Igac Ref: SIGAC/2021/2442
INFORMAÇÕES ASSIMÉTRICAS E CRISE
(As Is. As. sob uma perspectiva keynesiana-minskyana)
Este artigo visa dar uma contribuição para um melhor esclarecimento desta questão, procurando colocá-la em sintonia com os demais fatores que determinam as crises, evitando, desta forma, que os desvios em relação à teoria keynesiana, que em minha opinião, juntamente com os esclarecimentos de Minsky, ainda é um guia fundamental para o entendimento das crises da economia capitalista.
E isto é, de certa forma, muito importante para que não ocorram desvios que impossibilitam um melhor entendimento das "leis" que regem a economia capitalista.
Esse texto não deixa de ser um complemento, com uma análise mais específica, sobre o tema de um outro artigo que postei neste blog, em junho de 2015, denominado "As informações assimétricas e a crise de 2008".
Para uma melhor avaliação, seria conveniente que os leitores complementassem este texto com outros dois artigos postados também neste blog, sobre o monetarismo de Friedman e o seguinte sobre Keynes.
Será escrito como artigo porque me dá mais liberdade de ir colocando as ideias conforme vão aparecendo, sem uma preocupação em ordená-las, com subtítulos, embora este procedimento possa trazer também inconveniências para os leitores. Mas, procurei dar uma sequência lógica, evitando desvios.
A economia clássica estabeleceu em seu modelo abstrato as condições "necessárias" e hipotéticas para que os mercados se tornassem eficientes, atuando em situação de equilíbrio, utilização "ótima" dos fatores de produção, sem crises. Entre elas encontram-se a concorrência perfeita, a disponibilidade de informações e as qualidades do homo economicus.
No artigo sobre o monetarismo de Friedman já abordei a questão do "homo economicus" no contexto da economia clássica.
O economista Joseph Stiglitz foi agraciado com o Prêmio Nobel de economia com uma tese sobre a importância das informações assimétricas para as crises.
Num primeiro momento, podemos observar que a sua teoria tem como objetivo negar uma hipótese da economia clássica, disponibilidade de informações, aprofundando a análise, para tirar as conclusões sobre a repercussão na economia em caso de falibilidade desta disponibilidade.
De acordo com as suas palavras:
"Um dos grandes intelectuais de meados do século XX (por Gerard Debreu, da Universidade da Califórnia, e Kenneth Arrow, ambos ganhadores do Prêmio Nobel por esse trabalho) foi estabelecer as condições sob as quais a "mão invisível" de Adam Smith funciona. Entre elas, havia um grande número de condições não realistas, tais como a necessidade de que a informação fosse perfeita, ou pelo menos não fosse afetada pelo que acontecia na economia, e que, se alguém tivesse uma informação, outros teriam a mesma informação; que a competição fosse perfeita; e que fosse possível comprar proteção contra qualquer risco possível.", grifei.
"Minha pesquisa, e as de outros estudiosos, sobre as consequências das informações imperfeitas e assimétricas (quando indivíduos diferentes sabem coisas diferentes), durante o último quarto do século, mostrou que um dos motivos pelos quais a mão invisível pode ser invisível é que ela simplesmente não existe.", em "Os exuberantes anos 90", p. 42, itálico meu.
"As práticas contábeis ruins propiciavam informações ruins e parte da exuberância irracional baseava-se nessa má informação.", idem p. 39.
Os economistas críticos dos mercados perfeitos e suas hipóteses nunca levaram adiante o problema da indisponibilidade das informações, situação esta já bastante disseminada na prática da inside information e outras práticas lesivas conhecidas pelos operadores, e suas críticas se concentraram mais na hipótese da concorrência perfeita.
Realmente foi um mérito do economista Stiglitz aprofundar sua pesquisa nesta questão, contribuindo para colocar em xeque, mais uma vez, a ideologia dos mercados perfeitos, sob um novo enfoque.
Mishkin nos dá um conceito de informação assimétrica:
"se a informação é assimetricamente distribuída, uma das partes contratantes tem conhecimento insuficiente (para tomar decisões precisas) sobre a outra parte envolvida em uma transação - a existência de informação assimétrica é um aspecto importante sobre a compreensão sobre o funcionamento dos mercados financeiros. [...] A presença de informação assimétrica leva a problemas de seleção adversa e risco moral, que foram apontados no Capítulo 2.", em "Moedas, bancos e mercados financeiros", Frederic S. Mishkin, p. 124 e 414.
Muito embora os autores não comentem, a mais corriqueira e difundida prática de informações assimétricas é a "inside information" (trading), ou o uso de informações privilegiadas, mormente nos mercados financeiros, ou seja:
"uso de informações privilegiadas é a negociação de valores mobiliários que ainda não são do conhecimento público, com objetivo de auferir lucro ou vantagem no mercado", em Insider Trading, Wikipédia.
Geralmente, os beneficiários são diretores, gerentes de empresas e instituições financeiras, além de políticos e pessoas enfronhadas e bem informadas sobre o cotidiano do mercado financeiro, incluindo o "jornalismo mercenário" (Kindleberger &Aliber, p. 178) e think tanks. Dizia-se que, em décadas passadas, alguns diretores da Petrobrás compravam ações da empresa antes de anunciarem ao público as descobertas de novas jazidas, realizando lucros em decorrência da defasagem das informações disponibilizadas:
"Avisar amigos antes de recomendar uma ação para o mundo todo em uma coluna de investimentos pode ser um truque antigo, porém é mais facilmente detectável atualmente, além de todas as compras e vendas de ações baseadas em informações privilegiadas. [...] A técnica levou Wall Street Journal, que dava suas dicas antecipadamente para um amigo, e do ex-subsecretário da defesa Thayer ...", Kindleberger & Aliber, p. 189.
Esta prática bastante disseminada nos mercados financeiros e que, desde tempos imemoriáveis, sempre os acompanharam é proibida e penalizada pelas instituições reguladoras dos mercados financeiros, no Brasil trata-se da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Além disso, diversos tipos de complôs que visam manipular os preços das ações e demais valores mobiliários.
Kindleberger & Aliber no Capítulo 7, "Bernie Madoff: fraudes, golpes e o ciclo do crédito", nos trazem alguns exemplos de práticas "condenáveis".
Permitam-me:
"Muito da corrupção nos mercados financeiros envolve interpretação incorreta dos valores de títulos, investimentos e taxa de lucro, além do roubo de informações e os esforços dos outsiders em obter dados dos insiders antes que a informação chegue ao público.", grifei, p.146.
"O roubo de informações e o insider trading":
"Informações são valiosas, uma vez que mudam os preços relativos. Depois da Segunda Guerra Mundial, diversos congressistas dos Estados Unidos ficaram ricos - ou pelo menos mais ricos - porque haviam comprado terras próximas aos locais onde seriam construídos novos acessos do Sistema Rodoviário Interestadual. Informações sobre o tamanho da colheita de trigo - na verdade, projeções da informação - levam a mudanças nos preços do trigo; assim, era valioso ter acesso a estas projeções antes que elas se tornassem publicamente disponíveis.", p. 148.
"Golpes, comportamento fraudulento, desfalques e falcatruas elaboradas são parte da vida nas economias de mercado, mais em alguns países do que em outros. Em muitos dos desfalques, há fornecimento de informações enganosas sobre estoque e lucros.", p. 150.
A prática de inflar balanços, antecipando lucros, foi utilizada pela Enron, considerada a 7ª empresa dos Estados Unidos e uma das empresas mais inovadoras, segundo a revista Fortune. As fraudes envolviam a empresa de auditoria Arthur Andersen.
Os leitores interessados nos diversos golpes e fraudes descobertos, ao longo da história, poderão consultar o referido livro. Mas, aqui nos interessa uma outra questão, qual seja, os momentos mais propícios para que estes comportamentos ocorram:
"Ela (o autor se refere à corrupção) aumenta de modo pró-cíclico da mesma maneira que o suprimento do crédito.", Kindleberger & Aliber, p. 147.
"O comportamento fraudulento aumenta durante booms econômicos.", idem, p. 172.
"Os golpes aumentam durante os booms econômicos porque a ganância parece crescer mais rapidamente que a riqueza.", idem, p. 173.
"Conforme os booms econômicos prosseguem, a cobiça se acumula e as desculpas ficam mais esfarrapadas, mas se tornam frágeis como bolhas de sabão.", idem, p. 175.
Colocando a questão sob um outro aspecto, o que nos interessa é saber se as informações assimétricas são, por si mesmas, tão importantes para desencadear crises ou se estão inseridas em outras situações mais abrangentes, num determinado momento da economia, que detonam as crises. Que se diga que a partir do momento em que as informações assimétricas foram reveladas e confirmadas ela substituiu outras versões das crises, inclusive o enfoque keynesiano.
Passaram a ser consideradas como o fator mais importante para gerar as crises econômicas e até mesmo justificar a insuficiência de demanda.
No artigo "A crise de 2008 e as informações assimétricas", publicado neste blog em 11 de junho de 2015, já chamava atenção para este aspecto, com raciocínio inverso, mostrando que as informações se inserem num contexto bem maior do que elas mesmas, e dizia:
"É simplesmente uma ilusão acreditar que as informações em si veiculadas e não represadas criam possibilidades e oportunidades de negócios idênticas para todos os agentes econômicos. Os mercados são segmentados e não homogêneos; daí cada informação em particular ser "recepcionada" e interpretada de forma diferente por cada ramo de atividade (mercado)".
"Por isso que as informações em si, por mais importantes que sejam para a economia, em nada eliminam os riscos de crise em uma sociedade capitalista, como pretendem. [...] Somos bombardeados diariamente com tantas informações. Difícil é selecioná-las e interpretá-las e decidir o que fazer com elas. Somente para alguns ramos específicos elas são relevantes. E muitas informações são manipuladas por enormes organizações, principalmente no mercado financeiro".
"Portanto, todas as informações são assimétricas não só pela falta de divulgação mas também pela maneira de percebê-las, interpretá-las e pô-las em prática".
"Na realidade, poderíamos dizer que na recente crise as informações assimétricas foram irrelevantes. Existia, sim, informações plantadas, "oba-oba" e uma teoria econômica respaldada por ilustres teóricos, empresários, principalmente dos "media", através de seus porta-vozes, políticos e até mesmo empresários milionários do ramo financeiro, atuando dentro do governo em benefícios próprios e em função desta ideologia (no caso, mercados perfeitos). Ou seja, existia pura especulação.
O setor imobiliário era o carro chefe. Construtores, produtores, vendedores, compradores, consumidores e o setor financeiro atuavam freneticamente, sem necessariamente, saberem o que vendiam, compravam e emprestavam. Possibilidades de ganhos, até mesmo as mais ilusórias, eram suficientes para turbinar os negócios. As inovações financeiras, respaldadas por modelos econométricos sofisticadíssimos, estavam de vento em popa e cumpriam as suas funções em justificar e garantir os fundamentos teóricos e a especulação.
A desregulamentação e a securitização se alastravam com o fundamento de que os riscos estavam "racionalmente" diluídos e, por isso, não havia possibilidades de crise. Tudo estava sob controle porque, os gênios das finanças eram extremamente racionais. Os modelos serviam para cobrir com uma manta científica as decisões, alijando os simples mortais, incapazes de entender os mistérios das finanças e da complexidade matemática. Todos surfavam e desejavam surfar na onda da especulação. Todos atuavam racionalmente, mas com alma de especulador. Vendiam-se informações sem interesse em saber se eram falsas ou não, com ou sem interesse (acrescento: manifesto). Nenhuma das pontas (construtores, financistas, consumidores, produtores, vendedores, compradores) sabia e nem queria saber realmente o que vendiam, compravam e financiavam. Vendia-se e comprava-se de tudo sem se importarem com as consequências".
O momento especulativo era respaldado pelos economistas e intelectuais de universidades partidários da teoria dos mercados perfeitos, que não admitiam crises, pelos "media", pelos think tanks, por empresários poderosos, principalmente do setor financeiro, por membros do governo e políticos, que saudavam a farra, como inerentes às virtudes do capitalismo americano.
E acredito que não chega ao absurdo concluir que nesses momentos de especulação as informações falsas, plantadas, o convencimento de crédulos com base nos esclarecimentos de acadêmicos e intelectuais, as notícias de analistas nos "media", enfim a manipulação dos mercados em todos os sentidos e possibilidades, sejam bem mais danosas, que as próprias informações assimétricas. As Is. As. seriam apenas mais um quesito inserido nos demais fatores especulativos sem relevância diante destes, porque estariam inseridas na intenção maior de manipular, burlar, ludibriar para tirar proveito e enganar alguém (fraude), podendo chegar ao dolo quando se usa de esquemas com clara intenção de prejudicar outrem:
"Derivado do latim fraus, fraudis (engano, má-fé, logro), entende-se geralmente como o engano malicioso ou ação astuciosa, promovidos de má-fé, para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever.", (em "Vocabulário Jurídico", de Plácido e Silva, 9ª ed. Forense).
"Do latim dolus (artifício, manha, esperteza, velhacaria), na terminologia jurídica, é empregado para indicar toda espécie de artifício, engano, ou manejo, com a intenção de induzir outrem à prática de ato jurídico, em prejuízo deste e proveito próprio ou de terceiro.", (idem).
"O dolo consiste em manobras ou maquinações efetuadas com o propósito de obter uma declaração de vontade que não emitida se o declarante não fosse enganado.", (Tepedino, Gustavo & Barbosa, Heloisa & Moraes, Maria Helena de, "Código Civil interpretado" Renovar, vol. I, 2004).
O artigo 145 do CC/2002 disciplina especificamente o dolo:
"São os negócios jurídicos anuláveis por dolo quando esta for a sua causa".
Devendo-se ressaltar que os negócios jurídicos deverão ser permeados pelo princípio da boa-fé, objetiva conforme a jurisprudência e a doutrina, de acordo no disposto no ar. 113, do citado diploma legal, em prol da segurança jurídica:
"Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração".
Conforme a doutrina e a jurisprudência o novo C/C afasta o princípio do boa-fé subjetiva e adota o princípio da boa fé objetiva.
Por sua vez o Código Penal trata especificamente do assunto no seu artigo 171 e incisos, Capítulo V - Da Apropriação Indébita:
"Estelionato art. 171. Obter para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: (1) Pena ...".
Comentários:
"Agora, quando a vítima está equivocada e o agente mantém a vítima em erro, é aplicado o estelionato fraude para manter a vítima em erro", Comentário de Flávio Olimpio Azevêdo, em Código Penal Comentado, www. direitocom.com/código-penal-comentado.
Além do princípio da "boa fé objetiva" os princípios da "equivalência negocial" e da "função social do contrato", previstos tanto no Novo Código Civil (artigos 157, 317, 318, 421, 479) quanto na Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), amparados pelo princípio constitucional da solidariedade, consolidam o substrato da eticidade para a formação de uma sociedade "livre, justa e solidária", de acordo com o que dispõe a nossa Constituição cidadã, em seu artigo 3º, inciso I e com amparo em diversos artigos constitucionais, dentre os quais se destacam os artigos 182 e 186 (função social do contrato e da propriedade).
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa por premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta", (negritos meus).
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Em comentários ao artigo 157, do C/C 2002, Tepedino esclarece:
"Como defeito do negócio jurídico, a lesão contratual é a desproporção existente entre as prestações de um contrato, verificada no momento da realização do negócio, havendo para uma das partes um aproveitamento indevido decorrente da situação de inferioridade da outra.
A consagração do instituto da lesão no CC é informada pelos princípios da boa fé objetiva e do equilíbrio econômico das prestações, e mitiga o princípio da força obrigatória dos contratos".
E segue em relação ao artigo 421:
"A boa-fé objetiva atua preponderantemente sobre a autonomia privada. O equilíbrio econômico da relação contratual, por sua vez, altera substancialmente a força obrigatória dos pactos, dando ensejo a institutos como a lesão (art. 157), a revisão e a resolução por excessiva onerosidade (arts. 317, 478 e 479, Código Civil). E a função social, a seu turno, subverte o princípio da relatividade, impondo efeitos contratuais que extrapolam a avença negocial".
Em comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Tarture & Daniel Amorim esclarecem:
"Como já foi destacado em outras obras, a função social dos contratos constitui um princípio contratual de ordem pública - conforme consta do art. 2.035, parágrafo único, CC 2002 -, pelo que o contrato deve ser, necessariamente, interpretado e visualizado de acordo com o contexto da sociedade. [...] O sentido do último comando é o de que a finalidade coletiva dos negócios representa clara limitação ao exercício da autonomia privada no campo contratual", em "Manual de direito do consumidor", 2ª ed.,2013, Ed. Método, pgs 46/7.
Os partidários dos MP (mercados perfeitos) especularam e ensaiaram uma "versão" atribuindo responsabilidades iguais pela crise a todos agentes que participaram do processo especulativo, fossem eles empresários, financistas, grandes especuladores, membros do governo, intelectuais e think tanks, que estavam em posições privilegiadas de usufruir da desordem especulativa e auferir grandes lucros, e os simples tomadores de empréstimos, crédulos, que almejavam o sonho da casa própria, não tinham discernimento para um melhor entendimento do que se passava e eram facilmente "convencidos" a assumir os riscos dos empréstimos. Por isto, sempre foram os elos mais fracos da cadeia especulativa.
Infelizmente, estes intelectuais, economistas, não conseguem enxergar que as regras econômicas, estabelecidas segundo o dogma do homo economicus, encontram limites nos contextos sociais; e, por decorrência, suas leis e prescrições encontram-se defasadas e atrasadas em relação a diversos outros ramos das "ciências" sociais e em total desarmonia com as necessidades das sociedades atuais. Sobre o assunto consultar "Direito, economia e mercados racionais", julho/2014, neste blog.
E o corporativismo que vigora entre catedráticos e doutores em economia, mormente na sociedade americana, faz com que as críticas a seus pares sejam sempre amenas.
Ainda, no tópico "Os responsáveis pela crise de 2008", do mencionado artigo, afirmei:
"Querer atribuir responsabilidades igualitárias a todos é mascarar uma situação, fazer vista grossa, ignorar as diferenças sociais, tirar a responsabilidade daqueles que se incubem da condução e direção das decisões econômicas e políticas a quem, pressupõe-se, caberem zelar pelo "bem" e o Estado saudável da economia. Esta responsabilidade recai igualmente sobre os ombros daqueles arquitetos e defensores da ideologia dos mercados racionais e perfeitos que, de certa forma, contribuíram indiretamente para alastrar este dogma e que estavam em condições de influir e usufruir das decisões políticas/econômicas, independentemente de seus interesses mais nobres e estritamente particulares".
Tudo se passa como que os intelectuais não tenham responsabilidades pelas suas ideias porque as pessoas são livres para escolher, optar. Mas, infelizmente, as ideais não ficam restritas aos seus próprios círculos de onde emanam; extravasam para os demais setores da sociedade através de lobbies e outros mecanismos de divulgação e convencimento, do qual o mundo dos intelectuais participa, e, neste particular, se equipara a todos os demais setores competitivos. Sem exagero, pode-se afirmar que "trata-se de uma guerra de ideias", um "vale tudo", porque as ideias dão poder.
É o próprio Stiglitz quem nos fornece um breve e tímido comentário sobre as responsabilidades:
"Ninguém - nem mesmo o presidente, ou secretário do Tesouro, ou o presidente do FED - pode ser responsabilizado por essa exuberância irracional: mas pode ser responsabilizado por não se ocupar com as consequências e, em alguns casos, por alimentar o frenesi." (em "Os exuberantes anos 90", p. 39).
Embora o autor não especifique a carapuça cai na cabeça de Greenspan, partidário da Teoria dos Mercados Perfeitos, cuja política econômica se resumia sempre em aumentar a liquidez do mercado a qualquer custo. Mas, o que dizer do secretário do Tesouro, Henry Paulson? Ex-presidente do Goldman Sachs, o banco mais politicamente engajado em todos os governos americanos, também partidário da mesma teoria. Isto nos diz muito sobre a história do capitalismo americano, os grandes beneficiários e o controle do poder. E de Milton Friedman e seus seguidores que ocuparam e continuam a ocupar cargos importantes nos governos e ajudaram a disseminar uma teoria já totalmente desacreditada?
Por outro lado, é importante que se diga que a "teoria" das informações assimétricas não encontra guarida nas concepções de Minsky, que trata das fragilidades, inconsistências, vulnerabilidades e instabilidades do sistema financeiro e a sua importância para as crises e seus agravamentos.
Para Minsky, a instabilidade do sistema financeiro é inerente ao próprio sistema, ocorre no seu interior, é endógena, em decorrência de suas próprias contradições, de decisões particulares que se contrapõem e concorrem entre si, gerando um excesso de alavancagem nos momentos ascendentes dos ciclos, em que os ativos encontram-se inflados, agravando-se na procura de "desalavancagem", por parte dos devedores.
Segundo Krugman:
"Assim que os níveis de endividamento são suficientemente elevados, qualquer coisa pode desencadear o momento Minsky: uma recessão vulgar, a explosão de uma bolha imobiliária, etc. A causa imediata praticamente não tem importância; o que é importante é que os financiadores redescobrem os riscos do endividamento, os devedores veem-se obrigados a começar o processo de desendividamento e a espiral endividamento-deflação referida por Fisher se inicia.", (em "Acabem com esta crise", 5ª edição, Editorial Presença, p. 61).
Estas "percepções" (redescobertas e obrigações) não são necessariamente concomitantes e podem surgir primeiro em qualquer um dos polos (financiadores, devedores), como, por exemplo, dificuldades e incumprimentos por parte dos tomadores de empréstimos, arrastando o outro para um processo descendente que se auto-realimenta.
Para reforçar os meus argumentos sobre a questão da importância ou não das informações assimétricas para o desabrochar das crises econômicas encontrei este comentário:
"Vale ressaltar contudo que tal, como na Teoria Geral, para Minsky tais resultados não derivam das imperfeições dos mercados na forma de rigidez, assimetria de informação ou outros impeditivos friccionais ao ótimo paretiano; encontram-se porém entranhados na própria natureza necessariamente especulativa da tomada de decisões sob incerteza forte.", ( p. 21 de 30, em "O pensamento de Minsky; alterações de percurso e atualidade", Lourenço, André Luiz).
Esclareço aos leitores que a "forma de rigidez" dos mercados a que o autor alude está associada à concepção clássica, bastante difundida, de que as crises ocorrem por inflexibilidade dos salários para baixo, assunto este descartado e esclarecido por Keynes em sua Teoria Geral, com destaque para a insuficiência de "demanda efetiva", conforme exposto em artigo publicado neste site.
No entanto, não deveríamos depositar demasiada ênfase na questão sobre "tomada de decisões sob incerteza forte" do risco como fator importante para o desencadeamento de uma crise, porque a incerteza faz parte da vida. Assim, ao colocarmos o foco nesta questão, nos afastamos da peculiaridade do sistema capitalista.
Em que pesem a importância dos comentários acima esboçados pelos ilustres economistas, não seria uma elucubração procurar um ponto de convergência entre as concepções de Keynes e Minsky considerando que este autor é reconhecidamente um keynesiano. Mesmo que os seus respectivos enfoques sejam para setores diferentes da economia (financeiro e produtivo), cabe procurar ou especular sobre este ponto.
Neste sentido, podemos admitir que uma crise pode ser deflagrada em qualquer dos setores, com repercussões inevitáveis sobre o outro, num processo que se reforça e se realimenta. Krugman chama a atenção para uma "recessão vulgar" e a explosão de "bolha imobiliária", sem especificar quais os setores desencadearam a recessão, mas sem descartar outras hipóteses, não mencionadas.
Portanto, presume-se ser viável que o início da crise possa ocorrer no próprio sistema financeiro, através de uma corrida aos bancos, um pânico, falência de um grande banco ou outros motivos financeiros, incluindo os associados à especulação.
Kindleberger & Aliber comentam:
"No pânico de 1907, a expansão preparatória envolveu e Nova York e seu empréstimo de quantias desconhecidas de bancos de fora da cidade, juntamente com Londres e seus grandes empréstimos dos bancos de Nova York - uma combinação de dois dos métodos de expansão discutidos anteriormente, se igualarmos bancos de fora de Nova York fazendo empréstimos na cidade ao padrão ouro.", (p. 104, em "Manias, pânicos e crises", Ed. Saraiva, 6ª ed.).
"A especulação alimentada pelo crédito era frequente: houve empreendimentos fictícios e um truste da indústria do aço que usava fundos ostensivamente emprestados para investimentos reais a fim de especular com seus próprios títulos. Eram pagos altos dividendos com o dinheiro dos empréstimos para estimular os interesses dos investidores, e as dificuldades começaram em maio de 1905 com o colapso de muitas novas companhias;" (idem, capítulo 8, item 8.7 - "O ano de 1907", p. 206).
Ainda, segundo o artigo "Pânico financeiro de 1907", em pt.wikipedia.org>wiki, o pânico teve início com um esquema especulativo de "manipulação de ações para encurralar o mercado na United Copper Company", denominado short squeeze. (Sobre o assunto consultar também o artigo "Comentários ao monetarismo de Friedman - fundamentos e contradições -", postados neste blog em abril/2021).
Se o crédito é o combustível que alimenta a alta dos ativos, a sua escassez torna-se a deflação, que empurra para baixo os preços dos ativos.
Reinhart & Rogoff comentam sobre esta possibilidade:
"As crises financeiras raramente ocorrem num vácuo. São mais os casos em que uma crise financeira começa apenas depois de um choque real ter abrandado o crescimento econômico. Assim, funcionam mais como um amplificador do que como gatilho. [...] De fato, em 2007, apesar de o crescimento nos EUA ter abrandado, estava nessa altura mais em linha com o padrão de uma recessão mais suave da média de todas as crises.", em "Desta vez é diferente", p. 233.
"Um país que está a passar por uma crise de taxa de câmbio pode em breve dar por si numa crise bancária e numa crise de inflação, seguindo-se por vezes incumprimentos internos e externos. As crises transmitem-se também, por contágios ou fatores comuns, como discutimos no capítulo anterior.", idem, p. 263.
Ao que tudo indica, pelas suas próprias características, os contágios se disseminam basicamente através setor financeiro.
Mas, tanto estes autores quanto Kindlenerger & Aliber afirmam que a crise de 2007/8 foi financeira. Os autores esclarecem:
"As bolhas são o resultado de um crescimento do crédito muito grande para ser sustentável; quando esse crescimento desacelera, os preços de alguns ativos começam a cair. [...] O grande aumento nos preços das propriedades foi resulta da pronta disponibilidade de crédito hipotecário e levou um boom na construção de novas casas e condomínios", (Kindleberger & Aliber, p. 320).
"Uma consequência da securitização foi o aumento de dinheiro disponível para hipotecas, porque esses títulos relacionados eram mais líquidos do que as hipotecas individualmente, e as taxas de juros sobre elas correspondentemente menores a elas. [...] Além disso, havia substanciais inovações nos adiantamentos mínimos necessários para alguns compradores e nos pagamentos de juros - ... Além disso, muitas tinham "taxas de juros isca" - as taxas de juros previstas para os primeiros dois ou três anos eram excepcionalmente baixas...".
"O novo convívio era um convite a fraude no processo de criação de hipotecas, e parte desta vinha pelos tomadores de empréstimos, que forneciam informações incompletas ou enganosas sobre suas rendas, ativos e históricos de crédito (o que era conhecido como "empréstimo mentiroso"). Uma parte das falcatruas vinha dos corretores de hipotecas, que encorajavam proprietários de imóveis a assumir dívidas extremamente altas em relação às suas rendas. Alguns desses corretores não se preocupavam com a capacidade dos tomadores de empréstimos em pagar a dívida porque o risco de crédito seria transferido para outras pessoas ... ", (idem pgs. 321/2).
Ou seja, todos os ingredientes e sintomas de uma bolha. No entanto, o estouro da bolha se deu por diversos motivos, dentre os quais, não podemos descartar também, as consequências nefastas das engenharias financeiras, que no médio prazo inviabilizavam os pagamentos de juros e amortizações pelos compradores de imóveis; parcelas estas que eram estabelecidas inicialmente com períodos de carência e postergadas, e, posteriormente, reescalonadas para um futuro "qualquer", sabendo-se de antemão que os tomadores não poderiam arcar com os pagamentos dos juros e amortizações no futuro. Em outras palavras, sabia-se que os empréstimos estavam sendo efetuados para tomadores com elevado risco de incumprimento, sem garantias adequadas, denominados subprime.
A engenharia financeira disfarçava o problema básico, com o chamariz da carência e da postergação, cujos pagamentos posteriores seriam garantidos pela expectativa (a certeza, para os corretores) sempre otimista de aumento dos imóveis e novos reescalonamentos; e os nerds e intelectuais tratavam de convencer a todos da impossibilidade de crise, em razão da diluição dos riscos, apoiados em modelos ultrassofisticados. Era apenas uma questão de tempo para que a realidade sobrepujasse a fantasia e os problemas surgissem.
Diante destes comentários pergunta-se: qual a importância das informações assimétricas nesse contexto? Seriam elas tão ou mais importantes que todos estes "ingredientes" altamente tóxicos ou seriam elas apenas mais um fator associado aos demais, mas sem qualquer importância substancial?
Outrossim, estes autores citados comentam e citam crises em economias abertas, o que em princípio foge ao nosso escopo, estando fora dos contextos keynesiano e, inicialmente, minskyano. Portanto, não podemos deixar de ressaltar e identificar que o "cerne" da problemática encontra-se inicialmente em desvendar as próprias leis que regem as relações de produção, sendo estas essencialmente de caráter "endógeno", para uma economia fechada. Em outras palavras, não podemos descobrir as leis que regem a economia capitalista partindo das suas relações externas.
Mas, devemos salientar que as relações externas não anulam as leis endógenas do sistema de produção de uma economia supostamente fechada; pelo contrário, aumentam o grau de complexidade, favorecendo o surgimento de novas situações instáveis, que não existiam numa economia fechada; pois passa-se a ter diversas economias sujeitas às mesmas tendências instáveis, com atividades que se entrelaçam, criando novas situações complexas, frágeis e instáveis, que possibilitam disseminar o pânico, a uma escala mais alargada, através do contágio.
Cito Kindleberger & Aliber, apenas para esclarecimentos aos leitores:
"Assim como a água corre ladeira abaixo, o dinheiro flui através das fronteiras internacionais na direção das maiores taxas de retorno previstas: os aumentos nos preços da ações em um país e no valor de sua moeda atraem dinheiro do exterior.
Um fator que explica as quatro ondas de bolhas em um período de trinta anos é o surto do pool do dinheiro global como resultado dos grandes desequilíbrios nos balanços de pagamentos que se desenvolveram no final dos anos 1960, continuando durante os anos 1970 e as décadas seguintes. O arranjo de câmbios flutuantes após 1971 também indicou que os preços dos ativos em um país se elevariam em resposta a um aumento nos fluxos de entrada de capitais.", idem p. 227.
Entretanto, acredito que para uma melhor apreciação das tendências desestabilizadoras da economia "mundial" deveríamos também direcionar os nossos olhos para a Lei das Vantagens Comparativas (LVC) estabelecida por David Ricardo há aproximadamente 200 anos, repetidamente ensinada nas Universidades e cursos de pós-graduação, tema este que foi objeto de diversos artigos e comentários postados neste bloco. E, neste ponto, passaríamos também para uma análise das relações políticas internacionais, notadamente a geopolítica.
Deixando de lado esta questão estrutural desestabilizadora, uma abertura para o exterior, um desequilíbrio nas transações externas, registradas e "contabilizadas" no Balanço de Pagamentos, irá trazer consequências desestabilizadoras em diversos setores da economia.
E com a desregulamentação dos mercados financeiros globais, ocorrida a partir dos anos 1980, por pressão dos Estados Unidos, os desequilíbrios das contas correntes do BP dos países economicamente mais frágeis ocorrem em função do afluxo desenfreado do capital financeiro, especulativo e sem pouso certo, ao contrário do que ocorria no passado quando o desequilíbrio das contas correntes eram contrabalançados pela conta "Capital" (empréstimos, doações e investimentos diretos).
Neste sentido, é que um deslocamento acentuado e abundante de capital financeiro para uma economia relativamente frágil provocará alterações em diversos "indicadores" das variáveis econômicas (taxa de câmbio e de juros, desequilíbrio das contas externas, ataque às reservas internacionais) e, consequentemente, com repercussões em diversos setores da economia, com ou por motivações especulativas, mormente no setor imobiliário e commodities, pela abundância do crédito externo fácil. Este capital internalizado poderá ser novamente deslocado para outra região, agora mais suscetível de lucros fáceis, ou por qualquer outro motivo (uma crise no país receptor), com movimentos de saídas abruptas, escasseando o crédito, gerando um arrefecimento da atividade econômica e acentuando os problemas para honrar os créditos externos, conforme ocorreu na crise asiática em 1997/8 e mexicana.
Em outras palavras, muda-se o padrão de acumulação do capital, que passa a ter novas referências, em busca de lucro, com novas possibilidades mais especulativas, mormente na atual fase de grande mobilidade do capital financeiro internacional, com deslocamentos quase instantâneos em escala global.
Ora, qual seria a importância das Is. As. neste novo contexto de relações externas, com uma desregulamentação do capital financeiro, se estas informações já seriam irrelevantes em uma economia fechada?
Nos artigos sobre o monetarismo de Friedman e Keynes, postados em 19 e 30 de abril de 2021, comentei sobre o Capítulo 22 da Teoria Geral, "Notas sobre o ciclo econômico", onde Keynes nos mostra que as crises se originam nas insuficiências de demandas (em relação às ofertas), com repercussões baixistas sobre a EMC (eficiência marginal do capital), em total discordância com a lei de Say, que acreditava que a oferta criava a sua própria procura, e, portanto, não haveria crise.
Ora, é pertinente observarmos que é no momento em que os tomadores de empréstimos se vêm com dificuldades em honrar seus compromissos financeiros, em decorrência da insuficiência da demanda efetiva, que a crise se propaga ao setor financeiro e o crédito escasseia.
Portanto, um enfoque keynesiano-minskyano deve direcionar os olhos e as mentes para a questão da insuficiência de demanda efetiva, mesmo que admitamos que as crises possam ser deflagradas tanto no setor financeiro, como no setor industrial, por outros motivos diferentes.
RESUMO
Vimos no artigo "Um breve retorno a Keynes", postado neste blog em 30 de abril de 2021, que para o autor as fases expansivas (booms) da economia contêm os germes da sua contradição, em decorrência, fundamentalmente, da deficiência da demanda agregada, como resultado da negação da lei de Say, que admitia que a oferta criava a sua própria demanda, atualmente renomada de TMP (Teoria dos Mercados Perfeitos).
Ademais, o referido autor deixa margens para uma interpretação em que as expectativas dos homens de negócio sofram um revés, reduzindo os investimentos, com consequências também sobre a demanda efetiva.
Ao que tudo indica, estas crises também poderão ser deflagradas em virtude das condições políticas e sociais agravadas, mudanças de perspectivas dos agentes econômicos, principalmente investidores, ou mesmo de choques externos.
Mas, jamais poderemos esquecer que a teoria keynesiana é no seu núcleo uma crítica a lei de Say, e, por isto, diante desta perspectiva, as causas das crises devem ser "fundamentalmente" procuradas na insuficiência de demanda efetiva.
E para Minsky é um endividamento excessivo (alavancagem) que ocorre em momentos de aquecimento ou especulativo da economia, que corresponde ao momento ascendente do ciclo; e que a partir de determinado momento, os agentes econômicos se vêm em "situações" de terem de alterar as suas perspectivas ou comportamentos como tomadores e financiadores.
Numa visão simbiótica keynesiana-minskyana podemos identificar este momento (ponto de convergência), basicamente, quando os tomadores de empréstimos se vêm em dificuldades financeiras, em decorrência do aumento de estoques, queda da EMC esperada, que apontam para a insuficiência de demanda efetiva (negação da lei de Say).
Conforme Keynes:
"Voltemos ao que acontece na crise. Enquanto a expansão se mantinha, a maioria dos novos investimentos propiciava um rendimento corrente não satisfatório. A desilusão chega porque, de repente, surgem dúvidas quanto à confiança que se pode ter no rendimento prospectivo, talvez porque o rendimento atual dê sinais de baixar à medida que o estoque de bens duradouros recentemente produzidos aumentam regularmente. Havendo uma opinião de que os custos de produção são mais elevados do que poderão vir a ser futuramente, esta é mais uma razão para a queda da eficiência marginal do capital.", (p. 288, "Teoria Geral").
"Mas o boom tem como característica essencial o fato de os investimentos que, em condições de pleno emprego, terão um rendimento efetivo de, digamos, 2% serem efetuados na esperança de, digamos, 6% e serem valorizados com base nisso.", idem p. 291/2.
Em outras palavras é a negação da Lei de Say. E esta conclusão magistral que identifica um momento especulativo:
"O boom que está condenado a terminar numa crise é provocado, portanto, pela combinação de uma taxa de juro que, num estado correto de expectativa, seria demasiado elevada para permitir o pleno emprego, com um estado enganoso da expectativa que, enquanto dura, impede essa taxa de juro de funcionar, de fato, como um fator de dissuasão. O boom é uma situação em que o excesso de otimismo triunfa sobre a taxa de juro que, julgada a sangue-frio, seria considerada elevada demais.", idem p. 292, itálicos meus.
Outrossim, vimos que na abordagem minskyana não há qualquer espaço para acreditarmos que as Is. As., por si mesmas, sejam capazes de provocar uma crise de grande envergadura, ou, até mesmo, de pouca magnitude, visto estarem inseridas, juntamente com outros fatores, numa situação de boom.
É o próprio Stiglitz que, conscientemente ou traído pelo inconsciente, um simples lapso, depõe contra a sua teoria das informações assimétricas, conforme consta do texto do subtítulo "As sementes da destruição", do qual retiramos algumas passagens:
"O que eram essas sementes da destruição? A primeira foi o próprio boom: era a bolha clássica, os preços dos ativos não correspondiam aos valores subjacentes, de uma forma familiar ao capitalismo ao longo dos séculos. [...] As bolhas se baseiam em uma certa exuberância irracional e, talvez, desde a época da mania do bulbo da tulipa, a irracionalidade do mercado não tenha estado mais em evidência, com investidores pagando bilhões de dólares para as companhias que jamais haviam obtido lucro." (Stiglitz, obra citada, p. 39).
Pela ordem estabelecida, em segundo temos os dirigentes do Fed e Tesouro; em terceiro, as práticas contábeis, remuneração dos Geos e conflitos de interesses; depois, a desregulamentação de vários setores da economia (diga-se, principalmente, do setor financeiro) e incentivos distorcidos.
Nestes destaques observa-se que os lobbies e comportamentos fraudulentos estão bastante presentes, em conformidade com os ensinamentos de Kindleberger & Aliber.
E a conclusão:
"Apenas com esses ingredientes, a combinação já era forte demais. Mas para colocar mais lenha na fogueira, os impostos sobre ganhos de capital (impostos sobre a valorização de ativos, como ações entre a compra e a venda) foram cortados. Aqueles que obtinham dinheiro especulando e ganhando no mercado de ações eram os heróis do dia e deviam ser taxados mais levemente do que aqueles que ganhavam o pão com o suor do rosto.", (Stiglitz, obra citada, p. 40).
Poderíamos acrescentar outros fatores como os lobbies de intelectuais e políticos em favor da TMP, especialmente os monetaristas, a especulação no setor imobiliário, juntamente com as engrenagens (prefiro esta palavra) financeiras nefastas (securitização e outras) e os empréstimos subprime. Mas, segundo Keynes, fundamentalmente por insuficiência de demanda.
Não cabe a mim opinar se o economista Stiglitz é merecedor ou não de um Prêmio Nobel. Temos que reconhecer que ele se tornou um dos grandes expoentes da economia mundial, com contribuições críticas sobre a Teoria dos Mercados Perfeitos, embora de forma um tanto tímida. E, diga-se de passagem, é um economista muito fácil e interessante de se ler, o que evidencia um mérito. Mas, infelizmente, a sua tão propalada contribuição acerca das "Informações Assimétricas", para desvendar os motivos das crises que assolam as economias capitalistas, não trouxe os benefícios esperados para entendê-las; pelo contrário, serviram para enuviar todas as contribuições de Keynes e Minsky.
O fato de ser laureado com o Prêmio Nobel sobre o assunto aqui discutido vem depor contra a Instituição, que nas últimas décadas, ao que tudo indica, tem se deixado influenciar pelos lobbies, premiando diversos economistas clássicos, partidários da TMP, e comportamentais, que nada contribuem para tornar as economias menos vulneráveis aos distúrbios provocados pelos próprios mercados, em decorrência de uma situação singular, de distorções entre a oferta e a demanda agregadas.
Conforme concluí nos artigos postados em abril de 2021, a falta de Keynes foi não nos proporcionar uma radiografia do sistema financeiro que nos permitisse, já naquela época, entender melhor a complexidade das crises do sistema capitalista de produção. Esta falta foi preenchida com muita maestria por Minsky.