segunda-feira, 18 de setembro de 2017

OBSTÁCULOS SOCIOCULTURAIS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

OBSTÁCULOS SOCIOCULTURAIS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
(comentários sobre o livro de Ho-Joon Chang)
(revista e atualizada)
  

INTRODUÇÃO

O debate sobre como alcançar o desenvolvimento econômico continua em aberto, embora, ultimamente, com tantas crises, tenha sido empurrado para debaixo do tapete.

De um lado estão os economistas, não só liberais, para quem basta focar nos problemas estritamente econômicos que os demais dilemas sociais se ajustam automaticamente.

Do outro lado, encontram-se os sociólogos, antropólogos e demais “cientistas” sociais para quem os problemas se encontram ao lado da cultura, sendo o econômico também um aspecto cultural, a este submetido.

Sempre foi minha opinião que os problemas relativos ao desenvolvimento econômico e consequentemente sociocultural encontram-se de braços atados, como dois irmãos siameses e, por isso, devem ser enfrentados conjuntamente.

Em diversos artigos anteriores postados neste “blog” procurei salientar estes aspectos, dando enfoques nos dois sentidos, com valorizações equiparadas.

Neste volto a ressaltar que é dentro de uma realidade política-econômica-social que cada país se defrontará com obstáculos que poderão travar os objetivos teoricamente traçados, que não são apenas econômicos, mas, em muitos casos, principalmente, políticos, sociais e institucionais. E estes obstáculos encontram-se tanto no nível interno como externo.

Podemos situar em dois níveis a influência das relações econômico-culturais de um país que almeja o desenvolvimento econômico: 1) fase teórica, na qual se esboçam os planos de desenvolvimento; 2) fase de implantação (execução) dos planos, na qual se verificarão os verdadeiros obstáculos políticos, econômicos e sociais. 
  
Deixo de mencionar a fase de “coordenação”, que para mim significa avaliação e correção dos rumos, por tratar-se de uma consequência dos obstáculos e novas possibilidades que surgem no decorrer do processo de implantação.

Para melhor analisarmos o assunto a que me proponho temos que procurar uma definição ou uma conceituação de cultura, que pretendo nos passos seguintes, identificando seus aspectos e a importância deles para o desenvolvimento.

A esta altura é importante esclarecer que este artigo se situa numa mesma linha de continuidade de meus artigos anteriores que trataram do problema do desenvolvimento econômico, com destaque para o Brasil, um campo vasto de experiências mal sucedidas e concebidas: 1)Desenvolvimento e livre comércio, uma perspectiva cultural”; 2) “Industrialização e desenvolvimento no Brasil – Aspectos sociais: 1930-1964”; 3) “A ideologia das vantagens comparativas”; 4) “A Poupança, investimento, a falácia da poupança externa e outros aspectos do subdesenvolvimento”.

Na mesma linha de continuidade porque ainda permaneço  convencido de que os aspectos culturais são importantes para o sucesso do desenvolvimento econômico e que este não pode ser alcançado sem que, concomitantemente, sejam levados em consideração diversos aspectos socioculturais.

Outrossim, trata-se de uma abordagem um pouco mais aprofundada porque procuro clarear alguns pontos de obscuridade dos artigos anteriores, situando melhor a relação entre o econômico e o cultural, que anteriormente apresentava uma certa lacuna.

O artigo está dividido em 4 (quatro) tópicos: 1) Weber – teorias sobre o desenvolvimento; 2) O desenvolvimento econômico 2.1) A fase do planejamento; 2.2) A fase de execução; 3) A cultura e o desenvolvimento; 4) Conclusão.

O primeiro tópico trata de um rápido retrospecto sobre as diversas teorias sobre o desenvolvimento econômico, destacando Weber e se estendendo para os aspectos geográficos, climáticos, raciais, tamanhos dos países e idades.

No segundo tópico abordo os passos e as condições “necessárias” e os obstáculos para o sucesso do desenvolvimento de um país, realçando os seus aspectos econômicos e socioculturais, incluindo nestes o político. Da combinação e contribuição dos diversos fatores dependerá o sucesso do país em alcançar o desenvolvimento econômico e “social”, sucesso este que não está determinado a priori com a elaboração de planos previamente discutidos, acordados e aprovados.

Conforme os leitores poderão constatar os obstáculos surgem inicialmente quando da fase de elaboração e aprovação dos planos, por questões econômicas, ideológicas, políticas (internacionais e nacionais) e culturais e “deverão” (com enormes probabilidades) se agravar no momento da fase de execução (e coordenação), independentemente das boas intenções dos agentes econômico-sociais.

Na “atualização” deste ensaio enriqueci este tópico, com diversas citações de “experts”, dando maior destaque à geopolítica, à história e outros aspectos socioculturais, relegados pelo economista, abordando situações nos Balcãs, no Oriente Médio e em Angola. Além de darem maior consistência aos meus argumentos, procuram despertar e familiarizar os estudantes de economia com assuntos socioculturais, antropológicos e históricos, fugindo do viés exclusivamente econômico e das frias equações matemáticas que procuram explicar as questões relativas ao desenvolvimento das nações.

No terceiro procuro uma conexão mais conceitual entre "cultura” e os outros fatores não estritamente econômicos,  destacados por Ha-Joon Chang em seus livros, que contribuíram para o sucesso econômico da Coréia e que, segundo o autor, são necessários para os países que almejam o desenvolvimento econômico. 
  
Convém ressaltar que as referências básicas que permitiram escrever este artigo foram os dois livros do economista sul-coreano Ha-Joon Chang, escrito para não economistas, mas de grande utilidade porque abordam tópicos relativos à economia e ao desenvolvimento econômico, que estão na ordem do dia, constantemente  debatidos por experts e veiculados pela mídia, nas palestras e cursos de economia.

Através deles procuro situar a importância das relações “socioculturais” numa perspectiva prática do desenvolvimento econômico, sempre com referência à linha adotada pelo autor.

Foge ao escopo deste artigo considerações ético-filosóficas sobre o modelo de desenvolvimento econômico adotado pelos países líderes, submetido ao aparato do complexo industrial-militar, ao poder técnico-científico a este vinculado, à exploração predatória dos recursos naturais não renováveis, à obsolescência técnica desenfreada, aos poderes monopolistas que bloqueiam novos avanços técnicos e científicos.

Como salientou Celso Furtado, este modelo seria inviável para ser compartilhado por todos os países do globo. Para que isso fosse possível deveria haver um novo modelo de desenvolvimento econômico.

Há tempos, as sociedades capitalistas desenvolvidas já desenvolveram “em abstrato” condições materiais suficientes para melhor partilhar os frutos do progresso técnico e científico.

Utilizo a expressão “em abstrato” apenas simbolicamente, muito embora reconheça que o problema não diz respeito apenas ao processo distributivo e sim a submissão da produção ao poder industrial, político e ideológico, que privilegia e conduz a pesquisa e a produção para alvos alheios ao bem estar e ao progresso da humanidade.

Por outro lado, não deixa de ser verdade que ditos países, com todos os problemas inerentes à produção, apropriação e distribuição do progresso técnico-científico apresentam melhores índices de desenvolvimento econômico e social que os países em desenvolvimento. 

Por este motivo, o conceito de desenvolvimento econômico é ideologicamente comparativo e é neste sentido que utilizo no presente artigo.

1)WEBER E TEORIAS SOBRE O SUBDESENVOLVIMENTO

Embora não seja o marco inicial de uma busca do nexo entre aspectos culturais e as possibilidades de desenvolvimento do capitalismo, a célebre obra de Max Weber, “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, é, provavelmente, a mais difundida e a mais discutida de todas.

Posteriormente, muitos outros fatores foram atribuídos como responsáveis pelo relativo atraso dos países subdesenvolvidos, tais como: raça, clima, geografia, idade, magnitude do país e de sua população e outros, relegando, dessa forma, os fatores sociais.

Para não me alongar, pois o objetivo deste artigo não é discutir nem questionar todos os argumentos já falados, tomemos como exemplo a idade do país. Sem maiores delongas, podemos constatar que existem países com a mesma idade do Brasil que alcançaram um grau mais elevado de desenvolvimento econômico e social (Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Nova Zelândia) e outros bem mais antigos (regiões milenares) que encontram-se em estágios de desenvolvimento inferiores (países da África, do Oriente Médio, do Cáucaso, da Ásia). Na realidade a grande maioria dos países mais antigos está a dever em termos de desenvolvimento econômico.

Há países que são considerados multirraciais como o Canadá, os Estados Unidos de hoje, a Cidade-Estado Singapura que conseguem grande progresso econômico e social. E ressalte-se que nos meios científicos, incluindo as “ciências humanas”, o conceito de raça perdeu relevância em relação à etnia, mas a discussão prossegue.
   
O Canadá tem como línguas oficiais o inglês e o francês, 67,3% da população de cristãos, sendo 38,7% da população canadense de católicos, 23,9% sem religião, de acordo com o senso de 2011.

Sua composição étnica é: ingleses (21%), franceses (15,8%), escocesa (15,2%), irlandesa (13,9%), alemã (10,2%), italiana (5%), chinesa (3,9), ucraniana (3,6), sendo que um terço considerou sua etnia canadense, segundo o senso de 2006 Canadá - Wikipédia, a enciclopédia livre, em https://pt.wikipedia.org>wiki>Canadá).

Com relação aos Estados Unidos da América, sempre uma referência, país de grande variedade geográfica e climática, assim como o Brasil, embora a sua composição religiosa seja de maioria protestante, pouco se diz sobre a contribuição de outros povos em seus primórdios.

A Louisiania até 1803 era francesa, a Flórida e outros territórios na Costa do Golfo foram cedidos pelos espanhóis em 1819, após diversas incursões militares, o Texas foi anexado em 1845 e a Califórnia conquistada com a Guerra Mexicano-Americana (Estados Unidos-Wikipédia, a enciclopédia livre, em https://pt.wikipedia.org>wiki.Estados Unidos).

New Orleans foi fundada por franceses que migraram da Nova Escócia, no Canadá e ali se estabeleceram em 1755, em decorrência de guerras religiosas entre França e Inglaterra. A cidade era cosmopolita, multicultural e poliglota. Além dos franceses, para lá emigraram alemães, irlandeses e posteriormente italianos (Nova Orleães-Wikipédia, a enciclopédia livre, em https://pt.wikipwdia.org>wiki>Nova). E esta confluência de povos, juntamente com a população negra escrava e livre, contribuiu para o nascimento do Jazz.

Pouca atenção se dá a importância dos holandeses e principalmente dos judeus para a banca da cidade de Nova York, e dos judeus sefarditas que saíram do Brasil quando houve a expulsão dos holandeses, fugindo das perseguições religiosas e se dirigiram e se estabeleceram na cidade de Nova York (inicialmente Nova Amsterdã), nos primórdios de sua fundação. Bem como a contribuição dos judeus para a indústria cinematográfica de Hollywood.

Outrossim, no continente europeu existem diversos países com a mesma latitude e diferentes graus de desenvolvimento econômico, tendo os países mais ao sul (excluindo Itália) e ao leste em graus mais baixos.

Quanto ao tamanho dos países como fator de desenvolvimento basta comparar os pequenos países da América do Sul e Central com os países europeus com tamanhos e populações semelhantes. Comparar os Estados Unidos da América com grande extensão territorial e uma população de 318 milhões e a Alemanha com 83 milhões com o Brasil com enorme extensão e 220 milhões. 

Voltando a Weber, cito o autor sobre as diferenças de atitude entre os protestantes e católicos:

“A explicação desta diferença de atitude deve pois ser procurada nos traços de caráter intrínsecos e permanentes das duas  confissões e não apenas nas respetivas situações histórico-políticas, temporárias e exteriores” (p. 33).

Depois de elencar as virtudes mencionadas por Benjamin Franklin em sua autobiografia resume:

“Trata-se, pelo contrário, do summun bonum desta ética: o ganho do dinheiro, e de cada vez mais dinheiro, com a mais estrita abstenção de todos os prazeres simples, tão completamente despido de todas as perspetivas eudemonistas ou mesmo hedonistas é de tal modo considerado um objetivo em si que em comparação com a <<felicidade>> ou o <<proveito>> do indivíduo parece algo de completamente transcendente e puramente irracional. O ganho é considerado como o objetivo da vida do homem, e já não como meio de satisfazer as suas necessidades materiais” (p. 42). 

Para objetar tais proposições cito incialmente Darcy Ribeiro:

“Também se fala da religião católica como um defeito, sem olhos para ver a França e a Itália, magnificamente realizadas dentro dessa fé” (Ribeiro e, “O Brasil como problema, p. 46).

Nessa mesma linha poderíamos acrescentar o Japão. O Império Austríaco, predominantemente católico romano (o cristianismo foi introduzido por Carlos Magno), conseguiu grande progresso econômico e a Áustria tornou-se uma grande potência na Europa. Posteriormente formou-se o Império Austro-Húngaro (1867-1918), com grande peso na economia e política europeia, dissolvido após a 1ª Grande Guerra. 

“Na época em que sociedades católicas como França, Itália, Áustria e o Sul da Alemanha Inglaterra se desenvolviam rapidamente, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o cristianismo, mais do que o protestantismo, tornou-se a cultura mágica. Até o Japão se tornar rico, muita gente pensava que o Extremo Oriente não se tinha desenvolvido por causa o confucionismo” (Chang, “As nações...”, p. 225).

Ainda:

Há um certo paralelismo entre estas atitudes face ao trabalho e certas posturas protestantes e católicas sobre a matéria. Isso não significa, porém, que as respectivas religiões tenham representado um papel causal na implantação dos respectivos comportamentos e sim que cada qual sustentava o sistema vigente nas sociedades em que predominava: mais maduramente capitalistas, no caso dos protestantes, e mais atrasados e aristocráticos, no caso das católicas.
Mais do que o fator religioso em si mesmo, representou um papel moderador dos povos americanos e um motor de diferenciação, o caráter das igrejas que catequizavam o Novo Mundo. A católica, conduzida às Américas no enquadramento dos impérios mercantis-salvacionistas em que se haviam transformado Espanha e Portugal pós-muçulmana. E as protestantes, como seitas comunitárias livres, dentro do enquadramento de formações socioculturais “Capitalistas-Mercantis” (Ribeiro em “Configurações histórico-culturais ...”, p. 53/54).

Talvez, uma das grandes evidências sobre o confronto entre ciência e este poder onipresente da igreja católica, conhecido por todos, seja a renúncia de Galileu Galilei às suas descobertas.

Além disso e de todas as demais críticas, convém lembrar que existem sérias dúvidas sobre se a Igreja Anglicana da Inglaterra pode ser verdadeiramente considerada protestante, admitindo-se que nela coexistem princípios doutrinários católicos e protestantes.

Hoje bem sabemos que os princípios do trabalho árduo, da frugalidade e a pontualidade e retidão nos negócios (honestidade), ressaltados por Benjamin Franklin, e que para por Weber representa o ethos do capitalismo, é uma falácia e que a própria vida de Franklin não confirma em seus diversos momentos seu caráter ético, pelo menos para os dias atuais (sobre o assunto consultar Larry Flint& David Eisenbach em “Sexo na Casa Branca”).

Todas as asserções morais de Franklin têm um cunho utilitário: a honestidade é útil dado que traz crédito; o mesmo se passa com a pontualidade, a aplicação ao trabalho e a frugalidade, e por isso são virtudes” (p 41).

Não ficou bem claro na obra do eminente sociólogo se a ética protestante é um pré-requisito para o desenvolvimento das relações capitalistas de produção, ou o contrário, mas se considerarmos que a Reforma se deu em um momento bem anterior ao deslanche do “capitalismo propriamente dito” poderíamos conceber que a ética protestante para o autor se antecipa e pavimenta os caminhos para a economia capitalista moderna.

Entretanto, bem se sabe que o sistema feudal não foi estraçalhado por uma mudança apenas religiosa, nem muito menos estritamente econômica, mas por uma transformação socioeconômica que em muito ultrapassa apenas um dos aspectos da cultura (sobre o assunto consultar Hilton Japiassú em “A revolução científica moderna”).

Nas palavras de Japiassú:

“Por isso, não podemos explicar esse novo saber apenas pelas exigências econômico-industriais. Mediações socioculturais também desempenharam um papel importante. As mais significativas foram o realismo e o racionalismo próprios aos novos empreendedores. Na formação desse realismo e desse racionalismo, as práticas e os hábitos mentais típicos do capitalismo tiveram um papel relevante. Em seguida, essas atitudes adquiriram dignidade cultural própria e difundiram-se em todos os setores da vida intelectual” (em “Como nasceu ..., p. 115).

Ainda:

“Portanto, em nome do realismo histórico, não podemos negar a importância das mentalidades, das atitudes e das visões do mundo (das ideologias) como fatores mais ou menos invisíveis atuando no Progresso da ciência e da indústria” (idem p. 299).
    
Ora, em diversas passagens da introdução de sua obra, Weber reconhece a importância do Renascimento para o nascimento da “cultura racional”, fundamento para a economia capitalista:

“Maquiavel tem precursores na Índia, mas todas as teorias do Estado asiáticas faltava uma sistematização semelhante de Aristóteles, bem como os conceitos racionais” (p. 12).

“Mas só no ocidente existiu a música harmônica racional –tanto o contraponto coma harmonia - a, composição musical com base nos três trítonos, a nossa cromática e a nossa harmonia, que não se baseiam nas distâncias, mas que desde o Renascimento se expressam de forma racional ...” (p. 12).

"Do mesmo modo, também não se encontra, embora os seus princípios técnicos básicos tenham sido colhidos no Oriente, a solução do problema da cúpula e o tipo de racionalização “clássica” da arte na sua totalidade – na pintura através da utilização racional da perspectiva linear e aérea –, criados pelo Renascimento” (p.13).

Ora, se no passado as relações capitalistas estavam por nascer, nos dias atuais muitas das sociedades “subdesenvolvidas”, ou, como queiram, não desenvolvidas, estão predominantemente dominadas pelas relações de produção tipicamente capitalistas, como é o caso do Brasil.

Portanto, estamos diante de um ponto de inflexão. Não se trata mais da questão de se estabelecer condições para o desenvolvimento das relações capitalistas, mas em dar um salto de qualidade em direção a um novo status de desenvolvimento, comparativamente com as nações mais prósperas, eliminando o grande GAP entre as nações, permitindo que os países subdesenvolvidos desenvolvam suas potencialidades, não só econômica, dentro de um sistema capitalista internacional, sem se sujeitarem a um domínio tão escorchante. 

O “subdesenvolvimento” é um fenômeno novo, fruto das relações capitalistas internacionais. A sua percepção e a tentativa de teorizá-lo se dão a partir da metade do século XX. Não foi previsto por qualquer teoria econômica ou social. Nem sequer se anunciava quando Weber redigiu a sua obra, tanto que a sua preocupação era com o ambiente que favorecesse o “desenvolvimento” das relações capitalistas.

Vivemos em um momento histórico totalmente distinto. Estamos diante de uma realidade total e relativamente nova, completamente diferente da dos países que inicialmente estabeleceram relações de produção capitalistas.

Além de poucas, estas nações foram pioneiras e se lançaram ao expansionismo e à conquista de novos territórios. Competiam entre si em relativas condições de igualdade. Eram belicistas, criaram colônias para impulsionar o seu dinamismo, garantir mercados, criar mercados cativos, garantir o suprimento de matérias primas, eliminar possíveis concorrentes, desmantelar os óbices que se opunham à expansão, impor sua nova cultura. Portanto, possuíam um campo relativamente aberto à expansão, usando seus respectivos poderes bélicos.

Nos dias atuais muitos dos obstáculos a transpor são aqueles criados pelos próprios países desenvolvidos no campo político, institucional, econômico, financeiro, ideológico.

Criaram-se novos mecanismos como as barreiras alfandegárias mais sofisticadas, que não as simplesmente tarifárias, controlando as exportações dos países subdesenvolvidos.
 
Os países “subdesenvolvidos” têm que encontrar os seus espaços e competir com as nações que se encontram melhor aparelhadas nas áreas científica, técnica, financeira, social, educacional, organizacional e institucional. Suas empresas nascentes têm que competir com grandes corporações internacionais, instaladas em centenas de países, que de longa data controlam os canais de distribuição, através da inovação, da propaganda, da influência política, dos acordos e de maior acesso ao mercado financeiro.

As descobertas científicas e inovações tecnológicas estão amparadas em cooperações entre estas grandes corporações internacionais e órgãos e instituições governamentais.

Dito isto, os desafios que se colocam aos países subdesenvolvidos para transpor este momento histórico requerem soluções diferentes. Estes já não podem lançar mão das armas para estabelecerem colônias que permitam alavancar o desenvolvimento. Têm que conquistar espaços econômicos já ocupados, deslocando poderosos concorrentes, melhores aparelhados.

Isto não quer dizer que um país não possa lançar mão dos mecanismos e instrumentos utilizados no passado pelas nações que inicialmente desenvolveram as relações de produção capitalista. Muitos deles ainda são úteis, mas apenas para dar um exemplo a investigação científica e tecnológica, necessária para se alcançar um grau de desenvolvimento econômico-social compatível com os países mais desenvolvidos, se faz hoje em grande escala, com incentivos públicos, com cooperação entre universidades e as grandes empresas, com levantamento de fundos no mercado financeiro.

Não mais existe o cientista e pesquisador individual, mas sim grupos de pesquisa que atuam compartilhando os seus trabalhos com órgãos do governo e universidades.  

Outrossim, não podemos relegar a importância das empresas multinacionais no controle, difusão e avanço de novas tecnologias de produtos e bens de capital e consequentemente a sua contraparte política.

Em resumo, os mecanismos e instrumentos utilizados no passado adquiriram um novo peso em sua combinação, frente às novas mudanças.

2) O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SUAS FASES

2.1) A FASE DO PLANEJAMENTO

A fase do planejamento é aquela que trata dos aspectos teóricos, dos objetivos a serem traçados e dos caminhos a serem seguidos para alcançar os resultados satisfatórios.

Partindo-se de uma realidade política, econômica e social os idealizadores traçam os seus planos de forma mais condizentes com estas realidades de forma a viabilizar o projeto. O plano tem que ser “teoricamente” viável, por isso deverá haver um levantamento da situação do país. Evidentemente que pode não ser viável por critérios de avaliação das prioridades e até mesmo por questões ideológicas.

Não raro o país já se encontra dentro de problemas sociais, econômicos e políticos e o planejamento se dá num momento posterior a um golpe militar, que em princípio terá que criar as condições sociais necessárias para fazer validar posteriormente o planejamento.

Então, já encontramos aqui o primeiro problema. O planejamento deverá ter um respaldo político sem o qual não conseguirá dar os passos seguintes no tocante à implantação.

Ora, também ao nível de planejamento é importante estabelecer tanto os objetivos quanto as alternativas ou os caminhos a trilhar. E estes se encontram como que impregnados pelas ideologias dos diversos grupos políticos-ideológicos que desejam fazer prevalecer as suas concepções.

Portanto, a liderança política terá primeiramente que ultrapassar o aspecto teórico do planejamento para por em prática aquele plano que esteja em conformidade com os seus ideais.

O grande problema é que as ideologias obscurecem as dificuldades reais e principalmente as alternativas para trilhar o caminho para o desenvolvimento, que deverão ser validadas legalmente.

Então temos inicialmente uma trilogia: poder (liderança) político, planejamento (vinculado à ideologia), legalidade. A liderança política pode se estabelecer pela força, como, por exemplo, um golpe militar, apoiado ou não por forças estrangeiras, por um regime não necessariamente militar, ou então por vias democráticas como aconteceu com a Noruega e Finlândia.

Ao nível do planejamento temos um embate sério entre pelo menos duas principais correntes econômicas opostas, qual seja  a corrente liberal de pensamento econômico defendida e propalada pelos países mais desenvolvidos e endossada pelos Organismos Internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC e outros), que afirmam ser o livre comércio, a movimentação livre dos capitais, com os seus desdobramentos (privatizações, desregulamentações) os meios adequados que levam automaticamente ao desenvolvimento econômico.

Ora, os países desenvolvidos e os organismos internacionais (controlados por eles técnica e politicamente) envidarão todos os esforços para fazer prevalecer as suas concepções econômicas, através de coalizões com forças políticas oponentes e pressões econômicas, diretamente e/ou por meio desses organismos internacionais.

Sendo uma versão da “mão invisível” de Adam Smith, esta corrente liberal preocupa-se basicamente com os aspectos econômicos da sociedade.

Mas, não são apenas as dificuldades das relações econômico-sociais, mas também as que se encontram mais especificamente no plano econômico, assim como no plano social.

Dentro de uma realidade econômica-social, os planos econômicos têm que traçar objetivos condizentes com esta realidade tendo em vista os objetivos almejados.

Estes deveriam ser em princípio “teoricamente” ou pragmaticamente viáveis, de forma a criar um ambiente político e social propício à execução. Daí porque as exortações ideológicas poderão ser importantes.

Quando opostos à corrente liberal, os planos econômicos têm que escolher quais os setores que devem dar suporte às mudanças econômicas, quais os que devem ser amparados e estimulados, focar as sinergias, estabelecer como devem ser financiados os setores prioritários, conceber planos de importação e exportação, importações de tecnologia, avaliação das dotações de recursos naturais, criar e fomentar fortalecer a infraestrutura adequada, contornar a escassez de divisas, estabelecer regras para a atuação das empresas multinacionais e na movimentação do capital financeiro e assim por diante.

Quanto ao aspecto social deverá priorizar e criar um ambiente legal e institucional que dê amparo à execução do plano, estimular a “educação” em áreas técnicas condizentes com os objetivos econômicos almejados, estimular a criatividade, melhorar a infraestrutura, combater as doenças, as epidemias e a desnutrição que afetam em sua maioria as crianças, mudar a mentalidade da população para uma nova realidade através da educação e propaganda.

2.2) A FASE DE EXECUÇÃO

Entretanto, este aspecto estritamente teórico é apenas o primeiro passo e não resolve os problemas. O país deve se defrontar e se mover dentro de uma realidade econômica-social, que inclui tanto fatores internos quanto externos, quais sejam as relações econômicas e políticas internacionais (divisão internacional do trabalho, acordos e tratados econômicos internacionais, relações com organismos internacionais que dão suporte a estes acordos e estabelecem regras de conduta em casos de conflito e necessidade de ajuda).

O que estou querendo ressaltar é que dentro de uma realidade política-econômica-social cada país se defrontará com obstáculos que poderão travar os objetivos teoricamente traçados, que não são apenas econômicos, mas, em muitos casos, principalmente, políticos, sociais e institucionais. E estes obstáculos encontram-se tanto no nível interno como externo.

Outrossim, como estas barreiras repercutem no sistema econômico agravam a situação social do país aparenta-nos como um problema estritamente econômico.

O que os leitores devem ter em mente é que os planos econômicos-sociais para se concretizarem devem estar amparados politica, ideológica, legal  e institucionalmente.

Conforme vimos, até mesmo a aprovação dos projetos ou planos se dá a este nível, quer o país esteja num regime ditatorial ou não.

Contornar, romper, enfrentar e estabelecer novos acordos internacionais, enfrentar, contornar, derrubar as barreiras políticas e sociais internas, através ou não da força, sufocar revoltas, acomodar interesses antagônicos, encontram-se mais especificamente na fase de implantação (execução) dos projetos.

A mudança no status quo fere de morte interesses políticos e econômicos dominantes já estabelecidos, que controlam a vida econômica, política e social do país e que passarão a ocupar um papel secundário e subsidiário diante da nova realidade social.  E estes interesses não se encontram apenas no nível interno, mas também a nível externo em decorrência, em outras, da divisão internacional do trabalho e dos acordos firmados.

A título exemplificativo, na fase de execução o país poderá se defrontar com os seguintes obstáculos:

1) no campo internacional: pressões políticas, econômicas e ideológicas dos países e organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC), com dificuldades de acesso ao crédito internacional, às tecnologias, às mercadorias necessárias; pressões para a abertura de mercado às empresas multinacionais; penalidades impostas; bloqueios às exportações (barreiras tarifárias e não tarifárias); pressões políticas, ideológicas e econômicas às privatizações e desregulamentações dos mercados financeiros; apoio militar às forças oponentes;

2) no campo interno: resistência política e ideológica dos setores tradicionais e das instituições, descontentamento social e instabilidade política; retrocesso nas medidas econômicas; conjuntura política e econômica internacional desfavorável; legislação ineficaz e dificuldades em cumpri-las, tanto pelos órgãos jurisprudenciais quanto pela inoperância repressiva; escassez de divisas, falta de crédito; falta de coordenação entre os setores econômicos e entre estes e os fatores socioculturais, como por exemplo a educação e a saúde; falta de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico; desorganização do setor produtivo; escassez de produtos básicos em decorrência das mudanças econômicas e boicotes à produção por setores insatisfeitos (com apoios internacionais como aconteceu no Chile de Allende); estabelecer regras para a  atuação das empresas multinacionais (na formação de joint ventures com o capital nacional, setores em que podem atuar, incentivos e acordos para a cooperação e transferência de tecnologia, etc).

Em determinados momentos históricos os países que almejam o desenvolvimento econômico poderão se encontrar em situações mais favoráveis para a realização de seus planos. Por exemplo, quando surgem novas forças no cenário internacional ou estas forças estão em conflito, o país pode buscar novas alianças que lhes sejam mais favoráveis.

Evidentemente, não se pode prever e nem esperar o momento em que estas novas configurações sejam favoráveis, mesmo porque elas estão sempre em mutação. O que ressalto é que elas podem favorecer ou não.

Imaginem os leitores que as opções durante a era da Guerra Fria eram diferentes dos momentos atuais. Da mesma forma, tentar alçar o desenvolvimento nos dias de hoje parece mais difícil do que na fase inicial do capitalismo.

E a mudança que ocorreu na Coréia do Sul se deu num cenário de Guerra Fria, com a União Soviética expandindo a sua influência e ideologia, a vitória do Partido Comunista comandado por Mao Tsé Tung, nos finais da década de 40 e a guerra da Coréia, quando a Coréia do Norte descumprindo acordos atravessou o paralelo 38 para anexar o sul do país, desencadeando posteriormente o conflito.

Estes acontecimentos foram cruciais para uma guinada geopolítica por parte dos E.U.A. na Ásia, que, inclusive, teve sérias repercussões no andamento da política econômica do Brasil, conforme já comentei em artigos anteriores.

Interessava aos Estados Unidos conter a ameaça da Coréia do Norte e dos outros países comunistas da região que lhes davam apoio, fortalecendo o capitalismo nos países asiáticos, inicialmente com um apoio estratégico e político-econômico ao Japão.

Segundo Marshall:

“[...] mas o que lhes faltou compreender foi que os americanos sabiam que, se não fossem em auxílio de seu aliado sul-coreano, os seus outros aliados, em todo o mundo, perderiam a confiança neles. E, se os aliados da América, no auge da Guerra Fria, começassem a alargar as suas opções ou a passar para o lado comunista, toda a estratégia global seria posta em causa” (p. 188).

Com a Guerra da Coréia o governo americano salvou da bancarrota a Toyota, encomendando veículos e flexibilizou a política econômica do Japão em relação aos Zaibatsus (conglomerados industriais/financeiros), cujo objetivo inicial era  dissolvê-los.

Com o fim do Império Otomano, estes aspectos geopolíticos foram importantes para a divisão do Oriente Médio em espaços geográficos, por parte das potências ocidentais, “construindo” artificial e arbitrariamente países, indicando as lideranças e governantes alinhados, de acordo com os seus interesses, sem respeito às etnias locais e suas respectivas culturas.

“Em 1916, o diplomata britânico Coronel Sir Mark Sykes pegou um lápis de cera e desenhou uma linha tosca cruzando um mapa do Oriente Médio. A linha ia de Haifa no Mediterrâneo, no que hoje é Israel, até Kirkuk (agora Iraque), a nordeste. Tornou-se a base do seu acordo secreto com o homólogo francês, François Georges-Picot, para dividir a região em duas esferas de influência, ... .

 O termo <Sykes-Picot> tornou-se um símbolo das muitas decisões tomadas no primeiro terço do século XX, que traíram promessas feitas a líderes tribais e explicam parcialmente a agitação e o extremismo de hoje” (Marshall, p. 131).

Não menos importante foi o papel da Alemanha apoiando a independência da Eslovênia e a Croácia na dissolução da Jugoslávia, de acordo com o major-general Carlos Branco,  observador militar da ONU:

“A Alemanha coagiu ou, se quisermos, chantageou os restantes membros da Comunidade Europeia (CE): ou o fim da Jugoslávia ou o fim da CE.

Com a implosão da Jugoslávia, o Governo alemão passava a poder incluir a Croácia e a Eslovênia, antigos aliados na II Guerra Mundial, na área de seu “interesse vital” e, simultaneamente, conseguir o acesso ao Mar Adriático.

As independências da Eslovênia e da Croácia revestiam-se de um significado muito especial: pela primeira vez, no pós II Guerra Mundial, a Alemanha tomava iniciativa política e impunha a sua vontade aos seus parceiros” (pgs 58/9).

“Um exame desapaixonado do conflito da antiga Jugoslávia tem necessariamente de ter em consideração o papel desempenhado pelos atores externos, nomeadamente o grupo de países que do ponto de vista geoestratégico mais beneficiou com a sua implosão” (p. 269).

No que diz respeito à importância tanto da história quanto aos fatores estritamente culturais como preconceitos sexuais, étnicos e religiosos basta lembrar os conflitos étnicos no Oriente Médio, Norte da África (Líbia, Tunísia), África subsaariana (especificamente Angola).

Entretanto, não menos importantes são as observações do major-general Carlos Branco na Guerra dos Balcãs:

“Era normal os oficiais croatas bósnios fazerem saudações nazi (“Heil”). Como também era normal os militares do Exército croata da Bósnia usarem a bandeira alemã em seus uniformes, o que denunciava a sua proveniência” (p. 53).

Em decorrência destes laços históricos culturalmente enraizados não seria surpresa outros comportamentos:

“Como as clivagens na Bósnia eram étnicas e sobretudo religiosas, para não ferir suscetibilidades, deviam-se evitar patrulhas constituídas apenas por Observadores Militares oriundos de países muçulmanos ou de países cristãos (Branco, p. 54).

Apesar dos acordos que tinham tornado Mostar numa zona desmilitarizada sob administração europeia, os sentimentos predominantes entre croatas e muçulmanos continuavam a ser de desconfiança e ódio (idem, p. 53).

K. desfilava ódio aos muçulmanos, um tema corrente em nossas conversas. Nunca se inibiu nas suas considerações pejorativas sobre os seus “concidadãos” muçulmanos (p. 61).

Nem os croatas bósnios abdicavam do seu projeto de integração na Croácia, nem os muçulmanos do seu projeto hegemônico em relação às restantes etnias bósnias (p. 65).

E quando os sérvios abriram fogo contra os muçulmanos, “do topo da elevação”, os soldados croatas não ajudaram os seus “aliados” muçulmanos e “começaram as hurras e aos pulos de jubilo” (p. 64).

Os curdos no Oriente Médio têm sua própria cultura, não formam um estado reconhecido, e se alojam nas fronteiras do Iraque, Síria e Turquia, “desfazendo” as fronteiras artificialmente constituídas, sofrendo perseguições dos governos destes países.

São do conhecimento geral as turras em que vivem xiitas, sunitas, alauitas, incluindo a monarquia teocrática da Arábia Saudita adepta do ramo sunita wahhabismo, que financia a “Al Qaeda”.

Mudando as vistas para a África cito novamente Marshall:

“Os conflitos étnicos dentro do Sudão, da Somália, do Quênia, de Angola, da República Democrática do Congo, da Nigéria, do Mali e de outros locais são a prova de que a ideia europeia não se enquadrou na realidade demográfica africana. [...] Mas o colonialismo forçou a resolução desses desentendimentos dentro de uma estrutura artificial – o conceito europeu de estado-nação” (p. 112).

Estes aspectos culturais, históricos e geopolíticos se entrelaçam sendo impossível fazer um diagnóstico preciso da influência de cada um deles.

Para uma melhor avaliação sobre o tribalismo no Oriente Médio e África do Norte, me socorro com Guidère. Nas sociedades tribais prevalecem os sentimentos de fidelidade, lealdade e obediência/submissão ao chefe tribal, “xeque”, de relações de parentesco, do papel da religião, de alianças entre tribos, que dão suporte às relações de força e poder, de hierarquização do poder e de tradições herdadas do passado.

Nestas regiões (países artificialmente constituídos) as estruturas e representações mentais estão desassociadas dos símbolos e representações ocidentais, como Estado-nação, cidadania, partidos políticos, direitos humanos, sociedade civil, democracia. Desta forma, estas representações são vazias de significado, tendo em vista que não fazem parte conceitual da realidade vivenciada, “ancoradas no imaginário coletivo e nas práticas populares” (Guidère, p. 42). Por este motivo um chefe tribal é mais importante do que um Ministro ou Chefe de Estado.

“Por <tribalismo> é necessário compreender o espírito de pertença à mesma linhagem, as alianças entre famílias, a lealdade para com o clã, a submissão ao chefe (Guidère, p. 118). 
   
A noção de cidadão é vazia de conteúdo porque, através do sentimento de fidelidade, ou de pertença, o indivíduo vê-se como sujeito a outro indivíduo, ... .” (Prefácio, p. 12).

Segundo ainda o autor, especificamente, no caso da Líbia:

“[...] Kadhafi nunca tentou criar um Estado-nação. Ele administrou sempre o país sem ser um verdadeiro Estado. Assim, na Líbia não existem <cidadãos> nem <sociedade civil>> no sentido ocidental dos termos. Não existe verdadeiramente um << exército>>, mas um <<povo em armas>> ou seja, milícias constituídas por membros de tribos aliadas e dirigidas pelos seus próprios filhos” (p. 118).

Kadhafi ainda feriu o sentimento e a autoridade dos chefes tribais quando desrespeitou o Alcorão, pregando o socialismo e o ateísmo (p. 121).

Angola é um exemplo típico. Um caso em que se confundem história e preconceitos étnicos. No período colonial formou-se nos portos costeiros, principalmente em torno de Luanda, uma categoria multirracial chamada de “crioulos”, constituída por brancos, negros e mestiços, que participava do tráfego negreiro, e se distinguia das demais etnias da região (hoje país), por falarem o português fluente, ocuparem os cargos públicos importantes e serem alinhados com Portugal .

Com a independência (1975) do país esta categoria manteve o monopólio do poder, governando a partir da capital Luanda, ditando as regras de conduta, hábitos e visão do mundo, usufruindo das relações políticas com o partido-estado e participando através dessas relações da corrupção, em detrimento das demais etnias, apelidando-as de selvagens.

Nas palavras de Oliveira:

“Analisados em retrospectiva, estes bastiões do poder português, que permaneceram sob ocupação permanente, poderão parecer frágeis, mas o certo é que haviam de constituir o embrião para a posterior conquista do interior, mantendo-se até hoje, o epicentro político e econômico de Angola. Assim, nunca é demais insistir na sua importância para a sua importância para a história de Angola (p. 26).

Angola foi, no entanto, o único território onde este grupo teve um papel determinante na constituição da elite pós-colonial, e só aí a sua cultura muito específica veio a definir a nação(p. 27).  

As dinastias comerciais do litoral na época que precedeu a Partilha de África haviam-se transferido para a administração pública, que marcou o contexto e a mentalidade da elite angolana no período pós-colonial” (p. 195).

Este estilo de vida faustoso da elite, que poderíamos designar de oligarquia-burguesa, traz para estes angolanos associados às benesses do governo, traz hábitos e comportamentos dissociados do trabalho.

“Conforme afirma um executivo, a falta de capacidade e, possivelmente, a indisponibilidade de aprender demonstrada pelos angolanos traduz-se em <boas e inúmeras oportunidades de negócio> para si e para seus concorrentes.

A elite angolana não só se mostra despreocupada em relação à sua presença, que tão bem controla (destaco: em virtude dos vínculos estreitos com o poder), como a incentiva (idem, p. 119). 

É que a elite angolana detém o controle incestuoso de acesso ao poder, e consequentemente aos negócios, associados, partilhados e administrados por estrangeiros com competência. Aos muitos angolanos interessam “o estilo de vida sumptuoso: festas, carros, um cortejo de amantes, etc”, forma como ascendem socialmente (Oliveira, p. 217).

“[...] os empresários angolanos raramente têm um papel ativo, se é que têm algum, na gestão de joint ventures com parceiros estrangeiros. Preferem comportar-se como proprietários em vez de gestores e recolher os seus dividendos ...” (p. 211).

Pelo que podemos deduzir das análises e comentários dos autores mencionados, podemos concluir que a história se enraíza no subconsciente social, moldando hábitos, sentimentos, atitudes, crenças e preconceitos.

No dizer de Oliveira:

“Em resumo, é fundamental conhecer a gênese histórica das instituições para compreender o seu percurso subsequente. Uma vez consolidadas, adquirem vida própria e são extremamente difíceis de ignorar. As instituições angolanas do período pós-colonial foram concebidas num momento delicado e coincidiram com fatores tão distintos como a independência, a guerra civil, o êxodo dos colonos, as invasões externas e a existência de uma população que não estava prepara para assumir a autogovernação” (p. 81).

Essas dissidências étnicas já existiam à época logo posterior a formação do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), com disputas pela liderança do partido, quando da assunção por Agostinho Neto. Também, após a independência, não faltaram purgas aos ex-companheiros. Sobre o assunto consultar Carlos Pacheco.

Ora, parece-me que ficou claro que os problemas socioculturais, incluindo neste o político, o ideológico, o legal, os hábitos, a visão do mundo, as crenças, a história e o institucional, podem emperrar o desenvolvimento do país na fase de implantação (execução e consolidação) dos planos teoricamente traçados. E estes são, o mais das vezes, os problemas com que o país deve se defrontar. 
 
Entretanto, por se tratar de um assunto que se coloca no plano prático, pois muitas barreiras surgirão no desenrolar do processo ou plano de desenvolvimento escolhido, fica impossível de prever os graus de dificuldades e as medidas políticas que deverão ser postas em prática para contorna-las.


3) A CULTURA E O DESENVOLVIMENTO

Em seu livro “As nações hipócritas”, Há-Joon Chang escreve:

“Como veremos daqui a pouco, é muito difícil definir as culturas de forma precisa. Mesmo conseguindo fazê-lo, não é possível concluir claramente se uma determinada cultura é inerentemente boa ou má para o desenvolvimento econômico” (p. 218).

“Na maioria dos argumentos culturalistas, no entanto, as culturas são definidas de forma muito vaga” (p. 219).

“Embora a cultura e o desenvolvimento se influenciem mutuamente, a causalidade é muito mais forte no sentido do desenvolvimento econômico para a cultura; em grande medida, o desenvolvimento econômico cria a cultura de que necessita. As mudanças na estrutura econômica alteram a forma como as pessoas vivem e interagem umas com as outras, o que por sua vez muda a forma como entendem o mundo e se comportam” (p. 233).

“Assim, para promover traços comportamentais favoráveis ao desenvolvimento econômico precisamos de uma combinação de exortação ideológica, medidas políticas favoráveis ao desenvolvimento econômico e mudanças institucionais que fomentem as mudanças culturais” (p.233/4).

Poderíamos continuar com mais citações, mas estas podem ser consideradas o cerne do pensamento do autor. E ele apresenta muita coerência ao arrazoar os seus tópicos.

Basicamente com estes argumentos o autor passa a criticar os “culturalistas” que inadvertidamente realçam diversos aspectos da filosofia confucionista como indispensáveis ao sucesso econômico, demonstrando que a doutrina de Confúcio também contem aspectos que poderiam ser considerados entraves ao desenvolvimento.

Mas será que cultura é apenas isto? Ou estamos discutindo apenas um ou poucos aspectos tradicionais do que se considera cultura?

Segundo o autor “é muito difícil definir cultura de forma precisa” e mais ainda “concluir se uma determinada cultura é boa ou má para o desenvolvimento econômico”.

Ou seja, para o autor temos que afastar o conceito de cultura porque ele em nada contribui para o esclarecimento do desenvolvimento econômico e social. É como se a cultura fosse relativamente neutra ou moldável em relação ao desenvolvimento econômico. Portanto, ela, em si, conforme a sua crença em qualificar ou desqualifica-la, não poderia ser obstáculo nem incentivo ao desenvolvimento econômico. 

Entretanto, conforme teremos oportunidade de comprovar, posteriormente, o autor não deixa de citar, como respaldo para o desenvolvimento econômico, diversos aspectos relacionados à cultura. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o autor afasta, em sua concepção, a importância da cultura para o desenvolvimento econômico não deixa de realçar a relevância de certos aspectos culturais, sem contudo dar-lhe uma conotação de cultura.

Pode parecer apenas um aspecto sem relevância, mas com este posicionamento não podemos responder a questão a que este texto propõe clarear, qual seja: “Obstáculos socioculturais ao desenvolvimento econômico”.

Ou melhor, como acredito que o conceito de desenvolvimento econômico está indubitavelmente associado ao conceito de desenvolvimento sociocultural, poderíamos colocar a questão sobre outra forma: as medidas consideradas “estritamente” econômicas tomadas (melhor dizer técnicas) em direção ao desenvolvimento econômico podem ser abortadas ou retardadas por aspectos culturais?

E aqui não se trata de que certas exortações sejam ou não favoráveis ao desenvolvimento econômico, mas, sim, se a cultura pode ser um entrave à busca do desenvolvimento econômico, em sentido teoricamente restrito.

A ideia de que a economia é o alicerce ou a infraestrutura da sociedade não ajuda a clarear a situação. Isto porque nos traz a conotação de que primeiro seria necessário implementar as medidas econômicas para posteriormente construirmos o arcabouço institucional, legal, político, ideológico, educacional (científico e tecnológico). Não estamos a falar de engenharia, construções de prédios.

E aqui cabe uma pergunta: como adotar medidas de caráter estritamente econômicas sem que haja pelo menos uma mudança ideológica, nas relações políticas, na lei e no aparato institucional? 

Estou convicto de que, nas condições atuais, de países subdesenvolvidos, não é possível implementar medidas econômicas direcionadas ao desenvolvimento sem que hajam mudanças ideológicas, nas relações políticas, na legislação, na interpretação jurisprudencial, no aparato institucional, na visão do mundo dos agentes sociais. 

Certo é que determinadas mudanças econômicas e técnicas levam também a mudanças nos hábitos, atitudes, comportamentos e até na visão do mundo, como largamente demonstra o autor. Mas em um estágio de subdesenvolvimento mais acentuado não podemos de antemão estabelecer que em todas as situações as mudanças se dão sempre nesta direção.

Na maioria dos países latinos a burocracia excessiva e a sua consequente inércia é mais um exemplo de como as instituições podem distorcer e contribuir para solapar o desenvolvimento econômico e social. Tomo com exemplo Portugal e o Brasil, suas tradições e heranças históricas, onde as burocracias são mais inertes em relação a outros países mais civilizados.

O que se busca é o desenvolvimento econômico, através de rupturas nas relações políticas, na ideologia, na legislação, nas condições socioculturais, porque com ele abrem-se perspectivas transformadoras na sociedade, tendo em vista que a riqueza permite conquistas sociais, como bem frisou Ha Chang:

“Finalmente, um orçamento do Estado limitado faz com que seja difícil ao Governo despender recursos na luta contra a corrupção. Para detectar e punir funcionários públicos desonestos, o Governo tem que recorrer (interna e externamente) a contabilistas e advogados caros. O combate à corrupção não é barato” (As nações ..., p. 196/7).

A esta altura seria interessante estabelecermos o que se entende por cultura. Entre as dezenas de conceito escolhemos, inicialmente, dois:

“É todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (Edward B. Tylor, em Cultura- Wikipédia, a enciclopédia livre, https://pt.wikipedia.org>).

Segundo o “Dicionário básico de filosofia” cultura é:

“o conjunto das representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social. Em outras palavras, é o conjunto histórica e geograficamente definido das instituições características de determinada sociedade, designando “não somente as tradições artísticas, científicas, religiosas e filosóficas de uma sociedade, mas também suas próprias técnicas, seus costumes políticos e os mil usos que caracterizam a vida cotidiana” (Margareth Mead, em Japiassú, p.61).

No primeiro caso temos uma definição bastante ampla e genérica que não deixa de incluir o conhecimento, a lei e as capacidades adquiridas pelo homem (que também podem ser técnicas e científicas). No segundo, mais específico, realçando tanto as tradições quanto as técnicas e seus costumes políticos.

Mas ambos podem levar a interpretação de que se trata de uma radiografia de uma sociedade em determinado momento histórico, algo estático, por assim dizer.

Entretanto, se as relações sociais são dinâmicas, a cultura não pode ser associada exclusivamente às tradições, porque as sociedades mais complexas estão sempre incorporando novos valores culturais. Da mesma forma nas sociedades que almejam o desenvolvimento econômico existirão diversas subculturas, um processo de introdução de uma nova subcultura com o objetivo de que venha prevalecer sobre as demais.

Tomando de empréstimo as palavras de Arruda Alvim, devemos conceber a cultura como um “conceito” aberto, não definido, sempre em processo de construção e mutação. Para transformar uma sociedade não precisamos estabelecer o seu conceito específico, mesmo porque a cultura incorpora até mesmo fatores imperceptíveis, que se apresentarão apenas em determinados momentos sociais e históricos:

“há ideias que, em si mesmas, dificilmente, comportam uma definição. Mais ainda, se definidas forem, seguramente – agora no campo da operacionalidade do direito – passam a deixar de ensejar, só por isso, o rendimento esperado de um determinado instituto jurídico que tenha sido traduzido por meio de conceito vago. Com os valores, que são ideias indefiníveis (aporias e, portanto, inverbalizáveis), o que ocorre é que devem ser indicados por conceitos vagos; não são nem devem ser propriamente conceituados, mas devem ser apenas referidos, pois é intensa a interação entre eles e a realidade paralela a que se reportam. Não há como fazer que fiquem adequadamente cristalizados num texto de lei, ou que sejam verbalizados de forma plena na lei posta” (p. 38, rodapé 44).

Portanto, não devemos valorizar em demasia a sua definição, pois corremos o “risco de exclusão de situações que poderiam estar ao abrigo do mencionado princípio”, ideia (p. 38). Por mais que se queira dizer da cultura será sempre pouco, porque a sua força também poderá surgir de e em situações inesperadas.

Entretanto, sem fazer qualquer diferença, mas com o objetivo de realçar outros aspectos, podemos dizer tratar-se de:

“um conjunto de regras, de comportamentos e concepções formais e informais (morais, hábitos, atitudes, costumes, mitos, símbolos), de manifestações e representações artísticas (música, dança, rituais, arquitetura), literárias, religiosas, filosóficas, de conhecimentos científicos e tecnológicos, adquiridos ou não por instituições educacionais e costumes legais, ideológicos, jurisdicionais, administrativos e políticos que regulam a vida social, sejam eles tradicionais ou em processo de transformação, ou inovação”.

Damásio destaca a importância dos sentimentos na evolução do homem e, consequentemente, da cultura, afirmando que "foram os catalisadores dos processos de interrogação, de compreensão, e de solução de problemas que melhor distinguem as mentes humanas do das outras espécies." (p. 27), enfim desse processo evolutivo. Pois, "Qualquer tipo de sentimento ou sensação, causados por acontecimentos reais ou imaginários, serviria de motivos e mobilizaria o intelecto.", (p. 31). Em suma, a cultura também molda os comportamentos humanos, bem como a biologia e a genética e isto é a causa do comportamento imprevisível dos humanos.  

Por seu turno a lei posta, por si só, não obra milagres e para surtir os efeitos desejados deverá ser operacionalizada e assimilada pela sociedade e instituições culturais, conforme nos adverte Ada Pellegrini:

“pois as leis, por si sós, e por mais avançadas que sejam, não são suficientes. Devem ser vivificadas pela prática de todos os dias os dias, devem ser aceitas e aplicadas pelo corpo social e pelos operadores do direito em particular, devem encontrar seu banco de prova na jurisprudência [...]. É preciso que o operador – o advogado, o membro do Ministério Público, o juiz – se aproxime dos dispositivos legais e os interprete com o mesmo espírito aberto com que eles foram cunhados. É preciso quebrar resistências, incentivar a mudança de mentalidades (nas Faculdades, nas Escolas de Advocacia, do Ministério Público, da Magistratura), manter os olhos postos na nova realidade, não incidir no erro fácil de interpretar a lei segundo princípios superados” (apud Alvim, p. 20, rodapé 5).
  
E não seria exagero introduzirmos a ideologia como mais um traço da cultura, porque ela está enraizada em todos estes comportamentos e atitudes, mesmo na sua vertente marxista, de concepção de “mundo invertido”.

“Conjunto de ideias, princípios e valores que refletem uma determinada visão do mundo, orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política” (Japiassú, Dicionário).

Portanto, temos um conceito bastante amplo que não realça apenas os aspectos tradicionais e não deixa de incluir as relações políticas, os conhecimentos científicos e as técnicas, a lei, as instituições e as ideologias e os incentivos materiais e informais, num processo constante de transformação social, associados a um conceito de homeostasia (Damásio).

E veja o leitor como o autor faz uso destes aspectos culturais com a finalidade de promover o desenvolvimento econômico, devendo-se destacar a concepção que ele nos traz de cultura e o seu papel:

“Assim, para promover traços comportamentais favoráveis ao desenvolvimento econômico precisamos de uma combinação de exortação ideológica, medidas políticas favoráveis ao desenvolvimento econômico e mudanças institucionais que fomentem as mudanças culturais” (p.233/4).

No Prólogo ao seu livro “As nações hipócritas” Chang nos dá um panorama de como se deu, o desenvolvimento da Coréia.

Mudanças políticas:

“Depois de ter chegado ao poder num golpe militar, em 1961, o general Park tornou-se <<civil>> e ganhou três eleições sucessivas. As suas vitórias eleitorais foram impulsionadas pelo êxito econômico do país através de seus Planos Quinquenais para o Desenvolvimento Econômico. [...] A meio desse terceiro mandato organizou o que os latino-americanos chamam de <<autogolpe>>” (p. 21).

Planos e medidas econômicas:

“O presidente Park lançou um ambicioso Programa de Indústria Pesada e Química (IPQ) em 1973. [...] Novas empresas foram criadas nas áreas de eletrônica, maquinaria, produtos químicos e outras indústrias avançadas” (p. 21).

Medidas econômicas e ideológicas:

“O Governo coreano também controlou fortemente o investimento estrangeiro, acolhendo-o de braços abertos em certos setores, e proibindo-o completamente noutros, de acordo com a evolução do plano de desenvolvimento nacional” (p. 28).

Econômica e institucional:

“O Governo detinha todos os bancos, para poder orientar o fluxo sanguíneo dos negócios – o crédito” (p. 28).

Educação:

“A obsessão do país com o desenvolvimento econômico refletia-se totalmente na educação. [...] Aqueles que desperdiçavam em coisas fúteis, como cigarros estrangeiros ilegais, eram <<traidores>>.” (p.21/2).

Ideologia:

“O Governo coreano não vergou o mercado, como fizeram os países comunistas. No entanto, também não tinha uma fé cega no mercado livre. Embora tenha levado os mercados a sério, a estratégia coreana reconheceu que em muitos casos eles têm de ser corrigidos por meio de intervenção política” (grifo meu, p. 29).

“Na verdade, os <<economistas de primeira escolha>> podem não ser muito bons para o desenvolvimento econômico, se tiverem uma formação neoliberal” (p. 250).

Estes são alguns dos aspectos socioculturais palpáveis cujas transformações deverão dar suporte, conjuntamente com as medidas econômicas, às mudanças em direção ao desenvolvimento econômico. Mas, existem outros aspectos socioculturais “intangíveis” que poderão, em interação com outros, dinamizar ou bloquear o desenvolvimento econômico e também o crescimento econômico.

Isto é que o distingue o forte capitalismo alemão em comparação com o francês e o italiano e o estímulo à cultura do “empreendedorismo” do capitalismo americano. E é também o que distingue o capitalismo brasileiro: patriarcal, populista, subserviente, sem compromisso com o risco, de baixa autoestima em relação ao estrangeiro, sem orgulho de suas conquistas.

O que pretendo dizer é que embora o Brasil tenha relações de produção capitalista existem certos aspectos culturais que contribuem para que as medidas relativas ao desenvolvimento econômico não surtam o efeito (resultado) desejado.

E estes traços culturais não são instantaneamente modificáveis, pois estão impregnados nas mentes de cada agente social,  simplesmente porque não tiveram outra referência. Por isso, é que se torna indispensável que a educação das crianças e jovens, que irão dar continuidade ao processo iniciado, não seja uma repetição e esteja de acordo com os novos valores culturais compatíveis com o desenvolvimento econômico.

Tem razão Ha-Joon Chang quando afirma que “é muito difícil definir o que é a cultura de um país”. Entretanto não devemos subestimar esses outros diversos aspectos socioculturais, mesmo que eles não sejam tão evidentes à primeira vista e sejam difíceis de prever se poderão ou não contribuir para as mudanças.

Já em um dos meus primeiros artigos sobre o tema (“Desenvolvimento e livre comércio”) escrevia:

“Valores como perseverança, determinação, esperança, eficiência, patriotismo, compromissos sociais, autoestima, coesão cultural e ideológica, criatividade, predisposição para o risco, etc, são “ingredientes” indispensáveis para fazer com que o país trilhar o caminho para o desenvolvimento econômico (acrescento, e social).

E dando seguimento a este assunto, nunca é demais lembrar que os investimentos estatais, em empresas públicas e de economia mista, foram administrados por apadrinhados políticos, que pouco se interessavam e não tinham quaisquer compromissos com os aspectos ligados ao desenvolvimento”.

E também transferiam para o Estado, através de conchavos políticos empresas falidas, ficando esse com os “elefantes brancos”, conforme expressão popular.

“Enfim, na fase atual do capitalismo, a criatividade, o empreendedorismo, a inovação, a invenção são também, ou principalmente, fatores psicossociais que requerem aprendizagem, orientação, instituições educacionais, amparo institucional (setor de pesquisa e desenvolvimento avançado, apoio financeiro), infraestrutura, externalidades, coordenação e um estímulo do meio social que condicionam a mentalidade dos indivíduos para um novo modo de pensar, de encarar o futuro sob uma perspectiva diferente. E estes estímulos não são apenas econômicos e financeiros.

Por trás da tecnologia, existem aspectos fundamentais das relações humanas, formais e informais, todo um sistema cultural, educacional, estrutura e cultura organizacional, resistências sociais à mudança, disciplina, compromissos, técnicas de comercialização, mudanças de hábito e atitudes, indispensáveis e adequadas ao seu funcionamento”.


Em “Em industrialização e desenvolvimento no Brasil – Aspectos sociais – 1930-1964”, comentários ao artigo de MaurícioCanêdo-Pinheiro e posteriormente em “A poupança, investimento, a falácia da poupança externa e outros aspectos do subdesenvolvimento”, procurei, contrariamente a crença geral, destacar como a Instrução Sumoc nº 113 trouxe reflexos negativos tanto no plano econômico quanto no psicossocial. No mesmo sentido, as divergências ideológicas que se refletiam no plano político e econômico. 


Entretanto, o que o autor não nos contou foi que a Coréia também beneficiou-se da guinda “geopolítica” dos E.U.A. após o término da 2ª Guerra Mundial, conforme nos conta Fiori em “História, Estratégia e Desenvolvimento – Os Milagres da Guerra Fria”.

“A despeito das diferenças históricas e políticas, Alemanha, Japão, Itália e Coréia  foram derrotados e destruídos – na Segunda Guerra Mundial ou na Guerra da Coréia e depois foram ocupados e transformados em “protetorados militares” dos Estados Unidos. Logo depois da guerra, a ideia americana era desmontar as antigas estruturas econômicas destes países, mas após o começo da Guerra Fria   e o fim da Guerra da Coréia, esse projeto inicial foi substituído por uma política diametralmente oposta de estímulo ao crescimento econômico, com forte apoio e  intervenção dos governos locais e dos próprios agentes econômicos e instituições privadas do pré-guerra. Por isso, pode-se dizer com toda a certeza que a lógica da   guerra fria pesou decisivamente na origem dos milagres econômicos e na transformação d’aqueles países em peças centrais da engrenagem econômica do poder global dos Estados Unidos, …....”  (p.83).

Muitos angolanos amedrontados, traumatizados e atormentados com os reflexos das brutalidades (torturas, assassinatos, miséria, insegurança) da guerra civil (1976-2002), que varou o país após a sua independência, preferem a viver em paz, à margem da sociedade, sem reivindicarem seus direitos e as melhorias de padrão de vida, que as rendas do petróleo possibilitam, mas que são desviadas e apropriadas pela alta cúpula do partido-estado (MPLA) e seus comparsas. Em 2002,com a morte de Savimbi deu-se por fim a guerra civil.

Metade da população vive abaixo do nível de pobreza (Burgis), o país ocupa a 150ª posição no IDH (ano 2014), num rol de 168 países, sendo considerado um dos treze países mais corruptos do mundo (ano 2016). A filha do presidente é considerada a mulher mais rica da África e uma das mais ricas do mundo.

Diversos líderes e altas personalidades do governo e da sociedade destes países “subdesenvolvidos” adquirem formação acadêmica nos países desenvolvidos, mas voltam a dirigir e administrar os seus países de acordo com os valores nativos, prevalecendo na elite o ethos  social hedonista, do dinheiro fácil, da devassidão (Oliveira).

Conforme foi salientado no tópico anterior, fatores históricos, geopolíticos e socioculturais (preconceitos étnicos, visão do mundo) concorrem para estas distorções.

A nossa herança cultural (Brasil) ainda persiste nos dias atuais. E não por acaso muito da nossa burocracia também vive na sociedade portuguesa.

Fato é que as transformações que se desejam se dão “quase sempre” por uma “liderança” política e ideológica e nunca pelas bases da pirâmide social. Este fato mostra sim que as tradições podem frear o desenvolvimento se as lideranças não tiverem força, persuasão e apoio suficiente para implantar tais transformações, muitas vezes a contragosto de diversas camadas da população e isso está associado aos fatores socioculturais, à “cultura”. Foi assim na Alemanha com Bismark, nos E.U.A. com os “The Founding Fathers” e no Japão com o Imperador Meiji, que derrubou o Xogunato.

Não devemos esquecer que a forma como estas “lideranças” conduzem o processo diz muito sobre os aspectos socioculturais do país, inclusive a sua “história”. Um país que tenha fortes tradições históricas de conflitos marcantes tanto internos quanto externos deverá ter maiores dificuldades de trilhar este caminho de forma pacífica. Por este motivo é que as transformações implantadas pela Noruega e Finlândia foram diferentes das da Coréia do Sul e as transformações na China estão acontecendo sob um regime de força.

Segundo Chang:

“Em outubro de 1979, quando eu era um estudante do ensino secundário, o presidente Park foi assassinado inesperadamente pelo chefe de seu próprio Serviço de Inteligência por descontentamento popular crescente relativamente à sua ditadura e à crise econômica após o segundo choque do petróleo. Seguiu-se uma breve <<primavera de Seul>>, com esperança democrática a florescer. Mas ela foi brutalmente eliminada pelo governo militar seguinte, liderado pelo general Chun Doo-Hwan, que tomou o poder após duas semanas [...]” (As nações ..., p. 24).

Após o término da 1ª Guerra Mundial o antigo Império Otomano foi desmembrado e o Oriente Médio dividido entre as nações vencedoras. Criaram-se, em função de seus interesses, nações fictícias, artificiais, sem respeitar as peculiaridades socioculturais da região. Esses fatores voltaram a influenciar a região de forma bastante dramática após a insurgência da Primavera Árabe. Diversos países encontram-se divididos entre facções adversas, cada qual colaborando e impondo a sua desordem.

Os conflitos na região continuam intensos, a ponto de dizerem que a “única coisa em que os árabes concordam é que não concordam em nada”.

“Contudo, o amálgama de etnias dificultou a criação de uma identidade nacional que sobrepujasse o clã, o espírito tribal e a solidariedade familiar. Conforme observou T.E. Lawrence, que organizou a revolta dos árabes contra o Império Otomano e despertou-lhes o nacionalismo na Primeira Guerra Mundial, os povos que habitavam o Oriente Médio eram dogmáticos, desprezavam a dúvida, não viam meios-tons, senão as cores primárias, o preto e o branco, nos seus instintos profundos e extremos ...” (Bandeira, A Segunda Guerra Fria, p. 246).

“E conquanto existissem diferenças históricas, sociais e políticas e suas estruturas de Estado e instituições fossem distintas, nunca houve consciência nem tradição democrática em nenhum dos países árabes, tal como se desenvolveu no Ocidente. [...]. Suas raízes históricas, políticas e culturais eram diversas das que determinaram o desenvolvimento da democracia na Europa e Américas” (idem, p. 244).

Em sentido contrário, a Noruega com a descoberta do petróleo no Mar do Norte na década de 60 promoveu um desenvolvimento econômico e social invejável. Mesmo com o petróleo representando 35% de suas exportações, diversificou sua economia, educou sua população, fez mudanças na infraestrutura do país de forma a dar aos seus cidadãos um nível de vida muito acima de todos os outros países que são também ricos em petróleo, medidos em pelo Índice de Progresso Social, tais como: Kuwait (45º), Arábia Saudita (65º), Venezuela (81º) e todos os demais países africanos ricos em petróleo, com baixíssimos índices.

Da mesma forma as mudanças econômico-sociais da Finlândia depois de sua libertação da Rússia em 1917 se deram sem tomadas de poder, golpes, ditaduras, mas por mudanças na legislação como a limitação a propriedade estrangeira nas empresas (fato frisado por Chang).

No capítulo IX – O Oriente e o Ocidente – e no capítulo X – Escravo, animal e máquina – de seu livro, Freire descreve de forma bastante minuciosa como a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, sob a proteção inglesa, e a consequente mudança nas relações comerciais entre os países “abarrotou” (relativamente) o mercado brasileiro de produtos ingleses, com grandes transformações na vida sociocultural.

Estando o país vivendo sob o regime econômico escravocrata as novas mercadorias não eram largamente acolhidas pelos senhores de escravos, cujos hábitos, tradições e demais situações culturais e econômicas travavam as mudanças que se anunciavam.

Por fim, o autor afirma que, não por uma questão sociológica, o medo da febre amarela afastou a imigração de ingleses e outros europeus para o Brasil:

“Foi como se a febre amarela tivesse tomado por si a tarefa de retardar, no Brasil, a vitória sobre o patriarcalismo rústico, encarnado nos homens de mais de sessenta anos – raramente atingidos pelo mal – do capitalismo ou do tecnicismo burguês representado principalmente por estrangeiros ainda jovens: por ingleses, franceses, portugueses de sobrado ou de loja; (p. 688).

No artigo “Industrialização e desenvolvimento no Brasil: 1930 – 1964”, mais precisamente no tópico “O que o protecionismo não explica”, comento aspectos da vida cotidiana do país que não são explicados por razões econômicas, mas por fatores socioculturais: infraestrutura sanitária deficiente, estradas esburacadas, hospitais sem recursos, sucateamento do Incra, ônibus municipais sem cadeiras, criminalidade, fuga de cérebros, etc.

Insisto no que afirmei na Conclusão do mesmo artigo:

“Além disso, os fracassos obtidos no tocante à qualidade de vida e aos serviços de infraestrutura não podem ter explicações eminentemente econômicas, pois se referem à cultura de um povo, colonizado por um país decadente, que já não tinha qualquer expressão internacional. A cultura do apadrinhamento sempre esteve presente através do coronelismo (acrescento “populismo”) e se perpetuou em nossa cultura, trazendo sentimentos de impotência, fragilidade e falta de autoestima”.

O desvirtuamento e o inchaço nos quadros do Partido Comunista Soviético por pessoas sem quaisquer vínculos ideológicos, uma burocracia com poder paralelo, foi uma das preocupações de Lenin após a “consolidação” da Revolução (Ver Leôncio Martins  Rodrigues – “Lenin: o partido, o Estado e a burocracia”, em www.scielo.br>scielo e Bettelheim, Charles “A luta de classes na U.R.S.S.”). E ao que tudo indica o Brasil padeceu com o “populismo”.

Há que se destacar que no Índice de Progresso Social de 2016 o Brasil se situa na 46ª posição, com boas avaliações no tocante “Tolerância e inclusão” e “Liberdade individual e de escolha”. Mas, em relação ao item “Segurança Pessoal”, sua posição é sofrível e dramática, 123º no total de 133 países. Em “Disponibilidade de moradia adequada” ocupa a 96ª posição e em “Acesso a banheiros adequados” a 72ª.

Isso é mais intrigante quando se verifica que a Índia, um país mais pobre que o Brasil, ocupa a 98ª posição, tem uma renda per capita de 1/3 da brasileira e uma taxa de criminalidade sete vezes menor (taxa de 21 versus 3,4). “G1 – Brasil é o 11º país mais inseguro do mundo conforme o (IPS) - Índice de Progresso Social” - em g1-globo.com>notícia>2014/04. O mesmo se diga quanto à criminalidade na China, cuja taxa se situa em 1%.  Para maiores esclarecimentos o leitor deve consultar “Lista de países por taxa de homicídio intencional” em https://pt.wikipedia.org>wiki>lista _de... .

Isoladamente estes índices e aspectos da vida social podem nos dizer muito pouco sobre o desenvolvimento econômico e social de um país, mas são significantes quando considerados em conjunto com outros aspectos culturais e por isso não podem ser descartados.
 
4) CONCLUSÃO

Ao longo destas páginas, acredito que ficou bastante claro a importância dos aspectos socioculturais, geopolíticos e históricos no que tange ao problema do desenvolvimento dos países ou regiões, muitos deles não abordados pelo economista.

Estes fatores se entrelaçam, se combinam e se opõem de diversos modos sendo impossível estabelecer um critério que sirva para todos indiscriminadamente. Em cada país haverá um peso diferente e a forma como devem ser abordados, visando um mesmo propósito; inclusive, deverá também ser diferenciada nos diversos momentos históricos com que se defronta cada nação ou região. 

Outrossim, por isso mesmo, que não existe uma receita de bolo a ser aplicada indistintamente aos países que almejam o desenvolvimento, muito embora possamos realçar certos aspectos dignos de destaque, como bem frisou o autor. Mas estes exclusivos e nem são garantias de sucesso.

O pragmatismo do economista Há-Joon está muito associado a um viés típico dos economistas, que desprezam outros estatutos "científicos", mas, conforme vimos, cada região geográfica tem as suas peculiaridades. Elas se combinam e se entrelaçam de diversas maneiras, daí porque ser impossível destacar somente alguns poucos elementos, sendo o assunto bem mais complexo.

Em determinados casos, ou momentos históricos, tornam-se muito relevantes os aspectos geopolíticos, em outros os fatores históricos tornam-se mais importantes e outros casos os aspectos socioculturais são determinantes.

No Prefácio ao livro major-general Carlos Branco encontramos uma abordagem de rara felicidade em relação à história e a cultura, que gostaria de reproduzir, para que os leitores possam fazer uma maior reflexão sobre a  importância do assunto:

“De alguns países se diz que têm “demasiada História”, querendo-se com isso significar que o peso obsessivo de memória atrapalha o presente e condiciona demasiado o futuro. Juntamente com o Oriente Médio, os Balcãs são, muito provavelmente, das regiões do mundo onde esse fardo excede a razoabilidade, carreando para os dias de hoje expressões identitárias em conflito, que estão muito longe de se esbaterem e virem a facilitar amanhã quaisquer compromissos. São terrenos onde às etnias se cumulam as ideologias e as religiões, com nacionalismos doentios a adubarem as emoções, onde as lideranças políticas se reforçam pela execução zelosa da agenda primária dos populismos, ou do revanchismo, sem a menor propensão para pedagogias apaziguadoras dessas mesmas tentações radicais”.

Neste ensaio, confesso que abusei em citações, mas não com outro intuito senão de colocar ao alcance do leitor alguns trabalhos que podem não estar totalmente disponíveis, evitando dar a minha opinião sobre e fatos e assuntos que não presenciei,  mais específicos para aqueles que vivenciaram e se dedicaram a uma análise mais aprofundada, com entrevistas e outros métodos de pesquisa que lhes foram acessíveis. Desta forma dei mais credibilidade à importância dos assuntos que foram relegados pelo economista Há-Joon Chang.  

Não existe uma receita de bolo a ser aplicada aos países que almejam o desenvolvimento, muito embora possamos destacar certos aspectos também indispensáveis, como bem o fez o autor, mas ganham novas dimensões e relatividades quando confrontados com outras questões socioculturais, geopolíticas e históricas. 

Entretanto, as medidas propostas pelo economista Ha-Joon Chang, embora importantes, estão muito longe de serem garantias de sucesso, porque o processo de desenvolvimento econômico tem uma característica eminentemente política, passando por questões geopolíticas internacionais, históricas, socioculturais, ideológicas, profundamente arraigadas, em determinados casos, conforme frisei.  

Bem demonstram os problemas do Oriente Médio fatiado em estados-nação artificiais pelas nações ocidentais, após a queda do Império Otomano. Os seus problemas internos são alimentados por questões geopolíticas internacionais, ambivalentes, em nome de uma realpolitiks, que ferem os princípios éticos, morais e jurídicos, com apoios a regimes teocráticos em alguns casos e invasões em nome de uma ideologia democrática em outros, trazendo um caos para a população civil local.
  
A contradição chega a tal ponto que podemos questionar se os Estados Unidos e seus aliados têm realmente interesses em terminar com os conflitos na região, onde os pactos atendem aos interesses espúrios do complexo militar-industrial, sempre sob uma roupagem ideológica democrática.

Como bem colocou Reginaldo Nasser em apresentação ao livro “A origem do Estado Islâmico”:

“Sim, é possível e provável que erros de análise e de compreensão de fenômenos sociais e políticos sejam cometidos, mas será que é razoável supor que o aparato diplomático-militar dos Estados Unidos seja tão despreparado a ponto de cometer, reiteradamente, erros grosseiros? Ou podemos ter também como hipótese que talvez o fracasso da guerra possa ser de fato o seu sucesso?” (Cockburn, p. 24).

Jamais podemos esquecer que foi durante o período da Guerra Fria, com a eclosão da Guerra da Coréia, que alguns países da Ásia tiveram uma relação política e econômica diferenciada comparativamente a diversas outras nações do globo. Essa política almejava alavancar o crescimento dos países da região, frente as “ameaças” ideológicas que a proximidade da União Soviética, da China maoista e da Coréia do Norte representavam.

Conforme comentei em artigos anteriores, foi durante a Guerra da Coréia que a empresa automobilística japonesa Toyota foi salva da falência em virtude dos contratos de fornecimento de equipamentos firmados com os americanos. E foi em decorrência dessa mudança de eixo na política internacional, que os acordos alinhavados com o Brasil foram relegados pelo presidente Eisenhower.

Não tenho informações precisas sobre as políticas de cooperação dos países ocidentais com a Coréia do Sul, mas, num primeiro momento, custa-me crer que somente os esforços internos deste país, sem um apoio internacional das nações desenvolvidas, foram suficientes para lançar o país no caminho do desenvolvimento.

Por outro lado, não devemos subestimar a importância de diversos outros aspectos socioculturais e históricos, muitos dos quais se encontram invisíveis, mas que surgem com grande força em determinadas circunstâncias socioculturais não previsíveis.

Os dois bons livros de Ha-Joon Chang, escritos para não economistas, sem qualquer rigor para com conceitos econômicos, que muitas vezes mais obscurecem que esclarecem, e este é um dos seus méritos, relativamente enriquecidos com fatos históricos, trazem importantes temas quebrando, de forma simples e objetiva, ideologias e crenças comuns sobre as razões das diferenças econômicas das nações e, de certa forma, como superá-las.

Acredito, entretanto, que a sua concepção de cultura está muito ligada à “tradição”, além da preocupação em conceitua-la, conforme:

“É muito difícil definir o que é a cultura de um país. A questão torna-se mais complicada pelo fato de tradições culturais muito diferentes poderem existir num único país, mesmo em países supostamente <<homogêneos>> como a Coréia” (p. 233).

E mesmo que o autor reconheça que a cultura (tradição) é mutável, isto não resolve o problema. Será que as transformações “pacíficas”, sem golpes e ditaduras que ocorreram na Noruega e Finlândia foram simplesmente obras do acaso, ao contrário do que se sucedeu na Coréia do Sul, com um golpe militar que perdurou 19 anos, com o general Park, seguido de outro golpe militar? Seria possível um golpe militar nos dois países citados e uma transformação pacífica na Coréia? Seria possível a adoção de certas medidas econômicas na China atual sem a centralização de poder? Porque países que adotam planejamentos econômicos parecidos alcançam resultados distintos e alguns não conseguem se desenvolver?

Como observei acima, diversas são as formas políticas em que estas transformações econômico-sociais se dão, e isto nos diz muito sobre as tradições, as relações socioculturais e a história de cada país.

Pergunta-se: Porque os Estados Unidos da América se interessam tanto em divulgar e incutir em outras nações os seus diversos valores culturais, através dos meios de comunicação, mesmo quando alguns estão na contramão de sua própria realidade?

O mesmo se diga dos cursos de mestrado e doutoramento das principais Universidades de Economia e Finanças, notadamente Chicago, que divulgam e doutrinam os estrangeiros sobre a importância da teoria dos “mercados racionais” e do “livre comércio” para alavancar o desenvolvimento.

Será apenas por diletantismo ou humanismo? E porque nossas elites e a classe média copiam, aceitam e propagam?

Também, seria bem vinda uma contribuição mais aprofundada sobre a importância da empresa multinacional tanto para o desenvolvimento econômico quanto ao seu bloqueio, sua estratégia, seu “modus operandi”, por questões econômicas,  políticas e sociais. E como elas travam o desenvolvimento através da padronização de produtos e processos produtivos.

Simplesmente dizer que “O capital tem nacionalidade” e que os países centrais concentram a investigação e definição de estratégias de alto nível não me parece ser suficiente. Trata-se de um fato concreto, empírico, mas sem relevância teórica.

Nos artigos mencionados, principalmente no artigo “Poupança, investimento e a falácia da poupança externa”, mencionei como sob a proteção da Instrução Sumoc nº 113, as empresas multinacionais se beneficiaram da importação de máquinas e equipamentos obsoletos, com consequências muito importantes sobre a industrialização brasileira.

Com isto e sob forte proteção tarifária produziam bens obsoletos que não competiam com os bens de suas matrizes, agravando os problemas do Balanço de Pagamentos, através das remessas de lucros, abrindo espaços para uma exagerada política protecionista e contribuindo para abater os ânimos e a autoestima do empresariado brasileiro, relegando-o para uma posição secundária, que por sinal permanece.

Por outro lado, a falta de uma definição mais clara entre desenvolvimento e desempenho econômico permite afirmações como esta:

“Depois há as situações da Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e Brasil nas décadas de 60 e 70, ou a China de hoje que tem progredido muito bem em termos econômicos debaixo da ditadura”(em “As nações hipócritas”, tópico “Democracia e desenvolvimento econômico”, p. 208).

E outra, ao que tudo indica, um pouco precipitada:

“A ascensão da empresa simboliza o milagre econômico do Moçambique moderno. [...] Desde então, porém, o milagre econômico transformou numa das economias mais ricas da África, situando o país solidamente entre os países de rendimento médio-elevado. Com um pouco de sorte e suor, Moçambique poderá inclusivamente conseguir juntar-se às fileiras das economias mais avançadas nas próximas duas ou três décadas” (“As nações...”, p.16).

A afirmativa do autor se baseia no sucesso da empresa Três Estrelas ao descobrir uma nova tecnologia “à base de hidrogênio que substituirá o álcool como principal fonte energética” (p.15).

Ora, convenhamos que, por mais que a invenção seja tão relevante, é muito pouco para se apostar no desenvolvimento econômico do país, sem que se tenham outros indicadores econômicos e socioculturais relevantes, como, por exemplo, a sinergia entre as empresas, os índices de alfabetização, a qualificação, a qualidade dos ensinos técnicos superiores, o apoio governamental à pesquisa, à invenção e inovação, etc.

Suas expectativas concentram-se na exploração de petróleo e gás natural e sobre isto nada podemos dizer, no momento em que se vislumbram grandes transformações no setor energético.
  
No momento em que escrevo este artigo Moçambique passa por uma crise política, econômica, financeira e cambial em decorrência da queda dos preços internacionais de matérias-primas e um período de seca (“A situação atual de Moçambique”, em www.mercados estrategias.com>news).

Além disto, está em trégua (até quando?) de uma crise político-militar, entre as forças governamentais e a adeptos da Resistência Nacional Moçambicana.

Ou seja, todos os ingredientes que podem obstruir o processo de desenvolvimento e até crescimento econômico sólido. Pelo andar da carruagem o país precisará de muita, muita sorte mesmo, para alavancar o desenvolvimento.

Segundo a analista Charlotte King, do instituto de pesquisa Economic Intelligence Unit, Londes: 

“Uma parte da dificuldade em implantar estas medidas é a elevada resistência de políticos e setor privado, habituados a um Estado despesista” (grifo meu)

Em 2016, o país situava-se na 117ª posição em relação ao Índice de Progresso Social, num total de 133 países. Com relação ao IDH situa-se em 165º, atrás de Haiti, Congo, Libéria, Guiné-bissau, estando entre “Os “top-10” países mais pobres do mundo”, conforme podemos constatar em www.verdade.com>nacional.47892.

Por outro lado, pelo menos com relação ao Brasil e possivelmente à China de hoje, sabe-se que eles conseguiram um bom desempenho econômico, mas não alcançaram o patamar de países desenvolvidos.

E o Brasil, na realidade, não avançou em direção ao desenvolvimento econômico durante o chamado “milagre”, na  época já muito criticado por diversas correntes econômicas, pelo crescente grau de endividamento externo, da composição da pauta de importação e exportação, da produção e financiamento de “bens de consumo duráveis” para a classe média, da dependência externa.

Já no ano de 1974 grassou a crise econômica em decorrência da crise do petróleo e na década seguinte (denominada a década perdida) enfrentou a crise da dívida externa. Decorridos 32 anos da extinção do regime militar o país não alavancou nem decolou rumo ao desenvolvimento.

As generalizações são sempre perigosas. Países de tradições milenares, arraigadas, e diversas etnias terão maiores empecilhos culturais mesmo que desenvolvam relações capitalistas em alguns setores.

A Constituição da Índia (1947) proíbe a discriminação por castas, idade, sexo. Também o país editou leis que aprovam o sistema de cotas nas universidades para os “dalits”, classe mais desfavorecida. Entretanto, a grande maioria dos casamentos ainda se dá entre pessoas da mesma casta e nas relações de emprego a contratação ainda leva em consideração, mesmo  informalmente, a casta (“O sistema de castas na Índia – Wikipédia” em https: pt.wikipedia.org>wiki>sistema_).

É bem verdade que este fato não impede que as relações capitalistas sobrevivam e avancem, mas conjugado com diversos outros fatores socioculturais inibe o desenvolvimento das potencialidades da economia, de uma economia que precisa correr mais depressa para alcançar as outras.

Como o conceito de desenvolvimento é relativo os obstáculos que retardam o desenvolvimento econômico podem aumentar o GAP entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, ou seja, estes continuariam subdesenvolvidos.

Este desenvolvimento econômico que estamos a falar e a procurar não é simplesmente um melhoramento ou evolução das condições econômicas da sociedade, um desenvolvimento qualquer, mas um conceito medido relativamente em relação às nações líderes, que reduza o mais possível o GAP econômico e sociocultural entre as nações, reduzindo a excessiva dependência e as relações adversas entre elas. E segundo diversos autores, embora tenha havido melhoras este GAP tem se acentuado.

Poderíamos a esta altura fazer uma distinção entre crescimento e desenvolvimento. Tomando a realidade brasileira como parâmetro, não podemos negar que as condições de vida de grande parte da sociedade melhoraram comparativamente ao passado. O país se industrializou, possui um grande parque industrial, entretanto não se desenvolveu no sentido que aqui procuramos dar. Ele também não se confunde com a riqueza de um país.

O desenvolvimento econômico se dá quando o país está de certa forma na vanguarda tecnológica, inventando e inovando bens e processos de produção, adequando-os às suas potencialidades. Quando a tecnologia traz e possibilita melhores condições de vida para a população. Ele permite que o país tenha também um desenvolvimento sociocultural, mas não significa que os dois corram pari passu.

O desenvolvimento sociocultural se dá quando o país consegue oferecer à sua população condições dignas de sobrevivência, boas condições de salubridade, acesso à educação e à saúde, emprego, segurança, liberdades políticas, religiosas, etc., em níveis socialmente mais equânimes.

Por outro lado, para o autor dos livros, em termos teóricos, o desenvolvimento social, em diversos aspectos torna-se apenas um apêndice do desenvolvimento econômico, sem muito destaque para as peculiaridades entre os dois e o fato de que o desenvolvimento social não ocorre pari-passu com o desenvolvimento econômico. O que não deixa de ser uma contradição, porque esta ideia está mais associada à político liberal.

No entanto, creio, que os seus exemplos superam em grande parte este lapso teórico, pois o economista procurou salientar mais os aspectos práticos, evitando celeumas desnecessárias.

Entretanto abriu espaços para críticas de oposicionistas. Os capítulos “O mercado livre não existe” e “É necessário que os mercados financeiros se tornem menos eficientes”, que constam do livro “23 coisas ...” são dignos de nota, com argumentos inovadores.  

Se o desenvolvimento econômico é um pré-requisito para o desenvolvimento sociocultural (este parece ser o dilema) existem descompassos entre os dois “conceitos”. Daí porque alguns países menos desenvolvidos economicamente apresentam um maior grau de desenvolvimento social.

O nível de renda per capita embora seja mais um indicador não nos diz suficientemente sobre o desenvolvimento econômico se não for relativizado e não estiver acompanhado também por outros parâmetros, como uma melhor distribuição de renda, nível de alfabetização, infraestrutura eficiente (compatível com os outros setores produtivos), grande maioria da população incorporada às relações de trabalho, elevada produtividade do trabalho e da economia, economias que não sejam altamente dependentes de tecnologia, instituições voltadas para dinamizar a economia e dar estabilidade aos negócios (inclusive legais e jurisprudenciais), baixa inflação em períodos de médio e longo prazo, pauta de exportação diversificada (com produtos de valor agregado).

De certa forma, ainda podemos identificar alguns aspectos que levam os países economicamente desenvolvidos a serem considerados líderes e para isto não podemos deixar de lado a vanguarda nas indústrias de alta tecnologia, a contribuição para a ciência e tecnologia, para a inovação, o lançamento e difusão de novos produtos e consequentemente uma padronização dos consumos e dos métodos de produção.

São os países que de alguma forma comandam o desenvolvimento tecnológico, que incorporam melhor as mudanças sem enormes distorções, embora a “globalização” e o “neoliberalismo” tenham nos jogado para limites perigosos.

Veja o leitor que assim como a cultura o conceito também é um tanto vago porque além de comparativo (entre os diversos países) as sociedades evoluem, com mudanças econômicas, políticas, tecnológicas e culturais.

Portanto, trata-se de um conceito histórico, pois mesmo um país considerado desenvolvido no passado poderia ser considerado não desenvolvido no presente, ao perder competitividade. É lógico que este fato é difícil de ser verificado porque os países que primeiro se lançaram no modo de produção capitalista mantiveram esta liderança. No entanto, ocorreram mudanças de posição entre as nações e algumas passaram ao bloco dos desenvolvidos deslocando a posição de outras.

E quanto ao desenvolvimento social que não necessariamente acompanha pari-passu o econômico, e muitas vezes inverte o processo da relação entre os dois conceitos?

Para este conceito, conta não só o desenvolvimento econômico como: a distribuição e concentração de renda (índice Gini) mais igualitária, assistência e acesso à saúde e à educação, apoio aos desamparados e desempregados, direitos políticos, liberdade de  expressão, criminalidade (índice de presidiários), corrupção, conscientização ecológica (ex: indústrias poluidoras e esforços para suplantá-la), pré-conceitos e conflitos raciais, estabilidade política, garantias legais efetivas ao direito dos hipossuficientes. 
  
Levando estes aspectos em consideração podemos constatar que muitos países europeus podem ser considerados socialmente mais desenvolvidos que os Estados Unidos da América, embora este país seja a potência econômica mundial. Reconheço a difícil tarefa de sopesar todos estes aspectos para obter-se uma classificação ao nível de país. E isto não é o objetivo deste artigo.

Nisto peca a classificação do Índice de Desenvolvimento Humano, mundialmente difundido, que além de apresentar poucos elementos em sua composição também peca em não tentar qualifica-los, o que por sua vez se torna uma tarefa hercúlea.

Exemplifiquemos: o nível de renda per capita não mostra a distribuição de renda e o índice de alfabetização não avalia a qualidade do ensino, muito menos por áreas específicas.

Para um melhor esclarecimento, cito uma passagem do livro de Chang sobre o Índice de Percepção de Corrupção:

“O índice deve ser considerado com cuidado. Como a sua designação indica, mede apenas a “percepção” revelada por inquéritos a técnicos e empresários, que têm seus próprios preconceitos e conhecimentos limitados....Por exemplo, em mitos países a prática de atribuir cargos públicos a membros do partido seria considerada corrupta, mas não é assim nos EUA. Aplicar, por exemplo, a definição finlandesa de corrupção tornaria os EUA mais corruptos do que indica o índice (os EUA foram classificados em 17º lugar. Além disso, muita da corrupção ocorrida nos países em desenvolvimento passa pelo pagamento de subornos por empresas de países ricos (por vezes até mesmo governos), o que não é captado na percepção de corrupção de países ricos" (Chan” em “As nações ...”, p. 197, rodapé).

Explorando um pouco mais o assunto, cito Moniz Bandeira:

“Outrossim, o professor Nouriel Roubini, da Stern School of Business da New York University, durante o encontro de Davos (Suiça), em janeiro de 2015, comentou, em entrevista ao jornalista Tom Leene, da rede Bloomberg News, que muito dificilmente os Estados Unidos poderiam superar a enorme desigualdade social porque seu sistema político foi baseado na “legalized corruption”, o que significa que os ricos, bilionários, com maiores recursos, podiam subornar políticos, e era o que geralmente faziam”.

“O economista Thomas Piketty, autor da obra LE Capital aux XXI, ressaltou que “a igualdade proclamada dos direitos do cidadão contrasta com a desigualdade real das condições de vida [...]” (Bandeira, e “A desordem mundial”, p. 57).

Poderíamos ir adiante, com várias citações, preenchendo todo este artigo. Diga-se, de passagem, que este sempre foi o meu ponto de vista, motivo pelo qual escrevi um artigo postado neste site sobre a corrupção nos Estados Unidos, que em breve pretendo enriquecê-lo com novos fatos.

Mas, é interessante observar como este país, um dos mais corruptos que se tem história, consegue, com todos os seus mafiosos, através de filmes que conquistam o mundo, passar a mensagem de que foram e continuam a ser o país onde a justiça sempre prevaleceu.

Não faz muito que John Kennedy para se eleger presidente angariou, através de seu pai, apoio de Sam Giancana, mafioso que controlava o sindicato dos trabalhadores de Chicago. Os vínculos da família Kennedy com o crime organizado pode ser encontrado em: “John Kennedy: sexo, escândalos, poder e corrupção – Jornal Opção - www.jornalopção.com.br>.. ...>imprensa” e em inúmeros livros e artigos sobre o assunto.

Quando falamos em desenvolvimento nos referimos ao que se entende na atualidade, sob uma ótica do mundo ocidental capitalista, porque este “conceito” e seu oposto surgem com o capitalismo. 

Países ricos, como outrora fora a Argentina (citado por Chang), estavam longe de serem desenvolvidos, conforme hoje se entende. Da mesma forma, países de hoje que possuem enormes reservas de petróleo ou minerais podem ser ricos, mas “não desenvolvidos”.

Quais foram os problemas teóricos e práticos enfrentados pelo Brasil em relação ao desenvolvimento econômico-social?: instabilidade política; divergência ideológica na concepção dos projetos de desenvolvimento econômico; falta de coordenação entre os setores econômico e sociocultural; ideologia desenvolvimentista com foco apenas na industrialização por empresas nacionais e estrangeiras; favorecimento às empresas internacionais na importação de tecnologia defasada com produção de produtos também defasados tecnologicamente e sem acesso ao mercado internacional, em decorrência dos interesses das empresas multinacionais, na expectativa de que elas trariam o desenvolvimento tecnológico; mudanças nas relações internacionais com dificuldades de acesso ao crédito internacional; estrangulamento do Balanço de Pagamentos decorrente do modelo de modelo de substituição de importações (MSI); falta de coordenação entre os setores públicos e privados na pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, disputa política e ideológica nas instituições responsáveis a dar suporte ao desenvolvimento econômico (exemplo BNDS).

Ora, a simples importação de tecnologia (lembrem-se que foi defasada) não cria de forma espontânea e automática cientistas e técnicos e muito menos centros de pesquisa e tecnologia, principalmente quando estão a cargo de empresas internacionais que mantinham os seus controles nos países de origem, de acordo com suas estratégias econômicas e políticas específicas.

A pesquisa científica e tecnológica nos tempos modernos se dá com o apoio e a colaboração entre setores públicos e privados, em razão dos interesses de longo prazo dos países, das incertezas dos frutos a colher, dos níveis de investimentos necessários, da necessidade de créditos. Por isso, deixar a cargo de empresas multinacionais o desenvolvimento tecnológico de um país é um suicídio. Em regra, os seus interesses a nível internacional “se limitam” à difusão e padronização de produtos e processos produtivos, concebidos nas matrizes e em países desenvolvidos.

E foi isto que o Brasil fez. Acreditou-se que a simples industrialização, designando e beneficiando as empresas multinacionais com esperanças que elas fossem os motores do desenvolvimento, seria suficiente para o salto qualitativo do desenvolvimento econômico.

Já no plano cultural, muito comum hoje no Brasil, o assunto se limita a considerar como solução para o desenvolvimento o enfoque “estritamente” educacional. Ou seja, com mais educação o problema automaticamente se resolve. Já tratei deste assunto em artigos anteriores, comentando sobre “A fuga de cérebros”, que ocorre no país, embasados em diversos artigos publicados em jornais e revistas. Diga-se de passagem que este assunto já era comentado pelos autores marxistas na década dos 70.

É importante que se frise que não existe esta educação genérica, o elixir que resolverá todos os problemas do desenvolvimento econômico.

Para surtir os efeitos desejados e auxiliar no desenvolvimento econômico ela deverá ser dirigida para setores técnicos específicos, condizentes com os objetivos. Os obstáculos ao desenvolvimento não serão superados se o país concentra a educação em filosofia, história, sociologia, economia, letras, direito e similares, muito embora estas “pseudociências” continuem ter importância para a sociedade e sua cultura.

A mudança “educacional” deverá ocorrer em direção às ciências e tecnologias, compatíveis com os objetivos almejados porque o desenvolvimento econômico capitalista requer transformações tecnológicas, sem as quais ele não ocorrerá.  O capitalismo “se alimenta” das transformações científicas e tecnológicas, sendo eminentemente uma sociedade científica e tecnológica.

Queiramos ou não a autoestima, a perseverança, a abdicação do presente em relação ao futuro e um pouco de patriotismo também fazem parte do caldo cultural, da matéria prima que deverá ser moldada para pavimentar o caminho do desenvolvimento.

Termino aqui este artigo com a esperança de ter trazido alguma contribuição para o debate sobre o papel da cultura no desenvolvimento econômico-social.



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