A
IDEOLOGIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS
OBJETIVO
O
objetivo deste texto é tentar entender, se possível trazer alguma
luz, como e se a teoria das vantagens comparativas dos custos nos
ajuda a esclarecer assuntos ligados ao desenvolvimento, crescimento,
diferenças de desenvolvimento e na possibilidade de reversão de
¨escolhas¨ mal sucedidas, impostas ou não. De antemão, afirmo que
quanto ao último aspecto ela não tem nada a nos dizer.
Este
ensaio não alcançaria a sua finalidade se não fosse redigido em
uma linguagem bastante accessível. De início, confesso a minha
aversão e incapacidade para lidar com modelos matemáticos
extremamente sofisticados. Acredito que eles são incapazes de captar
aspectos relevantes do comportamento humano e de sua vida social,
real.
Em
um outro ensaio, denominado ¨Direito, Economia e Mercados Racionais
- Uma Crítica aos Economistas Racionais¨, tive a oportunidade de me
manisfestar sobre este assunto, inclusive com uma abordagem sobre
¨Informações Assimétricas¨, formulada por Joseph E. Stiglitz. Os
economistas, matemáticos, etc, adeptos destes modelos, os tratam
como fim em si mesmos, ou melhor, quanto mais sofisticados menos
questionáveis.
Com
o desenrolar da exposição, vai ficando evidente que eles (modelos)
não são tão imprescindíveis quanto eles (economistas) imaginam e
fazem crer. Mais importante é focar em seus princípios, fundamentos
e conclusões. Na crise de 2008 e em outras recentes, nós já
tivemos a experiência de como eles (ambos) ajudaram a nos levar para
o caos.
A
TEORIA DE DAVID RICARDO
A
teoria das vantagens comparativas foi elaborada por David Ricardo em
seu célebre livro The Principles of Political Economy and Taxation,
publicado em 1817.
Embora
não tenha conseguido obter um enunciado claro e sucinto do
economista sobre o assunto, me apoio no subsídio de alguns
economistas, que falam de uma maneira genérica sobre a teoria:
¨Vantagem
comparativa dos custos é definida pela condição em que o custo de
oportunidade da produção de um bem em termos de outros bens é mais
baixo em um país comparativamente a outros6 (definição baseada em
Krugman, citada em Notas de aulas – Março e abril – UFRGS, em
www.ufrgs.bs/decon).
¨O
comércio permite que as pessoas e países se concentrem naquilo que
produzem melhor. Alguns países são mais eficientes do que outros na
produção de quase tudo. A posse de habilidades superiores de
produção é conhecida como vantagem absoluta, e diz-se que esses
países têm uma vantagem absoluta sobre os outros. Então, como os
países com desvantagens podem ser bem sucedidos no comércio? A
resposta está no princípio da vantagem comparativa, que mostra que
as pessoas e países se especializam naquilo em que são
relativamente, e não absolutamente, mais eficientes¨ (Stiglitz,
Joseph E., Introdução a Macroeconomia, Ed, Campus, 2003, p. 37/8).
No
exemplo de Ricardo, para a Inglaterra era vantajoso se especializar
em têxtil e Portugal em vinhos, uma pura coincidência, posto que o
Tratado de Methuen, já havia estabelecido isto.
Desde
então, tornou-se uma teoria irrefutável, um verdadeiro dogma, que
traçou os caminhos da ciência econômica, sendo repetidamente
mencionada pelos economistas.
No
início da década de 70, quando estudava economia, um famoso
professor que lecionava uma matéria ligada ao desenvolvimento
econômico, afirmou que tinha descoberto o porquê do Brasil não ter
se industrializado. Segundo ele, a razão se encontrava na teoria das
vantagens comparativas. Era mais vantajoso o país se especializar na
produção de produtos primários.
Esqueceu
o ilustre professor de que o que poderia ser bom no passado poderá
não ser no presente, o que é no presente poderá não ser no futuro
e o que foi no passado possivelmente não será no futuro.
O
TRATADO DE METHUEN
No
século XVII, Portugal já apresentava evidências de falta de
competitividade no mercado internacional e o consequente declínio
econômico, frente as demais nações nações europeias.
Em
dezembro de 1703, Inglaterra e Portugal celebram o Tratado de
Methuen, também conhecido como o tratado dos ¨Panos e vinhos¨ no
qual fica estabelecido que a Inglaterra se especializava na produção
têxtil e Portugal na produção de vinho.
Embora pairem dúvidas e divergências
da importância do Tratado sobre o futuro de Portugal (O Tratado de
Methuen, interpretações e desmistificações, em www.klepidra.net),
já que o país demonstrava um efetivo declínio econômico, este
tratado ajudou a sepultar as esperanças de industrialização e
selou o seu destino. Para muitos, a razão do declínio era o
domínio político e os interesses da aristocracia portuguesa, que
não possuÍa um espírito mercantilista. Consta que o Marquês de
Pombal tinha interesse em rever o acordo, mas foi dissuadido pela
influência política e os interesses da aristocracia.
Primeira Observação: o comércio
internacional, mais especificamente a decisão do que produzir, não
se rege apenas e exclusivamente, pelos fundamentos e interesses
econômicos (leia-se vantagens comparativas). Os acordos, pactos
e tratados muitas vezes subvertem estes fundamentos. Na época, os
ingleses eram predominantes nas vinícolas do Douro.
A não ser que admitamos que a mão
invisível do Sr. Smith e a racionalidade humana já justificasse, a
priori, tal fato. Se assim tivesse sido, considerando que a teoria de
Ricardo foi ¨demonstrada¨ apenas em 1817, mais de cem anos depois
de ser firmado o tratado, não haveria necessidade dela ter sido
anunciada. Repito que parece ter sido muita coincidência. Estes
fundamentos nem sempre serviram de guia para as decisões políticas.
AS PREMISSAS E AS CONCLUSÕES DA
TEORIA DAS VANTAGENS COMPARATIVAS
Neste tópico procuro fazer uma
síntese da Teoria das Vantagens Comparativas e de sua evolução
teórica, destacando as premissas básicas e as conclusões e resumos
de cada trabalho. Estes destaques servirão aos meus propósitos.
Para tanto, me sirvo dos seguintes trabalhos:
Aula 212013, Vantagem comparativa,
www..economia.easalq.usp.br/intranet
e das Notas de aula-Março e abril-UFRGS, www.ufrgs.bs/decon.
1) Teoria das vantagens comparativas
de Ricardo:
Premissas:
- Existem dois países no mundo (Local e Estrangeiro);
- Cada um deles produz dois bens;
- o trabalho L é o único fator de produção;
- A oferta de trabalho é fixa para cada país;
- o trabalho não é móvel entre países;
- Estruturas de concorrência perfeita prevalecem em todos os mercados;
- Cada país tem acesso a tecnologias diferenciadas, de forma que a produtividade do trabalho é diferente em cada país.
Resumo:
- A previsão básica do modelo Ricardiano – que os países tendem a exportar bens em que têm uma produtividade relativamente mais alta – foi confirmada por vários estudos;
- A distribuição dos ganhos obtidos com o comércio depende dos preços relativos dos bens que o país produz.
Premissa fundamental do modelo:
- A especialização do comércio é comandada pelo critério de vantagens comparativas de custos.
Hipótese básicas do modelo:
- Mercado competitivo: ausência de barreiras à livre movimentação dos bens entre os diferentes mercados/países;
- Existência de um único fator de produção, o trabalho, o qual poderá ser empregado na produção de apenas dois bens;
- O fator trabalho é perfeitamente móvel no interior de um país e entre diferentes setores da economia, mas imóvel entre países;
- As tecnologias não são homogêneas no interior de um dado país e entre países, o que explica as diferenças de produtividade.
Definição dos ganhos do comércio:
- A hipótese da teoria Ricardiana é de que a existência de comércio internacional, obedecido o critério de especialização segundo as vantagens comparativas, deve ser vantajoso para todos os países.
Conclusão:
- A definição dos ganhos do comércio dependem não apenas
- das vantagens/desvantagens de custos, mas é também influenciada pelo valor dos termos de troca.
2) Segundo o mesmo estudo citado, o
modelo Heckscher-Ohlin-Samuelson, estabelece:
Premissa central do modelo:
- Os países tendem a exportar bens que sejam intensivos em fatores dos quais são dotados abundantemente.
As Hipóteses básicas desse modelo
são:
- Demanda homogênea: ambos os países possuem uma mesma função de demanda/escala de preferências/elasticidade-preço;
- Tecnologia homogênea: ambos os países utilizam uma mesma tecnologia;
- Pleno emprego dos recursos produtivos: alterações nos dados da economia se expressam unicamente em mudanças na alocação de recursos;
- Concorrência perfeita nos mercados de bens e fatores: preços de bens e dos fatores convergem para um valor médio de equilíbrio mundial.
Conclusão:
- A economia tende a
especializar-se na produção e no comércio de bens que são
intensivos em fatores de produção relativamente abundantes.
O referido trabalho chama a atenção
para a conclusão do Paradoxo de Leontief nos seguintes
termos:
- Os EUA são um país intensivo no
fator capital, no entanto, são as importações que estão
apresentando um coeficiente mais elevado de capital/trabalho, quando,
segundo a previsão da teoria neoclássica , as exportações é que
deveriam ser relativamente mais intensivas em capital.
3) Objetivando aperfeiçoar o modelo e
comprovar a sua veracidade no comércio internacional, o renomado
economista Paul Krugman introduziu novas variáveis e foi
agraciado com o Prêmio Nobel , quais sejam:
- Tamanho do mercado;
- Economias de escala.
Situação
1: suponha que ambas as indústrias sejam do tipo
perfeitamente competitivo;
Conclusão:
O padrão de especialização do comércio será inteiramente
definido pelo critério das vantagens comparativas de custos e
conforme a dotação relativa dos fatores de cada país.
Situação 2: Suponha que a
indústria de manufaturas opera em condição de concorrência
monopolística, em ambos os países, de modo que cada uma das
firmas produz bens diferenciados, ao passo que a indústria de
alimentos opera em concorrência perfeita e produz bens
homogêneos;
Conclusões:
- O padrão de comércio intra-indústria é em si indeterminado: o modelo não informa sobre qual país produzirá quais bens na indústria de manufaturas;
- O padrão de comércio inter-indústrias entre manufaturas e alimentos é determinado segundo a previsão do modelo das proporções relativas dos fatores: país local exporta manufaturas e país estrangeiro exporta alimentos;
- O comércio interindústria é explicado pelas vantagens comparativas, ao passo que o comércio intra-indústria é explicado pelas economias de escala;
- A explicação da especialização no comércio exclusivamente em termos de vantagens comparativas apenas será válida quando assumida a hipótese de que a estrutura de mercado seja de Concorrência perfeita (hipótese assumida pelos modelos Ricardiano Neoclássico anteriormente discutidos).
Sobre o assunto, transcrevo matéria
publicada em 28/03/2014, em www.infopedia.pt:
¨Em 2008, Krugman é distinguido com
o Prêmio Nobel da Economia pela nova teoria sobre o comércio
internacional (new trade theory) e geografia econômica. Antes de
Krugman, o comércio internacional era explicado pela teoria das
vantagens comparativas, segundo a qual os países têm vantagem em
especializar-se nas suas atividades mais produtivas, desde que
consigam obter os restantes produtos através do comércio.
Assim todos os países saem a ganhar
porque a especialização permite-lhes obter ganhos de produtividade
e o comércio permite-lhes obter, mais barato, os produtos em que não
se especializaram.
Mas esta teoria não explica porque é
que países muito semelhantes trocam entre si produtos muito
semelhantes deste fenômeno e que mostram que o comércio, ao
aumentar o mercado global para cada produto, permite ganhos de escala
e acesso aos consumidores a uma variedade de produtos.
[…] O trabalho de Krugman sobre
geografia econômica tenta explicar a concentração da população
mundial nas cidades e o porquê da concentração de atividades
econômicas parecidas nos mesmos locais. Isto pode ser explicado
pelas economias de escala e pelos custos de transportes reduzidos¨.
Do que foi resumidamente exposto, com
base nos trabalhos citados, constata-se que o economista não fez uma
crítica contundente sobre a validade do ¨modelo¨ de Ricardo,
gando, inclusive, a afirmá-la em determinadas situações.
Existem outros modelos que tratam do
mesmo assunto. Pode-se avaliar a dimensão do imbróglio que o Sr.
Ricardo nos legou.
CONSIDERAÇÕES
SOBRE A TEORIA E SUA EVOLUÇÃO
Embora
esse assuntos, mercados imperfeitos, economias de escala, tamanho dos
mercados, externalidades e outros tenham, inegavelmente, importância,
não vou entrar neste mérito porque já foram devidamente
explicados.
Aqui,
me ocupo de outros aspectos, prefiro levantar outras questões, que
me parecem mais relevantes, para avaliar a validade da teoria e que
servem mais aos meus propósitos.
Primeira
consideração: Em todos os modelos desenvolvidos e em
suas derivações há a hipótese implícita de que as demandas
absorvem as possibilidades de produções. Por isso a teoria é
também conhecida como ¨vantagem comparativa dos custos¨. Ela nos
remete para a teoria dos mercados racionais, da lei de Say, do
laissez-faire, da mão invisível, conceitos enraizados na teoria
econômica clássica e que mais uma vez nos levou ao caos em 2008.
Estas concepções, de longa data, já foram comprovadas serem
falsas, embora continuem sendo afirmadas (Marx, Keynes, Kaleski).
O
pressuposto é que não ocorrerá deficiência de demanda, nem
superprodução. Mas, se esta hipótese já se tornou uma falácia em
relação a um país, como poderá ser válida para dois?
Entretanto,
existem outros fatores que afetam diretamente esta hipótese e a
inviabilizam, principalmente no médio e longo prazo, acarretando
desequilíbrio nas relações, podendo-se destacar:
- possibilidades de crise interna e externa em cada país;
- possibilidades de aumento da produção (superprodução);
- essencialidade dos produtos produzidos e demandados;
- existência de produtos substitutos;
- elasticidade preço e renda de cada produto;
- tamanho do mercado de cada país atendido;
- elasticidade da oferta de cada produto;
- distribuição de renda em cada país;
- oferta dos fatores de produção;
- facilidades de surgimento de novos concorrentes internacionais, em virtude da complexidade de produção de cada produto e do domínio da tecnologia de produção por um terceiro país;
- descobertas e invenções que tornam o produto obsoleto;
- desenvolvimento de infraestrutura;
- fontes e formas de financiamentos (mercado financeiro mais desenvolvido);
- política monetária do governo.
A
interação desses fatores poderá trazer resultados imprevisíveis
para o futuro das relações de troca baseadas inicialmente nas ditas
¨vantagens comparativas¨, completamente diversos da hipótese
mencionada. Havendo uma crise econômica em um dos países, ou em
escala internacional, os efeitos sobre a produção e a demanda de
cada país serão diferentes, modificando as condições de troca
originais, sendo improvável supor que os ajustes serão da mesma
intensidade absoluta e relativa.
No
início do século XX houve uma superprodução de café no Brasil,
da qual resultou diversas medidas econômicas. Como ficou comprovado,
as possibilidades de expansão da produção eram grandes, com a
incorporação de novas terras no oeste paulista, a procura
inelástica e a recuperação da concorrência internacional. Com a
grande depressão de 1929 a crise se agravou, proporcionando uma
guinada na política econômica do país.
Os
exemplos se multiplicam. No final do século XIX e início do XX,
ciclo da borracha, o Brasil tornou-se o grande produtor e exportador
mundial de borracha, na região amazônica, com a extração do
látex, chegando a rivalizar em importância com o café,
representado 30% (trinta) das exportações brasileiras. As cidades
de Manaus e Belém floresceram e tomaram grande impulso durante o
período. Na década de 20 , empresários holandeses e ingleses
introduziram a produção na Ásia (Ceilão, Indonésia e Malásia) e
a produção brasileira sofreu um duro golpe. O golpe fatal veio com
a inovação da borracha sintética, após a 2ª grande guerra
mundial.
No
século o açúcar brasileiro sofre grande concorrência da produção
das colônias holandesas, que eram conhecedores das técnicas de
refino, pois desde o início do século XVII forneciam os
equipamentos para os engenhos brasileiros. Ainda, no final do século
XX o açúcar de cana sofreu grande concorrência do açúcar de
beterraba, que atingiu 75% (setenta e cinco) da produção mundial em
1900.
Segunda
consideração: Também os modelos não levam em consideração
as demandas pelos produtos exportados em cada país e as respectivas
elasticidades-preço e renda. Se introduzirmos estes fatores e os
mencionados no item anterior a situação muda drasticamente e,
embora os países possam se beneficiar com as trocas, um deles poderá
obter vantagens relativas em relação ao outro. Se a demanda de um
país não absorver toda a potencialidade e possibilidade de produção
do outro, passa a existir uma vantagem relativa de um em relação ao
outro. A elasticidade-preço dos produtos desempenham o mesmo papel
porque elas permitem expandir ou não a produção no futuro.
A
importância dos efeitos da elasticidade-renda dos produtos sobre o
balanço de pagamentos já foi mencionada em outros trabalhos. Aqui
me interessa as diferenças nos benefícios auferidos pelos
participantes e as possibilidades dessas diferenças se cristalizarem
e se tornarem irreversíveis.
Estes
fatos serão fundamentais para a análise da dinâmica do comércio
no futuro. Essas vantagens relativas de uns em relação aos outros
se enraízam, se materializam e potencializam as diferenças de
benefícios. Através de hábitos e costumes, criam vínculos
sociais e as possibilidades para que as diferenças se alarguem. Em
síntese a teoria é estática. O modelo que mais se aproximou deste
detalhe, elasticidade preço, foi o de Samuelson, mas não só não
deu a devida importância, e nele as elasticidades e as procuras eram
iguais. Por outro lado, afastou todos os outros fatores mencionados
no item anterior.
Terceira
consideração: As características dos produtos e os
modelos. Os modelos partem sempre da análise de dois produtos
comercializados por dois países. A partir daí generalizam para a
produção de diversos produtos. Vou ser mais específico. Este
pressuposto leva em conta o fato de que os produtos devem ser
analisados apenas individualmente.
Mais
uma vez a velha dialética pode vir em nosso socorro para nos
auxiliar a esclarecer o erro. ¨O todo não é a soma das partes¨
diziam Engels e Marx. A produção de diversos produtos cria uma
relação entre eles, uma correlação de interdependência,
interações, incentivos que facilitam o desenvolvimento de outros e
dá dinâmica ao processo. Alguma coisa parecida com as
externalidades, mas algo mais.
Em
tese, o que pode ser verdade para algumas das partes não é
necessariamente verdade para o todo, em seu conjunto. Assim, pode-se
concluir que a maneira como a divisão internacional do trabalho se
externou não foi inevitavelmente com base na teoria das vantagens
comparativas.
Me
refiro a produtos que por sua própria natureza, ou mesmo da
estrutura econômica em que são produzidos, já carregam o germe de
outras atividades produtivas a eles ligadas, conexas. Foi o que se
sucedeu com advento das estradas de ferro e com o automóvel e
atualmente com a indústria eletrônica. Alavancaram a produção de
outros produtos.
Evidentemente,
as renovações ou melhoramentos dos mesmos produtos comercializados
estão fora do contexto da teoria. Por isso mesmo ela é estática.
Mas, num certo sentido, não poderia ser diferente, porque seria
impossível prever os desdobramentos das novas invenções, que
ocorreram tanto nos métodos de produção quanto nos próprios
produtos. O problema é querer dar validade a teoria sem considerar
estes aspectos.
Os
automóveis, durante décadas, se renovam, incorporam novas
tecnologias e produtos, desencadeiam novos estímulos industriais,
inclusive com a difusão de novos métodos de produção (fordismo,
toyotismo). Responsáveis pela revolução no estilo de vida do
século XX, continuam sendo adquiridos e cobiçados e suas indústrias
ainda desempenham grande importância na economia atual, embora
percam importância relativa. Interagem com a tecnologia das
informações, incorporam estas inovações e se modificam. Por isso,
um ford bigode, embora seja um automóvel, não é igual ao novo
focus. Continuam sendo automóveis, mas com características
totalmente diferentes.
Em
2013, das 25 maiores empresas do mundo em faturamento a Toyota Motor
ocupava a 8ª posição, Volkswagen a 9ª, General Motors a 22ª e o
Grupo Daimler-Bens a 23ª. E as empresas petrolíferas ocupavam as
posições mais importantes entre as 10 maiores, entre elas Royal
Dutch Shell, Exxon Mobil, China Nacional Petroleum, Bristish
Petroleum, Total (As 25 maiores empresas do mundo em
exame.abril.com.br).
Para
uma melhor percepção, reproduzo parágrafo do trabalho intitulado
¨Inovação tecnológica na indústria automobilística...¨, em
www.scielo.br/pdf/ecos/v17:
¨Com
base no método proposto pelo US Bureau of Census (BOC) para
definir as indústrias high-tech ¨o automóvel pode ser
descrito como uma plataforma hospedeira de tecnologias de ponta e a
indústria [automobilística] como uma produtora destas tecnologias¨
(McAlinden et al, 2000, p. 20). De fato, a indústria automobilística
utiliza (ou desenvolve internamente) tecnologias de ponta e
componentes de quatro áreas consideradas avançadas – 1)
computadores e telecomunicações, 2) eletrônica, 3) manufatura
integrada por computadores e 4) design de materiais – de um total
de dez que definiram, segundo a metodologia sugerida pelo BOC, as
indústrias de alta tecnologia (Mc Alinden et al, 2000).
No
que se refere à utilização das novas tecnologias na indústria
automobilística – excetuando-se, é claro, as formas alternativas
de propulsão (motores elétricos, híbridos e células de
combustível) – a eletrônica, a tecnologia de informaçãoe os
novos materiais são indiscutivelmente as variáveis chave (McAlinden
et al..., 2000; Rapp, 2000; Chanaron, 2001; NRC, 2005). Por exemplo,
segundo estimativas, a parcela de eletrônica embarcada no custo
corrente dos veículos automotores era cerca de 10% em 2000.
Atualmente, avalia-se que tal parcela já seja de 20% e estima-se que
ela salte para aproximadamente 40% em 2015 (DOC, 2006)¨.
[…]
Tradicionalmente vista como a indústria de aço e de ferro fundido,
o setor automobilístico vem crescentemente também se empenhando no
desenvolvimento e nas experiências com uso de materiais leves –
incluindo-se aços de alta e ultra-alta resistência, alumínio,
plásticos especiais resistentes a altas temperaturas, ligas de
magnésio e fibras compostas reforçadas (de carbono, cerâmicas e
outros materiais). Estes esforços têm tido também impactos
complementares consideráveis nos chamados processos de manufatura
avançados¨ ( McAlinden et al.., 2000;OPT, 2003b; NRC, 2003).
Como
corolário, o desenvolvimento tecnológico, as inovações e as
invenções de novos processos e produtos necessitam e dependem dos
conhecimentos previamente acumulados e materializados, da aprendizagem
e consequentemente da produção prévia de outros produtos, que
passam a ser, em sentido figurado, algo como as ¨matérias-primas¨
dos novos produtos, tal como se tratasse de uma cadeia produtiva.
A
aquisição de conhecimento, o aprendizado, e sua aplicação teórica
e prática é um processo eminentemente social, uma conquista social.
Ele se dá a nível social, ou seja, é um processo social.
Sem
qualquer menosprezo, os gênios só florescem em determinadas
condições históricas e sociais, quando o desenvolvimento social e
técnico permitem e viabilizam as novas descobertas. Elas são
possíveis e se apoiam em aprendizados teóricos e práticos
anteriormente acumulados, que fornecem os meios necessários para que
as novas ideias desabrochem. Nessas circunstâncias as suas ideias
encontram eco e promovem estímulos a novas descobertas.
Essa
interface cria um círculo vicioso, difícil de ser revertido por
outras nações, mesmo por aquelas que inicialmente, antes, no início
do processo, se encontravam em situações de desenvolvimento
equivalentes, porque as vantagens adquiridas passam a ser vantagens
consolidadas, pois reforçam e dão novos ímpetos às inovações e
invenções.
Embora
a teoria econômica reconheça as externalidades não dá um passo,
ou melhor, dá um passo a frente e outro atrás. São citadas, mas
não servem para questionar os modelos, têm sempre a intenção de
reafirmar que em determinadas situações a teoria prevalece.
Por
outro lado, a análise da teoria das vantagens comparativas¨ não
deveria levar em conta as relações de troca quando envolvesse
recursos naturais ou mesmo primários. Se determinado país é
carente de recursos naturais nada mais lógico de que o comercio
destes produtos lhe traz vantagens. Da mesma forma podemos dizer do
país abundante destes recursos que comercializa com o outro. Nada
mais óbvio que o comercio é vantajoso para os dois. É chover no
molhado.
Mas,
isto não significa dizer que explorar as vantagens da abundância de
recursos no comercio exclui a opção pela busca de possibilidades de
outras vantagens ou benefícios em atividades que não sejam
primárias. Os argumentos levantados nos debates sobre a
industrialização do Brasil chegam a ser grotescos. Eram puramente
ideológicos, muito embora procurassem respaldo na teoria das
vantagens comparativas. (Tópico seguinte)
Em
resumo, a teoria proposta despreza a sinergia de
produtos, serviços e atividades produtivas, fator este que, dado a
complexidade e a pluralidade das atividades econômicas modernas
dificilmente poderão ser captados por modelos
matemáticos/econométricos, sem considerar ainda a impossibilidade
de previsão de novos produtos e serviços e a importância que terão
no futuro.
Dissecar
o todo em partes, reduzir para generalizar, não tem sido o método
mais adequado. O ideal é tentar uma abordagem sistêmica. Mas, se o
método é falho em seus princípios o que dizer da conclusão?
Quarta
consideração: Esta diz respeito a fatores históricos,
sociais, políticos, ideológicos ,
que
por razões óbvias estão excluídos do modelo.
A
forma como a América foi colonizada demonstra que não existiu uma
escolha nos termos em que a teoria propõe, em relação ao comercio
de produtos que veria se estabelecer.
Esta
escolha foi imposta de antemão pelos países colonizadores. Na
verdade, à época não existia nem mesmo qualquer situação que
pudesse justificar a validade dessa teoria. Ela surge com o advento
da sociedade capitalista que necessita demonstrar a racionalidade da
economia, em termos de superioridade em relação a ordem que
vigorava, afirmando que as nações escolhiam os seus destinos,
através do homo economicus, racional. Era a época do Iluminismo, em
que a razão e a ciência iriam libertar os seres humanos.
Isto
significa dizer que as escolhas do quê produzir passavam pelos
interesses exclusivos dos colonizadores. As sociedades colonizadas
organizaram as suas estruturas produtivas e sociais em função dos
interesses dos colonizadores.
Essas
sociedades colonizadas criaram uma vida material e social, através
de hábitos, relações, laços que iriam se perpetuar, mas que
obrigatoriamente não significava impossibilidades de traçar novos
caminhos.
Se
algumas nações conseguiram romper com estas raízes históricas
teríamos que analisar, caso a caso, as condições que
possibilitaram essas mudanças. A realidade é que essas atividades
produtivas se enraizaram e organizaram a vida social dessas regiões
e países. Por exemplo, no Brasil a urbanização se deu
principalmente nas cidades litorâneas ou próximas.
Os
interesses arraigados a essas atividades trouxe, como sempre ocorre,
influência política, econômica e ideológica, que iriam
possibilitar ou não avançar em direção ao progresso,
industrialização, entendido como espelho das sociedades mais
tecnologicamente desenvolvidas.
O
Brasil não ficou imune a esses efeitos e os debates sobre a
industrialização foram intensos. As elites do café dominaram
durante décadas a política econômica brasileira, exerceram
influência política e elegeram os seus legítimos interesses como
os do país.
Para
melhor esclarecer este ponto, repito as palavras do trabalho
Industrialização e Desenvolvimento– Economia & Tecnologia
(UFPR), em www.economiaetecnologia.ufpr.br:
¨Luz
(1975) argumenta que o período do Império foi marcado pelo consenso
sobre a vocação agrícola da economia brasileira. Os expoentes do
debate da época, o Visconde do Cairu (José Maria da Silva Lisboa) e
Tavares Bastos, eram ardorosos defensores do liberalismo
econômico. Argumentavam que o país deveria especializar-se nas
atividades agrícolas e na extração mineral, dadas as vantagens
comparativas existentes, particularmente a abundância e a qualidade
das terras cultiváveis.
[…]
Este cenário é, em alguma medida, alterado com a Proclamação da
República, especialmente por ocasião da elaboração da
Constituinte Republicana. Neste momento, a ênfase nas atividades
primário-exportadoras e o frágil desenvolvimento das atividades
industriais passaram a ser questionados. Assim, ainda que a
influência do pensamento liberal inglês, especialmente a visão
ricardiana consolidada na teoria das vantagens comparativas,
mantenha-se como predominante nos debates, pode-se notar o
surgimento, ainda que marginal marginal, da defesa de um processo de
industrialização como forma de ¨superar o caráter ainda colonial
de nossa economia¨.
A
evolução do debate foi marcada pelas alterações concretamente
processadas no país . Não é mera coincidência que o surgimento de
teses industrializantes tenha ocorrido após a Proclamação da
República, período em que o país iniciava os primeiros passos na
direção da constituição de uma nação.
[…]
Apesar de seu desenvolvimento, as discussões sobre o papel da
industrialização para o desenvolvimento brasileiro podem ser
classificadas como marginais, tanta na perspectiva acadêmica,
quanto de sua influência na execução de políticas econômicas
voltadas ao desenvolvimento da indústria. Furtado (1968), entre
outros, defende que as políticas econômicas instituídas pelo
governo até a década de trinta serviam aos interesses da
burguesia cafeeira. A política de valorização do café
instituída a partir do Convênio de Taubaté (1906), assim como o
uso intensivo das políticas de desvalorização da moeda tiveram o
intuito de defender a renda dos exportadores frente às oscilações
dos preços do café no mercado internacional são algumas evidências
da predominância dos interesses cafeeiros¨.
Entra em cena um novo
fator importante. A política econômica adotada para preservar uma
atividade produtiva, baseada ou não em vantagens comparativas,
desestimula o surgimento de outras atividades que poderiam ser mais
benéficas no futuro. A influência e os interesses políticos
anulam os fundamentos econômicos, conforme comentei sobre o
Tratado de Methuen.
Os debates continuaram
com Simonsen e Gudin, mesmo depois da opção industrializante:
¨A
partir de 1937, com a instituição do estado Novo, Vargas assume
deliberadamente o projeto industrializante, baseado na proteção à
indústria nacional e na realização de investimentos públicos¨.
Gudin, um expoente
economista, era partidário do liberalismo: ¨A
influência da teoria das vantagens comparativas não é algo
subliminar no obra de Gudin¨ (em www.economiaetecnologia.ufpr.br,
já citado).
Nesse mesmo sentido:
¨O
crescente poder econômico dos senhores do café rapidamente lhes
passaria as rédeas do poder político, assegurando dessa forma, a
utilização do aparelho do Estado para a consecução dos seus
objetivos¨ ( Rego, José Márcio e outros Formação
econômica do Brasil, ed. Saraiva, 2003, p.X).
Os empecilhos políticos
a tentativa de industrialização já se manisfestavam no século
XVIII, com forte oposição de Portugal ( Rego, p. 85). Teria sido
uma previsão da imposição da lei das vantagens comparativas
comandadas pela mão invisível do mercado?
Não devemos menosprezar
a força da ideologia, principalmente quando vem revestida por um
manto de cientificidade, como se pode perceber da excelente análise
feita por Durval Muniz de Albuquerque Jr:
¨Como
vimos, a origem da nacionalidade é buscada na história de cada
região. As lutas regionalistas atravessam a leitura da história do
Brasil, que é feita para estabelecer a prevalência de uma área e
de um ¨tipo regional¨, na construção da nação e de seu povo.
[…] Produz-se toda uma mitologia em torno da origem de cada região
e da nação, em torno de fatos históricos e pessoas que são
afirmadas como precursores da nacionalidade, como heróis fundadores
do Brasil. Estes mitos lançam mão da memória histórica de cada
área, das manifestações folclóricas, das narrativas populares e
da memória pessoal de seus autores. (Jr Albuquerque, Durval Muniz, A
invenção do Nordeste, Cortez Ed, 1999, p. 101).
[…]
Este caráter aristocrático tão decantado por Freire quando se
refere a aristocracia açucareira nordestina é outro ponto de
discórdia entre os intelectuais ¨sulistas¨ e ¨nordestinos¨. Para
Oliveira Vianna, o mesmo luxo e pompa da aristocracia pernambucana
podiam ser encontrados em São Paulo. Para ele, a aristocracia
paulista descendia das famílias nobres de Portugal e de alguns
plebeus aqui enriquecidos. Freire negava essa origem aristocrática
dos paulistas; para ele, a população paulista descendia de
portugueses humildes, mestiços com mouros e judeus¨ (p.103).
Gilberto Freire
(1900-1987), descendente de colonizadores portugueses, sociólogo,
antropólogo e historiador, grande pensador nordestino do século XX,
também trouxe seus traços ideológicos. Nas palavras de Durval:
¨Escrevendo
uma trilogia que começa com Casa-Grande e Senzala (1933), passa por
Sobrados e Mocambos (1936) e termina com Ordem e Progresso (1959),
Freire toma a história da produção açucareira da zona da mata
nordestina, ou mais precisamente pernambucana, e generaliza a sua
análise para todo o passado colonial não só do nordeste, como do
Brasil. Ela encontra nesta sociedade não só a célula original da
civilização brasileira, como, abstrai constantes que caracterizam
toda a sociedade brasileira. Para Freire foi o fim dessa sociedade
que deu início ao processo de desequilíbrio entre as regiões do
país (p.98).
[…]
Para Freire o senhor de engenho foi um dos poucos exemplos de fixação
e que deu densidade à nacionalidade. O bandeirante, se havia
conquistado verdadeiros luxos de terras , comprometeu a saúde
econômica da colônia e quase compromete a unidade política, não
fosse o trabalho de manutenção da unidade nacional das forças
ligadas ao latifúndio, como a Igreja ...¨ (p.102).
O que quero enfatizar é
que as ideologias, embora sejam fatores de transformações sociais,
também se adaptam às necessidades sociais, reagem às mudanças e
negam seu próprio caráter ideológico. Elas vêm quase que
¨embutidas¨ nas relações de produção, se assim podemos nos
expressar, dando coesão às relações sociais, embora façam parte
delas. Ainda, são ¨criadas¨ pelas condições materiais, pelas
vicissitudes e necessidades econômicas, políticas e, até mesmo,
ideológicas.
Daí, um passo, para se
criarem meias-verdades, falsas-verdades como: a teoria dos mercados
racionais e perfeitos, da mão invisível, da alocação ótima dos
recursos, a de que a mobilização irrestrita do capital gera o
desenvolvimento e, obviamente, a das vantagens comparativas. E estas
ideologias se propagam na e através da cultura em geral, literatura,
música, artes plásticas, pintura etc. Para maiores esclarecimentos
consultar o autor citado.
Quinta
consideração: A mobilidade do capital. Uma outra
questão diz respeito a mobilidade do capital. Algumas atividades
podem ser inicialmente, ou em determinado momento, desinteressantes
para um país, mas com a interatividade, economias de escala,
melhoria na qualificação da mão de obra, etc, poderão se tornar
relevantes e trazer benefícios futuros.
O desenvolvimento de
atividades conexas permitirão um ganho de produtividade. Mas, para
isto, se faz necessário a existência ou a consolidação de uma
infraestrutura que permita alcançar um ganho de produtividade.
A desmobilização de uma
atividade produtiva, melhor ainda, de um complexo primário
exportador, com um, dois ou três itens, com toda a infraestrutura
criada, em suma, numa sociedade que não desfruta de uma
infraestrutura diversificada, não se dá com um simples fechar e
abrir de olhos.
Os interesses políticos
e econômicos se arraigam, defendem suas posições vantajosas e
bloqueiam o surgimento e o desenvolvimento de outras possíveis
atividades produtivas. Isto aconteceu com Portugal, quando o Marquês
de Pombal tentou reverter os termos do tratado de Methuen e foi
dissuadido politicamente pela aristocracia. E aconteceu no Brasil
quando da decadência da indústria açucareira no nordeste e a
atividade cafeeira, no sudeste.
Mesmo com a superprodução
do café no final do século XIX e início do XX o complexo cafeeiro
não foi rapidamente e devidamente desmobilizado. Ao contrário, por
influência política, econômica e mesmo ideológica
procurou-se ajustar os interesses e manter os privilégios dos
cafeicultores, consubstanciados no Convênio de Taubaté (1906).
Tanto que isto não impediu nova crise de superprodução na década
de 1930. Dificulta, ainda, quando o período de maturação é longo,
como no caso do café que é de quatro anos.
E quando a sociedade é
escravocrata o fator trabalho é um investimento fixo, ¨capital¨
fixo, equivalente aos investimentos em máquinas, construções, etc,
e a sua relativa imobilidade dificulta a desmobilização das
atividades e a expansão e diversificação do mercado, em virtude da
maior concentração de renda. Por causa disto, o mercado interno
carece de dinamismo.
O gasto com o escravo era
antecipado, através do lucrativo comércio, e a liberação desse
fator, em caso de necessidade, se dava pela venda e não pela simples
demissão. Uma outra forma seria a alforria que trazia prejuízo.
Não por acaso, a
incipiente industrialização brasileira na região sudeste, no final
do século XIX, se deu quando da passagem do trabalho escravo para o
assalariado, muito viabilizado com a imigração.
Da mesma forma não será
fácil iniciar nova atividade produtiva que não esteja intimamente
vinculada as atividades já existentes, dominantes. O ¨capital
¨ameaçado¨ não se desloca com facilidade para outras atividades,
pois, muitas vezes, ou, no mais das vezes, inexiste uma infra
estrutura que permita este deslocamento. Existe falhas de mercado que
não dão suporte às novas atividades. O capital desbrava mas se
reproduz onde há possibilidades. Imaginem um empresario de um país
extremamente subdesenvolvido que queira desenvolver uma atividade
relativa a uma tecnologia de ponta para fornecimento em seu mercado
local. Seria ridículo, não?
Além do que, as novas
atividades encontrarão uma concorrência feroz, por parte dos que já
estão no mercado internacional, de bens produzidos no exterior e
importados, e, por isso, gozam de vantagens adquiridas. Celso Furtado
alertou para o fato de que as elites das sociedades periféricas
tendem a copiar e assimilar os padrões de consumo dos países
centrais. Em outras palavras, a modernização se dá, sobretudo,
através do consumo, no mais das vezes conspícuo, símbolo de
status.
E as possíveis novas
atividades devem ser ¨financiadas¨ direta ou indiretamente pelas
atividades pré existentes, favorecendo a continuidade dessas.
Outrossim, os prováveis novos investidores, beneficiários já
estabelecidos na produção e no comércio, têm que mudar o foco de
seus próprios negócios, o que requer uma nova adaptação e risco.
Para isto, se faz necessário possuir as habilidades, o conhecimento
adquirido, a visão comercial e a oportunidade de abrir e tocar um
novo negócio.
¨Este
deixa de ser o responsável último da dinâmica econômica - pela
determinação da renda e do emprego, como modelo agroexportador –
mas passa a ter uma função crucial, a de garantir o fluxo de
divisas necessário para importar outros produtos, desta vez os
necessários para garantir a produção industrial¨ (Fonseca, Pedro
Cezar Dutra, O processo de substituição de importações, em
Formação econômica do Brasil, Ed. Saraiva, 2003, cap. XI, p. 260).
E as dificuldades não
param por aí. Há necessidade de importar bens de produção, se
familiarizar com as novas tecnologias, para os quais a mão de obra
não está qualificada. Essas importações para se concretizarem
dependem de divisas, que são adquiridas com as atividades anteriores
ou empréstimos externos. Nesse sentido:
¨A
transformação do escravo em assalariado industrial, embora
possível, encontra obstáculo tanto no preconceito do empresário
que atribuía em boa medida os problemas socioeconômicos decorrentes
da crise do escravismo à origem biológico-racial, bem como na
dificuldade de os escravos, principalmente os do campo, sujeitarem-se
à disciplina rígida do trabalho de uma fábrica¨ (Fonseca, p.
256).
Para Bresser Pereira,
criticando versão corriqueira, 84% (oitenta e quatro) dos
empresários paulistas que deram início a incipiente
industrialização, no final do século XIX, em São Paulo, era de
origem estrangeira, sendo 49,5% (quarenta e nove vírgula cinco)
imigrantes diretos. Com relação as origens dos investimentos na
indústria 78,4% (setenta e oito vírgula quatro) correspondia a
¨fundos próprios ou da família do empresário¨ e, apenas 3,9%
(três vírgula nove) teve origem na aristocracia cafeeira.
Segundo o autor: ¨Nesse
trabalho me propus responder uma questão muito simples: como
explicar que, não obstante tenha demonstrado, em uma pesquisa
publicada em 1964, que os empresários paulistas se originavam, em
sua grande maioria, de imigrantes de classe média, e apesar de essa
tese ter sido comprovada na pesquisa de Warren Dean, a ideia ainda
hoje dominante é a de que esses empresários se originaram da
aristocracia cafeeira¨ (Luiz Carlos Bresser Pereira, em Empresários,
suas origens e as interpretações do Brasil,
ww.aupocs.org.br/portal).
Não causa surpresa que a
figura proeminente da industrialização brasileira, no final do
século XIX e início do XX, seja Francesco Matarazzo, de origem
italiana que aportou no Brasil em 1881, se estabelecendo,
inicialmente, em Sorocaba, tendo construído um complexo industrial
de 365 fábricas.
É uma ilusão acreditar
numa mobilidade ilimitada do capital. Os economistas clássicos não
analisam os óbices, falam da mobilidade como uma coisa natural e
normal que se dá a qualquer tempo. Por isso tudo, não tem sentido
sentido pressupor que se o país não desenvolveu outras atividades
de exportação, que num futuro lhes poderiam ser benéficas, é
porque não gozava ou, principalmente, não poderia gozar das ditas
¨vantagens comparativas¨ , se assim se quiser chamar. E que aquelas
que permaneceram são as que possuem essas vantagens. Trata-se de
puro empirismo, sem valor científico, de uma conclusão a
posteriori.
E a questão não se
resolve com apenas mais educação, como muitos querem crer. Os E.U.A
estão cheios de especialistas estrangeiros graduados, de alta
capacitação técnica, que não retornam aos seus países de origem
por não terem condições mínimas de trabalho. Trata-se do que ficou
conhecido como ¨a fuga de cérebros¨.
Sexta
consideração – a imigração: Acima já tinha
comentado sobre o declínio econômico de Portugal, que no século
XVII não fazia parte do tabuleiro dos países importantes. Dominado
politicamente por uma aristocracia retógrada, que não acompanhada a
dinâmica das mudanças sociais, o país sucumbiu diante dos novos
desafios. Portugal era um país derrotado sem qualquer expressão na
política e na economia internacional.
É
provável que muitos discordem que o tipo de imigrante teve também a
sua dose de contribuição. O imigrante traz consigo um ideário de
vida, hábitos, amor próprio, autoestima, ambições, preconceitos,
desejos de liberdade, de empreender, típico da mentalidade
capitalista, que são próprios de sua sociedade e que tentarão
reproduzir no novo país. Estes comportamentos irão depender das
condições materiais que irão encontrar nas novas sociedades. Se
alguém tem dúvidas deste fato basta observar as comunidades
asiáticas dos E.U.A e o Soho em Londres, onde muitas vezes o
imigrante nem mesmo fala o idioma local.
E
Portugal já era um país de segunda ou terceira ordem. Qual o ânimo
deste povo imigrante, os seus anseios, as suas aspirações? Em que
se espelhavam?
Isto
tudo pode parecer muito vago, mas felizmente as ¨ciências sociais¨
não são exatas e, estes aspectos, não cabem em modelos
matemáticos. Também não há que se falar em racismo ou mesmo
preconceito em relação a determinados povos. Não estou dizendo que
a raça ou a origem determinam estas condições. Estou me referindo
as condições sociais que influenciam as características de um
povo.
A
teoria marxista procurou explicar o atraso das economias ditas
subdesenvolvidas através dos interesses econômicos e políticos das
classes dominantes apontando para os interesses antagônicos entre as
burguesias compradora, exportadora, nacionalista, etc. Dado o seu
viés classista, excluíram os demais membros da sociedade.
Reconheço
que o assunto é polêmico, com fortes cargas emocionais. Mas, para
embasar meu ponto de vista, basta consultar o legado da administração
de Maurício de Nassau em Pernambuco, durante o curto período de
1637 a 1644. Devendo-se ressaltar que desde o final do século XVI a
Holanda era fornecedora dos equipamentos destinados a produção
açucareira.
Parafraseando
Lenin: para se fazer uma revolução social (digo grande
transformação social) precisamos, primeiro, de uma revolução
(transformação) interior.
Sétima
consideração: A teoria das vantagens comparativas pretende
ser genérica, absoluta e abrangente, válida para qualquer época e
tipo de sociedade. E não lhe interessa quais produtos estejam sendo
comercializados. Não importa a estrutura produtiva dos países
envolvidos. O pressuposto é que as sociedades envolvidas são
beneficiadas pela troca.
Mas,
isto não é suficiente. O importante é saber se os benefícios
usufruídos são suficientes para alavancar outras atividades e se
eles irão contribuir, num segundo momento, para amainar as
diferenças de benefícios e tornar o comercio mais justo entre as
nações. Sobre isto ela não pode nos dizer nada porque ela é uma
teoria estática.
Ora,
soa bastante razoável que ela só poderia ter algum sentido, mesmo
assim, bastante limitado, em condições muito particulares, se os
países envolvidos tivessem, em determinado momento, em um mesmo
estágio, ou assemelhado, de desenvolvimento econômico. Mas mesmo
assim ela perderia a validade em um momento posterior seguinte pelos
fatores apontados.
Não
tem sentido fazer comparações entre o comércio de uma economia
capitalista desenvolvida e de uma tribal, feudal, escravocrata ou
coisa que o valha, para tirar conclusões de benefícios recíprocos,
baseados em vantagens comparativas. Nestas últimas o ¨capital¨ e o
fator trabalho têm menos mobilidade e o mercado interno é restrito.
Como
comparar custos de duas sociedades diferentes se os ¨sistemas¨ de
cálculos são diferentes? Se em uma delas existe remuneração do
fator trabalho e em outra não? Se o dinheiro circula de forma
diferente? O trabalho escravo é ¨capital¨ fixo. Os efeitos da
circulação da moeda são diferentes. Foi o que aconteceu no Brasil
com a atividade açucareira.
Em
regra, estas sociedades continuaram exportando produtos primários.
Se os benefícios são recíprocos, de uma mesma intensidade
relativa, é de se perguntar, porque algumas permanecem em um
relativo atraso e não conseguem, através do comercio, se
desvencilhar de seus passados?
Se
há trocas entre dois países livres é de se supor que elas, por si
mesmas, de algum modo podem ser vantajosas, em determinados momentos,
por razões diversas. Entretanto, não podemos dizer o mesmo para uma
sociedade capitalista (país) e outra escravocrata (país).
Vantajosas em que sentido? Para quem? Neste caso podemos falar em
vantagens para o país?
Oitava
consideração:
O papel dos governos. A
teoria das vantagens comparativas foi concebida
por um modelo de ideologia liberal no qual os governos não teriam
qualquer influência nas decisões econômicas.
Entretanto,
o modelo ideológico liberal já faz parte do passado. Na realidade,
historicamente, na prática ele nunca existiu. Não podemos nos
esquecer que o Tratado de Methuen foi firmado entre os governos, que
exigiam o comprometimento de seus cidadãos, muitas vezes com
penalidades. E na virada do século XIX para o XX, com a proliferação
dos oligopólios e monopólios tiveram influência e importância
fundamental, na política econômica dos governos.
No
momento atual, os governos ocupam, direta e indiretamente um papel
crucial no comércio nacional e internacional, através de incentivos
(muitos disfarçados) e encomendas maciças de produtos.
Através
de interface com o setor privado conseguem garantir, estimular e
impulsionar a especialização de determinados setores, através de
investimentos e estímulos a pesquisa e desenvolvimento de produtos.
Este
processo, como já foi salientado, cria um círculo vicioso de
estímulos, difíceis de serem revertidos por outras nações que não
utilizavam os mesmos meios.
O
exemplo típico e suficiente, que poderia dispensar comentários
adicionais é o complexo industrial militar dos Estados Unidos da
América, muito embora este país continue a exigir de outros um
comprometimento com um modelo liberal.
No
entanto, interessante reproduzir as palavras do cientista americano
R.C. Lewonth, sobre o assunto:
¨
... Esta intervenção não se processa apenas em termos do controlo
da massa monetária e da distribuição de bens de remuneração
através de impostos e programas de
welfare. Envolve, igualmente, um papel vital para o Estado,
enquanto fornecedor de subsídios à produção e ao emprego,
através de três vias. Em primeiro lugar, o Estado torna-se um
vulto de bens e serviços Em segundo lugar, fornece capital
diretamente a setores subcapitalizados, permitindo-lhes
modernizar-se à custa de dinheiro público como, por
exemplo, quando nacionalizam temporariamente caminhos de
ferro, reconstruindo as suas infraestruturas materiais, para
depois as vender de novo no mercado. A
terceira, é quando assume os custos, que são incomportáveis,
mesmo para as maiores empresas individualmente consideradas,
dacriação de novas tecnologias e da formação de quadros
necessários, quer para a materialização
da tecnologia já existente, quer para a criação de ulteriores
inovações.
A investigação científica tornou-se um empreendimento estatal, do
qual o projeto Manhattan (de criação da bomba atômica) foi
apenas o exemplo mais visível, e as Universidades foram
incorporadas no aparelho de formação dos militares¨. (O negócio
do armamento e o complexo industrial-militar, em
resistir.info/cadima/cadima_armamento.html).
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Depois
destas considerações será importante chegarmos a um balanço final
sobre a validade e importância da teoria das vantagens comparativas
de custos.
Para
mim a fragilidade teórica da teoria é flagrante. A teoria das
vantagens comparativas, quer queiramos ou não, tentava justificar o
status quo da época, tendo a Grã Bretanha como líder industrial,
ao mesmo tempo deslumbrava a possibilidade desse status permanecer no
futuro.
O
que está por trás destes fundamentos é o mito da racionalidade do
ser humano, independentemente de qualquer situação política, da
eficiência dos mercados, da ideia de que a movimentação livre do
capital é capaz de trazer o desenvolvimento de todas as sociedades
envolvidas no comercio. E o pior, que as escolhas passadas foram bem
feitas e devem permanecer no futuro. Todas têm suas raízes no
Iluminismo. Vivia-se a época do liberalismo.
Mais
de cem depois do Tratado de Methuen, o economista David Ricardo
precisou justificar, demonstrar e convencer, principalmente os
portugueses, que eles tinham feito o acordo certo, mesmo que não
tivessem consciência e certeza disto. Como não existia a famosa
teoria, presume-se que os ¨países¨ tomaram as medidas corretas
quanto as decisões passadas.
Provavelmente,
a mão invisível de Adam Smith já estava operando a pleno vapor.
Trata-se de uma antiga versão da mão invisível e da racionalidade
do homo economicus. Então, para que a teoria? Para um povo inculto
para os padrões da época, não afeito às novas necessidades do
comércio, com as elites despreparadas para os novos desafios em um
mundo que caminhava rumo a industrialização, esta pretensa
cientificidade era o bastante.
E
quem é esse homo economicus? Podemos encontrar em Homo economicus –
Wikipédia, pt.wikipedia.org/wiki/ um conceito muito interessante,
que reproduzo:
¨Os
economistas assumiram que o estudo das ações econômicas do homem
poderia ser Pfeito abstraindo-se as outras dimensões culturais do
comportamento humano: dimensões morais, éticas religiosas,
políticas, etc., e concentraram seu interesse naquilo que eles
identificaram como as duas funções elementares exercidas por
todo e qualquer indivíduo: o consumo e a produção.
O
homo economicus nada mais é do que um pedaço do ser humano, um
fragmento, um resto, a sua parcela que apenas produz e consome,
segundo ¨leis¨ deduzidas da observação, cujo único critério de
verdade apoia-se na evidência.
O
conceito de homo economicus é um postulado da racionalidade que é
caracterizado pelo triunfo dos economistas que encontram nele, a
semelhança dos biólogos no Darwinismo, uma teoria do comportamento
coerente.
Segundo
Albou (1984), três grandes correntes filosóficas são responsáveis
pela criação, deste conceito: o hedonismo, o utilitarismo e o
sensualismo¨.
E
mais adiante realça um dos princípios fundamentais do conceito de
homo economicus: ¨o homem não obedece senão a razão¨.
Esta
é a mensagem da teoria. No entanto, os economistas ¨ racionais¨ a
tomaram como uma verdade irrefutável e não se cansam de repeti-la,
como verdadeiros papagaios.
Não
devemos e não podemos nos convencer do argumento simplório, embora
atraente, de que os erros na política de substituição de
importações, principalmente na sua condução, validam a teoria das
vantagens comparativas. Política, ideologia e armas não só
defendem mas, também, impõem interesses econômicos. Defendem e
impõem numa relação dialética.
A
teoria se tornou um dogma porque se aplica a qualquer época em
qualquer situação, quer os países estejam ou não no mesmo nível
de desenvolvimento econômico. Não mostra como as vantagens
relativas de uns em relação aos outros podem emperrar os países
que almejam se desenvolver e impulsionar os que gozam de vantagens
relativas.
Não
vejo qualquer problema em admitir que os ¨benefícios¨ do comércio
de hoje (ou passado), baseado na divisão internacional do trabalho,
sejam as amarras de uma sociedade no futuro (ou no presente), amarras
das quais ela precisa se desvencilhar para buscar o seu
desenvolvimento. Como alcançar isto, sinceramente não sei?
Se
adicionarmos ao que foi exposto outras variáveis já estudadas como
a importância das empresas multinacionais (que padronizam o consumo
em escala mundial e determinam os métodos de produção), o poder
econômico-financeiro dessas organizações, facilidades de acesso
às fontes de financiamentos, a estrutura produtiva (concorrência,
monopólio), tamanho do mercado, externalidades, economias de escala,
etc, veremos que as variáveis são tantas que podemos nos certificar
da impossibilidade da validade desta teoria, tal qual foi formulada.
E os modelos matemáticos não captam questões, valores e problemas
sociais. Tudo isto dificulta a ¨vida¨ da teoria. Sobre a questão
da neutralidade tecnológica consultar: Karl Marx, Benjamin Coriat,
André Gorz, A.D. Magaline, Hilton Japiassu, Charles Betthelheim,
Christian Polloix.
Lamentavelmente,
chego a conclusão de que esta teoria tornou-se um empecilho para uma
avaliação das possibilidades dos países saírem de seus atrasos
históricos, porque tornou-se um dogma, repetida e alardeada a todos
os ventos, nada esclarece e dificulta o desenvolvimento de novas
ideias, mais realistas. Com o dogma perde-se a RAZÃO.
Não
creio que seja fácil, na fase atual, um país relegar o seu passado
e alcançar posições mais elevadas de desenvolvimento econômico e
social. Não são poucos os fatores que travam este caminho e é
difícil identificar e sopesar cada um deles. Uma vontade política
coesa é fundamental.
Mas,
tenho uma certeza. Com base no que tentei demonstrar é fundamental
se desvencilhar dos dogmas, respaldados por teorias e modelos
matemáticos sofisticados, exaustivamente repetidos, que nos fascinam
e enfeitiçam e que, por isso, não nos permitem discernir a
realidade e traçar novos caminhos.
Ora,
se a vida produtiva e social em geral se ergueram em função de
determinadas atividades produtivas, baseados ou não nas ¨vantagens
comparativas¨, torna-se atraente deduzir, a posteriori, que
o país escolheu e continua a produzir o(s) produto(s) que lhe deram
e ainda lhes dão uma vantagem comparativa.
Isto
porque passam a se beneficiar dos ganhos de produtividade e das
¨externalidades¨, quero dizer, do desenvolvimento de outras
atividades a elas vinculadas e associadas. É muito difícil, para
não dizer impossível, estabelecer a priori quais são as
vantagens comparativas, principalmente para atividades que não sejam
baseadas em recursos naturais. Mesmo porque não ocorreu o
desenvolvimento de outras atividades produtivas.
Para
aquelas (recursos naturais) nem teria sentido em mencionar estas
vantagens. Em regra, elas, as vantagens, se desenvolvem e se criam
com a própria atividade e possibilitam o surgimento de novas
atividades que, em sentido contrário, voltam para lhes beneficiar. É
a relação dialética de causa e efeito. A causa torna-se efeito que
por sua vez vira causa. A atividade produtiva é um risco e o seu
sucesso uma incógnita.
A
priori, seria impossível prever que os E.U.A teriam, em relação a
outras nações, vantagens em tecnologia eletrônica da informação.
O que se pode dizer, a posteriori, é que o país tinha criado as
bases materiais e sociais que no futuro possibilitaram este domínio.
Mesmo porque, não se sabia os rumos que estas atividades tomariam. O
importante é estabelecer uma estrutura que permita o dinamismo da
produção. As atividades iniciais no Vale do Silício possibilitaram
a expansão de outras atividades a elas associadas, que trouxeram
novas vantagens para todos.
Como
prever? Somente se admitirmos que a mão invisível está por trás
de tudo isto, coordenando de modo mais coerente possível. Esta
teoria é fruto desta época e de todas estas ideias que
circulavam nos meios econômicos.
Aqueles
que plotam dados estatísticos para comprovar que o comércio
internacional se dá através da teoria das vantagens comparativas
incidem em erros crassos, para não dizer em desonestidade
profissional. Isto, porque os fatores que emperram e obstruem as
possibilidades de surgimento e desenvolvimento de atividades e
produtos, muitos dos quais já produzidos em outros países
concorrentes, já estavam postos ex-ante, antes das produções se
externalizarem. Os dados colhidos e expostos como prova inequívoca
da validade desta teoria são dados a posteriori, que nada explicam.
Não
existe provas concretas de que a movimentação livre do capital leva
ao desenvolvimento. Não se fala aqui em engessar a economia pelo
dirigismo estatal, também fracassado.
No
momento em que se vive sob o poder e a influência das empresas
multinacionais, que mudaram os fundamentos e a feição do comércio,
através do poder financeiro, da inovação, da distribuição e
alocação de recursos, com o apoio e o lobby dos governos, a
doutrina econômica continua presa e arraigada aos fantasmas e
ideologias do passado, sem dar uma contribuição efetiva para a
sociedade, ao contrário de outras ciências e disciplinas, como a
biologia, a engenharia eletrônica, a física, etc e porque não
dizer o direito.
A
crise de 2007, que trouxe danos irreversíveis, foi fruto dessas
ideologias arcaicas que continuam a fazer parte dos currículos das
universidades, com debates infrutíferos, tais como a eficiência dos
mercados e o papel da mão invisível.
O
poder dessas empresas que desmembram as diversas etapas de produção,
a nível de empresa, e comercializam entre si, por razões
estratégicas, invalida estes pressupostos. A divisão internacional
ou regional do processo produtivo e de outras atividades, como o
poder decisório, marketing, pesquisa, desenvolvimento de produtos,
design, etc, associadas ao poder financeiro, coloca em xeque os
fundamentos dessa teoria e a sua razão de ser.
A
valorização do capital se processa a nível internacional e não
local, daí a razão de que nem todo e qualquer investimento de
empresa multinacional é benéfico a médio e longo prazo (assunto
que deve ser aprofundado pelos estudiosos).
Até
mesmo as decisões de investimentos das sociedades multinacionais não
se regem exclusivamente por razões econômicas, leia-se vantagens
comparativas de custos, mas também pelas necessidades de contornar
as leis rígidas de um país, evitar a influência de políticas
nacionalistas, capacidade de mobilidade diante de movimentos sociais
adversos, possibilidades de um melhor escoamento dos produtos,
expectativas sobre a política econômica dos países, a qualificação
da mão de obra, decisões estratégicas frente aos concorrentes, a
oportunidade de já estar presente para se posicionar melhor diante
dos concorrentes, etc, etc.
Outrossim,
dispersam as suas atividades produtivas pelo mundo para combater e
enfraquecer o movimento operário. Isto não quer dizer que os
cálculos econômicos não tenham importância. Mas, existe um leque
de fatores incomensuráveis.
Recentemente,
três novos fatos entraram no contexto econômico brasileiro: a) o
fracasso da política de substituição das importações, que não
alcançou os objetivos almejados e trouxe custos sociais elevados;
b) o processo de desindustrialização, embora questionado, que se
acentuou com apreciação do real; c) a importância que as
exportações de produtos primários alcançaram nos últimos anos.
Segundo
informações do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, as exportações brasileiras de produtos básicos
representaram 46,7% e 46,8% das exportações em 2013 e 2012,
respectivamente. Compõem a pauta deste produtos: soja, milho, carne
bovina e de frango, minérios de ferro e cobre, petróleo, café e
algodão. Muitos deles são nossos conhecidos de longa data.
(Apresentação-Bal Comercial 2013, em www.mdic.gov.br/arquivos/dvnl
1388692200).
Se
adicionarmos os produtos semimanufaturados as porcentagens sobem para
59,3% e 60,4%, respectivamente. Pelo visto, o jogo livre das moedas
já vinha se encarregando de fazer que o Consenso de Washington não
conseguiu.
No
momento atual, com críticas veladas à política de substituição
de importações e a importância dos bens primários na pauta de
exportação, não são poucos os que advogam a validade e o retorno
da famosa teoria, explícita e implicitamente, enfatizando as
vantagens em continuarmos produzindo bens tradicionais, conforme:
¨Qualquer
semelhança com as indicações de Ricardo para o padrão
especializado entre Portugal e Inglaterra, apresentada na epígrafe
deste artigo, não nos parece ser mera coincidência. Ao defender a
especialização na produção baseada na dotação de fatores
existentes hoje na economia, Ferreira e Hamdan (2003) promovem uma
defesa explícita das vantagens comparativas ricardianas e da
literatura de comércio internacional a la Heckscher- Ohlin e a
defesa de um padrão de especialização centrado na exploração de
fatores produtivos abundantes hoje o que elimina da discussão o
caráter de transformação da estrutura produtiva, entre outros de
Kepfer (2003)” (em www.economiaetecnologia.ufpr.br,
citada).
Mas,
por ironia do destino, se confirmada a desindustrialização, a dança
das moedas, se
encarregou de colocar em ação os fundamentos do Consenso de
Washington, redefinindo e recolocando o destino dos países em
desenvolvimento para, basicamente, o lugar que sempre ocuparam no
comércio internacional.
Se
nos dermos ao pequeno trabalho de verificar os rumos que as
atividades produtivas nas nações mais ¨avançadas¨ tomaram, em
relação as atividades iniciais, constatamos que seria humanamente
impossível determinar de antemão, excluindo os recursos naturais,
naturalmente, quais atividades trariam uma vantagem comparativa em
relação as outras. O importante seria verificar porque estas
sociedades colonizadas continuaram produzindo taxativamente os bens
de pequeno valor agregado, em relação aos países mais
¨desenvolvidos¨, não lhes sendo possível participar de outras
atividades mais vantajosas.
Mas,
o que fez uma Alemanha se reerguer depois do fiasco da segunda guerra
mundial e das severas restrições que lhes foram impostas? Que teve
sua economia reduzida a cinzas e já se tornou a economia mais
importante do bloco europeu. Terá sido a mão invisível do Sr.
Smith, a teoria dos mercados perfeitos e das vantagens comparativas?
Ou o orgulho, o amor próprio, a determinação, o amor ferido, a
vontade de superação, o anseio de se fazer ser ouvido e respeitado
nas questões internacionais, que fazem parte do ânimo social de um
povo? Ou, ainda, uma identidade nacional, um governo ¨sério¨(é
difícil, mas existe os mais sérios) e forte, não digo autoritário,
com autoridade suficiente para estabelecer metas e uma classe
dominante com capacidade para comandar?
A
liderança é fundamental. Uma classe dirigente e empresarial que
tenha anseios, não só interesses financeiros, e se identifique com
um projeto de construção nacional, mas longe de ser xenófoba é
indispensável. Difícil não? Mas, não impossível.
O
sucesso econômico de um país é medido pelo seu dinamismo e por sua
capacidade de inovar, tanto na criação de novos produtos quanto nos
métodos de produzi-los. E não existem grandes possibilidades de
inovação se especializando na extração e produção de recursos
naturais. E a difícil luta para alcançar o desenvolvimento se dá
em 3 frentes: no campo político, ideológico e econômico.
¨Isso
porque os países centrais são líderes na inovação e na difusão
de tecnologia: no fundo, é esse dinamismo tecnológico e os ganhos
de produtividade dele decorrentes que determinam sua liderança
econômica internacional, o que se reflete tanto na produção
interna como na exportação¨ (Fonseca, p. 258).
Lembro
ainda, que nas ¨ciências¨ inexatas, que lidam com o social e
humano, não existe uma única causa que explique qualquer situação.
RESUMO
Trata-se de uma teoria estática,
fundamentada em pressupostos irreais, principalmente na noção do
homo economicus, que não leva em consideração outros fatores
importantes, em sua elaboração, tais como: nível de demanda e
elasticidades-preço, capacidade de mobilização do capital,
possibilidades de superprodução, deficiência de demanda,
essencialidade dos produtos comercializados, concorrência
internacional , distribuição de renda de cada país, tamanho dos
mercados, cultura dos imigrantes, características dos produtos
negociados, fontes de financiamento, elasticidade da oferta,
sociedades com o mesmo modo de produção e nível de
desenvolvimento, fatores políticos e ideológicos e, que, por isso,
não explica como alguns países se beneficiam as custas dos outros,
através da especialização, nas trocas internacionais.
Neste texto tentei demonstrar que a teoria das vantagens comparativas dos custos, de David Ricardo, foi elaborada sob medida para justificar a especialização do comércio entre Portugal e Inglaterra, na produção de vinho e téxteis, respectivamente, consubstanciada no Tratado de Methuen.
Trata-se de uma teoria estática, fundamentada em pressupostos irreais, principalmente na noção do homo economicus, que não leva em consideração outros fatores importantes, em sua elaboração, tais como: nível de demanda e elasticidades-preço, capacidade de mobilização do capital, possibilidades de superprodução, deficiência de demanda, essencialidade dos produtos comercializados, concorrência internacional , distribuição de renda de cada país, tamanho dos mercados, cultura dos imigrantes, características dos produtos negociados, fontes de financiamento, elasticidade da oferta, sociedades com o mesmo modo de produção e nível de desenvolvimento, fatores políticos e ideológicos e, que, por isso, não explica como alguns países se beneficiam as custas dos outros, através da especialização, nas trocas internacionais.
As hipóteses que fundamentam a teoria são tão restritivas que a tornam irreal. E uma época em que o maquinismo era dominante, com a revolução industrial, a teoria adotava a hipótese da existência de um único fator de produção, o trabalho.
Além disto, não explica porque alguns países permanecem em letargia e não se desenvolvem, com a proposta da especialização, como seria de se supor, pelo seu próprio enunciado, e, muito ao contrário, bloqueia e impede, por sua formulação e repetição nos meios acadêmicos, o surgimento de novas ideias e teorias.
Tornou-se um dogma porque pretende explicar os benefícios da especialização no comércio internacional independentemente dos níveis de desenvolvimentos das sociedades envolvidas, da história de cada país e dos produtos comercializados.
Rio de Janeiro 05 de abril de 2014
MANUEL
ELISIO FROTA NETO
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