticos a tentativa de industrialização já se manisfestavam no século XVIII, com forte oposição de Portugal ( Rego, p. 85). Teria sido uma previsão da imposição da lei das vantagens comparativas comandadas pela mão invisível do mercado?

Não devemos menosprezar a força da ideologia, principalmente quando vem revestida por um manto de cientificidade, como se pode perceber da excelente análise feita por Durval Muniz de Albuquerque Jr:

¨Como vimos, a origem da nacionalidade é buscada na história de cada região. As lutas regionalistas atravessam a leitura da história do Brasil, que é feita para estabelecer a prevalência de uma área e de um ¨tipo regional¨, na construção da nação e de seu povo. […] Produz-se toda uma mitologia em torno da origem de cada região e da nação, em torno de fatos históricos e pessoas que são afirmadas como precursores da nacionalidade, como heróis fundadores do Brasil. Estes mitos lançam mão da memória histórica de cada área, das manifestações folclóricas, das narrativas populares e da memória pessoal de seus autores. (Jr Albuquerque, Durval Muniz, A invenção do Nordeste, Cortez Ed, 1999, p. 101).

[…] Este caráter aristocrático tão decantado por Freire quando se refere a aristocracia açucareira nordestina é outro ponto de discórdia entre os intelectuais ¨sulistas¨ e ¨nordestinos¨. Para Oliveira Vianna, o mesmo luxo e pompa da aristocracia pernambucana podiam ser encontrados em São Paulo. Para ele, a aristocracia paulista descendia das famílias nobres de Portugal e de alguns plebeus aqui enriquecidos. Freire negava essa origem aristocrática dos paulistas; para ele, a população paulista descendia de portugueses humildes, mestiços com mouros e judeus¨ (p.103).

Gilberto Freire (1900-1987), descendente de colonizadores portugueses, sociólogo, antropólogo e historiador, grande pensador nordestino do século XX, também trouxe seus traços ideológicos. Nas palavras de Durval:

¨Escrevendo uma trilogia que começa com Casa-Grande e Senzala (1933), passa por Sobrados e Mocambos (1936) e termina com Ordem e Progresso (1959), Freire toma a história da produção açucareira da zona da mata nordestina, ou mais precisamente pernambucana, e generaliza a sua análise para todo o passado colonial não só do nordeste, como do Brasil. Ela encontra nesta sociedade não só a célula original da civilização brasileira, como, abstrai constantes que caracterizam toda a sociedade brasileira. Para Freire foi o fim dessa sociedade que deu início ao processo de desequilíbrio entre as regiões do país (p.98).

[…] Para Freire o senhor de engenho foi um dos poucos exemplos de fixação e que deu densidade à nacionalidade. O bandeirante, se havia conquistado verdadeiros luxos de terras , comprometeu a saúde econômica da colônia e quase compromete a unidade política, não fosse o trabalho de manutenção da unidade nacional das forças ligadas ao latifúndio, como a Igreja ...¨ (p.102).

O que quero enfatizar é que as ideologias, embora sejam fatores de transformações sociais, também se adaptam às necessidades sociais, reagem às mudanças e negam seu próprio caráter ideológico. Elas vêm quase que ¨embutidas¨ nas relações de produção, se assim podemos nos expressar, dando coesão às relações sociais, embora façam parte delas. Ainda, são ¨criadas¨ pelas condições materiais, pelas vicissitudes e necessidades econômicas, políticas e, até mesmo, ideológicas.

Daí, um passo, para se criarem meias-verdades, falsas-verdades como: a teoria dos mercados racionais e perfeitos, da mão invisível, da alocação ótima dos recursos, a de que a mobilização irrestrita do capital gera o desenvolvimento e, obviamente, a das vantagens comparativas. E estas ideologias se propagam na e através da cultura em geral, literatura, música, artes plásticas, pintura etc. Para maiores esclarecimentos consultar o autor citado.

Quinta consideração: A mobilidade do capital. Uma outra questão diz respeito a mobilidade do capital. Algumas atividades podem ser inicialmente, ou em determinado momento, desinteressantes para um país, mas com a interatividade, economias de escala, melhoria na qualificação da mão de obra, etc, poderão se tornar relevantes e trazer benefícios futuros.

O desenvolvimento de atividades conexas permitirão um ganho de produtividade. Mas, para isto, se faz necessário a existência ou a consolidação de uma infraestrutura que permita alcançar um ganho de produtividade.

A desmobilização de uma atividade produtiva, melhor ainda, de um complexo primário exportador, com um, dois ou três itens, com toda a infraestrutura criada, em suma, numa sociedade que não desfruta de uma infraestrutura diversificada, não se dá com um simples fechar e abrir de olhos.

Os interesses políticos e econômicos se arraigam, defendem suas posições vantajosas e bloqueiam o surgimento e o desenvolvimento de outras possíveis atividades produtivas. Isto aconteceu com Portugal, quando o Marquês de Pombal tentou reverter os termos do tratado de Methuen e foi dissuadido politicamente pela aristocracia. E aconteceu no Brasil quando da decadência da indústria açucareira no nordeste e a atividade cafeeira, no sudeste.

Mesmo com a superprodução do café no final do século XIX e início do XX o complexo cafeeiro não foi rapidamente e devidamente desmobilizado. Ao contrário, por influência política, econômica e mesmo ideológica procurou-se ajustar os interesses e manter os privilégios dos cafeicultores, consubstanciados no Convênio de Taubaté (1906). Tanto que isto não impediu nova crise de superprodução na década de 1930. Dificulta, ainda, quando o período de maturação é longo, como no caso do café que é de quatro anos.

E quando a sociedade é escravocrata o fator trabalho é um investimento fixo, ¨capital¨ fixo, equivalente aos investimentos em máquinas, construções, etc, e a sua relativa imobilidade dificulta a desmobilização das atividades e a expansão e diversificação do mercado, em virtude da maior concentração de renda. Por causa disto, o mercado interno carece de dinamismo.

O gasto com o escravo era antecipado, através do lucrativo comércio, e a liberação desse fator, em caso de necessidade, se dava pela venda e não pela simples demissão. Uma outra forma seria a alforria que trazia prejuízo.

Não por acaso, a incipiente industrialização brasileira na região sudeste, no final do século XIX, se deu quando da passagem do trabalho escravo para o assalariado, muito viabilizado com a imigração. 

Da mesma forma não será fácil iniciar nova atividade produtiva que não esteja intimamente vinculada as atividades já existentes, dominantes. O ¨capital ¨ameaçado¨ não se desloca com facilidade para outras atividades, pois, muitas vezes, ou, no mais das vezes, inexiste uma infra estrutura que permita este deslocamento. Existe falhas de mercado que não dão suporte às novas atividades. O capital desbrava mas se reproduz onde há possibilidades. Imaginem um empresario de um país extremamente subdesenvolvido que queira desenvolver uma atividade relativa a uma tecnologia de ponta para fornecimento em seu mercado local. Seria ridículo, não?

Além do que, as novas atividades encontrarão uma concorrência feroz, por parte dos que já estão no mercado internacional, de bens produzidos no exterior e importados, e, por isso, gozam de vantagens adquiridas. Celso Furtado alertou para o fato de que as elites das sociedades periféricas tendem a copiar e assimilar os padrões de consumo dos países centrais. Em outras palavras, a modernização se dá, sobretudo, através do consumo, no mais das vezes conspícuo, símbolo de status.

E as possíveis novas atividades devem ser ¨financiadas¨ direta ou indiretamente pelas atividades pré existentes, favorecendo a continuidade dessas. Outrossim, os prováveis novos investidores, beneficiários já estabelecidos na produção e no comércio, têm que mudar o foco de seus próprios negócios, o que requer uma nova adaptação e risco. Para isto, se faz necessário possuir as habilidades, o conhecimento adquirido, a visão comercial e a oportunidade de abrir e tocar um novo negócio.

¨Este deixa de ser o responsável último da dinâmica econômica - pela determinação da renda e do emprego, como modelo agroexportador – mas passa a ter uma função crucial, a de garantir o fluxo de divisas necessário para importar outros produtos, desta vez os necessários para garantir a produção industrial¨ (Fonseca, Pedro Cezar Dutra, O processo de substituição de importações, em Formação econômica do Brasil, Ed. Saraiva, 2003, cap. XI, p. 260).

E as dificuldades não param por aí. Há necessidade de importar bens de produção, se familiarizar com as novas tecnologias, para os quais a mão de obra não está qualificada. Essas importações para se concretizarem dependem de divisas, que são adquiridas com as atividades anteriores ou empréstimos externos. Nesse sentido:

¨A transformação do escravo em assalariado industrial, embora possível, encontra obstáculo tanto no preconceito do empresário que atribuía em boa medida os problemas socioeconômicos decorrentes da crise do escravismo à origem biológico-racial, bem como na dificuldade de os escravos, principalmente os do campo, sujeitarem-se à disciplina rígida do trabalho de uma fábrica¨ (Fonseca, p. 256).

Para Bresser Pereira, criticando versão corriqueira, 84% (oitenta e quatro) dos empresários paulistas que deram início a incipiente industrialização, no final do século XIX, em São Paulo, era de origem estrangeira, sendo 49,5% (quarenta e nove vírgula cinco) imigrantes diretos. Com relação as origens dos investimentos na indústria 78,4% (setenta e oito vírgula quatro) correspondia a ¨fundos próprios ou da família do empresário¨ e, apenas 3,9% (três vírgula nove) teve origem na aristocracia cafeeira.

Segundo o autor: ¨Nesse trabalho me propus responder uma questão muito simples: como explicar que, não obstante tenha demonstrado, em uma pesquisa publicada em 1964, que os empresários paulistas se originavam, em sua grande maioria, de imigrantes de classe média, e apesar de essa tese ter sido comprovada na pesquisa de Warren Dean, a ideia ainda hoje dominante é a de que esses empresários se originaram da aristocracia cafeeira¨ (Luiz Carlos Bresser Pereira, em Empresários, suas origens e as interpretações do Brasil, ww.aupocs.org.br/portal).

Não causa surpresa que a figura proeminente da industrialização brasileira, no final do século XIX e início do XX, seja Francesco Matarazzo, de origem italiana que aportou no Brasil em 1881, se estabelecendo, inicialmente, em Sorocaba, tendo construído um complexo industrial de 365 fábricas.

É uma ilusão acreditar numa mobilidade ilimitada do capital. Os economistas clássicos não analisam os óbices, falam da mobilidade como uma coisa natural e normal que se dá a qualquer tempo. Por isso tudo, não tem sentido sentido pressupor que se o país não desenvolveu outras atividades de exportação, que num futuro lhes poderiam ser benéficas, é porque não gozava ou, principalmente, não poderia gozar das ditas ¨vantagens comparativas¨ , se assim se quiser chamar. E que aquelas que permaneceram são as que possuem essas vantagens. Trata-se de puro empirismo, sem valor científico, de uma conclusão a posteriori.

E a questão não se resolve com apenas mais educação, como muitos querem crer. Os E.U.A estão cheios de especialistas estrangeiros graduados, de alta capacitação técnica, que não retornam aos seus países de origem por não terem condições mínimas de trabalho. Trata-se do que ficou conhecido como ¨a fuga de cérebros¨.

Sexta consideração – a imigração: Acima já tinha comentado sobre o declínio econômico de Portugal, que no século XVII não fazia parte do tabuleiro dos países importantes. Dominado politicamente por uma aristocracia retógrada, que não acompanhada a dinâmica das mudanças sociais, o país sucumbiu diante dos novos desafios. Portugal era um país derrotado sem qualquer expressão na política e na economia internacional.

É provável que muitos discordem que o tipo de imigrante teve também a sua dose de contribuição. O imigrante traz consigo um ideário de vida, hábitos, amor próprio, autoestima, ambições, preconceitos, desejos de liberdade, de empreender, típico da mentalidade capitalista, que são próprios de sua sociedade e que tentarão reproduzir no novo país. Estes comportamentos irão depender das condições materiais que irão encontrar nas novas sociedades. Se alguém tem dúvidas deste fato basta observar as comunidades asiáticas dos E.U.A e o Soho em Londres, onde muitas vezes o imigrante nem mesmo fala o idioma local.

E Portugal já era um país de segunda ou terceira ordem. Qual o ânimo deste povo imigrante, os seus anseios, as suas aspirações? Em que se espelhavam?
 
Isto tudo pode parecer muito vago, mas felizmente as ¨ciências sociais¨ não são exatas e, estes aspectos, não cabem em modelos matemáticos. Também não há que se falar em racismo ou mesmo preconceito em relação a determinados povos. Não estou dizendo que a raça ou a origem determinam estas condições. Estou me referindo as condições sociais que influenciam as características de um povo.

A teoria marxista procurou explicar o atraso das economias ditas subdesenvolvidas através dos interesses econômicos e políticos das classes dominantes apontando para os interesses antagônicos entre as burguesias compradora, exportadora, nacionalista, etc. Dado o seu viés classista, excluíram os demais membros da sociedade.

Reconheço que o assunto é polêmico, com fortes cargas emocionais. Mas, para embasar meu ponto de vista, basta consultar o legado da administração de Maurício de Nassau em Pernambuco, durante o curto período de 1637 a 1644. Devendo-se ressaltar que desde o final do século XVI a Holanda era fornecedora dos equipamentos destinados a produção açucareira.

Parafraseando Lenin: para se fazer uma revolução social (digo grande transformação social) precisamos, primeiro, de uma revolução (transformação) interior.

Sétima consideração: A teoria das vantagens comparativas pretende ser genérica, absoluta e abrangente, válida para qualquer época e tipo de sociedade. E não lhe interessa quais produtos estejam sendo comercializados. Não importa a estrutura produtiva dos países envolvidos. O pressuposto é que as sociedades envolvidas são beneficiadas pela troca.

Mas, isto não é suficiente. O importante é saber se os benefícios usufruídos são suficientes para alavancar outras atividades e se eles irão contribuir, num segundo momento, para amainar as diferenças de benefícios e tornar o comercio mais justo entre as nações. Sobre isto ela não pode nos dizer nada porque ela é uma teoria estática.
 
Ora, soa bastante razoável que ela só poderia ter algum sentido, mesmo assim, bastante limitado, em condições muito particulares, se os países envolvidos tivessem, em determinado momento, em um mesmo estágio, ou assemelhado, de desenvolvimento econômico. Mas mesmo assim ela perderia a validade em um momento posterior seguinte pelos fatores apontados.

Não tem sentido fazer comparações entre o comércio de uma economia capitalista desenvolvida e de uma tribal, feudal, escravocrata ou coisa que o valha, para tirar conclusões de benefícios recíprocos, baseados em vantagens comparativas. Nestas últimas o ¨capital¨ e o fator trabalho têm menos mobilidade e o mercado interno é restrito.

Como comparar custos de duas sociedades diferentes se os ¨sistemas¨ de cálculos são diferentes? Se em uma delas existe remuneração do fator trabalho e em outra não? Se o dinheiro circula de forma diferente? O trabalho escravo é ¨capital¨ fixo. Os efeitos da circulação da moeda são diferentes. Foi o que aconteceu no Brasil com a atividade açucareira.

Em regra, estas sociedades continuaram exportando produtos primários. Se os benefícios são recíprocos, de uma mesma intensidade relativa, é de se perguntar, porque algumas permanecem em um relativo atraso e não conseguem, através do comercio, se desvencilhar de seus passados?

Se há trocas entre dois países livres é de se supor que elas, por si mesmas, de algum modo podem ser vantajosas, em determinados momentos, por razões diversas. Entretanto, não podemos dizer o mesmo para uma sociedade capitalista (país) e outra escravocrata (país). Vantajosas em que sentido? Para quem? Neste caso podemos falar em vantagens para o país?

Oitava consideração: O papel dos governos. A teoria das vantagens comparativas foi concebida por um modelo de ideologia liberal no qual os governos não teriam qualquer influência nas decisões econômicas.

Entretanto, o modelo ideológico liberal já faz parte do passado. Na realidade, historicamente, na prática ele nunca existiu. Não podemos nos esquecer que o Tratado de Methuen foi firmado entre os governos, que exigiam o comprometimento de seus cidadãos, muitas vezes com penalidades. E na virada do século XIX para o XX, com a proliferação dos oligopólios e monopólios tiveram influência e importância fundamental, na política econômica dos governos.

No momento atual, os governos ocupam, direta e indiretamente um papel crucial no comércio nacional e internacional, através de incentivos (muitos disfarçados) e encomendas maciças de produtos.

Através de interface com o setor privado conseguem garantir, estimular e impulsionar a especialização de determinados setores, através de investimentos e estímulos a pesquisa e desenvolvimento de produtos.

Este processo, como já foi salientado, cria um círculo vicioso de estímulos, difíceis de serem revertidos por outras nações que não utilizavam os mesmos meios.

O exemplo típico e suficiente, que poderia dispensar comentários adicionais é o complexo industrial militar dos Estados Unidos da América, muito embora este país continue a exigir de outros um comprometimento com um modelo liberal.

No entanto, interessante reproduzir as palavras do cientista americano R.C. Lewonth, sobre o assunto:

¨ ... Esta intervenção não se processa apenas em termos do controlo da massa monetária e da distribuição de bens de remuneração através de impostos e programas de welfare. Envolve, igualmente, um papel vital para o Estado, enquanto fornecedor de subsídios à produção e ao emprego, através de três vias. Em primeiro lugar, o Estado torna-se um vulto de bens e serviços Em segundo lugar, fornece capital diretamente a setores subcapitalizados, permitindo-lhes modernizar-se à custa de dinheiro público como, por exemplo, quando nacionalizam temporariamente caminhos de ferro, reconstruindo as suas infraestruturas materiais, para depois as vender de novo no mercado. A terceira, é quando assume os custos, que são incomportáveis, mesmo para as maiores empresas individualmente consideradas, dacriação de novas tecnologias e da formação de quadros necessários, quer para a materialização da tecnologia já existente, quer para a criação de ulteriores inovações. 
 
A investigação científica tornou-se um empreendimento estatal, do qual o projeto Manhattan (de criação da bomba atômica) foi apenas o exemplo mais visível, e as Universidades foram incorporadas no aparelho de formação dos militares¨. (O negócio do armamento e o complexo industrial-militar, em resistir.info/cadima/cadima_armamento.html).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Depois destas considerações será importante chegarmos a um balanço final sobre a validade e importância da teoria das vantagens comparativas de custos.

Para mim a fragilidade teórica da teoria é flagrante. A teoria das vantagens comparativas, quer queiramos ou não, tentava justificar o status quo da época, tendo a Grã Bretanha como líder industrial, ao mesmo tempo deslumbrava a possibilidade desse status permanecer no futuro.

O que está por trás destes fundamentos é o mito da racionalidade do ser humano, independentemente de qualquer situação política, da eficiência dos mercados, da ideia de que a movimentação livre do capital é capaz de trazer o desenvolvimento de todas as sociedades envolvidas no comercio. E o pior, que as escolhas passadas foram bem feitas e devem permanecer no futuro. Todas têm suas raízes no Iluminismo. Vivia-se a época do liberalismo.
 
Mais de cem depois do Tratado de Methuen, o economista David Ricardo precisou justificar, demonstrar e convencer, principalmente os portugueses, que eles tinham feito o acordo certo, mesmo que não tivessem consciência e certeza disto. Como não existia a famosa teoria, presume-se que os ¨países¨ tomaram as medidas corretas quanto as decisões passadas.

Provavelmente, a mão invisível de Adam Smith já estava operando a pleno vapor. Trata-se de uma antiga versão da mão invisível e da racionalidade do homo economicus. Então, para que a teoria? Para um povo inculto para os padrões da época, não afeito às novas necessidades do comércio, com as elites despreparadas para os novos desafios em um mundo que caminhava rumo a industrialização, esta pretensa cientificidade era o bastante.

E quem é esse homo economicus? Podemos encontrar em Homo economicus – Wikipédia, pt.wikipedia.org/wiki/ um conceito muito interessante, que reproduzo:

¨Os economistas assumiram que o estudo das ações econômicas do homem poderia ser Pfeito abstraindo-se as outras dimensões culturais do comportamento humano: dimensões morais, éticas religiosas, políticas, etc., e concentraram seu interesse naquilo que eles identificaram como as duas funções elementares exercidas por todo e qualquer indivíduo: o consumo e a produção. 

O homo economicus nada mais é do que um pedaço do ser humano, um fragmento, um resto, a sua parcela que apenas produz e consome, segundo ¨leis¨ deduzidas da observação, cujo único critério de verdade apoia-se na evidência.

O conceito de homo economicus é um postulado da racionalidade que é caracterizado pelo triunfo dos economistas que encontram nele, a semelhança dos biólogos no Darwinismo, uma teoria do comportamento coerente.

Segundo Albou (1984), três grandes correntes filosóficas são responsáveis pela criação, deste conceito: o hedonismo, o utilitarismo e o sensualismo¨.

E mais adiante realça um dos princípios fundamentais do conceito de homo economicus: ¨o homem não obedece senão a razão¨.
 
Esta é a mensagem da teoria. No entanto, os economistas ¨ racionais¨ a tomaram como uma verdade irrefutável e não se cansam de repeti-la, como verdadeiros papagaios.

Não devemos e não podemos nos convencer do argumento simplório, embora atraente, de que os erros na política de substituição de importações, principalmente na sua condução, validam a teoria das vantagens comparativas. Política, ideologia e armas não só defendem mas, também, impõem interesses econômicos. Defendem e impõem numa relação dialética.
 
A teoria se tornou um dogma porque se aplica a qualquer época em qualquer situação, quer os países estejam ou não no mesmo nível de desenvolvimento econômico. Não mostra como as vantagens relativas de uns em relação aos outros podem emperrar os países que almejam se desenvolver e impulsionar os que gozam de vantagens relativas.

Não vejo qualquer problema em admitir que os ¨benefícios¨ do comércio de hoje (ou passado), baseado na divisão internacional do trabalho, sejam as amarras de uma sociedade no futuro (ou no presente), amarras das quais ela precisa se desvencilhar para buscar o seu desenvolvimento. Como alcançar isto, sinceramente não sei?

Se adicionarmos ao que foi exposto outras variáveis já estudadas como a importância das empresas multinacionais (que padronizam o consumo em escala mundial e determinam os métodos de produção), o poder econômico-financeiro dessas organizações, facilidades de acesso às fontes de financiamentos, a estrutura produtiva (concorrência, monopólio), tamanho do mercado, externalidades, economias de escala, etc, veremos que as variáveis são tantas que podemos nos certificar da impossibilidade da validade desta teoria, tal qual foi formulada. E os modelos matemáticos não captam questões, valores e problemas sociais. Tudo isto dificulta a ¨vida¨ da teoria. Sobre a questão da neutralidade tecnológica consultar: Karl Marx, Benjamin Coriat, André Gorz, A.D. Magaline, Hilton Japiassu, Charles Betthelheim, Christian Polloix.

Lamentavelmente, chego a conclusão de que esta teoria tornou-se um empecilho para uma avaliação das possibilidades dos países saírem de seus atrasos históricos, porque tornou-se um dogma, repetida e alardeada a todos os ventos, nada esclarece e dificulta o desenvolvimento de novas ideias, mais realistas. Com o dogma perde-se a RAZÃO.

Não creio que seja fácil, na fase atual, um país relegar o seu passado e alcançar posições mais elevadas de desenvolvimento econômico e social. Não são poucos os fatores que travam este caminho e é difícil identificar e sopesar cada um deles. Uma vontade política coesa é fundamental.

Mas, tenho uma certeza. Com base no que tentei demonstrar é fundamental se desvencilhar dos dogmas, respaldados por teorias e modelos matemáticos sofisticados, exaustivamente repetidos, que nos fascinam e enfeitiçam e que, por isso, não nos permitem discernir a realidade e traçar novos caminhos.

Ora, se a vida produtiva e social em geral se ergueram em função de determinadas atividades produtivas, baseados ou não nas ¨vantagens comparativas¨, torna-se atraente deduzir, a posteriori, que o país escolheu e continua a produzir o(s) produto(s) que lhe deram e ainda lhes dão uma vantagem comparativa.

Isto porque passam a se beneficiar dos ganhos de produtividade e das ¨externalidades¨, quero dizer, do desenvolvimento de outras atividades a elas vinculadas e associadas. É muito difícil, para não dizer impossível, estabelecer a priori quais são as vantagens comparativas, principalmente para atividades que não sejam baseadas em recursos naturais. Mesmo porque não ocorreu o desenvolvimento de outras atividades produtivas.

Para aquelas (recursos naturais) nem teria sentido em mencionar estas vantagens. Em regra, elas, as vantagens, se desenvolvem e se criam com a própria atividade e possibilitam o surgimento de novas atividades que, em sentido contrário, voltam para lhes beneficiar. É a relação dialética de causa e efeito. A causa torna-se efeito que por sua vez vira causa. A atividade produtiva é um risco e o seu sucesso uma incógnita.

A priori, seria impossível prever que os E.U.A teriam, em relação a outras nações, vantagens em tecnologia eletrônica da informação. O que se pode dizer, a posteriori, é que o país tinha criado as bases materiais e sociais que no futuro possibilitaram este domínio. Mesmo porque, não se sabia os rumos que estas atividades tomariam. O importante é estabelecer uma estrutura que permita o dinamismo da produção. As atividades iniciais no Vale do Silício possibilitaram a expansão de outras atividades a elas associadas, que trouxeram novas vantagens para todos.

Como prever? Somente se admitirmos que a mão invisível está por trás de tudo isto, coordenando de modo mais coerente possível. Esta teoria é fruto desta época e de todas estas ideias que circulavam nos meios econômicos.

Aqueles que plotam dados estatísticos para comprovar que o comércio internacional se dá através da teoria das vantagens comparativas incidem em erros crassos, para não dizer em desonestidade profissional. Isto, porque os fatores que emperram e obstruem as possibilidades de surgimento e desenvolvimento de atividades e produtos, muitos dos quais já produzidos em outros países concorrentes, já estavam postos ex-ante, antes das produções se externalizarem. Os dados colhidos e expostos como prova inequívoca da validade desta teoria são dados a posteriori, que nada explicam.

Não existe provas concretas de que a movimentação livre do capital leva ao desenvolvimento. Não se fala aqui em engessar a economia pelo dirigismo estatal, também fracassado.

No momento em que se vive sob o poder e a influência das empresas multinacionais, que mudaram os fundamentos e a feição do comércio, através do poder financeiro, da inovação, da distribuição e alocação de recursos, com o apoio e o lobby dos governos, a doutrina econômica continua presa e arraigada aos fantasmas e ideologias do passado, sem dar uma contribuição efetiva para a sociedade, ao contrário de outras ciências e disciplinas, como a biologia, a engenharia eletrônica, a física, etc e porque não dizer o direito.

A crise de 2007, que trouxe danos irreversíveis, foi fruto dessas ideologias arcaicas que continuam a fazer parte dos currículos das universidades, com debates infrutíferos, tais como a eficiência dos mercados e o papel da mão invisível.

O poder dessas empresas que desmembram as diversas etapas de produção, a nível de empresa, e comercializam entre si, por razões estratégicas, invalida estes pressupostos. A divisão internacional ou regional do processo produtivo e de outras atividades, como o poder decisório, marketing, pesquisa, desenvolvimento de produtos, design, etc, associadas ao poder financeiro, coloca em xeque os fundamentos dessa teoria e a sua razão de ser.

A valorização do capital se processa a nível internacional e não local, daí a razão de que nem todo e qualquer investimento de empresa multinacional é benéfico a médio e longo prazo (assunto que deve ser aprofundado pelos estudiosos).

Até mesmo as decisões de investimentos das sociedades multinacionais não se regem exclusivamente por razões econômicas, leia-se vantagens comparativas de custos, mas também pelas necessidades de contornar as leis rígidas de um país, evitar a influência de políticas nacionalistas, capacidade de mobilidade diante de movimentos sociais adversos, possibilidades de um melhor escoamento dos produtos, expectativas sobre a política econômica dos países, a qualificação da mão de obra, decisões estratégicas frente aos concorrentes, a oportunidade de já estar presente para se posicionar melhor diante dos concorrentes, etc, etc.

Outrossim, dispersam as suas atividades produtivas pelo mundo para combater e enfraquecer o movimento operário. Isto não quer dizer que os cálculos econômicos não tenham importância. Mas, existe um leque de fatores incomensuráveis.

Recentemente, três novos fatos entraram no contexto econômico brasileiro: a) o fracasso da política de substituição das importações, que não alcançou os objetivos almejados e trouxe custos sociais elevados; b) o processo de desindustrialização, embora questionado, que se acentuou com apreciação do real; c) a importância que as exportações de produtos primários alcançaram nos últimos anos.

Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, as exportações brasileiras de produtos básicos representaram 46,7% e 46,8% das exportações em 2013 e 2012, respectivamente. Compõem a pauta deste produtos: soja, milho, carne bovina e de frango, minérios de ferro e cobre, petróleo, café e algodão. Muitos deles são nossos conhecidos de longa data. (Apresentação-Bal Comercial 2013, em www.mdic.gov.br/arquivos/dvnl 1388692200).

Se adicionarmos os produtos semimanufaturados as porcentagens sobem para 59,3% e 60,4%, respectivamente. Pelo visto, o jogo livre das moedas já vinha se encarregando de fazer que o Consenso de Washington não conseguiu.

No momento atual, com críticas veladas à política de substituição de importações e a importância dos bens primários na pauta de exportação, não são poucos os que advogam a validade e o retorno da famosa teoria, explícita e implicitamente, enfatizando as vantagens em continuarmos produzindo bens tradicionais, conforme:

¨Qualquer semelhança com as indicações de Ricardo para o padrão especializado entre Portugal e Inglaterra, apresentada na epígrafe deste artigo, não nos parece ser mera coincidência. Ao defender a especialização na produção baseada na dotação de fatores existentes hoje na economia, Ferreira e Hamdan (2003) promovem uma defesa explícita das vantagens comparativas ricardianas e da literatura de comércio internacional a la Heckscher- Ohlin e a defesa de um padrão de especialização centrado na exploração de fatores produtivos abundantes hoje o que elimina da discussão o caráter de transformação da estrutura produtiva, entre outros de Kepfer (2003)” (em www.economiaetecnologia.ufpr.br, citada).

Mas, por ironia do destino, se confirmada a desindustrialização, a dança das moedas, se encarregou de colocar em ação os fundamentos do Consenso de Washington, redefinindo e recolocando o destino dos países em desenvolvimento para, basicamente, o lugar que sempre ocuparam no comércio internacional.

Se nos dermos ao pequeno trabalho de verificar os rumos que as atividades produtivas nas nações mais ¨avançadas¨ tomaram, em relação as atividades iniciais, constatamos que seria humanamente impossível determinar de antemão, excluindo os recursos naturais, naturalmente, quais atividades trariam uma vantagem comparativa em relação as outras. O importante seria verificar porque estas sociedades colonizadas continuaram produzindo taxativamente os bens de pequeno valor agregado, em relação aos países mais ¨desenvolvidos¨, não lhes sendo possível participar de outras atividades mais vantajosas.

Mas, o que fez uma Alemanha se reerguer depois do fiasco da segunda guerra mundial e das severas restrições que lhes foram impostas? Que teve sua economia reduzida a cinzas e já se tornou a economia mais importante do bloco europeu. Terá sido a mão invisível do Sr. Smith, a teoria dos mercados perfeitos e das vantagens comparativas? Ou o orgulho, o amor próprio, a determinação, o amor ferido, a vontade de superação, o anseio de se fazer ser ouvido e respeitado nas questões internacionais, que fazem parte do ânimo social de um povo? Ou, ainda, uma identidade nacional, um governo ¨sério¨(é difícil, mas existe os mais sérios) e forte, não digo autoritário, com autoridade suficiente para estabelecer metas e uma classe dominante com capacidade para comandar?

A liderança é fundamental. Uma classe dirigente e empresarial que tenha anseios, não só interesses financeiros, e se identifique com um projeto de construção nacional, mas longe de ser xenófoba é indispensável. Difícil não? Mas, não impossível.

O sucesso econômico de um país é medido pelo seu dinamismo e por sua capacidade de inovar, tanto na criação de novos produtos quanto nos métodos de produzi-los. E não existem grandes possibilidades de inovação se especializando na extração e produção de recursos naturais. E a difícil luta para alcançar o desenvolvimento se dá em 3 frentes: no campo político, ideológico e econômico.

¨Isso porque os países centrais são líderes na inovação e na difusão de tecnologia: no fundo, é esse dinamismo tecnológico e os ganhos de produtividade dele decorrentes que determinam sua liderança econômica internacional, o que se reflete tanto na produção interna como na exportação¨ (Fonseca, p. 258).

Lembro ainda, que nas ¨ciências¨ inexatas, que lidam com o social e humano, não existe uma única causa que explique qualquer situação.


RESUMO
 
Neste texto tentei demonstrar que a teoria das vantagens comparativas dos custos, de David Ricardo, foi elaborada sob medida para justificar a especialização do comércio entre Portugal e Inglaterra, na produção de vinho e téxteis, respectivamente, consubstanciada no Tratado de Methuen.

Trata-se de uma teoria estática, fundamentada em pressupostos irreais, principalmente na noção do homo economicus, que não leva em consideração outros fatores importantes, em sua elaboração, tais como: nível de demanda e elasticidades-preço, capacidade de mobilização do capital, possibilidades de superprodução, deficiência de demanda, essencialidade dos produtos comercializados, concorrência internacional , distribuição de renda de cada país, tamanho dos mercados, cultura dos imigrantes, características dos produtos negociados, fontes de financiamento, elasticidade da oferta, sociedades com o mesmo modo de produção e nível de desenvolvimento, fatores políticos e ideológicos e, que, por isso, não explica como alguns países se beneficiam as custas dos outros, através da especialização, nas trocas internacionais.

Neste texto tentei demonstrar que a teoria das vantagens comparativas dos custos, de David Ricardo, foi elaborada sob medida para justificar a especialização do comércio entre Portugal e Inglaterra, na produção de vinho e téxteis, respectivamente, consubstanciada no Tratado de Methuen.

Trata-se de uma teoria estática, fundamentada em pressupostos irreais, principalmente na noção do homo economicus, que não leva em consideração outros fatores importantes, em sua elaboração, tais como: nível de demanda e elasticidades-preço, capacidade de mobilização do capital, possibilidades de superprodução, deficiência de demanda, essencialidade dos produtos comercializados, concorrência internacional , distribuição de renda de cada país, tamanho dos mercados, cultura dos imigrantes, características dos produtos negociados, fontes de financiamento, elasticidade da oferta, sociedades com o mesmo modo de produção e nível de desenvolvimento, fatores políticos e ideológicos e, que, por isso, não explica como alguns países se beneficiam as custas dos outros, através da especialização, nas trocas internacionais.

As hipóteses que fundamentam a teoria são tão restritivas que a tornam irreal. E uma época em que o maquinismo era dominante, com a revolução industrial, a teoria adotava a hipótese da existência de um único fator de produção, o trabalho.

Além disto, não explica porque alguns países permanecem em letargia e não se desenvolvem, com a proposta da especialização, como seria de se supor, pelo seu próprio enunciado, e, muito ao contrário, bloqueia e impede, por sua formulação e repetição nos meios acadêmicos, o surgimento de novas ideias e teorias.

Tornou-se um dogma porque pretende explicar os benefícios da especialização no comércio internacional independentemente dos níveis de desenvolvimentos das sociedades envolvidas, da história de cada país e dos produtos comercializados.


Rio de Janeiro 05 de abril de 2014





MANUEL ELISIO FROTA NETO







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