segunda-feira, 23 de abril de 2018

DA MORTE DE HOMO ECONOMICUS AO NASCIMENTO DO HOMO GENETICUS


"DA MORTE DO HOMO ECONOMICUS AO
 NASCIMENTO DO HOMO GENETICUS”


Introdução

A cada dia que passa torna-se mais evidente que o economicismo não tem apresentado resultados e explicações satisfatórias para os problemas de desenvolvimento econômico e muito menos para a sua realização “espiritual”.

Os problemas dos países subdesenvolvidos não se resumem simplesmente a problemas econômicos, tendo em vista que a economia é apenas mais um dos aspectos sociais e culturais. Ou seja, é a forma como a sociedade se organiza socialmente para produzir, distribuir e consumir o que se produz ou importa. E estas formas ou modos de produção requerem um suporte político, cultural e ideológico para sedimentar ditas relações de produção.

Donde atacar o problema do desenvolvimento apenas focando no econômico dificilmente se irá atingir os resultados desejados.

Afora isto, as teorias econômicas vêm impregnadas de ideologias que procuram apenas justificar o status quo, repetindo dogmas que não condizem com as realidades culturais.

É bem verdade que o Homo Economicus, um dos pilares da economia neoclássica, entrou em coma com os avanços da psicanálise, mas sobreviveu com a ajuda “artificial” de aparelhos respiratórios, no caso, “ideológicos”.

E uma das “funções” da ideologia é mascarar uma realidade, através também de argumentos teóricos, dando certa coesão cultural à sociedade, em vista da permanência do “status quo”.

Durante muito tempo, prevaleceu no meio filosófico tradicional e mesmo no senso comum de diversas sociedades a ideia do “darwinismo social”, para explicar as injustiças e as diferenças sócias e dar suporte ao status quo, oportunamente criticada por Engels.

E os lugares ideias para sedimentar e divulgar esta ideologia do Homo Economicus eram as faculdades de economia ou até mesmo de ciências sociais.

A crise de 2007/8 das sociedades capitalistas, cujo berço foi os Estados Unidos da América, revelou a incoerência de tal argumentação, lançando-a num descrédito total.

Diversos livros foram lançados criticando esta visão, divulgada principalmente por economistas, que se fecharam para os avanços em outras áreas de conhecimento.

No ensaio “Direito, Economia e Mercados Racionais – (uma crítica aos economistas “racionais”), que consta deste site, abordei a questão da racionalidade humana lançando mão do conceito freudiano de inconsciente e dos trabalhos de diversos autores. Ao mesmo tempo, mostrava que estes pressupostos econômicos encontravam-se na contra mão das correntes mais modernas  do direito, inclusive o brasileiro, que avançou com a Lei de Consumidor.

Mas, os economistas tradicionais eram aversos às novas ideias e insistiam na racionalidade do comportamento humano, projetando-a para a sociedade. Continuaram ensinado o dogma do homo economicus nas faculdades, cursos de mestrado, etc.

Mas que como um passe de mágica, talvez uma premunição sobre a morte deste “homo economicus”, vinha surgindo uma nova corrente de “economistas comportamentais”, que vinham angariando Prêmios Nobel, que se destacavam por explicar a economia e as crises capitalistas através de teorias psicológicas individuais, desviando-se das questões econômicas.

Por esta razão publiquei um novo ensaio criticando estes economistas, com o título de “Um raio X sobre o “Espírito Animal”, livro de autoria do Prêmio Nobel de economia em 2001 George A. Akderlof e Robert J. Shiller.

Agora surgem novas teorias, com fundamentos na genética e na neurociência, que procuram analisar o comportamento humano e até mesmo as questões sobre o desenvolvimento das nações, disparidades econômicas e sociais, através destas ciências.

Esclareço que o objetivo deste ensaio não é negar cientificamente a importância da genética e da neurociência para um conhecimento mais aprofundado do ser humano e principalmente das sociedades, mesmo por que não tenho qualquer relação íntima com estas matérias (ciências). Acredito que é impossível negar a importância da genética e da neurociência para nos auxiliar e tentar desvendar os mistérios do ser humano e das sociedades.

Entretanto, isto não me impede de expor minhas ideias  sobre o assunto, sob um enfoque cultural, portanto diverso, evitando que se caia em explicações exclusivistas e deterministas, com relação ao desenvolvimento das sociedades.

Ao mesmo tempo apontar algumas “meias verdades” implícitas nos argumentos de Wade, que contribuem para esclarecer o seu posicionamento sobre o papel e a importância da genética na “evolução” das sociedades.

No próximo tópico transcrevo as ideias de Wade e de outros neurocientistas, destacando o que vou abordar nos tópicos seguintes: os genes os neurônios e o desenvolvimento das sociedades, apelidado por alguns  de “o gene do desenvolvimento social”; migrações bárbaras, formação dos Estados-nação e o surgimento das relações capitalistas de produção; o papel da livre circulação das informações e das civilizações e as subvenções dos países desenvolvidos à África. Para finalizar a Conclusão (sempre mais extensa). O tópico relativo às "migrações bárbaras, a formação dos Estados-nação e as relações capitalistas" é uma continuação do tópico anterior, que foi subdividido para efeitos didáticos. 

Para um melhor aproveitamento dos leitores, sobre a importância da geopolítica, da história e da cultura, sugiro que consultem o artigo “Obstáculos socioculturais ao desenvolvimento econômico – comentários sobre o livro de Ho-Joon Chang”, neste site, de setembro/2017, enriquecido na revisão com as guerras dos Balcãs e sobre Angola.

Peço desculpas aos leitores por não colocar algumas  citações em Notas. Tenho verdadeira ojeriza em folhear páginas para consulta-las em letras minúsculas. As citações que não interessam poder ser simplesmente desprezadas.


O gene e a neurociência

Começo este tópico citando passagens dos livros de Nicholas Wade e José Eduardo de Carvalho.

“Também falta uma explicação para muitas características importantes até do mundo de hoje. Por que alguns países são ricos e outros não deixam de ser pobres? O capital e a informação circulam de maneira bastante livre, então o que é que impede os países pobres de fazerem um empréstimo, de copiarem todas as instituições escandinavas e de tornarem-se tão ricos e pacíficos quanto a Dinamarca? A África absorveu bilhões de dólares de assistência no último meio século e, mesmo assim, até um surto crescente de crescimento, seu padrão de vida permaneceu estagnado por décadas. A Coréia do Sul e Taiwan, por outro lado, quase igualmente pobres no começo do mesmo período, conseguiram uma recuperação econômica. Por que esses países foram capazes de modernizar-se tão rapidamente, enquanto outros têm a mais dificuldades?”, (Wade, p. 26).

“Todavia, em situações em que a cultura e as instituições políticas podem circular livremente pelas fronteiras, é mais difícil explicar disparidades há muito existentes. O ritmo enérgico e contínuo da evolução humana sugere uma nova possibilidade: a de que na raiz de cada civilização está um conjunto particular de comportamentos sociais evoluídos que a sustenta, os quais se refletem nas instituições da sociedade. As instituições não são apenas conjuntos de regras arbitrárias. Antes, nascem de comportamentos sociais instintivos, como a propensão a confiar nas pessoas, a seguir regras e a punir aqueles que não as seguem, a tomar parte na reciprocidade e no comércio ou a pegar em armas contra grupos vizinhos.

[...] Com adventos de métodos rápidos e baratos para decodificar a sequencia de unidades de DNA no genoma humano, as variações genéticas subjacentes às raças humanas podem ser exploradas pela primeira vez. Os caminhos evolutivos que geraram diferenças entre raças são de grande interesse para os pesquisadores, e muitos são descritos nas páginas seguintes (idem, p. 27).

[...] Os fundamentos genéticos do comportamento social humano, porém, ainda são na maioria desconhecidos. Assim, há espaço considerável para discordâncias sobre quais comportamentos sociais têm base genética e até que ponto estes comportamentos podem ser definidos geneticamente” (p. 28).  
  
“Porém, todos estamos recordados da polêmica gerada à volta das declarações do biólogo americano James Watson (1928-), ao jornal britânico Sunday Times, por ter dito estar <<inerentemente pessimista quanto às perspectivas para a África>>, porque <<todas as nossas políticas sociais baseiam-se no fato de que a inteligência deles é a mesma que a nossa, enquanto a prática revela que não é assim>.. Afirmou também desejar a igualdade de todos os seres humanos, mas acrescentou que <<as pessoas que têm que lidar com empregados negros não acreditam nisso>>”(Carvalho, p 189).

“Dawkins é conhecido, principalmente, pela sua visão evolucionista centrada no gene. Em o “Gene Egoísta”, apresenta uma teoria evolucionária que procura explicar a evolução das espécies na perspectiva dos genes e não no indivíduo (geralmente exacerbado em falsa importância pelo meio social economicista ou da espécie (geralmente exacerbada em falsa relevância por meios sociais utópicos)” (Carvalho, p. 195).

Analisando as palavras de Wade podemos destacar duas situações:

1) se os genes explicam o desenvolvimento de algumas civilizações (nações) em relação a outras, também deverá explicar por que algumas entraram em decadência aparentemente irreversível, enquanto outras sucumbiram e posteriormente prosperaram;

2) é uma crença, sem qualquer fundamento, que as informações circulam livremente e, portanto, todos têm acesso a elas;

3) é totalmente distorcida, através da circulação das informações manipuladas pelo poder, a ideia de que as nações africanas são privilegiadas com assistência de bilhões de dólares.

Wade é um jornalista britânico com mestrado em Cambridge com publicações de livros sobre genética e defende a diferença entre raças humanas e a importância delas para explicar o desenvolvimento das sociedades.

James Watson é um biólogo norte-americano que juntamente com outros dois cientistas foram galardoados com o Prêmio Nobel por descobrirem após revolucionarem a biologia com a descoberta da estrutura da dupla hélice do ADN.

Conforme informei na Introdução não é minha intenção discordar das ideias dos cientistas sobre distinção entre raças, a importância dos genes e neurônios sobre o comportamento humano e sua evolução por me faltarem condições técnicas para tal. O meu interesse é analisar os seus argumentos e discursos, no tocante ao desenvolvimento das sociedades sob um prisma social.  

É bem verdade que todos, ou quase todos os cientistas com formações em biologia e neurociência, não descartam a importância do papel da cultura e a sua influência sobre os genes e os neurônios (sinapses). O problema está no destaque que é dado a estas questões, com opiniões, moldados por ideologias que não condizem com a realidade, como veremos no livro de Wade.

As citações do livro de Carvalho servem apenas para dar suporte a este ensaio, pois que informa as opiniões de vários cientistas sobre este assunto. Por isso, num primeiro momento não comento sobre o seu livro.


Os genes, os neurônios e o desenvolvimento das sociedade (o gene do desenvolvimento social).

Conforme destaquei no tópico anterior uma explicação do desenvolvimento das sociedades com destaque aos genes e neurônios, indubitavelmente, teria que explicar diversas outras situações por que passaram algumas sociedades (civilizações), desde as suas decadências definitivas ou relativas, bem como a decadência e recuperação de outras. Um assunto a ser estudado por historiadores, antropólogos e geneticistas.

E mais, dentro de um período de domínio entram em uma decadência e logo a seguir se erguem, por motivos diversos, como aconteceu com Roma.

Muitos dirão, com certeza, que a decadência das civilizações que tiveram destaque no passado se deu por motivos de guerras, invasões e destruições.

Mas a história mostra que não foi bem assim. Antes de serem decididas nos campos de batalha, por estratégias e táticas, muitas também foram condicionadas por questões políticas e sociais.

O exemplo típico é Roma. Antes de sua queda definitiva em 476, por tribos germânicas menos civilizadas, a sua decadência social já era notória segundo historiadores e a grande pergunta de alguns é por que demorou tanto tempo. Outra questão a ser analisada.

Segundo Gibbon:

“A história de sua ruína é simples e óbvia; e, em vez de indagar os porquês da destruição do Império Romano, deveríamos ficar um pouco surpresos sobre como ele durou tanto tempo. As legiões vitoriosas, que, em guerras distantes, adquiriram vícios de estrangeiros e mercenários, primeiro oprimiam a liberdade da república e depois violado a majestade da dignidade real. Os imperadores, ansiosos pela sua segurança pessoal e a paz pública, foram reduzidos ao expediente de corromper a base da disciplina que lhes rendeu a sua formidável soberania e ao seu inimigo; o vigor do governo militar estava relaxado e, finalmente dissolvido, pelas instituições parciais de Constantino; e o mundo romano foi esmagado por um dilúvio de bárbaros” (em “Queda do Império Romano do Ocidente”, hptt://pt.wikipedia.org>wiki).

Antes e durante as batalhas é necessário que a sociedade (nação, estado, cidade) esteja apta para alimentar os combatentes e fornecer os bens de guerra; que seja capaz de traçar e programar uma logística; não esteja submetida a rebeliões e conflitos internos e a disputas de poder; que os combatentes estejam sadios e psicologicamente integrados com os valores que irão defender; que exista uma liderança confiável, para manter o elã da tropa e isto nos diz muito sobre a cultura. E, conforme nos ensina Keegan, há ainda a influência dos fatores "permanentes" e "contingentes" (pgs 95/112), tais como: tempestades/alterações meteorológicas, pestes, pactos desfeitos, clima, conhecimento topográfico, alterações do comportamento humano (desânimo, revolta, insubordinação). 

Claro que as estratégias e táticas são importantíssimas. Mas, nenhuma guerra é vencida por combatentes famintos, decrépitos e mal equipados, sem coragem e vigor físico, muito embora a tenacidade dos vietcongues e a coragem, o orgulho e o patriotismo dos russos, nos cercos  alemães a Leninegrado e Stalingrado, tenham sido dignas de louvor, o que demonstra  o “imponderável” do ser humano e de suas relações.

Entretanto, não foram guerras campais, como se dava na antiguidade. Nesta guerra do vietnã, os vietcongues também contaram com um aliado “inesperado”, qual seja uma grande parte da população americana, que protestou contra a guerra e o uso de armas químicas, confrontando o governo com protestos e passeatas.

Muitos fugiram para o Canadá e outros países para não serem convocados. O General Giap adotou as táticas da guerrilha e das emboscadas. E sabe-se que as batalhas de ocupação sempre são complicadas. 

Na Guerra de Secessão americana o Norte possuía uma base industrial e recursos muito superiores ao Sul, para a fabricação e abastecimento de armas e mantimentos e também melhores meios de transportes e comunicações. Além de sua superioridade logística contava com o dobro de combatentes do que o Sul. 

E não podemos esquecer as alianças políticas para enfraquecer dissuadir os potenciais inimigos. Stalin fez um pacto de não agressão com Hitler (Ribbentrop-Molotov) para ganhar tempo e se preparar para a guerra, que era inevitável.

Com a morte do imperador Marco Aurélio encerra-se o ciclo dos grandes cinco imperadores romanos. Seu filho Cômodo lança o império em total desordem. O império fica à deriva e tem início a crise do século III.

No século III d.c. Roma esteve a beira do colapso, assolado por dissenções internas sucessivas (rebeliões), instabilidades políticas, indisciplina militar, epidemia, crise econômica, fiscal e de abastecimento de gêneros, abandono de cidades e invasões bárbaras (novos inimigos mais poderosos), tendo se reerguido com Aureliano em 284 e em seguida por Diocleciano.

Foram 50 anos de anarquia, com a ascensão ao poder imperial de diversos usurpadores (fato nunca antes registrado), quase todos assassinados por subordinados, que afastaram o senado da vida pública, para se protegerem de usurpadores e rivais internos, subornando os oficiais para garantirem a sua lealdade. Deslocavam tropas que guarneciam as fronteiras para sufocar as crises internas e as guerras intestinas por interesses políticos que desfalcavam o exército, em momentos necessários em fortalecê-lo.

Os cargos mais elevados na administração e no exército eram designados pelo imperador de acordo com o seu interesse pessoal, com corrupção, sem consideração aos méritos (Wiki e Goldsworth, pgs 191,195,200). Os compromissos morais com o império foram afastados e substituídos pela preocupação com a segurança pessoal do imperador.

Segundo o autor citado, “no século III, o Império Romano desperdiçou muito de seu poder a lutar contra si próprio. [...] As crises internas perturbavam a estrutura administrativa, a logística do exército, o recrutamento e a disciplina”.

O império nunca mais atingiu o seu apogeu. Muitos teutões adquiriram privilégios para proteger o império, quando recrutados, mas eram indisciplinados e não partilhavam dos valores morais do “antigo” exército romano, baseados na disciplina, no talento e no interesse da própria carreira militar, que lhes davam o respeito e o reconhecimento social e não na corrupção dos graduados e privilegiados.

Mas, voltando um pouco atrás, a liderança de determinadas pessoas, seria mais um motivo para se pensar tanto no declínio quanto na expansão e sucesso das civilizações.

Com o auxílio de Keegan sobre os hunos e seu líder Átila:

“Estas circunstâncias não explicam, porém, a razão pela qual o império huno não conseguiu sobreviver à morte de Átila ou a razão porque, com a morte dos seus filhos, os hunos desapareceram da história” (p. 252).
  
Segundo ainda o autor a cultura é fundamental para determinar a natureza da guerra (p. 507). Neste sentido, cita a queda do Império Otomano e a derrota do Imperador persa Dário, que reproduzo:

“Mas, como vimos, nem mesmo estes cavaleiros bem-sucedidos (o autor se refere aos turcos otomanos) conseguiram transformar o impulso conquistador numa forma de governo criativa e construtiva. Permaneceram vinculados à cultura dos acampamentos, ao cavalo, ao arco, continuando a viver como chefes nômades, independentemente de viver sumptuosamente instalados nas capitais dos impérios que haviam derrubado. Mais tarde, quando foram confrontados pelas novas potências que se haviam adaptado às reais transformações tecnológicas na prática de guerra, a sua rigidez cultural negou-lhes a oportunidade de reagir de modo eficaz ao desafio. Acabariam extintos” (os grifos são meu, p. 508).

Sobre Dário:

“O combate de Alexandre, o Grande, contra a Pérsia, um império cujo estilo de guerra envolvia rituais primitivos bem como manobras evasivas por parte dos cavaleiros, é ao mesmo tempo histórico, segundo a narrativa de Arriano, e paradigmático. O imperador Dário é uma figura genuinamente trágica, pois a civilização que ele representava estava bastante mal preparada para enfrentar inimigos que não se deixassem comprar ou que se recusassem a entrar em conversações depois de conquistarem uma vantagem, que procurassem resolver os assuntos no campo de batalha e que lutassem como se o resultado imediato prevalecesse sobre todas as outras considerações, incluindo as de sobrevivência pessoal. A morte de Dário ..., resume perfeitamente o choque cultural entre a honra e a conveniência nestas duas éticas de guerra” (p. 509/10).
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Segundo ainda o autor os povos equestres (mongóis, hunos, turcos buminidas) não souberam transformar as conquistas num poder permanente, muita embora Genghis Khan fosse um administrador hábil. Mas as suas raízes estavam voltadas para sustentar a vida nômade, “tipo extrativo, não estabilizador” (p. 277). 

Pelo seu modo de vida nômade os povos das estepes encontravam limites geográficos para consolidação permanente de suas conquistas, daí, se situando em terras fronteiriças. E o autor entra em considerações sobre a agricultura e culinária e a dificuldade dos conquistadores adaptarem as terras conquistadas às necessidades da cultura nômade (p. 248).

Além de todos estes fatores, temos ainda o fato de que algumas civilizações ou nações se enfraquecem ao deflagrarem a guerra, possibilitando que outras se beneficiem da situação. O declínio das cidades-estado gregas, em decorrência da Guerra do Peloponeso (431/404, a.C.) possibilitou a ascendência e hegemonia da Macedônia e, posteriormente, de Roma (Jaguaribe). Séculos mais tarde, os países da Europa entram em guerra (1ª e 2ª Guerras Mundias), os E.U.A. se beneficiam da destruição mútua e assumem a posição inconteste de nação líder. 


Migrações bárbaras, formação dos Estados-nação e o surgimento das relações capitalistas.

Considerando as minhas enormes limitações nos campos da historiografia, antropologia e genética, me proponho a alguns breves comentários sobre alguns momentos históricos das civilizações, que requerem tanto uma análise mais profunda quanto extensiva. 

Não podemos ver a história de cada civilização sob um prisma de evolução linear, com o seu apogeu, mantença e sua decadência relativa ou absoluta, ou mesmo a sua extinção. Ou seja de uma civilização que permaneceu em sua "pureza" originária até os nossos dias. 

Talvez, esta evolução linear de progresso e regressão de uma "mesma" civilização até os dias atuais fosse o ideal para esclarecer a importância das diferenças genéticas no papel do desenvolvimento econômico e social. Seria um Benção de Deus se assim fosse. 

Entretanto tal não ocorreu. Mudanças bruscas aconteceram como: grandes migrações que "contagiaram" a cultura de alguns povos nativos; transformações nas relações de produção e sociais (o que Marx chamaria de "modos de produção"); formação dos Estados-Nação que aglutinaram em diferentes graus algumas culturas e novas colonizações em terras antes desconhecidas (embora os vikings já estivessem alcançado o Canadá).

Entre os séculos III e V, a Europa foi o palco de grandes deslocamentos de hordas germânicas, que ameaçadas pelos povos das estepes (hunos) e, também, provavelmente, por uma maior procura de novas fontes de abastecimento de gêneros ou por mudanças climáticas, se estabeleceram em diversas regiões, principalmente depois da queda de Roma, para os Ostrogodos. 

Denominam-se indo-europeus um grupo étnico pré-histórico que provavelmente no quarto milênio (a.C.) ocuparam uma região ao norte do Mar Negro e o Mar Cáspio, entre os Cárpatos e o Cáucaso. 

Dessa origem surgiram diversos ramos falantes das línguas do mesmo tronco que se dispersaram e se situaram na atual Europa, Pérsia e península da Índia, entre eles: anatólios, tocarianos, arianos (iranianos e indo-iranianos), gregos, germânicos, celtas, itálicos, bálticos, eslávicos, armênios, albaneses, turcos, gauleses, semitas (raça caucasiana), em "A aurora dourada, vikings e povos germânicos", aauroradourada.blogspot.com e "Indo-europeus - Wikipédia, a enciclopédia...", https://pt.wikipedia.org.wiki>indo-europeus.

Entre os séculos III e V, a Europa foi o palco de grandes deslocamentos de hordas germânicas, que ameaçadas pelos povos das estepes (hunos) e, também, provavelmente, por uma maior procura de novas fontes de abastecimento de gêneros ou por mudanças climáticas, se estabeleceram em diversas regiões, principalmente depois da queda de Roma, para os Ostrogodos. 

Dentre estas tribos destacam-se: alamanos, visigodos, ostrogodos, lombardos, vândalos, suevos, francos, burgúndios, anglos, saxões, jutos, frísios. 

Na vaga da queda de Roma, os francos já haviam se estabelecido na Gália, muito aproximadamente do que é a França atual; os visigodos antes ocuparam a província da Dácia (atual Hungria) e posteriormente se estabeleceram em quase toda a península Ibérica; os ostrogodos ficaram-se a atual Itália; os vândalos no norte da África (região mediterrânea); os suevos na região da Galícia (norte de Portugal e região da Espanha), onde permaneceram por aproximadamente 200 anos, sendo posteriormente deslocados pelos visigodos; Os anglos, saxões, jutos e frísios na Inglaterra; os burgúndios ficaram no Vale do Ródano e depois foram dominados pelos francos, dando o nome da região da Borgonha. 

Nos finais do século VI, os lombardos, outra tribo germânica, se estabeleceram no norte da atual Itália (atingiram a Toscana) e por lá permaneceram por 200 anos (568-774) até serem deslocados pelos francos. Daí que se dá o nome à região de Lombardia.

Calcula-se que no século V entre 30 a 50 por cento do exército romano era formado por povos germânicos, fora aqueles que se situavam nas fronteiras do império, incluindo o que hoje é a Itália. Por sua vez, os imperadores não eram necessariamente romanos, podendo ser provenientes das províncias dominadas.

O que isto significa? Simplesmente que a Roma de hoje nada tem da Roma antiga, em termos étnicos, culturais e até mesmo de hereditariedade genética. Hoje, Roma é uma cidade da Itália que ao norte teve uma forte influência germânica e ao sul uma influência antiga dos gregos e fenícios.  A língua é o italiano e não o latim, mas histórias e culturas diferentes alimentam o movimento separatista do norte industrializado. 

Nos primórdios sofreu influência da civilização etrusca que vieram por derrotar. Também teve grande influência cultural da Grécia, a qual dominou no campo militar, mas dobrou-se à sua cultura, adotando muitos dos deuses gregos. O norte industrializado, a região da Lombardia tem a influência da cultura germânica dos lombardos. O sul tem tradição principalmente grega, daí ter sido chamada de Magna Grécia, mas também dos fenícios e posteriormente dos normandos.

Anteriormente à sua unificação, a Itália que conhecemos hoje era dividida por “pequenos” Reinos e Ducados aliados a outras nações estrangeiras (Reino da Sardenha, de Vêneto, Estado Papal, Grão Ducado da Toscana, Reino das Duas Sicílias). A unificação se deu na segunda metade do século XIX, com o movimento “Risorgimento”, encabeçado por Vitor Emanuel II. 

Nos séculos VI e VII deu-se a 2ª Grande Onda Migratória na Europa. Os povos eslavos, provavelmente localizados na margem Oriental do rio Vístula até o Dniepere, migram para o leste ocupando as terras abandonadas pelas tribos germânicas, movimento inciado na atual República Checa e alcançam os Balcãs. Hoje ocupam predominantemente a República Checa, Eslováquia, Polônia, Bielorrussia, Ucrânia, Rússia e parte dos países  dos Balcãs (em "Fascinante universo da história - Migrações das tribos eslavas, "universodahistória.blogspot.com.2012/5"). 

Embora essas historinhas sobre migrações sejam interessantes elas deixam muito a desejar por que vistas sob um prisma linear, sem levar em consideração que ocorreram grandes transformações que mudaram o curso da história e das relações entre os povos (ver Apêndice).

O mercantilismo é o embrião de onde nasceram os Estados-nação, a criação de colônias em terras “desconhecidas” e posteriormente o nascimento das relações capitalistas de produção, estas últimas, primeiramente em poucas nações europeias. A formação desses Estados não se deu obedecendo exclusivamente as diversas etnias, mas por anexação de regiões geográficas, muitas vezes com povos e culturas diferentes, mas que em muitos casos impuseram uma língua mãe.

Com estas transformações, as histórias das civilizações nos tempos hodiernos se metamorfoseiam  em histórias das nações. Com isto rompem-se as similaridades e a continuidade que pudessem existir entre o “desenvolvimento” de civilizações antigas e o das nações. Fala-se em nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, com diversas graduações e não mais em civilizações desenvolvidas. Fica sem sentido comparar antigas civilizações com as nações.

Com isso, criam-se colônias “além-mundo” com o objetivo de explorar os recursos naturais, sob o controle dos colonizadores. Emigrantes das metrópoles estabeleceram novas formas de cultivo (monoculturas em alguns casos) e a exploração de recursos naturais se instalou, para satisfazer os apetites das metrópoles, surgindo novas culturas adaptadas às novas condições. Em outras colônias se estabeleceram verdadeiramente colonos.

Num momento posterior, modificam-se as relações de produção, o capitalismo se instala nas “grandes” nações imperialistas e nas colônias formas de produção arcaicas moldam novas culturas. E o grande “paradoxo” é que a emigração de povos “civilizados” para estas terras longínquas não trouxe inexoravelmente a civilização, como alegavam.

Em resumo, com o nascimento dos estados e do capitalismo em algumas nações europeias as relações entre os povos mudam e a história das civilizações se metamorfoseia para ser a história das nações. O desenvolvimento de uma nação vai significar o desenvolvimento de uma “civilização” e é a partir desta visualização que os geneticistas de neurocientistas irão associar a ideologia do “gene do desenvolvimento”.

Nesse contexto, os defensores do “gene do desenvolvimento” deveriam em primeiro lugar explicar por que as grandes civilizações sucumbiram antes da formação dos Estados-nação.

A partir da data dos grandes descobrimentos, finais da Idade Média e nascimento do Mercantilismo, deverão explicar por que algumas das nações importantes que ocuparam posição de destaque como verdadeiras potências sofreram uma queda relativa em comparação a outras nações concorrentes ou emergentes, como foi o caso de Portugal e Espanha, esta última uma potência colonialista que rivalizava com a Inglaterra, França e Holanda (países baixos).

Especificamente, tratando-se de Portugal, não foi o Tratado de Methuen (1703) que jogou o país de ladeira abaixo. O país já demonstrava sinais evidentes de decadência, sendo o referido Tratado apenas o reflexo desta situação e que agravou a decadência (conforme comentei e afirmei em artigos anteriores neste Blog).

Poderão afirmar que estes países não desenvolveram relações de produção capitalistas, daí o seu atraso progressivo. Embora este ponto de vista não deixe de ter a sua dose de verdade também não explica por que eles não se adaptaram e criaram estas novas relações, já que tinham condições para tal.

A Inglaterra, considerada o berço do capitalismo, e a França, que lhe seguiu, foram, posteriormente, suplantadas por nações que desenvolveram mais tardiamente estas relações capitalistas e por outras novas nações, que surgiram do colonialismo, mormente Alemanha (com a unificação encabeçada por Bismarck), Japão (com a revolução Meiji) e Estados Unidos. A Itália, cuja formação como país se deu no final do século XIX, está abaixo das duas primeiras.

Das novas colônias do novo mundo apenas Estados Unidos da América (19º), Canadá (2º), Austrália (4º) e Nova Zelândia (10º) se desenvolveram como nações. E o interessante é que todas foram colônias inglesas, com exceção do Canadá com uma cultura inglesa e outra francesa em Quebec. Estas nações estão cotadas com altos Índices de Progresso Social (entre parênteses) para 2016/17 (em www.progressosocial.org.br, “índice de progresso social 2016 resumo executivo”). Entretanto, o "desenvolvimento" não chegou em outras colônias inglesas como a Índia, Egito, África do Sul e outros países africanos (por exemplo: Nigéria, Sudão, Zimbabue, Zâmbia, Serra Leoa). Tal fato nos leva irremediavelmente para os tipos de colonização. 

Mas, as incongruências não param por aí. Hong Kong localizada na costa sul da China, com clima subtropical úmido, foi colonizada pela Inglaterra em 1839-1942, voltando a ser considerado território chinês em dezembro de 1997. É composta por 96% (noventa e cinco por cento) de etnia chinesa de maioria cantonesa e ocupa a 12ª (décima segunda) posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Macau, colonizada por portugueses e devolvida à China no mesmo período, ocuparia a 26ª (em https://pt.wikipedia.org>wiki>lista _de...).

Por seu turno, Singapura cidade-Estado insular está localizada no sul da Malásia separada pelo Estreito de Johor, com fortes laços com a Malásia. Em 1826, tornou-se possessão britânica e estado autônomo, em 1959, continuando ainda sob influência inglesa. Em 1965 conseguiu sua independência. Possui quatro línguas oficiais, Inglês, Malaio, Chinês Mandarim e Tâmil, sendo o inglês a mais importante (negócios e governo). Com uma população estimada em 5.400.000 (estimativa para 2010) ocupava a 5ª (quinta) posição no IDH, enquanto a Malásia a 59ª (quinquagézima nona), em “Singapura–Wikipédia, https://pt.wikipedia.org>wiki>sing.    

Os Estados Unidos da América são um caso interessante sob o ponto de vista genético. Considerados um país de imigrantes, até mesmo pelos próprios americanos, tiveram diversas levas de imigração de povos procedentes da Europa, inicialmente ingleses, e logo depois holandeses, alemães, irlandeses (que não são anglo-saxões) e posteriormente italianos, na última década do século XIX. Um levantamento genético efetuado em 2015 que o americano médio tem 98,6% de ancestralidade europeia, 0,19% africana e 0,18% ameríndia (ver Apêndice).

Por sua posição geográfica privilegiada não sofreram a devastação que as Primeira e Segunda Guerras Mundiais impuseram às outras potências europeias, entre si. No final da Primeira Grande Guerra saem da posição de grande devedor da Inglaterra para a de grande credor. Após a Segunda Guerra Mundial, com a destruição de diversas nações europeias e japonesa, consolidam seus poderes e passam a líderes “incontestes” da economia mundial, tanto no plano militar quanto no econômico, financeiro, geopolítico e, poderíamos dizer, até mesmo no cultural.

Embora sejam a economia mais poderosa do planeta ocupam a 10ª (décima) posição no IDH, abaixo de países nórdicos, Alemanha, Países Baixos. Hoje importam cérebros de países subdesenvolvidos como a Índia, asiáticos (China) e o Brasil.

Países desenvolvidos que foram e ainda continuam a ter fortes economias industriais e militares também se situam em níveis abaixo dos países nórdicos, como:  França (21º), Reino Unido (16º), Japão (17º) e Itália (26º). No mesmo sentido, diversos outros países mais fortes industrialmente se encontram também em desvantagem com relação ao IDH. Brasil (79º), Rússia (49ª) em comparação com Chile (38º), Uruguai (55º), Argentina (45ª). 

Dentro deste contexto, de etnias tão díspares, inclusive dentro de um mesmo país, poderíamos afirmar quais são foram as nações e suas respectivas etnias (ou raças) que adquiriram os genes do desenvolvimento?

Em quais nações e suas respectivas populações o "gene do desenvolvimento" se manifesta? Nas que são industrial, política e militarmente mais fortes ou nas que possuem um Índice de Desenvolvimento Humano mais elevado?

Por que todos os países, cuja "raça branca" é destacadamente majoritária, não se desenvolveram e apresentam diferentes graus de desenvolvimento, tanto economicamente quanto em relação ao IDH? 

Para explicar o desenvolvimento, os países dos Balcãs, embora em sua maioria sejam eslavos, nos apontam para uma direção totalmente diferente a da ideologia do gene, ou seja, para conflitos étnicos, com forte influência religiosa e interferências geopolíticas.  Enfoque semelhante, mas fundamentado em diferentes regimes políticos, podem explicar as diferenças entre as duas Coréia. E o regime teocrático do Irão tem as suas peculiaridades. 


A circulação livre das ideias

Tem inteira razão Wade quando afirma:

“As descobertas recentes de que a evolução humana tem sido recente, copiosa e regional solapam fortemente a visão do mundo oficial dos cientistas sociais porque estabelecem que a genética pode ter desempenhado um papel possivelmente significativo juntamente com a cultura na formação das diferenças entre as populações humanas. Por que, então tantos pesquisadores ainda se apegam à ideia de que a cultura por si só é a única explicação possível para as diferenças da sociedade humana?

Uma razão é, claro, o temor compreensível de que a investigação de diferenças raciais vá servir de apoio ao racismo, questão discutida a seguir. Outra é a inercia intrínseca do mundo acadêmico. Os pesquisadores universitários não agem de modo independente, mas como comunidades de estudiosos que constantemente conferem e aprovam os trabalhos uns dos outros. É assim que as coisas funcionam particularmente no ramo das ciências, em que os pedidos de financiamento precisam ser aprovados por um painel de colegas e as publicações são submetidas ao exame de editores e de resenhistas. A grande vantagem desse processo é que as afirmações que os estudiosos fazem em público costumam ser muito mais do que sua opinião particular-elas são o conhecimento certificado por uma comunidade de especialistas” (p. 18).

Ora essa questão depõe contra o autor e põe em dúvida a sua afirmação (p.26/7) de que as informações e as ideias circulam livremente. E o pior é a afirmação do autor de que a “cultura e as instituições politicas podem circular livremente pelas fronteiras”.

As ideias e as informações não agem e não detêm poder para realizarem sozinhas as grandes transformações. Elas precisam do respaldo político para pô-las em prática.

Também, não existe uma ideia única para transformar uma realidade social e que, ao mesmo tempo, represente todos os setores e membros da sociedade. Em sua grande maioria e para terem repercussão, elas surgem e são apoiadas por grupos com interesses específicos que estão sempre em contradição.

Como se diz um velho ditado; “O uso de cachimbo faz a boca torta”.

E a adesão “espontânea” dependerá do controle das informações (falsas ou não), da capacidade de convencer ideologicamente, da manipulação e também da educação e do viés educacional (formação educacional, familiaridade com os conceitos e termos). Inclusive da capacidade de promover o caos e lucrar com ele, como ficou evidente no Chile e o medo da guerra e maus tratos (Angola). Enfim, de inúmeros fatores, difíceis de serem enumerados. E sempre ocorrerão surpresas.

Por outro lado, as informações também refletem uma estrutura de poder social e são em grande medida divulgadas na medida dos interesses dessa estrutura. Em regra, em situações normais, quem detém o poder controla as informações.

Ao mesmo tempo, as ideias vêm impregnadas de conteúdos ideológicos, que como um verniz disfarçam as impurezas do que se está a analisar, informar e divulgar, em vistas a mantença de um status quo.

São exemplos de ideologias, citados nos meus artigos anteriores que abordam o tema do desenvolvimento: a mão invisível de Adam Smith; os comportamentos e expetativas racionais dos agentes econômicos; a eficiência dos mercados; o darwinismo social; a lei das vantagens comparativas; a ideia de que a livre circulação do comércio e do capital traz o desenvolvimento; a de que a empresa estrangeira sempre contribui para o desenvolvimento; a privatização de empresas e de órgãos públicos traz eficiência e são indispensáveis para alcançar o desenvolvimento; a de que o produto social é dividido de forma justa; de que o colonialismo promove o desenvolvimento da sociedade (regiões ou países) mesmo quando fere e afronta a dignidade dos povos (como, por exemplo, a escravidão); que a educação resolve a questão do subdesenvolvimento;  que as trocas internacionais são justas; de que o trabalho assíduo e árduo leva à ascensão social; considerar os receituários do FMI, Banco Mundial e OMC técnicos e apolíticos, em benefício dos países subdesenvolvidos; que os países que não alcançaram o desenvolvimento são pobres porque corruptos.

Estes países civilizados, com a ajuda de seus Serviços Secretos (CIA e outros), instalam nos países pobres governos “fantoches”, encabeçados por líderes assassinos e/ou corruptos, para, num momento posterior, através de seus “pseudos” cientistas sociais (agora influentes biólogos), advogarem que estes países não se desenvolvem por causa da corrupção endêmica (Ferdinando Marcos, Suharto, Joseph Mobutu, Somoza, Xá Reza Pahlavi, Pinochet , para citar apenas alguns exemplos). E a imprensa cumpre o seu papel ao divulgar, ou “circular livremente estas ideias”, sem destacar os corruptores.

No Vietnã, Laos e Camboja despejaram bombas de fragmentação e napalm, armas químicas, muitas vezes superiores às lançadas na II Guerra Mundial, arrasando o meio ambiente e assassinando civis.

Se fôssemos partidários destas ideias “científicas” chegaríamos à conclusão da similaridade genética entre estes dois tipos de assassinos (os que promovem e os que assassinam), corruptos e corruptores, gerando um grande impasse.

Citando Stone e Kuznick:

“Não foram mongóis violadores e saqueadores, mas sim banqueiros benignos, de mala na mão, educados em universidades de prestígio, aliados a executivos de consórcios que saquearam as economias locais em nome da modernidade, da democracia e da civilização para benefício dos Estados Unidos e dos seus aliados” (p. 266). Nada a acrescentar.

O Banco Mundial foi fundado em dezembro de 1944 com a finalidade de efetuar empréstimos aos países em desenvolvimento, objetivando ajudá-los a erradicar a pobreza, auxiliando-os a superar os problemas do subdesenvolvimento.

Sem me deter excessivamente no assunto, um levantamento de seus ex-presidentes, a partir de Robert McNamara, que exerceu a presidência no período de 1968 a 1981, nos mostra que 4 (quatro) dos seus 7 (sete) ex-presidentes vieram e exerceram cargos em bancos privados.

Robert McNamara (1968-1981), foi executivo da Ford Motor Company e posteriormente assumiu o cargo de Secretário de Defesa do governo americano, sendo um dos responsáveis diretos pelo envolvimento dos Estados Unidos na guerra dos Vietnam. Foi acusado de manipular e ocultar dados para que o país continuasse na guerra, assunto que deu origem ao filme “The Post”.

Os americanos, com certeza se sentiram e se sentem como os verdadeiros democratas e exemplo para o mundo quando as peripécias de McNamara foram divulgadas e o filme entrou em circuito. Mas, existe uma outra questão mais importante que ficou submersa: quem foi responsabilizado pelas milhares de mortes em vão de americanos e vietnamitas?

Robert Zoelick, que exerceu a presidência entre 2007 a 2012, foi executivo Goldman Sachs, maior banco de investimento do mundo e Vice-secretário da Defesa e Representante para o Comércio dos Estados Unidos.

O Banco Goldman Sachs esteve envolvido nos escândalos financeiros que resultaram na crise de 2007, maior crise da economia após a Grande Depressão de 1929. Também ajudou a Grécia a burlar ou maquiar os dados relativos à dívida do país para entrar na “zona do euro”, fugindo das normas fixadas pelo Tratado de Maastrich. Tornou-se credor do governo grego.

Henry Paulson, Ex-Geo do Goldman Sachs, ocupava do cargo de Secretário do Tesouro americano à época da crise de 2007/8 (sobre o assunto consultar “A crise financeira de 2008 e as informações assimétricas”, junho 2015, neste site).

Paul Wolfowitz exerceu a presidência no período de 2005 a 2007 e foi Vice-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, de março de 2001 a junho de 2005. Considerado e conhecido como um dos falcões do governo americano, grupo de extrema direita, partidário e arquiteto da invasão do Iraque.

Não causa espanto que o Banco Mundial não estivesse cumprindo as normas para o qual foi criado.

O seu braço IFC operava como banco privado financiando empresas multinacionais extrativas, com participações minoritárias, esperando um melhor retorno para as ações cotadas em bolsa, como qualquer investidor.

Segundo relatório de Emil Salim, provedor do Banco, o próprio Banco, o IFC e a Miga:

“[...] estavam a fazer muito pouco para avaliar se os investimentos em petróleo e extração mineira faziam alguma coisa para tornar as pessoas menos pobre. Salim notou antes a propensão que a indústria de recursos tinha para criar pobreza através da poluição (incluindo derrames de cianeto), realojamentos forçados e a perda de terras de pastagem” (Burgis, p. 222/3).

Vários de seus dirigentes mudaram para as empresas privadas, beneficiárias dos financiamentos (Ver Burgis, p. 230).

O Banco Mundial e o FMI, seu irmão íntimo, são conhecidos por impor aos países o receituário econômico tradicional (ortodoxo, neoliberal), afinado com os princípios do Consenso de Washington. Existe uma bibliografia extensa criticando esses mandamentos, questionáveis para solucionar as crises econômicas e que não resolvem os problemas estruturais dos países subdesenvolvidos, que necessitam de seus recursos.

Pelo visto, Wade e outros geneticistas experts em genes do desenvolvimento, em história e cultura dos povos não acessaram as “informações disponíveis, que circulam livremente”, para uma melhor avaliação. No fundo, trata-se de uma questão política, de relações de poder a nível internacional.

É possível vermos a influência da geopolítica nas estratégias e táticas durante a II Guerra Mundial.

Não pensem os incautos e os desinformados que o domínio das nações se dá apenas através da coação com o poder das armas e do controle da economia e finanças (através de suas empresas multinacionais e seus braços institucionais, BM, FMI, OMC), mas também através de persuasões ideologias, que tentam incutir nos povos menos civilizados as suas culturas.

Não é por acaso que a ideologia dos “mercados eficientes” perdura há séculos, através de diversas roupagens, desde a “mão invisível” de Adam Smith, ensinadas nas universidades de pós-graduação e mestrado, principalmente americanas, frequentadas por diversos economistas formados nos países subdesenvolvidos e que posteriormente ocupam cargos relevantes nos seus países de origem.

No artigo “Direito, economia e mercados racionais”, subtítulo “Os agraciados com o Nobel”, publicado neste site, julho de 2014, comento sobre os economistas premiados que estavam alinhados com a teoria dos “mercados perfeitos e eficientes”, sendo a Faculdade de Chicago o foco de disseminação dessas ideias, sob a batuta do monetarista Milton Friedman.

Em outubro de 2017 voltei ao assunto com os artigos “Novo Prêmio Nobel para a economia comportamental” e “Alguns comentários sobre Eugênio Fama e sua teoria”.

Bem sei das dificuldades que tive em me desfazer de tais ideologias, travestidas de “ciências” sociais, mormente a econômica.

E nunca é tarde lembrar que os conhecimentos das ciências ditas da natureza são também influenciados por questões ideológicas (sobre o assunto ver Japiassu “O mito da neutralidade científica”.


A ajuda financeira versus a pilhagem

Este tópico é o mais simples de ser analisado porque vou reproduzir passagens do livro de Burgis que são autoexplicativas. Diga-se de passagem, que elas estão livres e disponíveis para serem contestadas por Wade e seus seguidores.  

Comentando sobre a exploração e pilhagem da África por empresas multinacionais mancomunadas com as lideranças locais:

“A Global Financial Integrity, um grupo de pressão baseado em Washington, que tem ajudado a colocar a evasão fiscal no centro de debate político, calcula que a saída ilícita de fluxos de capitais dos países em vias de desenvolvimento ascendeu a U$ 947 mil milhões em 2011, e U$ 5,9 biliões ao longo da década anterior. Quatro em cinco dólares desses fluxos foram devidos à fixação errada de preços, quando as empresas manipulam os preços a que vendem bens e serviços, quer entre as suas próprias filiais quer em operações com outras empresas; o resto era produto da corrupção, roubo e lavagem de dinheiro. Em África, os fluxos de saída elevaram-se a 5,7 por cento do PIB, a maior propensão de qualquer região e a crescer a uma taxa de 20% ao ano. Em África só as perdas devidas à transferência de preços equivalem aproximadamente a recita proveniente da ajuda externa a todo o continente” (p. 236).

Afora isto as empresas exploradoras estavam pagando percentagens irrisórias de imposto pela extração:

“[...] tornou-se cada vez mais claro para os governos africanos que estavam a ser depenados. Na Zâmbia, um dos maiores produtores de cobre do mundo, as empresas mineiras estavam a pagar menos impostos do que meio milhão de zambianos empregados na indústria. Em 2011, apenas 2,4% por cento dos U$ mil milhões em receita de exportações revertiam para o governo. Do outro lado da fronteira, no Congo, o número era um pouco mais alto: 2,5 por cento. Daí, a soma dos royaties, impostos e dividendos das participações do estado nos empreendimentos mineiros pagos ao estado foi de U$ 146 milhões, ou 7 por cento – e isso antes de incluir o fator custo para o estado da eletricidade subsidiada que as minas usam. [...] Trata-se de uma ninharia comparada com os 45 a 65 por cento que o FMI calcula ser a taxa de impostos efetiva média global na extração mineira” (p. 229). 

Ainda, segundo o autor estas distorções em detrimento dos países africanos eram facilitadas pela globalização e pelo registro de empresas em paraísos fiscais.

A investigação sobre a atuação do Banco Mundial feita por Salim e sua equipe concluiu:

“<<É profundo o fosso do conhecimento, do poder, dos recursos financeiros e técnicos entre as grandes empresas da indústria extrativa, a sociedade civil, os governos dos países em vias de desenvolvimento e as comunidades locais em todo o mundo>>, concluiu a investigação de Salim.[...] Na linguagem seca do Banco Mundial, Salim estava a descrever a máquina de pilhagem: a aliança entre governos-sombra e a indústria de recursos que posa as pessoas que vivem no sítio onde se encontra o petróleo e os minerais” (p.222).

Isto sem falar no contrabando de recursos minerais como o coltan na região fronteiriça do Congo e Ruanda.  Para Salim o Banco Mundial não estava cumprindo o seu papel, sendo conivente com as arbitrariedades, não fiscalizando a aplicação dos recursos em prol das comunidades locais, como era previsto. 

Como “não há almoço grátis”, principalmente quando os países economicamente mais poderosos estão envolvidos, a moeda de troca para a tal “ajuda financeira” é a liberalização da economia, a desregulamentação financeira e a privatização dos países africanos, de acordo com o receituário do Consenso de Washington, capitaneados e supervisionados pelo FMI, Banco Mundial,  OMC e outros. Assim, viabilizam de forma camuflada e em nome do progresso a instalação de multinacionais dos países desenvolvidos, para a exploração das riquezas minerais, incluindo as multinacionais financeiras.


Com isto, eliminam da concorrência as empresas locais que são mais fracas tecnológica, econômica e financeiramente e sem grandes redes de distribuição.  

Considerando que os mercados nacionais são uma construção social, que refletem as instituições governamentais e não governamentais, a visão do mundo dos agentes sociais e também uma legislação e órgãos de controle para disciplinar e coordenar as atividades, podemos concluir que as sociedades (nações) africanas não estão institucionalmente preparadas para enfrentar uma concorrência com as gigantes multinacionais.

Por outro lado, os líderes políticos que continuam a desviar os recursos, que serão aplicados nos mercados financeiros dos países desenvolvidos, estão comprometidos com as empresas estrangeiras e os seus governos aprovando as políticas econômicas de interesse dessas empresas.

Afora estas exigências draconianas os países desenvolvidos os “subsidiam” os seus produtos agrícolas em bilhões de dólares, em contraposição as suas ideologias, onde tentam implantar uma agricultura geneticamente modificada, causando ameaças à agricultura local.

Segundo Bond, associadas a essas “ajudas” existe um vasto desperdício com a burocracia no pagamento dos fundos de ajuda (14%), além dos gastos com “despesas condicionadas”: assistência técnica com especialistas dos países desenvolvidos (em torno de 20%), de insumos vinculados ao país doador (4%).  Do total destinado pelos doadores apenas 7% são destinados para combater a pobreza. Ainda, de conformidade com o autor “os piores delinquentes” em termos de ajuda condicionada são a Itália e os E.U.A. 

Os recursos ainda são desviados para a aquisição de armamentos dos países desenvolvidos, para garantir as lideranças políticas associadas aos interesses das empresas alienígenas, assegurando a exploração continuada. 

Ainda com o financiamento do braço do Banco Mundial, empresas estrangeiras são contratadas para gerir empresas privatizadas de água e esgotos, com resultados aquém dos esperados. Somem-se a tudo isto os desastres ecológicos sem responsabilidades atribuídas como atestam os casos mais significativos de Papa-Nova Guiné e a contaminação de cianeto em Gana, 

Em resumo, o que resta das ajudas financeiras destinadas aos países africanos para combater a pobreza é mais do que compensado pelas transferências indiretas e sofisticadas de recursos, sob formas “invisíveis” e “camufladas”, não facilmente detectáveis (ver Bond).

Em condições sociais como estas, seria uma falta de bom senso atribuir ao "gene do desenvolvimento", qualquer que ele seja, a responsabilidade pelas causas da miséria. 


Conclusão

Ao longo deste ensaio procurei analisar alguns pontos de vista (visão do mundo, ideologia) de Wade que muito provavelmente contribuíram para a sua conclusão sobre o papel que a genética desempenha no desenvolvimento das sociedades. Acredito que o autor, assim como outros geneticistas e neurocientistas, possuem diversos outros pontos de vista que os levam e contribuem para atribuir a estas duas ciências o papel determinante no comportamento do ser humano e nas suas relações sociais.

Outrossim, procurei demonstrar que as explicações exclusivamente ou preponderantemente genéticas e neurológicas não apresentam respostas satisfatórias às questões sobre o desenvolvimento, ou melhor, que justifiquem o porquê de algumas nações serem subdesenvolvidas e outras não .  

É importante salientar, que as nossas ideias, juízos de valor, concepções e conclusões estão direta ou indiretamente impregnadas por ideologias. Até mesmo as conclusões científicas não escapam deste destino porque fazem parte de nossa visão do mundo. Nas “ciências” ditas humanas estas influências ideológicas são mais fortes porque o ser humano é ao mesmo tempo sujeito e objeto de estudo.

Existe um conjunto ideológico “sincronizado” que repercute sobre a racionalidade humana obscurecendo alguns pontos e reforçando outros aspectos ideológicos, num círculo vicioso. As ideologias acompanham os nossos sonhos, esperanças e pensamentos tanto na origem quanto no próprio processo de racionalidade e mais ainda na racionalização. Mas, este conjunto não é coeso e existem contradições.

Não é que eles (geneticistas, neurocientistas) não reconheçam também a importância da cultura sobre os genes e neurônios, mas colocam ênfase no determinismo destes em relação ao comportamento humano e nas suas relações sociais. Ou seja, é por um passe de mágica, não explicável, que os genes e neurônios assumem o comando.

“A hereditariedade e adaptação ao ambiente são fatores importante. A seleção sexual é fundamental. O clima determina o tamanho do corpo. Quanto mais frio o ambiente, mais baixos e entroncados para reter o calor. Os asiáticos ficaram mais baixos quando trocaram a carne pelo arroz. E voltaram a ficar mais altos desde que voltaram a comer mais carne” (Carvalho, p. 114).

“O fato principal é que todos os tipos de sociedade humana, do bando caçador-coletor à nação moderna, têm suas raízes em um conjunto de comportamento sociais. Esses comportamentos, que com toda a probabilidade têm base genética, interagem com a cultura para produzir as instituições características de todas as características de todas as sociedades, ajudando-as a sobreviver em seus ambientes particulares” (Wade, p. 58). 

“[...] ao passo que o comportamento social, em todo caso mais difícil de mensurar, é fortemente influenciado pela cultura” (Wade, p59).

“Com isso, não se pretende dar a entender que, nas sociedades humanas, a confiança é determinada exclusivamente pelos genes. A cultura é muito mais importante nas interações a curto prazo” (os negritos são meus, p. 73).

O que temos como certo é que a cultura tem influência seletiva sobre os genes e neurônios (sinapses) e também temos a certeza que os comportamentos individuais possuem predisposições genéticas e neurais.

Mas, o ser humano é um ser social, cultural, e como tal só existe em função da cultura. Sem cultura ele é apenas um ser, como outro qualquer, reduzido às suas necessidades  básicas (ou instintos como queiram chamar). Este ser ao nascer e depois de incorporar paulatinamente uma determinada cultura passa a existir na sua dimensão humana.

Ora, a concepção dialética de Engels, exposta, se não me falha a memória, em “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, nos diz que: “a soma das partes não corresponde ao todo”. Portanto, a cultura não é o resultado da soma dos comportamentos individuais geneticamente assemelhados, predispostos genética ou neurologicamente, ou não. Tal como a economia de uma civilização (nação) não é o resultado das decisões individuais racionais dos agentes econômicos, conforme nos ensina a teoria clássica do “homo economicus”, em crise.

A dialética também nos ensina que as relações entre as partes (no caso indivíduos ou grupos) e entre estas e o todo (sociedade), abstraindo-se das influências externas, são relações recíprocas, assumindo as posições de causas e efeitos (causas-efeitos e efeitos–causas), onde o todo assume a função determinante.

No entanto, se é verdade que os líderes e grandes personagens da história surgem em determinadas circunstâncias sociais e históricas também não é menos verdade que eles mudam as sociedades e suas histórias, mas sempre tendo como limites maleáveis os aspectos culturais, dentro de um horizonte cultural, que não podemos precisar nem quantificar.

Churchill em seu livro “Uma história dos povos de língua inglesa”, volume I, comenta como nas sucessões hereditárias britânicas reinaram pessoas inaptas para a função, colocando em risco o reino, enquanto outras possuíam grande capacidade administrativa e de comando estabilizando e progredindo o reino.

Marx afirmava que o ser humano é um “ser histórico”, ou seja, inserido na cultura de sua época. Não podemos imaginar um senhor feudal da alta Idade Média pensando como um empresário capitalista para resolver os seus problemas cotidianos e vice-versa. Da mesma forma, não podemos conceber um príncipe de Maquiavel com poderes absolutos numa sociedade capitalista altamente democrática. Ia-se à guerra de acordo com a "tecnologia" da época e não pensando em aviões supersônicos, navios movidos a energia nuclear, canhões de extrema precisão. Cada coisa no seu tempo e no seu devido lugar.

A crença no individualismo do ser humano como  determinante da sociedade nos leva a pensar que a “construção” social se dá através da soma destes comportamentos individuais.

Posteriormente, esta concepção dialética de Engels entrou nos conceitos das teorias administrativas, sobre o enfoque sistêmico, baseadas na Gestalt, como se fosse uma novidade, uma grande descoberta. Este enfoque sistêmico, leva a justificar as fusões entre empresas, visando explorar as “sinergias”, almejando com elas alcançar resultados melhores e maiores do que as empresas conseguiriam individualmente.

Mas, poderíamos atribuir ao acaso o desenvolvimento de algumas nações que, principalmente, nos seus primórdios, foram as primeiras a desenvolveram relações de produção capitalistas, alicerçadas nos Estados-nação? 

Pergunta intrigante, mas que não pode ser descartada com um certo relativismo. Na minha opinião, não podemos descartar esta hipótese, tendo em vista que, inicialmente, os grupos, setores ou classes sociais em disputa pelo poder não tinham as minimas condições de prever o futuro e aonde estas novas relações iriam descambar. Não tinham uma consciência social uma noção da dimensão que estas mudanças significariam, nem uma noção da dimensão que estas mudanças significariam para o futuro da humanidade. 

Somente em décadas posteriores, o Iluminismo irá se preocupar com o ser humano,  em si e com a sociedade, com a liberdade, com os direitos "naturais" e a "natureza" deste ser, com papel da ciência para o progresso e o bem estar da sociedade, em suma, com o destino da humanidade. 

Economistas e "cientistas" sociais se lançaram em explicar por que tais relações se estabeleceram em determinadas nações. Para mim os resultados foram pífios. Naquela época não existia uma consciência social de forma predeterminada, com uma visão do que poderia ser o futuro e nem mesmo o que seria uma nação desenvolvida. Nas poucas nações que em princípio se tornaram capitalistas a burguesia triunfou sem qualquer projeto de governo, em outras fracassou. Aos poucos estas relações dialéticas foram se reforçando.

Basta lembrar que até a metade do século vinte o conceito de nações desenvolvidas e subdesenvolvidas não existia. Nem mesmo o revolucionário Marx conseguiu imaginar uma tal situação. 

Posteriormente, quando a realidade vinha se tornado mais perceptível, comparativamente com as nações que já tinham galgado um certo patamar de desenvolvimento, outras se lançaram em persegui-lo de forma mais "consciente", através de planos previamente elaborados, respaldados com a assunção do poder. Algumas obtiveram êxito, outras não. Talvez os Estados Unidos da América tenham sido uma das poucas nações a se anteciparem, de forma relativamente "consciente", nessa verdadeira empreitada, a partir da independência. No mesmo sentido o Japão que conseguiu se renovar com a Restauração Meiji, que acabou com o Xogunato Tokugawa.   

Admitir que o gene do desenvolvimento ou os neurônios conseguiram determinar previamente estes resultados, ou estavam predestinados a isto, é partir para uma visão determinista da história. Que nestes genes ou neurônios existiam o embrião do desenvolvimento, que, indubitavelmente, se manifestaria somente em determinadas etnias, ou raças. É partir do pressuposto da inevitabilidade destes  resultados para determinar as suas causas.   

Ademais, estes geneticista e neurocientistas procuram uma neutralidade “científica” questionável, mormente, quando se trata de questões relacionadas ao comportamento e relações do ser humano, em contraposição aos diversos ramos das “ciências” sociais.

Conforme ficou demonstrado pelos autores do livro “A máquina que mudou o mundo” o fordismo surgiu nos E.U.A., em situações muito peculiares e, por isso, não foi possível introduzi-lo em países como Japão, Inglaterra ( e Grã Bretanha) e outros, por razões culturais. Este assunto foi abordado no artigo “Desenvolvimento e livre comércio – uma perspectiva cultural”, de junho de 2015, publicado neste site.

Enquanto Dawkins foca a sua atenção no Gene Egoísta para explicar a evolução da espécie humana (Carvalho, p. 195), Wade enfatiza “os comportamentos sociais instintivos, como propensão a confiar nas pessoas, a seguir regras e a punir” e “na reciprocidade do comércio” (Wade 27), que reforçam as instituições, destacando um tópico sobre “O hormônio da confiança social” (p. 69). E Edward Wilson fala em “predisposição genética e em concentrações de genes específicos em determinadas classes sociais” (Carvalho, p. 194).

Se existe esta seleção de genes em determinadas classes sociais, que justificam as diferenças sociais, pergunta-se porque são “vedadas” aos pobres as mesmas condições educacionais? E por que as classes mais abastardas despendem verdadeiras fortunas para dar aos seus filhos uma cultura diferenciada? Ao mesmo tempo em que divulgam a importância do trabalho e as aptidões individuais como fundamentos para a ascensão social (nos E.U.A. esta ascensão é sinônimo de riqueza).

Japiassu cita explicitamente Dawkins e Wilson (sociobiologista):

“O término de uma tendência evolucionária a respeito da emancipação das máquinas de sobreviver que executam ordens de seu mestre absoluto: o gene”.

E comenta: “Eis a mais alta humilhação à ideia que a humanidade forjou de si mesma” ( A crise..., p. 171).

Em relação a Wilson:

“Trata-se de uma interação complicada, fascinante, na qual a cultura gerada e modelada por imperativos biológicos, ao passo que, simultaneamente, características biológicas são alteradas pela evolução genética que reage à inovação cultural”.

E comenta “Como se a diversidade da cultura tivesse fundamento genético”(p. 171).

Enquanto Wade e alguns geneticistas destacam o “hormônio da confiança social e os comportamentos sociais instintivos”, que dão suporte ao nascimento das instituições, Keegan é mais realista:

“As lições da história lembram-nos que os estados em que vivemos, as suas instituições e até as suas leis foram criados e chegaram até os nossos dias por via do conflito, frequentemente do tipo mais sanguinário” (p. 22).

“A história conhecida do mundo é, em grande parte, uma história de guerra porque os restados em que vivemos nasceram através de conquista, combates cívicos ou lutas por independência. Para além disso, os maiores estadistas da história sempre foram homens de violência; mesmo que não fossem guerreiros, compreendiam o uso da violência e não a coibiam de a usar para atingir os seus fins” (p.505).

Dentro deste contexto, quais seriam os espaços reservados para a vontade, o desejo, a razão e a desrazão (Japiassu), a ética, os apelos sociais, o inconsciente, o simbolismo, o imponderável humano e a mudança radical de comportamento, quando os seres humanos se defrontam com situações inesperadas e diferentes, quando, por exemplo, alcançam o poder e a riqueza?

Os expurgos de Stalin na década dos 30, as purgas de Agostinho Neto em Angola (maio de 1977), a Revolução Cultural de Mao Tsé Tung, os assassinatos maciços de Pol Pot no Camboja, as torturas do exército americano nas suas guerras pelo mundo, o tratamento dado pelos “países civilizados” às populações colonizadas, os estupros pelos invasores, são exemplos das condutas do ser humano quando estão em situações vantajosas perante outros.

Segundo John Adams:

“O poder sempre crê ter uma grande alma...e que está a servir a  Deus ao mesmo tempo que viola todas as Suas leis” (apud Stone, p. 265).

Provavelmente, para eles (geneticistas e neurocientistas) existia algum gene ou neurônio adormecido que de repente, não mais que de repente, se revelou e se sobrepôs aos demais. Por que razão? Não se sabe.

No tocante a este assunto, existe um ditado argentino que diz: “quando o indivíduo trabalha numa empresa e é assalariado, ele é socialista; quando se torna diretor, transforma-se em democrata; e quando passa a ser acionista torna-se capitalista”.

Entretanto, este é o enigma da humanidade, como diria Japiassu:

“Ora, se os erros são dissolúveis no conhecimento, o mesmo não se pode dizer das “ilusões”, das “paixões” e do “imaginário” humanos. O desafio da Razão é o de tentar explicar tão racionalmente quanto possível a desrazão e o irracional, inseparável do comportamento humano” (Como Nasceu ..., p. 270).

No que diz respeito ao inconsciente, todos nós, depois dos ensinamentos de Freud e por experiências próprias, sabemos como é difícil e, às vezes, até mesmo impossível, nos desfazermos de comportamentos sociais adquiridos e, principalmente, de traumas que ficaram alojados em nossas mentes.

Ora, o comportamento humano e as relações sociais são muito complexos para serem reduzidos a determinismos genéticos ou neurológicos, começando pela dificuldade em estabelecer os limites entre ambos.

Não será apenas através das ciências “exatas”, da natureza, da genética e da neurologia, que alcançaremos uma maior compreensão do ser humano e de suas relações sociais, mas também pela história, filosofia, lógica, psicanálise, geografia, clima, e geopolítica, pelo tipo de colonização imposta e outras ciências, enfim da cultura, admitindo-se, ainda, o imponderável e a desrazão como “partes” inerentes deste ser. E isto, este entendimento, é muito difícil de ser alcançado, tendo em vista que o ser humano é ao mesmo tempo sujeito-objeto de suas reflexões. Em resumo, nem pelo determinismo genético ou neurológico nem pelo determinismo cultural.

O principal enigma das civilizações é exatamente: desvendar, descobrir e explicar porque algumas civilizações e, posteriormente, nações alcançaram o desenvolvimento, enquanto outras permaneceram nos estágios de vidas primitivas, algumas foram bem sucedidas no passado e sofreram uma regressão absoluta (e até mesmo desapareceram) ou relativa (permaneceram desenvolvidas, mas, não com o mesmo vigor).

Acredito que nunca chegaremos a uma conclusão definitiva sobre estas questões porque o acaso, o imponderável, as desrazões, as ilusões, o imaginário sempre acompanharão o ser humano, a não ser que consigam transformá-lo em robô.

Outrossim, fica por explicar os traços fundamentais e diferenciais do capitalismo americano (extremamente voltado para o risco e o individualismo), do francês, do alemão, do Japão e recentemente dos países nórdicos, estes últimos voltados para uma preocupação com o bem estar da sociedade.

Fiori e Kissinger nos trazem exemplos sobre a Alemanha e Prússia, respectivamente:

"Mas foi só na Alemanha, no século XIX, que se formulou uma teoria  e  uma estratégia nacionalista consistentes de desenvolvimento econômico, a partir de objetivos geopolíticos explícitos.

“É neste contexto de atraso, cerco e ressentimento-nacional que se deve situar a permanente preocupação defensivo-expansionista da Alemanha, dentro de um espaço vital supranacional a ser conquistado e preservado.

É neste contexto também que se deve situar o intense commitment de suas elites civis, militares e intelectuais, que teve papel decisivo no desempenho econômico do nacionalismo alemão" ("Nacionalismo e Desenvolvimento econômico", em "História, Estratégia  e Desenvolvimento", Boitempo editorial, 2014, p. 77/8). Citado em “Desenvolvimento e Livre Comércio”, junho/2015, neste site. 

“[...] a Prússia cultivava a disciplina e o serviço público como substituto à abundância de população e recursos com que contavam países mais afortunados. [...]Sua população era relativamente esparsa; sua força residia na disciplina com a qual dispunha de seus recursos limitados. Os pontos fortes mais importantes eram sua mentalidade cívica, uma burocracia eficiente e um exército bem treinado” (Kissinger, p.42).

O sociólogo e antropólogo Gilberto Freire, em “Nordeste: Aspectos sobre a Influência da Cana sobre a vida e paisagem”, nos mostra como a cultura da cana no nordeste brasileiro, introduzida pelos colonizadores, criou hábitos alimentares, moldou o biótipo dos nordestinos, seus comportamentos e relações sociais, com influência na fauna e flora. Todas estas questões deverão ser aprofundadas se quisermos ir adiante com estas teorias deterministas. Assim, podemos concluir que a geografia, o clima e a geopolítica contribuem para espírito de uma civilização e sua sopa cultural.

Esses cientistas esquecem, ou mais provável, não conseguem ver, quem sabe por determinismos genéticos ou neurais, que não foram dadas, ou melhor, foram retiradas de diversos povos ou civilizações as condições necessárias para manifestarem as suas potencialidades e as suas riquezas espirituais, como bem demonstra a partilha da África e do Oriente Médio. 

Também, em função dos seus genes e neurônios, e não de suas respectivas culturas e ideologias, não seria surpresa que acreditassem que a partilha da África e a pilhagem de seus recursos se deram em benefício dos povos nativos. Lembrem-se dos jesuítas e colonizadores que acreditavam que estavam trazendo a civilização para os povos nativos e colonizados.

Ao jornalista Wade convém lembrar que as informações sobre estas questões estão livres e disponíveis, basta querer consulta-las e tirar as devidas conclusões.

Como Wilson que “acredita numa completa determinação dos genes sobre as ações sociais entre os povos primitivos” (Carvalho, p.193), para no momento seguinte fazer observações sobre as sociedades de insetos, como operárias e rainhas, comparando-as com as sociedades humanas. 

Usando os mesmos argumentos desses cientistas podemos também acreditar nas suas predisposições genéticas colonialistas ou exploratórias. Ou quem sabe, também por uma questão genética acreditam que essas explorações e divisões artificias se deram em benefício das populações nativas.

Por outro lado e na verdade, trata-se de uma distorção inexplicável reduzir as histórias das civilizações (que se incorporam às suas culturas) aos determinantes dos genes e neurônios.

Admitir o determinismo genético e neurológico seria, também, admitir que as sociedades subdesenvolvidas, ricas em recursos naturais, estariam predestinadas a permanecer no mesmo estágio, sem levar em consideração os obstáculos impostos pelas economias mais desenvolvidas, com a algazarra que as suas empresas multinacionais trazem, associadas a uma minoria nativa corrompida.

Consequentemente, seria admitir a inviabilidade de se desenvolverem através das suas próprias capacidades, possibilidades e potencialidades, em superar os obstáculos culturais em que viveram. A história do ser humano é também a história de sua superação, de superar obstáculos.

Com os seus interesses geopolíticos, as nações civilizadas “invadem” territórios e criam nações artificias, de acordo com as suas conveniências, para controlar os seus recursos naturais, assumindo posições estratégicas para eventuais conflitos, estritamente militares ou não.

Estratégias para poder bloquear, com o recurso das armas (se necessário), o transporte de recursos naturais indispensáveis à logística da guerra, especialmente o petróleo, como bem demonstraram Stone e Marshall. Muito embora, também não concorde com o seu determinismo geográfico e geopolítico deste último autor, mas que não é objeto deste ensaio.

Sinceramente, para mim, é muito difícil entender a ligação entre o “gene do desenvolvimento ou da solidariedade” e a escravidão, a tortura, a degradação do meio ambiente pelas grandes corporações, a exploração desumana dos povos nativos, as guerras desnecessárias para atender os interesses financeiros da indústria bélica, a invasão de países subdesenvolvidos em nome da democracia para controlar as suas fontes de matérias primas, o individualismo acerbado sem preocupações com o bem estar da sociedade, a discriminação entre povos e outros preconceitos, assuntos fartamente divulgados.

O que está em xeque é o próprio conceito de desenvolvimento, fundamentado no poder das armas, da ciência e da tecnologia, capazes de persuadir e coagir outros povos a adotarem políticas que vão de encontro aos seus interesses, desprezando os valores éticos e morais (bons costumes e valores nobres) e o altruísmo, que vulgarmente tanto pregam. 
 
Durante a II Guerra Mundial as estratégias militares levavam em conta tanto o bloqueio quanto o acesso às fontes de petróleo, o ouro negro fundamental para pôr em funcionamento a máquina da guerra e também o confronto ideológico entre os países, capitalistas versus socialistas. Daí por que o apoio solicitado por Stalin aos países capitalistas não foi atendido (ver Stone).

Na primeira metade do século passado, a expansão imperialista do Japão na Ásia, a procura de matérias primas, levou os Estados Unidos a fazerem um embargo do petróleo àquele país. Esse ultimato americano visando bloquear a expansão japonesa foi respondido com o ataque “surpresa” a Pearl Harbor (Stone, p.83/4 e Marshall, p. 195), que para muitos analistas nada teve de surpresa (consultar Luiz Alberto Moniz Bandeira). No entanto, os Estados Unidos não deixaram de ser imperialistas, apenas consolidaram o seu poder.

Segundo ainda Marshall os Estados Unidos da América gozam de uma posição geográfica invejável por terem acesso a dois oceanos de águas quentes, o que não acontece com a Rússia. A China, por sua vez, com a pretensão de ascender à potência mundial, terá que controlar os Mares Amarelo (que partilha com a Coréia do Sul, aliada americana), da China Oriental e da China Meridional. No entanto, encontrará obstáculos com a posição estratégica dos Estados Unidos em Okinawa e Taiwan e com os países que também disputam estes controles, Filipinas, Vietnam. Estrategicamente, também controlam, através de alianças políticas o Estreito de Málaga, que liga o oceano Índico ao Pacífico (entre Sumatra e Malásia) e por onde passa a maioria do transporte de recursos naturais para a Ásia.

Outrossim, esses países desenvolvidos apoiam as investidas das suas empresas multinacionais, sem transparências, para assegurar estrategicamente o acesso aos recursos naturais, abusando da violência institucional e privada, destruindo o modus vivendi, o ethos social e poluindo o meio ambiente dos povos nativos, para, posteriormente, através de afirmações teóricas, pretensiosamente científicas de sua elite intelectual, acusarem esses povos de não possuírem os genes e neurônios “adequados” ou  seja, uma predisposição genética, necessários ao desenvolvimento econômico e social.

Com a exploração dos recursos naturais, jogam à margem da sociedade esses povos, bloqueando e impedindo-os  de alcançarem melhores condições de vida, jogando-os na miséria e na desordem. Minando as “esperanças” e os “sonhos” destes seres humanos, que não podem ser os atores de suas próprias vidas.

Se as sociedades africanas ou outras viveram na escuridão tradicional durante séculos isto não significa que encontrando estímulos possam seguir os seus próprios caminhos e superar as adversidades, que reconheço, são muitas, inclusive étnicas. Não se discute se alcançarão os mesmos níveis de desenvolvimento de outras sociedades (países) dado os obstáculos em que se encontram, dos quais a genética provavelmente desempenhará o seu papel, mas que não temos possibilidades de avaliar de antemão.

Pior, não significa que tenham que viver “eternamente” em condições sub-humanas, em total desrespeito à dignidade do ser humano, exploradas pelas empresas multinacionais associadas às elites locais. 

Se viveram nas trevas, em função de seu passado, por razões até hoje inexplicáveis (daí a polêmica), não significa que nelas deverão permanecer, simplesmente porque foram “incapazes” (se assim podemos dizer) de superar as suas deficiências e obstáculos sociais.

Como Wilson que “acredita numa completa determinação dos genes sobre as ações sociais entre os povos primitivos” (Carvalho, p.193), para no momento seguinte fazer observações sobre as sociedades de insetos, como operárias e rainhas, comparando-as com as sociedades humanas. 

Nos estágios em que se encontram a genética e a neurociência, o “gene do desenvolvimento”, ou qualquer outro que seja exclusivamente responsável pelo desenvolvimento de determinadas sociedades, é uma ficção. Para se tornar realidade teriam primeiro que estabelecer os limites entre elas e posteriormente experiências que ratifiquem.

Segundo Carvalho (p. 126), o ser humano adulto tem 10.000 milhões de neurônios e 100 mil conexões sinápticas, possuindo o cérebro 1.000 bilhões de conexões ao todo.

Por outro lado, não existe qualquer comprovação que os caracteres e as adaptações adquiridas pelos neurônios e os genes através da cultura são imutáveis. Ou seja, que não possam sofrer novas readaptações pela cultura.

No momento atual, a ideia na infalibilidade “deste gene” (genes ou neurônios) soa mais como atitude preconceituosa, na medida em que procura responsabilizar APENAS as nações ou civilizações pobres pelos fracassos em se modernizarem, enquanto isenta as nações desenvolvidas de reconheceram as suas parcelas de responsabilidades, usando e abusando de artifícios para continuarem a saquear impunemente estas nações com a cooperação de minorias locais. 

Pergunto-me, porque cientistas tão inteligentes usam argumentos tão banais? Terá sido apenas as influências dos genes e dos neurônios que determinaram as suas visões do mundo?

Muito mais poderia ser dito, mas os leitores poderão encontrar na bibliografia selecionada as informações e ideias que necessitam para fugir destes determinismos. Mas, fica uma lição. Pelo pouco que foi dito fica muito difícil determinar com razoável precisão os fatores determinantes do comportamento humano e das civilizações.


APÊNDICE

Roma e Itália: inicialmente os romanos tiveram contato com os etruscos, sendo provável uma miscigenação, a quem vieram a subjugá-los. Vieram as famosas guerras Púnicas contra os cartagineses (Cartago) sobre o domínio do Mediterrâneo.

Com Trajano o Império atingiu a sua maior dimensão territorial. Com Cômodo, filho de Marco Aurélio, considerado um dos cinco grandes imperadores romanos, o império fica à deriva e tem início a crise do século III, já comentada em tópico anterior.

Nos finais do século VI, os lombardos, outra tribo germânica, se estabeleceram no norte da atual Itália (atingiram a Toscana) e por lá permaneceram por 200 anos (568-774) até serem deslocados pelos francos. Daí que se dá o nome à região de Lombardia.

Nos primórdios, Roma teve a influência da civilização etrusca que derrotaram. Também teve grande influência cultural da Grécia, a qual dominou no campo militar, mas dobrou-se à sua cultura, adotando muitos dos deuses gregos. O norte industrializado, na região da Lombardia tem a influência da cultura germânica dos lombardos. O sul tem tradição principalmente grega, daí ter sido chamada de Magna Grécia, mas também dos fenícios e posteriormente dos normandos.

Anteriormente à sua unificação, a Itália que conhecemos hoje era dividida por “pequenos” Reinos e Ducados aliados a outras nações estrangeiras (Reino da Sardenha, de Vêneto, Estado Papal, Grão Ducado da Toscana, Reino das Duas Sicílias). A unificação se deu na segunda metade do século XIX, com o movimento “Risorgimento”, encabeçado por Vitor Emanuel II.

Na França, mais precisamente na Gália existiam tribos celtas gaulesas e em 125 a.C. conquistadas por Roma, que impôs a sua cultura, mas os gauleses se misturaram aos romanos. No século V foi invadida por diversas tribos germânicas, prevalecendo os francos que dotaram a língua latina (românica). Em 536, os burgúndios que vinham se expandindo durante o Império Romano no vale do Ródano foram derrotados pelos francos em 536 e deram o nome a atual Borgonha (França). No século IX os normandos (vikings) conquistaram a região hoje denominada Normandia (cujo significado é “homens do norte”), terminando o domínio em 1204. Durante o século IV e no século IX, muitos bretões, de etnia céltica, originários do sudoeste da Grã-Bretanha, se estabeleceram na atual Bretanha fugindo dos anglo-saxões (sua língua é irmã da língua galesa e córnica), https://pt.wikipedia.org>wiki>bretões, “Bretões-Wikipédia, a enciclopédia livre”. As regiões da Alsácia e Lorena têm maioria étnica alemã. 

Com relação à Inglaterra, ao contrário do que se supunha, um estudo genético realizado em 2015 concluiu que os habitantes bretões não foram dizimados pelos anglo-saxões e jutos, povos germânicos que invadiram a região no século IV d.C. e impuseram a sua cultura. Os estudos indicam que houve uma miscigenação entre os invasores e os celtas (bretões) e que estes contribuíram de forma significativa para a etnia dos ingleses. Antes, em 55 e 54 a.C. foi dominada por Júlio César tornando-se uma província romana. Durante a ocupação romana Adriano construiu a famosa Muralha de Adriano para bloquear a invasão das tribos do norte, atual Escócia. Posteriormente foram invadidos pelos normandos (tribos germânicos setentrionais) que também estão presentes de modo significativo em seus respectivos DNAs, (https://pt.wikipedia.org.  > Ingleses), em “Ingleses-Wikipédia”. No período de 1154 a 1485 (com a ascensão ao trono da dinastia Tudor), foram liderados pela dinastia  dos Plantageneta, de Anjou (Angevina), França, (“Dinastia Plantageneta-Wikipédia”, https://pt.wikipedia.org>, "responsáveis” pela introdução de vocábulos latinos na língua inglesa.

A península Ibérica antes da chegada dos romanos em 218 a.C., época da Segunda Guerra Púnica, era habitada pelas tribos celtibéricas (união de celtas com ibéricos). Com a queda do Império Romano do Ocidente os  visigodos (tribo germânica do século V) assumiram o controle da região. No início do século VIII os muçulmanos venceram os visigodos e expandiram o seu domínio até às portas de Madri, em torno de Toledo. Permaneceram na região até 1492, quando foram expulsos pelos reis Fernando e Isabel, de seu último bastião, época da denominada Reconquista católica. Com isto, judeus, muçulmanos e ciganos foram perseguidos pela Inquisição Espanhola e se deslocaram para regiões montanhosas originando o Flamenco, dança e música típicos da região de Andaluzia, sul da Espanha. Deixaram marcas indeléveis na cultura ibérica. No norte da Espanha estão os Bascos. Em Portugal nasce o Fado.

Na 2ª Grande Onda de Migrações na Europa, séculos VI e VII, os povos eslavos, provavelmente localizados na margem Oriental do rio Vístula até o Dniepere, migram para o Leste ocupando as terras abandonadas pelas tribos germânicas, movimento iniciado na região da atual República Checa e alcançam os Balcãs e as fronteiras bizantinas (“universodahistória.blogspot.com>2012/5“, em “Fascinante universo da história – Migrações das  e tribos eslavas”). Hoje ocupam predominantemente a Polônia, Ucrânia, República Checa, Eslováquia, Bielorrússia, Rússia e parte dos países dos Balcãs.

Balcãs: região historicamente conflituosa com diversas etnias, estopim da 1ª Guerra Mundial. Área de grande interesse e importância geopolítica foi dominada por gregos, bizantinos, romanos, godos, hunos, eslavos, Império Romano do Oriente, Império Otomano, venezianos, Império Austro-húngaro.


BIBLIOGRAFIA

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