quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A IDEOLOGIA DO GÊNERO - SIMONE DE BEAUVOIR-

A IDEOLOGIA DO GÊNERO
-SIMONE DE BEAUVOIR-


Este artigo é uma tentativa de estabelecer um marco para o que viria se tornar o “movimento” (se é que assim podemos chamar)  transexual atual.

Todos já ouviram falar como Freud abalou as estruturas do edifício da sociedade puritana e vitoriana da época trazendo para a cena principal de nossas vidas suas teorias sobre sexo e a sua importância nos distúrbios psíquicos do ser humano.

Ao mesmo tempo em que “sexualizava” a vida das crianças, até então consideradas ingênuas e “santas”, aflorou o inconsciente, (trazendo-o à consciência), introduziu conceitos, que hoje de tão comuns, fazem parte do imaginário e do vocabulário de qualquer cidadão.

Podemos dizer que depois de Freud, com a suas teorias sobre a sexualidade, a sociedade cresceu, saiu da imaturidade e nunca mais foi a mesma. Com Freud e depois dele mudam-se os padrões sociais de comportamento, inicia-se uma nova era.

Concordemos ou não com suas teorias, juntamente com o socialismo de Marx, elas desencadearam os movimentos sociais mais importantes de todo o século XX.

Até o momento, a história destronou Marx, mas Freud entrou no nosso inconsciente e provavelmente permanecerá, mesmo que uma grande parte de suas teorias seja ultrapassada.

E queiram ou não, mesmo atacado de patriarcal e misógino, com a sua polêmica teoria falocêntrica, “da inveja do pênis”, contribuiu para o “movimento feminista”, ao dar um status ao desejo feminino, alargando o debate sobre o papel do inconsciente e do sexo sobre as nossas vidas. O debate de assuntos tão polêmicos abre as portas para as mais diversas manifestações. 

Mas que importância tem Freud para o nosso tema?

Em 1905, publica “Três ensaios sobre a sexualidade”, que escandaliza a sociedade tradicional burguesa. Trata de temas relativos ao sexo das crianças, às perversões, às inversões, à bissexualidade, às fases do desenvolvimento sexual.

Até então os desenvolvimentos sexuais de meninos e meninas  eram concebidos como caminhando em compassos paralelos, simétricos. Assunto polêmico seria a questão da bissexualidade pois acreditava numa “disposição bissexual”, por ser ela inata ao ser humano, considerando as evidências anatômicas.

“Há muito tempo renunciamos à expectativa de um perfeito paralelismo entre o desenvolvimento sexual masculino e feminino” (em Sobre a sexualidade feminina).

“Em primeiro lugar, é indiscutível que a bissexualidade – que afirmamos ser parte da constituição humana – aparece bem mais nitidamente na mulher do que no homem” (idem).

Entretanto, é no texto “Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos”, datado de 1925, que muda radicalmente as suas posições anteriores, passando a admitir que as diferenças anatômicas entre os sexos influenciam no desenvolvimento do psiquismo humano.

Neste trabalho destaca a diferença entre o complexo de “Édipo” masculino e feminino, conforme suas palavras:

“Nas meninas o complexo de Édipo é uma formação secundária. As operações do complexo de castração o precedem e preparam. A respeito da relação existente entre os complexos de Édipo e de castração, existe um contraste fundamental entre os dois sexos. [...] A diferença entre o desenvolvimento sexual dos indivíduos dos sexos masculino e feminino no estádio que estamos considerando que estamos considerando é uma consequência inteligível da distinção anatômica entre seus órgãos genitais e da situação psíquica aí envolvida; corresponde à diferença entre uma castração que foi executada e outra que simplesmente foi ameaçada”.

É também neste texto que faz a distinção entre o ciúme masculino e o feminino, este último muito mais amplo.

É importante que se diga que esta guinada de posição freudiana em relação à teoria da sexualidade não teve tanto repercussão quanto “Três ensaios sobre a sexualidade”, daí não ser bastante conhecida e divulgada.

As coisas começam a mudar radicalmente quando Simone de Beauvoir, ícone dos chamados movimentos libertários, feminismo e também socialismo (mais a frente veremos que não era tão socialista), lança o seu grito, que fundamenta toda a ideologia do gênero:

         “Não se nasce mulher, torna-se mulher”

De todas as suas frases, esta é a sua frase mais significativa, que veio e ficou, palavras de ordem que servem para uma pequena minoria, diga-se irrisória, pregar a ideologia de gênero, custe o que custar.  

Os antropólogos e historiadores já tinham ciência de que em diferentes sociedades as mulheres ocupavam papéis sociais distintos. E muitas mulheres já lutavam por direitos igualitários sem precisarem ir aos extremos.

O que isto realmente isto significa? Significa a importância do gênero. Ou seja, a sociedade transforma uma pessoa em mulher e as suas condições biológicas se submetem somente às regras sociais. Ponto final.

Mas, se não se nasce mulher também não se nasce homem. Então nascemos o que? Qualquer coisa?

Seria muitíssimo pouco provável que uma afirmação tão categórica viesse de um neurocientista, um geneticista, um endocrinologista e de um psicanalista.

Isto porque bem sabemos que os limites dos condicionantes do comportamento humano, sociais, psíquicos, genéticos e neurais não foram e possivelmente não serão precisamente delimitados. E hoje ninguém contesta a importância de todos estes fatores.

E a genética e a neurociência vêm nos dizer precisamente isto:

Ao longo da infância, o ambiente onde vivemos refina o nosso cérebro, partindo da selva de possibilidades e moldando-a para corresponder àquilo a que estamos expostos” (Eahleman, p.14).

“Hereditariedade e adaptação ao ambiente são fatores importantes. A seleção sexual é fundamental. O clima determina o tamanho do corpo. Quanto mais frio o ambiente, mais baixos e entroncados para reter o calo. A altura depende do regime alimentar” (Carvalho p. 114).

“As pessoas pensam no comportamento como sendo algo que é determinado pela forma como o indivíduo cresce, como é tratado pelos pais, pelas coisas que lhe vão acontecendo ao longo da vida. Na verdade, uma parte importante do nosso comportamento depende da forma como nos desenvolvemos” (idem p. 288).

Mas isto não significa que não existam limites, ou pré-disposições, que o nosso comportamento seja o resultado apenas da influência da cultura, a qual estamos inseridos, eliminando também os traumas familiares e as experiências individuais da vida, positivas (traumáticas) ou não.

Ao resumir tudo à cultura, a nossa ideóloga de uma só tacada  eliminou a genética, a neurologia, a importância dos hormônios e a psicanálise (traumas e desenvolvimento psíquico). 

Em “O feminismo não é honesto com as mulheres”, entrevista à revista Veja, a feminista e filósofa Camille Paglia, afirma:

A partir dos anos 60 o movimento feminista tentou apagar qualquer menção às diferenças de comportamentos causadas pelos neurônios. Mas homens e mulheres sentem e expressam emoções de maneiras diversas, por que os hormônios atingem o cérebro dos dois sexos em níveis diferentes” (citado em “Paglia, Freud e o feminismo”, neste blog).

Interessa aqui não a estrutura do cérebro, mas às diferenças relativas à forma como o sistema nervoso recebe, analisa e processa o estímulo ou a informação, para que o cérebro dê uma resposta “adequada”, ao nível de harmonia do próprio sistema. E essas respostas nunca são iguais para pessoas diferentes.

Segundo a neuroendocrinologista Dra Maria Bernadete Cordeiro de Souza, em reportagem “Como os nossos hormônios influenciam o comportamento das pessoas - Revista Trip - Uol”, https://revistatrip.uol.com.br>trip:

“Os neurônios se comunicam por sinapses e várias dessas sinapses são moduladas pelos hormônios que dão inclusive o nosso estado de humor”.

Em “Diferenças cerebrais entre homens e mulheres justificam habilidades e comportamentos distintos?”, artigo do Dr. Joel Renno, em emais.estadao.com.br>blogs>joel–renno:

“A mulher está mais sujeita a depressão do que o homem e, quanto a isso, existe uma relação direta com a baixa da substância química cerebral, a serotonina, no cérebro feminino. As oscilações dos níveis de estrogênio em períodos cíclicos do ciclo reprodutivo feminino com o pré-menstrual, o pós-parto e a perimenopausa (período que se inicia 5 anos antes da menopausa e vai até um ano após) são “gatilhos” para a depressão feminina, mais frequente, cerca de duas vezes”.

Em sentido paralelo afirma o neuropediatra José Salomão, em entrevista ao Dr. Drauzio Varella:

“Existem evidências de que manipular esse hormônio em animais de laboratório ou mesmo em pessoas provoca mudança de determinados comportamentos que são sexo-dependentes”.

“Tais diferenças de comportamento, boa parte dos indivíduos atribui a fenômenos culturais, mas há sinais claros de que outros fatores também pesam. É óbvio que os aspectos sociais e culturais existem, mas não se pode negar o papel biológico presente nesse processo”.

No livro “Subliminar”, Leonarde Mlodinow, nos dá alguns exemplos das diferenças:

“Mas, nos seres humanos, a oxitocina e a vasopressina também regulam os vínculos com os semelhantes. Nas mães humanas, assim como nas ovelhas, a oxitocina é liberada durante o parto e o nascimento. Também é liberada na mulher quando os mamilos ou o colo do útero são estimulados durante a relação sexual; e nos homens e nas mulheres quando chegam ao clímax sexual.[...] A oxitocina é liberada inclusive nos abraços, em especial pelas mulheres...” (p. 113/4).

“[...] e que as mulheres, quando estão ovulando, usam roupas mais provocantes, tornam-se mais competitivas sexualmente e ampliam sua preferência por homens sexualmente competitivos” (p. 211).

Somente as pessoas que conviveram com mulheres na menopausa sabem o que isto significa em termos comportamentais, cujos sintomas mais comuns são: alterações de humor, irritabilidade, alterações cognitivas (diminuição da atenção e memória), dores articulares, depressão, enxaqueca, ondas de calor, ressecamento e queda do apetite sexual, sensibilidade para chorar, alterações na densidade óssea e no metabolismo dos lipídios. Sem falar nas alterações de humor da TPM.

Esta fase revela toda a ambivalência hormonal do ser feminino. Muitas sequer percebem as alterações de humor, sentem mais não percebem e culpam os que estão próximos. Em princípio, qualquer decisão ou atitude que você tome já está errada. Nada satisfaz. E ainda são vítimas de tudo. E a verdade é que nós devemos relevar e procurar entender este momento bastante delicado da vida delas.

Os leitores poderão encontrar mais informações sobre o assunto na bibliografia selecionada e no artigo “Paglia, Freud e o feminismo”, neste blog.

Mas a nossa ideóloga, para não fugir a regra de todos os movimentos extremamente contestatórios, cujo elo é o radicalismo, é categórica.

Tão categórica que se torna ditatorial, como se fosse uma norma a ser seguida, sem possibilidades de uma mediação. Só existe uma via de mão única, não há possibilidades de admitir as diferenças, como deveria ser.

Esqueceram de que ainda de trata de uma minoria e que a minoria não estabelece a regra. Nos Estados Unidos apenas 0,3% da população se dizem transgêneros. Muito pouco. Como isto pode ter representatividade para se tornar uma regra a ser seguida e ensinada? E mesmo que venha a ter representatividade há sempre exceções, como se constata no caso presente. 

E porque haveria apenas um condicionante do comportamento humano, que necessariamente se sobrepõe aos outros condicionantes? O grande enigma que as ciências ainda não resolveram é delimitar precisamente os limites de cada condicionante.


Amenizando os teóricos mais radicais que procuram dar mais ênfase a alguns aspectos relativos à sua área específica, cito o biólogo S.J. Gould:

“O modelo antirreducionista se esforça para apresentar a natureza como uma série de níveis independentes e hierarquizados, apresentando uma coerência interna mas exercendo uma ação de feed-back sobre todos os níveis adjacentes. Nenhum nível apresenta “a realidade por excelência”, um ponto de partida para todas as extrapolações; todos os níveis representam aspectos da natureza que agem uns sobre os outros” (Cette vision de la vie apud Japiassú, p. 171/2).

E já que todos reconhecem a importância do meio ambiente, inclusive dos aspectos culturais, não existem razões para que não se incluam nestes os recalques, os interditos culturais e parentais, os traumas da infância, a repressão, o desamor, o desejo recalcado, as experiências vividas e os demais aspectos do desenvolvimento da psique, conforme os ensinamentos de Freud. 
     
Admitir que o comportamento do ser humano seria 100% (cem por cento) determinado pelo ambiente social é no mínimo uma imprudência, diante dos avanços da genética, da neurociência e até mesmo da psicanálise.

Trata-se de um determinismo absurdo, pois não haveria chance de se nascer mulher (biológica) e se identificar com a mulher gênero. Em todas as condições o gênero irá prevalecer sobre a mulher ou o homem biológico. Nega-se, inclusive, a reprodução e sem ela não existe a espécie humana.

Carvalho nos mostra como o comportamento do sociopata tem “base biológica” e não depende apenas, como muitos pensam, da criação dos pais e das experiências que “vão lhe acontecendo ao longo da vida”, embora reconheça a importância “da forma como desenvolvemos” (p. 288). O mistério é que nem sempre o ambiente determina de forma precisa o comportamento.

Mas, mesmo admitindo esta hipótese extrema (trata-se de hipótese), isto não significa que não existisse uma outra pré-disposição “contrária”, genética ou neural. Daí o impasse.

Ora, estas pessoas lidam com argumentos de acordo com as suas conveniências. Nos debates sobre adoção de crianças por homoafetivos um dos argumentos, contra a moral conservadora, era que os adotados não se tornariam necessariamente homossexuais. E afora as questões sociais num país de extrema exclusão social, onde os destinos das crianças marginalizadas estão desde cedo sacramentados, as “experiências” estão de certo modo comprovando estes argumentos.

Não se trata mais de discutir sobre a “normalidade” ou “anormalidade”, isto é irrelevante no momento atual, pois temos que conviver com as “diferenças” e “diversidades”, uma condição humana, desde que as diversidades se respeitam numa relação de via dupla. Trata-se de uma questão humanitária que se resume na “dignidade” da pessoa humana, princípio básico inserido na nossa Constituição.

Outrossim, não me parece válido o argumento de que temos que aceitar qualquer característica do ser humano porque ele nasce com tendências (biológicas ou não) e por isto seria natural. Além de negar o argumento do gênero, não se trata de qualificar a normalidade ou anormalidade de acordo com a sua “origem”, porque a sociedade não aceita o comportamento de um criminoso de alta periculosidade, seja ele inato ou adquirido. Também não aceita o comportamento de um pedófilo predador.

Trata-se de uma questão da evolução da espécie humana, que nos distingue, da possibilidade de se conviver com as diversidades, quando elas não ameaçam o convívio social e não tragam danos aos outros: materiais, financeiros, psíquicos, sociais.

Seríamos os únicos seres vivos superiores cujo comportamento seria determinado exclusivamente pelo meio ambiente (no caso social), porque os hermafroditas têm à sua pré-disposição biológica. Seríamos uma folha de papel em branco onde o comportamento humano seria moldável de acordo com as conveniências, um sério problema para o destino da humanidade.

Estamos vivendo um momento único em nossa história em que os direitos e o respeito às diversidades estão se firmando e por isso a radicalização de quaisquer dos lados não será bem-vinda.  

 Analisando algumas passagens da vida de Simone de Beauvoir (ver Apêndice), fico imaginado como seria a cabeça dessa “mulher”, ou desse gênero, uma criança mimada, centro das atenções da família, criada numa família tradicional em ruína e talvez se submetendo a constrangimentos psicológicos para ser admirada e amada pelo pai (Wikpédia). Como teria sido a sua infância com esta comparação com o sexo masculino, para se sentir aceita?

Depois frustrada num relacionamento com um homem que não a tratava com dignidade, sujeitando-se a ser sua “cafetina”, para satisfazer os seus desejos sexuais.

Cito novamente Paglia, em Camille Paglia “As mulheres nunca serão verdadeiramente livres se não deixarem os homens serem livres”, www.fronteiras .com>entrevistas>camille:

“Movimentos sempre atraem fanáticos ou pessoas com personalidade borderline, e foi exatamente isto que aconteceu. Muitas mulheres problemáticas amarguradas com homens tomaram o discurso feminista. Kate Millett era um bom exemplo disso – sua vida foi uma série de crises mentais e hospitalizações”.

Diante disto pergunto: como esta mulher tão desamada, menosprezada e humilhada em sua vida, com uma vida tão complicada e traumatizada, pode ser referência para tantos? E não sou eu quem diz do seu drama, mas a própria autora quando busca a causa da frigidez da mulher no homem (ver Apêndice). Continuo, como pode ser “o guia” de gerações, ainda hoje, quando já foram desvendados e expostos aspectos de sua vida privada e personalidade?

Bem sei que a contribuição para uma causa não deve ser aferida através da vida privada de quem a protagonizou. Mas o histórico da vida de uma pessoa nos diz muito sobre a sua visão do mundo, ideias, suas atitudes, os seus envolvimentos e engajamentos, as suas causas.

E é esta visão do mundo que está sendo posta em questão, porque ela vem junto com a bandeira de quem levanta ou ajudou a levantar a causa.

E quando não se vê as razões mais profundas desta visão do mundo do protagonista formam-se falsos ídolos, cujas contribuições, devidamente analisadas, são bem menores que se supunha.

Fico imaginando como seria a cabeça confusa de Simone. Nascida em uma família tradicional decadente, viu a ruína financeira do pai, que tinha predileção para ter um filho homem e a admirava por “pensar como homem” e depois se envolveu com Sartre, um narcisista, um humanista que não lhe dava mínima importância como ser humano. Ao mesmo tempo desejava a sua realização como “mulher biológica” com um homem que a desprezava.

Por sinal quem responde pelo seu livro “Os Mandarins”, uma autobiografia, que inclui o seu relacionamento com o escritor Nelson Algren, onde retrata e expõe os seus sentimentos íntimos ao ter encontrado a “verdadeira alegria do sexo” (Crevelt, p. 426). Qual mulher está falando? A mulher biológica ou gênero? Ou estaria fingindo?

Mas em uma passagem do seu livro revela a condição de mulher, quando deposita a culpa pela frigidez da mulher ao homem, o que está em contradição com a sua famosa frase. Por que não encontrar a razão de sua frigidez no seu passado, na sua vida familiar e em suas experiências pessoais? Até a sua frigidez é culpa do homem?

Ninguém duvida que Simone era uma mulher infeliz,  principalmente em seu relacionamento, na sua vida amorosa. O que a famosa escritora parece não ter entendido, ou fez questão de não entender, é que as suas experiências pessoais, o seu sofrimento e angústia, dizem respeito a si, e não podem ser generalizadas para a existência de todas as mulheres.

Dizem respeito à adaptação e a resposta de seus genes, seus neurônios e a sua psique às experiências concretas de sua vida e, quem sabe, à sua própria pré-disposição genética e neural. Eis o enigma.

A infelicidade é um fardo muito pesado para ser suportado sozinho. Ela é amiga íntima da solidão, da inveja, da necessidade de dividir este fardo com os outros, de ser notada e admirada. Não falo da solidão querida e buscada, mas de uma solidão imposta pelas consequências.

Como uma “mulher” que se diz feminista, defensora dos direitos igualitários e da autoestima da mulher, pode ter uma relação tão submissa a Sartre? Como uma pessoa com tão baixa autoestima pode querer ser referência para todas as mulheres? Tão deprimente para um ser humano, servindo de “cafetina”, aliciando menores na universidade, para servir as taras de seu amante (ver Apêndice). E, provavelmente, participar das orgias. 

A líder feminista teve um comportamento moral tão degradante, que a maioria das “não feministas” não admitiria ficar em situação semelhante. Muitas por uma “simples” questão moral, de integridade e coerência enfrentam dificuldades, para poder educar melhor seus filhos. Uma simples questão moral e de autoestima.

Não se trata de negar a sua contribuição, mas em torná-la a referência e o expoente maior da causa. O modelo a ser seguido.

O livro de Tony Rujt é muito interessante porque desmistifica estes ídolos, esses gênios, que querem influenciar o comportamento das pessoas, que foram e continuam sendo uma referência de muitas gerações. Mostra que estes ídolos são seres humanos com tudo que nos caracteriza como humanos. Com virtudes e vícios em suas vidas privadas e públicas.

E por serem gênios não significa que tenhamos que seguir os seus passos e compartilhar as suas visões do mundo. As suas experiências não são universais e por isso as suas conclusões, opções e comportamentos não servem como referência para serem copiadas.

Aos que questionam este posicionamento afirmo que se julga também em função da moralidade e dos costumes. É por isso que a Lei de Introdução ao Código Civil estabelece em seus artigos:

Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de  acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerias do direito.

Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

E no bem comum e nos costumes estão incluídas a moral e a ética.

O princípio da “DIGNIDADADE DA PESSOA HUMANA”, um dos princípios basilares de nossa Constituição, tem fundamento moral e ético. Assim como diversos “direitos e garantias fundamentais”, que constam dos incisos do art. 5º da C.F., dentre os quais podemos destacar “a proibição à tortura e tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III):

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

E quanto a Sartre? O que adianta ser intelectual e erudito, se pactua com os invasores para benefícios próprios e defende os expurgos e assassinatos em massa? Sempre com a farsa de preocupação com a humanidade. Fazendo da mulher com quem convive uma simples “cafetina”.

Sim, trata-se de uma questão moral. Toda sociedade constrói o seu arcabouço moral e sob ele também temos que nos curvar. Sim os valores mudam, mas alguns permanecem e até passam a ser tratados com mais rigor, como é o caso da pedofilia.

É provável que se fosse hoje o nosso filósofo estivesse em sérios apuros. Safou-se do problema de sedução de estudantes, do qual era a parte ativa, o cabeça, deixando as consequências para a companheira. Como conseguiu?

O “Dicionário básico de filosofia” assim conceitua a corrente filosófica “existencialista”, cujo expoente foi Sartre:

“Filosofia contemporânea segundo a qual, no homem, a existência, que se identifica com a sua liberdade, precede a essência; por isso, desde o nosso nascimento, somos lançados e abandonados no mundo, sem apoio e referência a valores; somos nós que devemos criar nossos valores através de nossa própria liberdade e sob a própria responsabilidade. Quando Sartre diz que a existência precede a essência, quer mostrar que a liberdade é a essência do homem”.

Quero deixar claro que nunca li Sartre. Belas palavras se estas forem mesmo à essência do “existencialismo”. Mas, temos que reconhecer que neste ponto o grande filósofo foi bastante coerente e o seu "existencialismo" está bastante condizente com a sua vida privada, que deixou a muito desejar quanto a moral vigente.

Gostaria de entender como estas pessoas podem ser referência para algum movimento tão importante ou para a humanidade.

APÊNDICE

Colocado isto, passo a comentar alguns aspectos da vida de Simone de Beauvoir, que teve um longo relacionamento com Paul Sartre.

Antes de adentrar neste assunto gostaria de esclarecer que acredito não haver necessariamente uma total identificação entre o que uma pessoa pensa, o que sente intimamente e o que faz. Este é mais um enigma da condição humana.

Em outras palavras, isto quer dizer que a contribuição de uma pessoa para a ciência, para a filosofia, psicanálise ou qualquer outra atividade não necessariamente está alinhada com o seu comportamento.

Por isso, temos que reconhecer que a obra de uma pessoa, sua contribuição, pode ultrapassar em muito a mesquinhez e a vulgaridade de sua vida pessoal.

Entretanto, existem situações em que o julgamento moral torna-se importante e isto acontece com bastante frequência. Neste sentido, é contraditório e até inadmissível que uma pessoa que seja contra a exploração sexual e a prostituição viva dentro de um puteiro e explore adolescentes. Que uma pessoa que defenda publicamente a liberdade de expressão seja um repressor severo, que alguém que diz abertamente se preocupar com a educação do menor seja um pai "cruel" e irresponsável. E uma feminista que levanta bandeira em prol da causa e leva “porrada” do marido em casa, não deveria ser o referencial, muito embora possa contribuir para a causa. Como diz o velho provérbio: cada macaco no seu galho.

Em muitos casos, embora possa não haver uma legislação específica, cada um julga de acordo com os seus valores morais e éticos, com os seus preconceitos, com seus valores religiosos ou não, com as suas convicções mais íntimas.

Daí porque a minha pretensão é apresentar fatos para que o leitor de acordo com a sua lente própria melhor avalie os fatos expostos e as minhas conclusões.

Acredito que muitas vezes, quando defendemos abertamente uma causa deveríamos nos pautar pela coerência de propósitos e atitudes, nos valores que defendemos e no que fazemos na realidade.

Não podemos deixar de reconhecer que as experiências e vivências pessoais contribuem em muito para a visão do mundo, a ideologia e as opções de cada pessoa.

Por isso os biógrafos se debruçam tanto em esmiuçar a vida das pessoas que fazem ou fizeram “a diferença”, como o ambiente familiar, filiação, trabalho, vida afetiva, formação educacional e outras particularidades e avaliar o elo entre as suas experiências e as suas propostas.

As experiências dizem muito porque existem atos falhos e  racionalizações, dos quais não nos apercebemos.

Todos sabem da influência que a fixação de Freud por sua mãe teve para o desenvolvimento da teoria psicanalítica. E neste caso, o problema reside em identificar às particularidades de suas experiências pessoais que possam ser generalizadas.

Da mesma forma sabemos que os problemas pessoais vividos por Virgínia Woolf, como o estupro praticado por seu meio-irmão George, tiveram grande influência na sua vida sexual, a sua obra e até mesmo no seu suicídio. E tantos outros, não seria o caso de ficar enumerando.

A questão é quem foi Simone de Beauvoir? Quem foi Sartre? Como era o relacionamento entre os dois?

Segundo dados colhidos das fontes citadas, Simone nasceu numa família tradicional onde as dificuldades financeiras do pai jogaram a família na “desonra e pobreza”, sendo o centro de atenções da família e mimada.

Na sua relação familiar tinha consciência de que o pai gostaria de ter um filho e sempre afirmava que “Simone pensa como um homem” (Wikipédia).

Também o pai dizia para as filhas: “Vocês meninas nunca irão casar, porque não terão nenhum dote” (Wikipédia). A influência do pai pode ser atestada quando rejeitou a proposta de casamento de Sartre exatamente “porque não tinha dote”. Segundo a autora: “O casamento era impossível. Eu não tinha dote” (Wikipédia).

Um dos aspectos importantes de sua vida é que sua licença para ensinar foi “revogada permanentemente” em decorrência de informações sobre o aliciamento de alunas jovens para participarem da cama de Sartre, com quem já mantinha um relacionamento. Para alguns “foi demitida por comportamento que levara a corrupção de menor”. Isto em 1943.

Enquanto mantinha um relacionamento afetivo com Sartre, também manteve relacionamentos com outras mulheres e homens e, ao que tudo indica, participava das aventuras sexuais do amante (Sartre).

Segundo Creveld, “apaixonou-se por Sartre e quis casar com ele”, mas fizeram um pacto de não casamento. Ainda conforme o autor:

“Daí em diante Beauvoir foi forçada a tolerar as “petites camarades” de sua alma gêmea. Ela seria inumana se não ressentisse do arranjo, e de fato em seu primeiro romance a personagem principal - baseada nela mesma - acaba assassinando a rival” (p. 426).

O autor está se referindo ao primeiro romance de Beauvoir, A Convidada, de 1943, em que retrata num “romance ficcional” o relacionamento sexual do casal com as irmãs Olga e Wanda Kosakiewicz (ver Wikipédia).

Segundo ainda o autor, Beauvoir só encontrou os prazeres do sexo aos 40 anos depois que conheceu o escritor americano Nelson Algren, com quem manteve um longo relacionamento. O livro “Os Mandarins” seria uma autobiografia, onde ela relata os seus sentimentos mais íntimos como mulher durante aquela relação.  

Segundo a autora:

“O desejo dele me transformou. Eu que por muito tempo não tivera gosto, nem forma, de novo possuía seios, uma barriga, um sexo, carne; eu era tão nutritiva quanto o pão, tão fragrante quanto a terra. Era tão milagroso que não me ocorria medir meu tempo ou prazer; sabia apenas que antes que adormecêssemos eu podia ouvir os suaves chilreios do amanhecer” (apud 426, grifo meu).

De qual sexo nos fala a autora? Por acaso seria o sexo biológico? Ou ainda se trata do gênero?

É provável que a experiência própria a tenha levada a refletir sobre a frigidez feminina. Deixo ao leitor as conclusões sobre as afinidades entre a vida da autora e um seu provável auto-depoimento:

“O ressentimento é a causa mais comum da frigidez feminina; na cama, a mulher pune o homem por todas as injúrias que sente ter sofrido, ao oferecer-lhe uma insultante frigidez. Há com frequência um agressivo complexo de inferioridade em suas atitudes [...] Assim ela se vinga tanto dele quanto de si mesma por ele tê-la humilhado, por negligência, por tê-la feito ficar com ciúmes, por ele ter se demorado em declarar suas intenções, por ele só fazer dela uma amante quando ela queria o casamento. O agravo pode se acender subitamente e disparar essa reação mesmo numa relação que começa feliz [...] A frigidez [...] parece ser a punição que a mulher impõe tanto a si mesma quanto ao seu parceiro; ferida em sua vaidade, ela sente ressentimento contra ele e contra si mesma, e ela nega a si mesma o prazer” (apud p. 426).

Um outro aspecto importante de sua história, que as suas admiradoras feministas não comentam, é que trabalhou para o regime de Vichy, aliado francês do nazismo, não por obrigação, mas por opção.

No livro “Passado imperfeito – um olhar crítico sobre a intelectualidade francesa no pós-guerra”, que infelizmente já não possuo, o historiador inglês Tony Judt, passou a limpo todas as contradições da malfadada esquerda francesa, não  poupando o seu companheiro Sartre, citando inclusive as suas complacências com o regime de Vichy, para que suas obras fossem aprovadas, sem censuras.

Segundo depoimento de André Malraux, citado por Mario Vargas Llosa, que também consta do livro, postado sob título “Passado imperfeito/Opinião/EL PAÍS Brasil, https://brasil.elpais.com:

“Sartre? Eu o conheço. Fazia suas peças de teatro serem representadas em Paris, aprovadas pela censura alemã, enquanto a Gestapo me torturava”.

Passado este período virou um ícone da esquerda francesa, apoiando os expurgos stalinistas e os Gulags, motivo pelo qual rompeu com o escritor e filósofo francês Camus.

Reproduzo os comentários do mesmo autor (Llosa) sobre o livro:

“Nem sempre se trata de uma cegueira involuntária, derivada da ignorância ou de mera ingenuidade. Tony Judt mostra como ser um aliado dos comunistas era a melhor maneira de limpar um passado contaminado pela colaboração com o regime de Vichy”.

[...] Tony Judt diz que, além da necessidade de fazer esquecer um passado politicamente impuro, por trás do esquerdismo dogmático desses intelectuais havia um complexo de inferioridade do meio cultural, pela facilidade com que a França se rendeu aos nazistas e aceitou o regime fantoche do Marechal Pétain, e foi libertada de maneira decisiva pelas forças aliadas lideradas pelos Estados Unidos e Grã Bretanha”.

  
BIBLIOGRAFIA

Carvalho, José Eduardo, “Neuroeconomia – ensaio sobre a sociobiologia do comportamento”, Edições Sílabo, 2009;

Creveld, Martin Van, “Sexo privilegiado – o fim do mito da fragilidade feminina”, pdf;

Eagleman, David, “O cérebro”, Lua de Papel, 2017;

Freud, Sigmund:

- “Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica  entre os sexos”, pdf;

- “Sobre a sexualidade feminina”, pdf;

- “Três ensaios sobre a sexualidade”, pdf;

Japiassú, Hilton, "O eclipse da psicanálise", Imago, 2006;

Llosa, Mario Vargas, “Passado imperfeito/Opnião/EL PAÍS Brasil”, em hppts://brasil.elpais.com>Opinião;

Paglia, Camille:

“As mulheres nunca serão verdadeiramente livres se não deixarem os homens serem livres”, www.fronteiras.com>;

“Mulher deve ser maternal e deixar de culpar os homens”, em www1.folha.uol.com.br;

“O feminismo não é honesto com as mulheres”, revista Veja, ed 2363, n. 10 e www.feminismo.org.br;

Renno, Joel, “Diferenças cerebrais entre homens e mulheres justificam  habilidades  e  comportamentos  distintos?  Em emais.estadão.com.br>blog> joel-renno;

Simone de Beauvoir – Wikipedia, a enciclopédia livre, em hppts://pt.wikipedia.org>wiki>Simone_;

Simone de Beauvoir: nazista, pedófila, misândrica e misógina   em portalconservador.com>Simone-de-Beauvoir;

Souza, Maria Bernadeth Cordeiro, neuroendocrinologista,  entrevista a Revista Trip, em “Como os nossos hormônios influenciam o comportamento das pessoas”, Revista Trip – Uol,  hppts://revistatripuol.com.br;

Varella, Drauzio, “Diferenças de gênero - Drauzio Varella”, entrevista com o neuropediatra José Salomão Schwartzman,  em https://drauziovarella.com.br>diferenças...



domingo, 22 de outubro de 2017

A INDIGNAÇÃO NÃO SUBSTITUI A LEI - Quem pode o mais pode o menos

A INDIGNAÇÃO NÃO SUBSTITUI A LEI
(“quem pode o mais pode o menos”)

É bem verdade que a sociedade brasileira se encontra perplexa e indignada, sinais de uma crise moral profunda, plenamente percebível com as investigações da Lava Jato e as respectivas repercussões jurídicas.

Encontra-se em xeque os valores morais, bem como o arcabouço valorativo das normas jurídicas, a hermenêutica jurídica. Devemos interpretar as normas jurídicas de acordo com uma nova valorização, sob um novo prisma, esquecendo e jogando para a lata do lixo tudo o que foi construído, os seus alicerces? Não penso que sim e acredito que muito do que foi feito permanece de pé.  

Mais uma vez em nossa história os acontecimentos têm trazido uma quantidade infinita de problemas nunca antes vivenciados, que repercutem tanto a nível social quanto político e jurisprudencial. Infelizmente é a nossa história.

Após a desilusão com a esquerda, que nunca foi esquerda, assistimos os mais diversos pronunciamentos radicais, que nos chegam através do Facebook e outros meios de comunicação, pregando abertamente uma ruptura total com ordem social estabelecida. Outros dentro de uma legalidade se posicionam a favor de uma direita, bem à direita. Pelo menos são mais prudentes e sensatos.

Mais uma vez a imprensa não ajuda e confunde os cidadãos. Muitos “fazedores de opiniões” estão no mesmo nível do cidadão comum e alimentam esperanças irreais, além de não procurarem esclarecimentos com pessoas que estão mais afinadas com os temas jurídicos e outros. 

Quanta confusão. Não deixa de ser verdade que os fatos tomaram proporções gigantescas e por isso as pessoas afrontadas em suas dignidades, com tantos escândalos, propõem medidas extraordinárias de regulação social, com lembranças de um passado não tão distante, mas que também foi superado pelas forças sociais, por não atenderem aos princípios que regem a sociedade moderna.

Talvez, por isto a nossa Constituição foi tão detalhista, se preocupando com os direitos e garantias individuais, alinhada com a defesa dos princípios democráticos, ínsitas no Texto Constitucional, mormente nos seus artigos 5º e 6º.

Em princípio resta saber se “restabelecer” uma ordem social que vigorou durante quase três décadas e que foi substituída por uma nova seria suficiente para fazer brotar as esperanças dos agentes sociais.

É lógico e bem sei disto que uma transformação social desta envergadura geralmente não se dá através de razoabilidades e debates, mas através da força.

Diante de tanto incerteza e descrença mudo a minha visão histórica e consigo ver a grandeza do gesto de Getúlio.

A crise também bateu nas portas da “justiça”, com decisões que não agradam aos radicais, aos democratas e todos os demais espectros sociais. Mas, a meu ver, muitas decisões não colocam em xeque os princípios que regem a interpretação das normas jurídicas.

Particularmente creio que não existe espaço para um regime de força.

Entretanto, o propósito deste artigo não é apontar soluções para problemas tão complexos, mas expor minha opinião sobre algumas decisões jurisprudenciais, mormente do Supremo Tribunal Federal. 

Para isto me socorri de um artigo postado pela Conjur, por Vladimir Passos de Freitas, que o leitor poderá encontrar em Conjur – Segunda Leitura: os poucos conhecidos e lembrados brocardos jurídicos, https://www.conjur.com .br.

Este artigo trata especificamente da importância dos brocardos jurídicos, que assim como os princípios constitucionais norteiam as decisões jurídicas.

Permitam-me reproduzir algumas passagens para situar bem o leitor no que eles representam:

“Os brocardos jurídicos, também chamados de axiomas ou de máximas jurídicas, constituem um pensamento sintetizado em uma única sentença, que expressa uma conclusão reconhecida como verdade consolidada.

Miguel Reale ensina com clareza “que, se nem sempre traduzem princípios gerais ainda subsistentes, atuam como ideias diretoras, que o operador de Direito não pode a priori desprezar”.

E para R. Limongi França “não é forçada e nem constitui novidade, a aproximação entre a noção e brocardo jurídico e a de princípio geral de Direito”

Assim também conclui Orlando Gomes, ao afirmar que os brocardos jurídicos “representam uma condensação tradicional de princípios gerais”.

E o autor cita alguns brocardos que fundamentam as decisões jurídicas.

Bem chega de citações. Aqui me interessa particularmente o brocardo jurídico “Quem pode o mais pode o menos” (ou para os eruditos “im eo quod plus est semper inest et minus”) que conforme cita o autor está na discussão sobre alargamento dos poderes do Ministério Público.

Ora, em princípio, e isto não é por conta do brocardo em questão, é importante afirmar que Constituição Federal é hierarquicamente superior ao Código Penal e todos os demais Códigos e Leis Extravagantes, segundo os ensinamentos de Kelsen.

Bem se diga que este princípio hierárquico está previsto em todos os regimes legitimamente democráticos e, simplesmente, por este motivo o Supremo Tribunal Federal é o Órgão Jurídico máximo do país.

Então, conclui-se que, contrariamente ao que muitos pretendem, inclusive juristas (não é o momento de exemplificar), os Códigos Penal e de Processo Penal não podem ir de encontro ao Texto Constitucional e deverão a Este estarem submetidos. E não se trata de opinião pessoal.

Adentrando um pouco mais sobre no Texto Constitucional, as normais sobre a prisão de parlamentares encontram-se dispostas no artigo 53 e parágrafos:

Art. 53 - Os deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente por suas opiniões palavras e votos:

§ 2º - Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, se resolva a prisão.

No parágrafo 3º poderá do mencionado artigo está posto que a casa poderá sustar o andamento da ação, proposta ao Supremo, Órgão Jurisdicional máximo incumbido, constitucionalmente, de julgar os parlamentares, de conformidade com a prerrogativa de “foro privilegiado”.

Os leitores poderão encontrar comentários sobre este artigo e seus §§ em diversos livros de Direito Constitucional. Infelizmente não posso dar mais sugestões porque me desfiz de diversos livros.

E que se diga que estes privilégios são decorrentes do “Princípio da Separação dos Poderes” e da “Indelegabilidade de Atribuições”, ínsitas na Constituição. Que fique claro que não estou discutindo se concordo ou não com esses privilégios, mas somente ressaltando que estes princípios estão “assentes” no Texto Constitucional. Evidente que poderiam tomar outras formas, não tão exageradas.

E quais seriam os fundamentos destes princípios? 

Reproduzo texto do livro “Direito Constitucional esquematizado, de Pedro Lança, 18º Edição:

“Dimitri, com precisão, observa que “seu objetivo fundamental é preservar a liberdade individual, combatendo a concentração de poder, isto é, a tendência “absolutista” de exercício dom poder político pela mesma pessoa ou grupo de pessoas”. A distribuição do poder entre órgãos estatais dotados de independência é tida pelos partidários do liberalismo político como garantia de equilíbrio político que evita ou, pelo menos minimiza os riscos do abuso de poder”.

Tudo isto decorre de uma “evolução” histórica rumo à democracia que começa com a “gloriosa revolução” inglesa, cujos princípios foram posteriormente expostos de modo mais sistematizado por Montesquieu (1689-1755), em “O espírito das leis” (confesso que não li o autor mencionado, mas o livro é muito citado nos cursos de Direito).

Por outro lado a Constituição não trata da questão do “afastamento do parlamentar” para o exercício de suas funções e nem de “medidas cautelares”.

Neste último caso estas medidas redundam em privação de liberdade. Suprir as normas Constitucionais com leis que foram editadas após a sua promulgação me parece uma medida inadequada, porque privação de liberdade, queiramos ou não, está associada à prisão. A Constituição é a Lei Maior e não deve ser interpretada de acordo com uma lei hierarquicamente inferior, inclusive vinda posterior.

Ora, diante deste impasse e levando em consideração o referido brocardo, seria legítimo perguntar se este deveria ser aplicado ao caso em questão, ou seja, afastamento do parlamentar.

Se para prender o parlamentar, mesmo em caso de “flagrante e crime inafiançável”, caso grave, será necessário submeter o caso à casa, porque para afastá-lo não seria? Ou seja, porque razão neste caso a casa estaria afastada da decisão?

A prisão, ou privação de liberdade, no direito penal é o caso extremo, ao que a lei submete o cidadão.

E o mais importante: se for admitido o caso de afastamento, estará aberta a porta para a prisão, como aconteceu anteriormente com outros parlamentares. Isto seria um caso “flagrante” (repito a palavra) de se contornar o Texto Constitucional para impor uma penalidade, que a princípio, estaria fora de cogitação, ou melhor, deverá ser submetida à casa, conforme nos diz a Constituição.

Neste caso, por meios transversos agride-se a Constituição, o que seria impensável, pelo menos enquanto perdurar um regime democrático, que preza pelo estado de direito e garantias constitucionais.  
  
Os mais “afoitos” pretendem rasgar a Constituição, mas caso acontecesse seria necessário uma Nova Constituição. Não se governa sem lei e o “ideal” seria procurar uma alternativa levando a lei em consideração, fazendo os ajustes necessários. Mas até lá prevalece o que está.

Deixo claro que neste artigo não estou preocupado com as vozes de indignação, pois lembro Rui Barbosa: “fora da lei não há salvação”. Para uma lei “revogada” ou rasgada outra posta.

Ou ainda, deveria o Supremo julgar com base nos anseios da população? Neste caso não precisaríamos da justiça, que tanto custa aos cofres públicos. Basta fazer uma enquete popular.

E os ladrões comuns seriam executados de acordo com os anseios dos mais exaltados. Estaríamos, assim, “legitimamente” dentro do Estado de Direito, que muitos querem apenas para si?

Em que pese a indignação com os rumos que a política tomou, temos que julgar de conformidade com a lei, neste caso a Constituição, independentemente se Ela já não se ajusta aos novos valores morais da sociedade.

Então que se mude a Lei Maior. E aí o leitor perguntará como mudar esta Lei se Ela é elaborada pelos próprios parlamentares? Além de ter que obedecer, normas específicas, mais rigorosas, para mudá-la. Pergunta sem resposta visível. Que os agentes sociais criativamente encontrem uma solução.

Da mesma forma, podemos gostar ou não de um Ministro ou Juiz, não gostar de suas decisões e até fazer críticas sobre a sua vida particular, se para isto tivermos acesso às informações sobre os conchavos e outras coisas mais. Mas seria no mínimo insensato reprová-lo apenas pelo fato de que as suas decisões não atenderam às nossas expectativas. Teríamos de verificar se os seus argumentos estão enquadrados dentro da legislação. 
  
Verdade seja dita que existem muitas lacunas e uma névoa cinza permite navegar e interpretar as leis de acordo com interesses escusos, a favor das facilidades e do jogo do poder.

Muito mal faz a imprensa em eleger um Magistrado ou Ministro Superior para contrapô-lo sempre aos anseios da população. Que critiquem suas decisões com base em argumentos jurídicos e não simplesmente morais, pois que vota-se de acordo também com a moralidade quando ela se enquadra no texto legal. E não poderia ser diferente.  

Acredito que se existe alguma reparação a ser feita sobre a decisão dos Ministros do Supremo e de outros Magistrados diz respeito à questão da “segurança jurídica”, que nada mais é que a sinalização da lei para a sociedade, a sua referência para os agentes sociais, muito bem explorada em matéria da revista Veja em sua edição de 18 de outubro, no artigo “Teatro Jurídico”.

Segundo o professor Rubens Glezer, da Fundação Getúlio Vargas:

“Acredito que a autoridade do Supremo está em cheque, mas não necessariamente pelo conteúdo da decisão. [...] Esse é um resultado da percepção da inconsistência das decisões que mudam ao sabor da ocasião e do voluntarismo dos ministros que agem como bem querem”.

E a revista vai além: “Para piorar, o Supremo não é a única instituição a agir segundo os ventos da hora”. Sinal de que a sociedade está em crise, moral, política, jurisdicional.

Pelo que expus neste artigo não precisa dizer que concordo com o resultado, com o devido respeito à indignação das pessoas, principalmente os desafortunados.

Mas é a Lei Maior que está em jogo.

E para finalizar, me choca mais ver Magistrados e Ministros fugirem ao Texto da Constituição, para abraçar ideias que vão de encontro às suas normas e princípios.  

Por isso concluo que "A indignação não substitui a lei".