OBSTÁCULOS SOCIOCULTURAIS
AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
(comentários sobre o livro de Ho-Joon Chang)
(revista e atualizada)
(comentários sobre o livro de Ho-Joon Chang)
(revista e atualizada)
INTRODUÇÃO
O debate sobre como alcançar o desenvolvimento econômico
continua em aberto, embora, ultimamente, com tantas crises, tenha sido
empurrado para debaixo do tapete.
De um lado estão os economistas, não só liberais, para quem
basta focar nos problemas estritamente econômicos que os demais dilemas sociais
se ajustam automaticamente.
Do outro lado, encontram-se os sociólogos, antropólogos e
demais “cientistas” sociais para quem os problemas se encontram ao lado da
cultura, sendo o econômico também um aspecto cultural, a este submetido.
Sempre foi minha opinião que os problemas relativos ao
desenvolvimento econômico e consequentemente sociocultural encontram-se de
braços atados, como dois irmãos siameses e, por isso, devem ser enfrentados
conjuntamente.
Em diversos artigos anteriores postados neste “blog” procurei
salientar estes aspectos, dando enfoques nos dois sentidos, com valorizações
equiparadas.
Neste volto a ressaltar que é dentro de uma realidade
política-econômica-social que cada país se defrontará com obstáculos que
poderão travar os objetivos teoricamente traçados, que não são apenas
econômicos, mas, em muitos casos, principalmente, políticos, sociais e institucionais. E estes obstáculos
encontram-se tanto no nível interno como externo.
Podemos situar em dois níveis a influência das relações
econômico-culturais de um país que almeja o desenvolvimento econômico: 1) fase
teórica, na qual se esboçam os planos de desenvolvimento; 2) fase de
implantação (execução) dos planos, na qual se verificarão os verdadeiros obstáculos
políticos, econômicos e sociais.
Deixo de mencionar a fase de “coordenação”, que para mim
significa avaliação e correção dos rumos, por tratar-se de uma consequência dos
obstáculos e novas possibilidades que surgem no decorrer do processo de
implantação.
Para melhor analisarmos o assunto a que me proponho temos que
procurar uma definição ou uma conceituação de cultura, que pretendo nos passos
seguintes, identificando seus aspectos e a importância deles para o
desenvolvimento.
A esta altura é importante esclarecer que este artigo se
situa numa mesma linha de continuidade de meus artigos anteriores que trataram
do problema do desenvolvimento econômico, com destaque para o Brasil, um campo
vasto de experiências mal sucedidas e concebidas: 1) “Desenvolvimento e livre
comércio, uma perspectiva cultural”; 2) “Industrialização e desenvolvimento no
Brasil – Aspectos sociais: 1930-1964”; 3) “A ideologia das vantagens
comparativas”; 4) “A Poupança, investimento, a falácia da poupança externa e
outros aspectos do subdesenvolvimento”.
Na mesma linha de continuidade porque ainda permaneço convencido de que os aspectos culturais são
importantes para o sucesso do desenvolvimento econômico e que este não pode ser
alcançado sem que, concomitantemente, sejam levados em consideração diversos aspectos
socioculturais.
Outrossim, trata-se de uma abordagem um pouco mais
aprofundada porque procuro clarear alguns pontos de obscuridade dos artigos
anteriores, situando melhor a relação entre o econômico e o cultural, que
anteriormente apresentava uma certa lacuna.
O artigo está dividido em 4 (quatro) tópicos: 1) Weber – teorias
sobre o desenvolvimento; 2) O desenvolvimento econômico 2.1) A fase do
planejamento; 2.2) A fase de execução; 3) A cultura e o desenvolvimento; 4)
Conclusão.
O primeiro tópico trata de um rápido retrospecto sobre as
diversas teorias sobre o desenvolvimento econômico, destacando Weber e se
estendendo para os aspectos geográficos, climáticos, raciais, tamanhos dos
países e idades.
No segundo tópico abordo os passos e as condições “necessárias”
e os obstáculos para o sucesso do desenvolvimento de um país, realçando os seus
aspectos econômicos e socioculturais, incluindo nestes o político. Da
combinação e contribuição dos diversos fatores dependerá o sucesso do país em
alcançar o desenvolvimento econômico e “social”, sucesso este que não está
determinado a priori com a elaboração
de planos previamente discutidos, acordados e aprovados.
Conforme os leitores poderão constatar os obstáculos surgem
inicialmente quando da fase de elaboração e aprovação dos planos, por questões
econômicas, ideológicas, políticas (internacionais e nacionais) e culturais e
“deverão” (com enormes probabilidades) se agravar no momento da fase de
execução (e coordenação), independentemente das boas intenções dos agentes
econômico-sociais.
Na “atualização” deste ensaio enriqueci este tópico, com
diversas citações de “experts”, dando
maior destaque à geopolítica, à história e outros aspectos socioculturais, relegados pelo economista, abordando situações nos Balcãs, no Oriente Médio e em Angola. Além de darem maior consistência aos meus argumentos, procuram despertar e familiarizar os estudantes de economia com assuntos socioculturais, antropológicos e históricos,
fugindo do viés exclusivamente econômico e das frias equações matemáticas que
procuram explicar as questões relativas ao desenvolvimento das nações.
No terceiro procuro uma conexão mais conceitual entre "cultura” e os outros fatores não estritamente econômicos, destacados por Ha-Joon Chang em seus livros, que contribuíram para o sucesso econômico da Coréia e que, segundo o autor, são necessários para os países que almejam o desenvolvimento econômico.
No terceiro procuro uma conexão mais conceitual entre "cultura” e os outros fatores não estritamente econômicos, destacados por Ha-Joon Chang em seus livros, que contribuíram para o sucesso econômico da Coréia e que, segundo o autor, são necessários para os países que almejam o desenvolvimento econômico.
Convém ressaltar que as referências básicas que permitiram escrever este
artigo foram os dois livros do economista sul-coreano Ha-Joon Chang, escrito
para não economistas, mas de grande utilidade porque abordam tópicos relativos
à economia e ao desenvolvimento econômico, que estão na ordem do dia, constantemente debatidos por experts e veiculados pela mídia, nas palestras e cursos de
economia.
Através deles procuro situar a importância das relações “socioculturais”
numa perspectiva prática do desenvolvimento econômico, sempre com referência à linha adotada pelo
autor.
Foge ao escopo deste artigo considerações ético-filosóficas
sobre o modelo de desenvolvimento econômico adotado pelos países líderes,
submetido ao aparato do complexo industrial-militar, ao poder
técnico-científico a este vinculado, à exploração predatória dos recursos
naturais não renováveis, à obsolescência técnica desenfreada, aos poderes
monopolistas que bloqueiam novos avanços técnicos e científicos.
Como salientou Celso Furtado, este modelo seria inviável para
ser compartilhado por todos os países do globo. Para que isso fosse possível
deveria haver um novo modelo de desenvolvimento econômico.
Há tempos, as sociedades capitalistas desenvolvidas já desenvolveram
“em abstrato” condições materiais suficientes para melhor partilhar os frutos
do progresso técnico e científico.
Utilizo a expressão “em abstrato” apenas simbolicamente, muito
embora reconheça que o problema não diz respeito apenas ao processo
distributivo e sim a submissão da produção ao poder industrial, político e
ideológico, que privilegia e conduz a pesquisa e a produção para alvos alheios
ao bem estar e ao progresso da humanidade.
Por outro lado, não deixa de ser verdade que ditos países,
com todos os problemas inerentes à produção, apropriação e distribuição do
progresso técnico-científico apresentam melhores índices de desenvolvimento
econômico e social que os países em desenvolvimento.
Por este motivo, o conceito de desenvolvimento econômico é ideologicamente
comparativo e é neste sentido que utilizo no presente artigo.
1)WEBER E TEORIAS SOBRE
O SUBDESENVOLVIMENTO
Embora não seja o marco inicial de uma busca do nexo entre
aspectos culturais e as possibilidades de desenvolvimento do capitalismo, a
célebre obra de Max Weber, “A ética protestante e o espírito do capitalismo”,
é, provavelmente, a mais difundida e a mais discutida de todas.
Posteriormente, muitos outros fatores foram atribuídos como
responsáveis pelo relativo atraso dos países subdesenvolvidos, tais como: raça,
clima, geografia, idade, magnitude do país e de sua população e outros,
relegando, dessa forma, os fatores sociais.
Para não me alongar, pois o objetivo deste artigo não é
discutir nem questionar todos os argumentos já falados, tomemos como exemplo a
idade do país. Sem maiores delongas, podemos constatar que existem países com a
mesma idade do Brasil que alcançaram um grau mais elevado de desenvolvimento
econômico e social (Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Nova Zelândia)
e outros bem mais antigos (regiões milenares) que encontram-se em estágios de
desenvolvimento inferiores (países da África, do Oriente Médio, do Cáucaso, da
Ásia). Na realidade a grande maioria dos países mais antigos está a dever em
termos de desenvolvimento econômico.
Há países que são considerados multirraciais como o Canadá,
os Estados Unidos de hoje, a Cidade-Estado Singapura que conseguem grande
progresso econômico e social. E ressalte-se que nos meios científicos,
incluindo as “ciências humanas”, o conceito de raça perdeu relevância em relação
à etnia, mas a discussão prossegue.
O Canadá tem como línguas oficiais o inglês e o francês,
67,3% da população de cristãos, sendo 38,7% da população canadense de
católicos, 23,9% sem religião, de acordo com o senso de 2011.
Sua composição étnica é: ingleses (21%), franceses (15,8%),
escocesa (15,2%), irlandesa (13,9%), alemã (10,2%), italiana (5%), chinesa
(3,9), ucraniana (3,6), sendo que um terço considerou sua etnia canadense,
segundo o senso de 2006 Canadá - Wikipédia, a
enciclopédia livre, em https://pt.wikipedia.org>wiki>Canadá).
Com relação aos Estados Unidos da América, sempre uma
referência, país de grande variedade geográfica e climática, assim como o
Brasil, embora a sua composição religiosa seja de maioria protestante, pouco se
diz sobre a contribuição de outros povos em seus primórdios.
A Louisiania até 1803 era francesa, a Flórida e outros
territórios na Costa do Golfo foram cedidos pelos espanhóis em 1819, após
diversas incursões militares, o Texas foi anexado em 1845 e a Califórnia
conquistada com a Guerra Mexicano-Americana (Estados Unidos-Wikipédia, a
enciclopédia livre, em https://pt.wikipedia.org>wiki.Estados Unidos).
New Orleans foi fundada por franceses que migraram da Nova
Escócia, no Canadá e ali se estabeleceram em 1755, em decorrência de guerras
religiosas entre França e Inglaterra. A cidade era cosmopolita, multicultural e
poliglota. Além dos franceses, para lá emigraram alemães, irlandeses e
posteriormente italianos (Nova Orleães-Wikipédia, a enciclopédia livre, em https://pt.wikipwdia.org>wiki>Nova). E esta confluência de povos,
juntamente com a população negra escrava e livre, contribuiu para o nascimento
do Jazz.
Pouca atenção se dá a importância dos holandeses e principalmente
dos judeus para a banca da cidade de Nova York, e dos judeus sefarditas que
saíram do Brasil quando houve a expulsão dos holandeses, fugindo das
perseguições religiosas e se dirigiram e se estabeleceram na cidade de Nova
York (inicialmente Nova Amsterdã), nos primórdios de sua fundação. Bem como a
contribuição dos judeus para a indústria cinematográfica de Hollywood.
Outrossim, no continente europeu existem diversos países com a
mesma latitude e diferentes graus de desenvolvimento econômico, tendo os países
mais ao sul (excluindo Itália) e ao leste em graus mais baixos.
Quanto ao tamanho dos países como fator de desenvolvimento
basta comparar os pequenos países da América do Sul e Central com os países
europeus com tamanhos e populações semelhantes. Comparar os Estados Unidos da
América com grande extensão territorial e uma população de 318 milhões e a
Alemanha com 83 milhões com o Brasil com enorme extensão e 220 milhões.
Voltando a Weber, cito o autor sobre as diferenças de atitude
entre os protestantes e católicos:
“A explicação desta diferença de atitude deve pois ser procurada nos
traços de caráter intrínsecos e permanentes das duas confissões e não apenas nas respetivas
situações histórico-políticas, temporárias e exteriores” (p. 33).
Depois de elencar as virtudes mencionadas por Benjamin
Franklin em sua autobiografia resume:
“Trata-se, pelo contrário, do summun bonum desta ética: o ganho do
dinheiro, e de cada vez mais dinheiro, com a mais estrita abstenção de todos os
prazeres simples, tão completamente despido de todas as perspetivas
eudemonistas ou mesmo hedonistas é de tal modo considerado um objetivo em si
que em comparação com a <<felicidade>> ou o
<<proveito>> do indivíduo parece algo de completamente
transcendente e puramente irracional. O ganho é considerado como o objetivo da
vida do homem, e já não como meio de satisfazer as suas necessidades materiais”
(p. 42).
Para objetar tais proposições cito incialmente Darcy Ribeiro:
“Também se fala da religião católica como um defeito, sem olhos para ver
a França e a Itália, magnificamente realizadas dentro dessa fé” (Ribeiro e, “O
Brasil como problema, p. 46).
Nessa mesma linha poderíamos acrescentar o Japão. O Império Austríaco,
predominantemente católico romano (o cristianismo foi introduzido por Carlos
Magno), conseguiu grande progresso econômico e a Áustria tornou-se uma grande
potência na Europa. Posteriormente formou-se o Império Austro-Húngaro
(1867-1918), com grande peso na economia e política europeia, dissolvido após a
1ª Grande Guerra.
“Na época em que sociedades católicas como França, Itália, Áustria e o
Sul da Alemanha Inglaterra se desenvolviam rapidamente, principalmente
após a Segunda Guerra Mundial, o cristianismo, mais do que o protestantismo,
tornou-se a cultura mágica. Até o Japão se tornar rico, muita gente pensava que
o Extremo Oriente não se tinha desenvolvido por causa o confucionismo” (Chang,
“As nações...”, p. 225).
Ainda:
“Há
um certo paralelismo entre estas atitudes face ao trabalho e certas posturas
protestantes e católicas sobre a matéria. Isso não significa, porém, que as respectivas
religiões tenham representado um papel causal na implantação dos respectivos
comportamentos e sim que cada qual sustentava o sistema vigente nas sociedades
em que predominava: mais maduramente capitalistas, no caso dos protestantes, e
mais atrasados e aristocráticos, no caso das católicas.
Mais do que o fator religioso em si mesmo, representou um papel moderador
dos povos americanos e um motor de diferenciação, o caráter das igrejas que
catequizavam o Novo Mundo. A católica, conduzida às Américas no enquadramento
dos impérios mercantis-salvacionistas em que se haviam transformado Espanha e
Portugal pós-muçulmana. E as protestantes, como seitas comunitárias livres,
dentro do enquadramento de formações socioculturais “Capitalistas-Mercantis”
(Ribeiro em “Configurações histórico-culturais ...”, p. 53/54).
Talvez, uma das grandes evidências sobre o confronto entre
ciência e este poder onipresente da igreja católica, conhecido por todos, seja
a renúncia de Galileu Galilei às suas descobertas.
Além disso e de todas as demais críticas, convém lembrar que
existem sérias dúvidas sobre se a Igreja Anglicana da Inglaterra pode ser
verdadeiramente considerada protestante, admitindo-se que nela coexistem
princípios doutrinários católicos e protestantes.
Hoje bem sabemos que os princípios do trabalho árduo, da
frugalidade e a pontualidade e retidão nos negócios (honestidade), ressaltados
por Benjamin Franklin, e que para por Weber representa o ethos do capitalismo, é uma falácia e que a própria vida de
Franklin não confirma em seus diversos momentos seu caráter ético, pelo menos para
os dias atuais (sobre o assunto consultar Larry Flint& David Eisenbach em
“Sexo na Casa Branca”).
“Todas
as asserções morais de Franklin têm um cunho utilitário: a honestidade é útil
dado que traz crédito; o mesmo se passa com a pontualidade, a aplicação ao
trabalho e a frugalidade, e por isso são virtudes” (p 41).
Não ficou bem claro na obra do eminente sociólogo se a ética
protestante é um pré-requisito para o desenvolvimento das relações capitalistas
de produção, ou o contrário, mas se considerarmos que a Reforma se deu em um
momento bem anterior ao deslanche do “capitalismo propriamente dito” poderíamos
conceber que a ética protestante para o autor se antecipa e pavimenta os caminhos
para a economia capitalista moderna.
Entretanto, bem se sabe que o sistema feudal não foi
estraçalhado por uma mudança apenas religiosa, nem muito menos estritamente
econômica, mas por uma transformação socioeconômica que em muito ultrapassa
apenas um dos aspectos da cultura (sobre o assunto consultar Hilton Japiassú em
“A revolução científica moderna”).
Nas palavras de Japiassú:
“Por isso, não podemos explicar esse novo saber apenas pelas exigências
econômico-industriais. Mediações socioculturais também desempenharam um papel
importante. As mais significativas foram o realismo
e o racionalismo próprios aos novos
empreendedores. Na formação desse realismo e desse racionalismo, as práticas e os hábitos mentais típicos do capitalismo tiveram um
papel relevante. Em seguida, essas atitudes adquiriram dignidade cultural
própria e difundiram-se em todos os setores da vida intelectual” (em “Como
nasceu ..., p. 115).
Ainda:
“Portanto, em nome do realismo histórico, não podemos negar a importância
das mentalidades, das atitudes e das visões do mundo (das ideologias) como
fatores mais ou menos invisíveis atuando
no Progresso da ciência e da indústria” (idem p. 299).
Ora, em diversas passagens da introdução de sua obra, Weber
reconhece a importância do Renascimento para o nascimento da “cultura
racional”, fundamento para a economia capitalista:
“Maquiavel tem precursores na Índia, mas todas as teorias do Estado
asiáticas faltava uma sistematização semelhante de Aristóteles, bem como os
conceitos racionais” (p. 12).
“Mas só no ocidente existiu a música harmônica racional –tanto o
contraponto coma harmonia - a, composição musical com base nos três trítonos, a
nossa cromática e a nossa harmonia, que não se baseiam nas distâncias, mas que
desde o Renascimento se expressam de forma racional ...” (p. 12).
"Do mesmo modo, também não se encontra, embora os seus princípios técnicos
básicos tenham sido colhidos no Oriente, a solução do problema da cúpula e o
tipo de racionalização “clássica” da arte na sua totalidade – na pintura
através da utilização racional da perspectiva linear e aérea –, criados pelo
Renascimento” (p.13).
Ora, se no passado as relações capitalistas estavam por
nascer, nos dias atuais muitas das sociedades “subdesenvolvidas”, ou, como
queiram, não desenvolvidas, estão predominantemente dominadas pelas relações de
produção tipicamente capitalistas, como é o caso do Brasil.
Portanto, estamos diante de um ponto de inflexão. Não se
trata mais da questão de se estabelecer condições para o desenvolvimento das
relações capitalistas, mas em dar um salto de qualidade em direção a um novo status de desenvolvimento,
comparativamente com as nações mais prósperas, eliminando o grande GAP entre as
nações, permitindo que os países subdesenvolvidos desenvolvam suas potencialidades,
não só econômica, dentro de um sistema capitalista internacional, sem se
sujeitarem a um domínio tão escorchante.
O “subdesenvolvimento” é um fenômeno novo, fruto das relações
capitalistas internacionais. A sua percepção e a tentativa de teorizá-lo se dão
a partir da metade do século XX. Não foi previsto por qualquer teoria econômica
ou social. Nem sequer se anunciava quando Weber redigiu a sua obra, tanto que a
sua preocupação era com o ambiente que favorecesse o “desenvolvimento” das relações
capitalistas.
Vivemos em um momento
histórico totalmente distinto. Estamos diante de uma realidade total e relativamente
nova, completamente diferente da dos países que inicialmente estabeleceram
relações de produção capitalistas.
Além de poucas, estas nações foram pioneiras e se lançaram ao
expansionismo e à conquista de novos territórios. Competiam entre si em
relativas condições de igualdade. Eram belicistas, criaram colônias para
impulsionar o seu dinamismo, garantir mercados, criar mercados cativos,
garantir o suprimento de matérias primas, eliminar possíveis concorrentes, desmantelar
os óbices que se opunham à expansão, impor sua nova cultura. Portanto, possuíam
um campo relativamente aberto à expansão, usando seus respectivos poderes
bélicos.
Nos dias atuais muitos dos obstáculos a transpor são aqueles
criados pelos próprios países desenvolvidos no campo político, institucional,
econômico, financeiro, ideológico.
Criaram-se novos mecanismos como as barreiras alfandegárias
mais sofisticadas, que não as simplesmente tarifárias, controlando as
exportações dos países subdesenvolvidos.
Os países “subdesenvolvidos” têm que encontrar os seus
espaços e competir com as nações que se encontram melhor aparelhadas nas áreas
científica, técnica, financeira, social, educacional, organizacional e
institucional. Suas empresas nascentes têm que competir com grandes corporações
internacionais, instaladas em centenas de países, que de longa data controlam
os canais de distribuição, através da inovação, da propaganda, da influência
política, dos acordos e de maior acesso ao mercado financeiro.
As descobertas científicas e inovações tecnológicas estão
amparadas em cooperações entre estas grandes corporações internacionais e
órgãos e instituições governamentais.
Dito isto, os desafios que se colocam aos países
subdesenvolvidos para transpor este momento histórico requerem soluções
diferentes. Estes já não podem lançar mão das armas para estabelecerem colônias
que permitam alavancar o desenvolvimento. Têm que conquistar espaços econômicos
já ocupados, deslocando poderosos concorrentes, melhores aparelhados.
Isto não quer dizer que um país não possa lançar mão dos
mecanismos e instrumentos utilizados no passado pelas nações que inicialmente desenvolveram
as relações de produção capitalista. Muitos deles ainda são úteis, mas apenas
para dar um exemplo a investigação científica e tecnológica, necessária para se
alcançar um grau de desenvolvimento econômico-social compatível com os países
mais desenvolvidos, se faz hoje em grande escala, com incentivos públicos, com
cooperação entre universidades e as grandes empresas, com levantamento de
fundos no mercado financeiro.
Não mais existe o cientista e pesquisador individual, mas sim
grupos de pesquisa que atuam compartilhando os seus trabalhos com órgãos do
governo e universidades.
Outrossim, não podemos relegar a importância das empresas
multinacionais no controle, difusão e avanço de novas tecnologias de produtos e
bens de capital e consequentemente a sua contraparte política.
Em resumo, os mecanismos e instrumentos utilizados no passado
adquiriram um novo peso em sua combinação, frente às novas mudanças.
2) O DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO E SUAS FASES
2.1) A FASE DO
PLANEJAMENTO
A fase do planejamento é aquela que trata dos aspectos
teóricos, dos objetivos a serem traçados e dos caminhos a serem seguidos para
alcançar os resultados satisfatórios.
Partindo-se de uma realidade política, econômica e social os
idealizadores traçam os seus planos de forma mais condizentes com estas
realidades de forma a viabilizar o projeto. O plano tem que ser “teoricamente”
viável, por isso deverá haver um levantamento da situação do país. Evidentemente
que pode não ser viável por critérios de avaliação das prioridades e até mesmo
por questões ideológicas.
Não raro o país já se encontra dentro de problemas sociais,
econômicos e políticos e o planejamento se dá num momento posterior a um golpe
militar, que em princípio terá que criar as condições sociais necessárias para
fazer validar posteriormente o planejamento.
Então, já encontramos aqui o primeiro problema. O
planejamento deverá ter um respaldo político
sem o qual não conseguirá dar os passos seguintes no tocante à implantação.
Ora, também ao nível de planejamento é importante estabelecer
tanto os objetivos quanto as alternativas ou os caminhos a trilhar. E estes se
encontram como que impregnados pelas ideologias
dos diversos grupos políticos-ideológicos que desejam fazer prevalecer as
suas concepções.
Portanto, a liderança política terá primeiramente que
ultrapassar o aspecto teórico do planejamento para por em prática aquele plano que
esteja em conformidade com os seus ideais.
O grande problema é que as ideologias obscurecem as
dificuldades reais e principalmente as alternativas para trilhar o caminho para
o desenvolvimento, que deverão ser validadas legalmente.
Então temos inicialmente uma trilogia: poder (liderança)
político, planejamento (vinculado à ideologia), legalidade. A liderança
política pode se estabelecer pela força, como, por exemplo, um golpe militar, apoiado
ou não por forças estrangeiras, por um regime não necessariamente militar, ou então
por vias democráticas como aconteceu com a Noruega e Finlândia.
Ao nível do planejamento temos um embate sério entre pelo
menos duas principais correntes econômicas opostas, qual seja a corrente liberal de pensamento econômico
defendida e propalada pelos países mais desenvolvidos e endossada pelos
Organismos Internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC e outros), que afirmam ser o
livre comércio, a movimentação livre dos capitais, com os seus desdobramentos
(privatizações, desregulamentações) os meios adequados que levam automaticamente
ao desenvolvimento econômico.
Ora, os países desenvolvidos e os organismos internacionais
(controlados por eles técnica e politicamente) envidarão todos os esforços para
fazer prevalecer as suas concepções econômicas, através de coalizões com forças
políticas oponentes e pressões econômicas, diretamente e/ou por meio desses
organismos internacionais.
Sendo uma versão da “mão invisível” de Adam Smith, esta
corrente liberal preocupa-se basicamente com os aspectos econômicos da sociedade.
Mas, não são apenas as dificuldades das relações
econômico-sociais, mas também as que se encontram mais especificamente no plano
econômico, assim como no plano social.
Dentro de uma realidade econômica-social, os planos
econômicos têm que traçar objetivos condizentes com esta realidade tendo em
vista os objetivos almejados.
Estes deveriam ser em princípio “teoricamente” ou pragmaticamente
viáveis, de forma a criar um ambiente político e social propício à execução.
Daí porque as exortações ideológicas poderão ser importantes.
Quando opostos à corrente liberal, os planos econômicos têm
que escolher quais os setores que devem dar suporte às mudanças econômicas,
quais os que devem ser amparados e estimulados, focar as sinergias, estabelecer
como devem ser financiados os setores prioritários, conceber planos de
importação e exportação, importações de tecnologia, avaliação das dotações de
recursos naturais, criar e fomentar fortalecer a infraestrutura adequada, contornar
a escassez de divisas, estabelecer regras para a atuação das empresas multinacionais e na movimentação do capital financeiro e assim por diante.
Quanto ao aspecto social deverá priorizar e criar um ambiente legal e institucional que dê
amparo à execução do plano, estimular a “educação” em áreas técnicas
condizentes com os objetivos econômicos almejados, estimular a criatividade, melhorar
a infraestrutura, combater as doenças, as epidemias e a desnutrição que afetam
em sua maioria as crianças, mudar a mentalidade da população para uma nova
realidade através da educação e propaganda.
2.2) A FASE DE EXECUÇÃO
Entretanto, este aspecto estritamente teórico é apenas o
primeiro passo e não resolve os problemas. O país deve se defrontar e se mover
dentro de uma realidade econômica-social, que inclui tanto fatores internos
quanto externos, quais sejam as relações econômicas e políticas internacionais
(divisão internacional do trabalho, acordos e tratados econômicos
internacionais, relações com organismos internacionais que dão suporte a estes
acordos e estabelecem regras de conduta em casos de conflito e necessidade de
ajuda).
O que estou querendo ressaltar é que dentro de uma realidade
política-econômica-social cada país se defrontará com obstáculos que poderão
travar os objetivos teoricamente traçados, que não são apenas econômicos, mas,
em muitos casos, principalmente, políticos,
sociais e institucionais. E estes obstáculos encontram-se tanto no nível
interno como externo.
Outrossim, como estas barreiras repercutem no sistema econômico
agravam a situação social do país aparenta-nos como um problema estritamente
econômico.
O que os leitores devem ter em mente é que os planos
econômicos-sociais para se concretizarem devem estar amparados politica, ideológica, legal e institucionalmente.
Conforme vimos, até mesmo a aprovação dos projetos ou planos
se dá a este nível, quer o país esteja num regime ditatorial ou não.
Contornar, romper, enfrentar e estabelecer novos acordos
internacionais, enfrentar, contornar, derrubar as barreiras políticas e sociais
internas, através ou não da força, sufocar revoltas, acomodar interesses antagônicos, encontram-se mais especificamente
na fase de implantação (execução) dos projetos.
A mudança no status quo
fere de morte interesses políticos e econômicos dominantes já
estabelecidos, que controlam a vida econômica, política e social do país e que
passarão a ocupar um papel secundário e subsidiário diante da nova realidade
social. E estes interesses não se encontram
apenas no nível interno, mas também a nível externo em decorrência, em outras,
da divisão internacional do trabalho e dos acordos firmados.
A título exemplificativo, na fase de execução o país poderá
se defrontar com os seguintes obstáculos:
1) no campo internacional: pressões políticas, econômicas e
ideológicas dos países e organismos internacionais (Banco Mundial, FMI, OMC),
com dificuldades de acesso ao crédito internacional, às tecnologias, às
mercadorias necessárias; pressões para a abertura de mercado às empresas multinacionais;
penalidades impostas; bloqueios às exportações (barreiras tarifárias e não tarifárias); pressões políticas,
ideológicas e econômicas às privatizações e desregulamentações dos mercados
financeiros; apoio militar às forças oponentes;
2) no campo interno: resistência política e ideológica dos
setores tradicionais e das instituições, descontentamento social e
instabilidade política; retrocesso nas medidas econômicas; conjuntura política
e econômica internacional desfavorável; legislação ineficaz e dificuldades em
cumpri-las, tanto pelos órgãos jurisprudenciais quanto pela inoperância
repressiva; escassez de divisas, falta de crédito; falta de coordenação entre
os setores econômicos e entre estes e os fatores socioculturais, como por
exemplo a educação e a saúde; falta de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento
tecnológico; desorganização do setor produtivo; escassez de produtos básicos em
decorrência das mudanças econômicas e boicotes à produção por setores
insatisfeitos (com apoios internacionais como aconteceu no Chile de Allende); estabelecer regras para a atuação das empresas multinacionais (na formação de joint ventures com o capital nacional, setores em que podem atuar, incentivos e acordos para a cooperação e transferência de tecnologia, etc).
Em determinados momentos históricos os países que almejam o
desenvolvimento econômico poderão se encontrar em situações mais favoráveis
para a realização de seus planos. Por exemplo, quando surgem novas forças no
cenário internacional ou estas forças estão em conflito, o país pode buscar
novas alianças que lhes sejam mais favoráveis.
Evidentemente, não se pode prever e nem esperar o momento em
que estas novas configurações sejam favoráveis, mesmo porque elas estão sempre
em mutação. O que ressalto é que elas podem favorecer ou não.
Imaginem os leitores que as opções durante a era da Guerra
Fria eram diferentes dos momentos atuais. Da mesma forma, tentar alçar o
desenvolvimento nos dias de hoje parece mais difícil do que na fase inicial do
capitalismo.
E a mudança que ocorreu na Coréia do Sul se deu num cenário
de Guerra Fria, com a União Soviética expandindo a sua influência e ideologia,
a vitória do Partido Comunista comandado por Mao Tsé Tung, nos finais da década
de 40 e a guerra da Coréia, quando a Coréia do Norte descumprindo acordos atravessou
o paralelo 38 para anexar o sul do país, desencadeando posteriormente o
conflito.
Estes acontecimentos foram cruciais para uma guinada geopolítica por parte dos E.U.A. na
Ásia, que, inclusive, teve sérias repercussões no andamento da política econômica
do Brasil, conforme já comentei em artigos anteriores.
Interessava aos Estados Unidos conter a ameaça da Coréia do
Norte e dos outros países comunistas da região que lhes davam apoio,
fortalecendo o capitalismo nos países asiáticos, inicialmente com um apoio estratégico
e político-econômico ao Japão.
Segundo Marshall:
“[...] mas o que lhes faltou compreender foi que os americanos sabiam
que, se não fossem em auxílio de seu aliado sul-coreano, os seus outros
aliados, em todo o mundo, perderiam a confiança neles. E, se os aliados da
América, no auge da Guerra Fria, começassem a alargar as suas opções ou a
passar para o lado comunista, toda a estratégia global seria posta em causa”
(p. 188).
Com a Guerra da Coréia o governo americano salvou da
bancarrota a Toyota, encomendando veículos e flexibilizou a política econômica
do Japão em relação aos Zaibatsus (conglomerados industriais/financeiros), cujo
objetivo inicial era dissolvê-los.
Com o fim do Império Otomano, estes aspectos geopolíticos foram importantes para a
divisão do Oriente Médio em espaços geográficos, por parte das potências
ocidentais, “construindo” artificial e arbitrariamente países, indicando as
lideranças e governantes alinhados, de acordo com os seus interesses, sem
respeito às etnias locais e suas respectivas culturas.
“Em 1916, o diplomata britânico Coronel Sir Mark Sykes pegou um lápis de
cera e desenhou uma linha tosca cruzando um mapa do Oriente Médio. A linha ia
de Haifa no Mediterrâneo, no que hoje é Israel, até Kirkuk (agora Iraque), a
nordeste. Tornou-se a base do seu acordo secreto com o homólogo francês,
François Georges-Picot, para dividir a região em duas esferas de influência,
... .
O termo <Sykes-Picot>
tornou-se um símbolo das muitas decisões tomadas no primeiro terço do século
XX, que traíram promessas feitas a líderes tribais e explicam parcialmente a
agitação e o extremismo de hoje” (Marshall, p. 131).
Não menos importante foi o papel da Alemanha apoiando a
independência da Eslovênia e a Croácia na dissolução da Jugoslávia, de acordo
com o major-general Carlos Branco,
observador militar da ONU:
“A Alemanha coagiu ou, se quisermos, chantageou os restantes membros da
Comunidade Europeia (CE): ou o fim da Jugoslávia ou o fim da CE.
Com a implosão da Jugoslávia, o Governo alemão passava a poder incluir a
Croácia e a Eslovênia, antigos aliados na II Guerra Mundial, na área de seu
“interesse vital” e, simultaneamente, conseguir o acesso ao Mar Adriático.
As independências da Eslovênia e da Croácia revestiam-se de um
significado muito especial: pela primeira vez, no pós II Guerra Mundial, a
Alemanha tomava iniciativa política e impunha a sua vontade aos seus parceiros”
(pgs 58/9).
“Um exame desapaixonado do conflito da antiga Jugoslávia tem
necessariamente de ter em consideração o papel desempenhado pelos atores
externos, nomeadamente o grupo de países que do ponto de vista geoestratégico mais beneficiou com a
sua implosão” (p. 269).
No que diz respeito à importância tanto da história quanto
aos fatores estritamente culturais como preconceitos sexuais, étnicos e
religiosos basta lembrar os conflitos étnicos no Oriente Médio, Norte da África
(Líbia, Tunísia), África subsaariana (especificamente Angola).
Entretanto, não menos importantes são as observações do
major-general Carlos Branco na Guerra dos Balcãs:
“Era normal os oficiais croatas bósnios fazerem saudações nazi (“Heil”). Como
também era normal os militares do Exército croata da Bósnia usarem a bandeira
alemã em seus uniformes, o que denunciava a sua proveniência” (p. 53).
Em decorrência destes laços históricos culturalmente
enraizados não seria surpresa outros comportamentos:
“Como as clivagens na Bósnia eram étnicas e sobretudo religiosas, para não
ferir suscetibilidades, deviam-se evitar patrulhas constituídas apenas por
Observadores Militares oriundos de países muçulmanos ou de países cristãos (Branco,
p. 54).
Apesar dos acordos que tinham tornado Mostar numa zona desmilitarizada
sob administração europeia, os sentimentos predominantes entre croatas e muçulmanos
continuavam a ser de desconfiança e ódio (idem, p. 53).
K. desfilava ódio aos muçulmanos, um tema corrente em nossas conversas.
Nunca se inibiu nas suas considerações pejorativas sobre os seus “concidadãos” muçulmanos
(p. 61).
Nem os croatas bósnios abdicavam do seu projeto de integração na Croácia,
nem os muçulmanos do seu projeto hegemônico em relação às restantes etnias bósnias
(p. 65).
E quando os sérvios abriram fogo contra os muçulmanos, “do
topo da elevação”, os soldados croatas não ajudaram os seus “aliados”
muçulmanos e “começaram as hurras e aos pulos de jubilo” (p. 64).
Os curdos no Oriente Médio têm sua própria cultura, não
formam um estado reconhecido, e se alojam nas fronteiras do Iraque, Síria e
Turquia, “desfazendo” as fronteiras artificialmente constituídas, sofrendo
perseguições dos governos destes países.
São do conhecimento geral as turras em que vivem xiitas, sunitas,
alauitas, incluindo a monarquia teocrática da Arábia Saudita adepta do ramo sunita
wahhabismo, que financia a “Al Qaeda”.
Mudando as vistas para a África cito novamente Marshall:
“Os conflitos étnicos dentro do Sudão, da Somália, do Quênia, de Angola,
da República Democrática do Congo, da Nigéria, do Mali e de outros locais são a
prova de que a ideia europeia não se enquadrou na realidade demográfica
africana. [...] Mas o colonialismo forçou a resolução desses desentendimentos
dentro de uma estrutura artificial – o conceito europeu de estado-nação” (p.
112).
Estes aspectos culturais, históricos e geopolíticos se
entrelaçam sendo impossível fazer um diagnóstico preciso da influência de cada
um deles.
Para uma melhor avaliação sobre o tribalismo no Oriente Médio
e África do Norte, me socorro com Guidère. Nas sociedades tribais prevalecem os
sentimentos de fidelidade, lealdade e obediência/submissão ao chefe tribal, “xeque”,
de relações de parentesco, do papel da religião, de alianças entre tribos, que
dão suporte às relações de força e poder, de hierarquização do poder e de
tradições herdadas do passado.
Nestas regiões (países artificialmente constituídos) as
estruturas e representações mentais estão desassociadas dos símbolos e
representações ocidentais, como Estado-nação, cidadania, partidos políticos,
direitos humanos, sociedade civil, democracia. Desta forma, estas representações
são vazias de significado, tendo em
vista que não fazem parte conceitual da realidade vivenciada, “ancoradas no imaginário coletivo e nas práticas
populares” (Guidère, p. 42). Por este motivo um chefe tribal é mais
importante do que um Ministro ou Chefe de Estado.
“Por <tribalismo> é necessário compreender o espírito de pertença à
mesma linhagem, as alianças entre famílias, a lealdade para com o clã, a
submissão ao chefe (Guidère, p. 118).
A noção de cidadão é vazia de conteúdo porque, através do sentimento de
fidelidade, ou de pertença, o indivíduo vê-se como sujeito a outro indivíduo,
... .” (Prefácio, p. 12).
Segundo ainda o autor, especificamente, no caso da Líbia:
“[...] Kadhafi nunca tentou criar um Estado-nação. Ele administrou sempre
o país sem ser um verdadeiro Estado. Assim, na Líbia não existem <cidadãos>
nem <sociedade civil>> no sentido ocidental dos termos. Não existe verdadeiramente
um << exército>>, mas um <<povo em armas>> ou seja, milícias
constituídas por membros de tribos aliadas e dirigidas pelos seus próprios
filhos” (p. 118).
Angola é um exemplo típico. Um caso em que se confundem história e preconceitos étnicos. No período colonial formou-se nos portos costeiros, principalmente em torno de Luanda, uma categoria multirracial chamada de “crioulos”, constituída por brancos, negros e mestiços, que participava do tráfego negreiro, e se distinguia das demais etnias da região (hoje país), por falarem o português fluente, ocuparem os cargos públicos importantes e serem alinhados com Portugal .
Com a independência (1975) do país esta categoria manteve o
monopólio do poder, governando a partir da capital Luanda, ditando as regras de
conduta, hábitos e visão do mundo, usufruindo das relações políticas com o partido-estado
e participando através dessas relações da corrupção, em detrimento das demais
etnias, apelidando-as de selvagens.
Nas palavras de Oliveira:
“Analisados em retrospectiva, estes bastiões do poder português, que
permaneceram sob ocupação permanente, poderão parecer frágeis, mas o certo é
que haviam de constituir o embrião para a posterior conquista do interior,
mantendo-se até hoje, o epicentro político e econômico de Angola. Assim, nunca é
demais insistir na sua importância para a sua importância para a história de
Angola (p. 26).
Angola foi, no entanto, o único território onde este grupo teve um papel determinante na constituição da elite pós-colonial, e só aí a sua cultura muito específica veio a definir a nação(p. 27).
As dinastias comerciais do litoral na época que precedeu a Partilha de África
haviam-se transferido para a administração pública, que marcou o contexto e a
mentalidade da elite angolana no período pós-colonial” (p. 195).
Este estilo de vida faustoso da elite, que poderíamos
designar de oligarquia-burguesa, traz para estes angolanos associados às benesses
do governo, traz hábitos e comportamentos dissociados do trabalho.
“Conforme afirma um executivo, a falta de capacidade e, possivelmente, a
indisponibilidade de aprender demonstrada pelos angolanos traduz-se em <boas
e inúmeras oportunidades de negócio> para si e para seus concorrentes.
A elite angolana não só se mostra despreocupada em relação à sua
presença, que tão bem controla (destaco: em virtude dos vínculos estreitos com
o poder), como a incentiva (idem, p. 119).
É que a elite angolana detém o controle incestuoso de acesso ao
poder, e consequentemente aos negócios, associados, partilhados e administrados
por estrangeiros com competência. Aos muitos angolanos interessam “o estilo
de vida sumptuoso: festas, carros, um cortejo de amantes, etc”, forma como
ascendem socialmente (Oliveira, p. 217).
“[...] os empresários angolanos raramente têm um papel ativo, se é que têm
algum, na gestão de joint ventures com parceiros estrangeiros. Preferem
comportar-se como proprietários em vez de gestores e recolher os seus dividendos
...” (p. 211).
Pelo que podemos deduzir das análises e comentários dos
autores mencionados, podemos concluir que a história se enraíza no
subconsciente social, moldando hábitos, sentimentos, atitudes, crenças e
preconceitos.
No dizer de Oliveira:
“Em resumo, é fundamental conhecer a gênese histórica das instituições
para compreender o seu percurso subsequente. Uma vez consolidadas, adquirem
vida própria e são extremamente difíceis de ignorar. As instituições angolanas
do período pós-colonial foram concebidas num momento delicado e coincidiram com
fatores tão distintos como a independência, a guerra civil, o êxodo dos
colonos, as invasões externas e a existência de uma população que não estava prepara
para assumir a autogovernação” (p. 81).
Essas dissidências étnicas já existiam à época logo
posterior a formação do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), com
disputas pela liderança do partido, quando da assunção por Agostinho Neto. Também,
após a independência, não faltaram purgas aos ex-companheiros. Sobre o assunto consultar
Carlos Pacheco.
Entretanto, por se tratar de um assunto que se coloca no
plano prático, pois muitas barreiras surgirão no desenrolar do processo ou
plano de desenvolvimento escolhido, fica impossível de prever os graus de
dificuldades e as medidas políticas que deverão ser postas em prática para
contorna-las.
3) A CULTURA E O
DESENVOLVIMENTO
Em seu livro “As nações hipócritas”, Há-Joon Chang escreve:
“Como veremos daqui a pouco, é muito difícil definir as culturas de forma
precisa. Mesmo conseguindo fazê-lo, não é possível concluir claramente se uma
determinada cultura é inerentemente boa ou má para o desenvolvimento econômico”
(p. 218).
“Na maioria dos argumentos culturalistas, no entanto, as culturas são
definidas de forma muito vaga” (p. 219).
“Embora a cultura e o desenvolvimento se influenciem mutuamente, a
causalidade é muito mais forte no sentido do desenvolvimento econômico para a
cultura; em grande medida, o desenvolvimento econômico cria a cultura de que
necessita. As mudanças na estrutura econômica alteram a forma como as pessoas
vivem e interagem umas com as outras, o que por sua vez muda a forma como
entendem o mundo e se comportam” (p. 233).
“Assim, para promover traços comportamentais favoráveis ao
desenvolvimento econômico precisamos de uma combinação de exortação ideológica,
medidas políticas favoráveis ao desenvolvimento econômico e mudanças
institucionais que fomentem as mudanças culturais” (p.233/4).
Poderíamos continuar com mais citações, mas estas podem ser
consideradas o cerne do pensamento do autor. E ele apresenta muita coerência ao
arrazoar os seus tópicos.
Basicamente com estes argumentos o autor passa a criticar os
“culturalistas” que inadvertidamente realçam diversos aspectos da filosofia
confucionista como indispensáveis ao sucesso econômico, demonstrando que a
doutrina de Confúcio também contem aspectos que poderiam ser considerados
entraves ao desenvolvimento.
Mas será que cultura é apenas isto? Ou estamos discutindo
apenas um ou poucos aspectos tradicionais do que se considera cultura?
Segundo o autor “é muito difícil definir cultura de forma
precisa” e mais ainda “concluir se uma determinada cultura é boa ou má para o
desenvolvimento econômico”.
Ou seja, para o autor temos que afastar o conceito de cultura
porque ele em nada contribui para o esclarecimento do desenvolvimento econômico
e social. É como se a cultura fosse relativamente neutra ou moldável em relação
ao desenvolvimento econômico. Portanto, ela, em si, conforme a sua crença em
qualificar ou desqualifica-la, não poderia ser obstáculo nem incentivo ao
desenvolvimento econômico.
Entretanto, conforme teremos oportunidade de comprovar,
posteriormente, o autor não deixa de citar, como respaldo para o
desenvolvimento econômico, diversos aspectos relacionados à cultura. Em outras
palavras, ao mesmo tempo em que o autor afasta, em sua concepção, a importância
da cultura para o desenvolvimento econômico não deixa de realçar a relevância
de certos aspectos culturais, sem contudo dar-lhe uma conotação de cultura.
Pode parecer apenas um aspecto sem relevância, mas com este
posicionamento não podemos responder a questão a que este texto propõe clarear,
qual seja: “Obstáculos socioculturais ao
desenvolvimento econômico”.
Ou melhor, como acredito que o conceito de desenvolvimento
econômico está indubitavelmente associado ao conceito de desenvolvimento
sociocultural, poderíamos colocar a questão sobre outra forma: as medidas consideradas
“estritamente” econômicas tomadas (melhor dizer técnicas) em direção ao
desenvolvimento econômico podem ser abortadas ou retardadas por aspectos
culturais?
E aqui não se trata de que certas exortações sejam ou não
favoráveis ao desenvolvimento econômico, mas, sim, se a cultura pode ser um
entrave à busca do desenvolvimento econômico, em sentido teoricamente restrito.
A ideia de que a economia é o alicerce ou a infraestrutura da
sociedade não ajuda a clarear a situação. Isto porque nos traz a conotação de
que primeiro seria necessário implementar as medidas econômicas para
posteriormente construirmos o arcabouço institucional, legal, político,
ideológico, educacional (científico e tecnológico). Não estamos a falar de
engenharia, construções de prédios.
E aqui cabe uma pergunta: como adotar medidas de caráter
estritamente econômicas sem que haja pelo menos uma mudança ideológica, nas
relações políticas, na lei e no aparato institucional?
Estou convicto de que, nas condições atuais, de países
subdesenvolvidos, não é possível implementar medidas econômicas direcionadas ao
desenvolvimento sem que hajam mudanças ideológicas, nas relações políticas, na
legislação, na interpretação jurisprudencial, no aparato institucional, na
visão do mundo dos agentes sociais.
Certo é que determinadas mudanças econômicas e técnicas levam
também a mudanças nos hábitos, atitudes, comportamentos e até na visão do
mundo, como largamente demonstra o autor. Mas em um estágio de
subdesenvolvimento mais acentuado não podemos de antemão estabelecer que em
todas as situações as mudanças se dão sempre nesta direção.
Na maioria dos países latinos a burocracia excessiva e a sua
consequente inércia é mais um exemplo de como as instituições podem distorcer e
contribuir para solapar o desenvolvimento econômico e social. Tomo com exemplo
Portugal e o Brasil, suas tradições e heranças históricas, onde as burocracias
são mais inertes em relação a outros países mais civilizados.
O que se busca é o desenvolvimento econômico, através de
rupturas nas relações políticas, na ideologia, na legislação, nas condições
socioculturais, porque com ele abrem-se perspectivas transformadoras na
sociedade, tendo em vista que a riqueza permite conquistas sociais, como bem
frisou Ha Chang:
“Finalmente, um orçamento do Estado limitado faz com que seja difícil ao
Governo despender recursos na luta contra a corrupção. Para detectar e punir
funcionários públicos desonestos, o Governo tem que recorrer (interna e
externamente) a contabilistas e advogados caros. O combate à corrupção não é barato”
(As nações ..., p. 196/7).
A esta altura seria interessante estabelecermos o que se
entende por cultura. Entre as dezenas de conceito escolhemos, inicialmente, dois:
“É todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a
moral, a lei os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos
pelo homem como membro da sociedade” (Edward B. Tylor, em Cultura- Wikipédia, a
enciclopédia livre, https://pt.wikipedia.org>).
Segundo o “Dicionário básico de filosofia” cultura é:
“o conjunto das representações e dos comportamentos adquiridos pelo homem
enquanto ser social. Em outras palavras, é o conjunto histórica e
geograficamente definido das instituições características de determinada
sociedade, designando “não somente as tradições artísticas, científicas,
religiosas e filosóficas de uma sociedade, mas também suas próprias técnicas,
seus costumes políticos e os mil usos que caracterizam a vida cotidiana”
(Margareth Mead, em Japiassú, p.61).
No primeiro caso temos uma definição bastante ampla e genérica
que não deixa de incluir o conhecimento, a lei e as capacidades adquiridas pelo
homem (que também podem ser técnicas e científicas). No segundo, mais
específico, realçando tanto as tradições quanto as técnicas e seus costumes
políticos.
Mas ambos podem levar a interpretação de que se trata de uma
radiografia de uma sociedade em determinado momento histórico, algo estático,
por assim dizer.
Entretanto, se as relações sociais são dinâmicas, a cultura
não pode ser associada exclusivamente às tradições, porque as sociedades mais
complexas estão sempre incorporando novos valores culturais. Da mesma forma nas
sociedades que almejam o desenvolvimento econômico existirão diversas
subculturas, um processo de introdução
de uma nova subcultura com o objetivo de que venha prevalecer sobre as demais.
Tomando de empréstimo as palavras de Arruda Alvim, devemos
conceber a cultura como um “conceito” aberto, não definido, sempre em processo
de construção e mutação. Para transformar uma sociedade não precisamos estabelecer
o seu conceito específico, mesmo porque a cultura incorpora até mesmo fatores
imperceptíveis, que se apresentarão apenas em determinados momentos sociais e
históricos:
“há ideias que, em si mesmas, dificilmente, comportam uma definição. Mais
ainda, se definidas forem, seguramente – agora no campo da operacionalidade do
direito – passam a deixar de ensejar, só por isso, o rendimento esperado de um
determinado instituto jurídico que tenha sido traduzido por meio de conceito
vago. Com os valores, que são ideias indefiníveis (aporias e, portanto,
inverbalizáveis), o que ocorre é que devem ser indicados por conceitos vagos;
não são nem devem ser propriamente conceituados, mas devem ser apenas
referidos, pois é intensa a interação entre eles e a realidade paralela a que
se reportam. Não há como fazer que fiquem adequadamente cristalizados num texto
de lei, ou que sejam verbalizados de forma plena na lei posta” (p. 38, rodapé
44).
Portanto, não devemos valorizar em demasia a sua definição,
pois corremos o “risco de exclusão de situações que poderiam estar ao abrigo do
mencionado princípio”, ideia (p. 38). Por mais que se queira dizer da cultura
será sempre pouco, porque a sua força também poderá surgir de e em situações inesperadas.
Entretanto, sem fazer qualquer diferença, mas com o objetivo
de realçar outros aspectos, podemos dizer tratar-se de:
“um conjunto de regras, de comportamentos e concepções
formais e informais (morais, hábitos, atitudes, costumes, mitos, símbolos), de manifestações
e representações artísticas (música, dança, rituais, arquitetura), literárias,
religiosas, filosóficas, de conhecimentos científicos e tecnológicos,
adquiridos ou não por instituições educacionais e costumes legais, ideológicos, jurisdicionais, administrativos e políticos que regulam a vida social, sejam
eles tradicionais ou em processo de transformação, ou inovação”.
Damásio destaca a importância dos sentimentos na evolução do homem e, consequentemente, da cultura, afirmando que "foram os catalisadores dos processos de interrogação, de compreensão, e de solução de problemas que melhor distinguem as mentes humanas do das outras espécies." (p. 27), enfim desse processo evolutivo. Pois, "Qualquer tipo de sentimento ou sensação, causados por acontecimentos reais ou imaginários, serviria de motivos e mobilizaria o intelecto.", (p. 31). Em suma, a cultura também molda os comportamentos humanos, bem como a biologia e a genética e isto é a causa do comportamento imprevisível dos humanos.
Por seu turno a lei posta, por si só, não obra milagres e
para surtir os efeitos desejados deverá ser operacionalizada e assimilada pela
sociedade e instituições culturais, conforme nos adverte Ada Pellegrini:
“pois as leis, por si sós, e por mais avançadas que sejam, não são
suficientes. Devem ser vivificadas pela prática de todos os dias os dias, devem
ser aceitas e aplicadas pelo corpo social e pelos operadores do direito em
particular, devem encontrar seu banco de prova na jurisprudência [...]. É
preciso que o operador – o advogado, o membro do Ministério Público, o juiz –
se aproxime dos dispositivos legais e os interprete com o mesmo espírito aberto
com que eles foram cunhados. É preciso quebrar resistências, incentivar a
mudança de mentalidades (nas Faculdades, nas Escolas de Advocacia, do
Ministério Público, da Magistratura), manter os olhos postos na nova realidade,
não incidir no erro fácil de interpretar a lei segundo princípios superados”
(apud Alvim, p. 20, rodapé 5).
E não seria exagero introduzirmos
a ideologia como mais um traço da cultura, porque ela está enraizada em todos
estes comportamentos e atitudes, mesmo na sua vertente marxista, de concepção
de “mundo invertido”.
“Conjunto de ideias, princípios e valores que refletem uma determinada
visão do mundo, orientando uma forma de ação, sobretudo uma prática política” (Japiassú, Dicionário).
Portanto, temos um conceito bastante amplo que não realça
apenas os aspectos tradicionais e não deixa de incluir as relações políticas,
os conhecimentos científicos e as técnicas, a lei, as instituições e as
ideologias e os incentivos materiais e informais, num processo constante de transformação social, associados a um conceito de homeostasia (Damásio).
E veja o leitor como o autor faz uso destes aspectos
culturais com a finalidade de promover o desenvolvimento econômico, devendo-se
destacar a concepção que ele nos traz de cultura e o seu papel:
“Assim, para promover traços comportamentais favoráveis ao
desenvolvimento econômico precisamos de uma combinação de exortação ideológica,
medidas políticas favoráveis ao desenvolvimento econômico e mudanças
institucionais que fomentem as mudanças culturais” (p.233/4).
No Prólogo ao seu livro “As nações hipócritas” Chang nos dá
um panorama de como se deu, o desenvolvimento da Coréia.
Mudanças políticas:
“Depois de ter chegado ao poder num golpe militar, em 1961, o general
Park tornou-se <<civil>> e ganhou três eleições sucessivas. As suas
vitórias eleitorais foram impulsionadas pelo êxito econômico do país através de
seus Planos Quinquenais para o Desenvolvimento Econômico. [...] A meio desse
terceiro mandato organizou o que os latino-americanos chamam de
<<autogolpe>>” (p. 21).
Planos e medidas econômicas:
“O presidente Park lançou um ambicioso Programa de Indústria Pesada e
Química (IPQ) em 1973. [...] Novas empresas foram criadas nas áreas de
eletrônica, maquinaria, produtos químicos e outras indústrias avançadas” (p.
21).
Medidas econômicas e ideológicas:
“O Governo coreano também controlou fortemente o investimento
estrangeiro, acolhendo-o de braços abertos em certos setores, e proibindo-o
completamente noutros, de acordo com a evolução do plano de desenvolvimento
nacional” (p. 28).
Econômica e institucional:
“O Governo detinha todos os bancos, para poder orientar o fluxo sanguíneo
dos negócios – o crédito” (p. 28).
Educação:
“A obsessão do país com o desenvolvimento econômico refletia-se
totalmente na educação. [...] Aqueles que desperdiçavam em coisas fúteis, como
cigarros estrangeiros ilegais, eram <<traidores>>.” (p.21/2).
Ideologia:
“O Governo coreano não vergou o mercado, como fizeram os países
comunistas. No entanto, também não tinha uma fé cega no mercado livre.
Embora tenha levado os mercados a sério, a estratégia coreana reconheceu que em
muitos casos eles têm de ser corrigidos por meio de intervenção política”
(grifo meu, p. 29).
“Na verdade, os
<<economistas de primeira escolha>> podem não ser muito bons para o
desenvolvimento econômico, se tiverem uma formação neoliberal” (p. 250).
Estes são alguns dos aspectos socioculturais palpáveis cujas
transformações deverão dar suporte, conjuntamente com as medidas econômicas, às
mudanças em direção ao desenvolvimento econômico. Mas, existem outros aspectos
socioculturais “intangíveis” que poderão,
em interação com outros, dinamizar ou bloquear o desenvolvimento econômico e
também o crescimento econômico.
Isto é que o distingue o forte capitalismo alemão em
comparação com o francês e o italiano e o estímulo à cultura do
“empreendedorismo” do capitalismo americano. E é também o que distingue o
capitalismo brasileiro: patriarcal, populista, subserviente, sem compromisso
com o risco, de baixa autoestima em relação ao estrangeiro, sem orgulho de suas
conquistas.
O que pretendo dizer é que embora o Brasil tenha relações de
produção capitalista existem certos aspectos culturais que contribuem para que
as medidas relativas ao desenvolvimento econômico não surtam o efeito
(resultado) desejado.
E estes traços culturais não são instantaneamente modificáveis,
pois estão impregnados nas mentes de cada agente social, simplesmente porque não tiveram outra
referência. Por isso, é que se torna indispensável que a educação das crianças e jovens, que irão dar continuidade ao
processo iniciado, não seja uma repetição e esteja de acordo com os novos valores
culturais compatíveis com o desenvolvimento econômico.
Tem razão Ha-Joon Chang quando afirma que “é muito difícil
definir o que é a cultura de um país”. Entretanto não devemos subestimar esses
outros diversos aspectos socioculturais, mesmo que eles não sejam tão evidentes à primeira vista e sejam
difíceis de prever se poderão ou não contribuir para as mudanças.
Já em um dos meus primeiros artigos sobre o tema (“Desenvolvimento e
livre comércio”) escrevia:
“Valores como
perseverança, determinação, esperança, eficiência, patriotismo, compromissos
sociais, autoestima, coesão cultural e
ideológica, criatividade, predisposição para o risco, etc, são “ingredientes” indispensáveis
para fazer com que o país trilhar o caminho para o desenvolvimento econômico (acrescento,
e social).
E dando
seguimento a este assunto, nunca é demais lembrar que os investimentos
estatais, em empresas públicas e de economia mista, foram administrados por
apadrinhados políticos, que pouco se interessavam e não tinham quaisquer
compromissos com os aspectos ligados ao desenvolvimento”.
E também transferiam para o Estado, através de conchavos políticos empresas falidas, ficando esse com os “elefantes brancos”, conforme expressão
popular.
“Enfim, na fase atual do capitalismo, a criatividade,
o empreendedorismo, a inovação, a invenção são também, ou principalmente,
fatores psicossociais que requerem aprendizagem, orientação, instituições
educacionais, amparo institucional (setor de pesquisa e desenvolvimento avançado,
apoio financeiro), infraestrutura, externalidades, coordenação e um estímulo do
meio social que condicionam a mentalidade dos indivíduos para um novo modo de
pensar, de encarar o futuro sob uma perspectiva diferente. E estes estímulos
não são apenas econômicos e financeiros.
Por trás da tecnologia, existem aspectos fundamentais
das relações humanas, formais e informais, todo um sistema cultural, educacional,
estrutura e cultura organizacional, resistências sociais à mudança, disciplina,
compromissos, técnicas de comercialização, mudanças de hábito e atitudes,
indispensáveis e adequadas ao seu funcionamento”.
Em “Em industrialização
e desenvolvimento no Brasil – Aspectos sociais – 1930-1964”, comentários ao
artigo de MaurícioCanêdo-Pinheiro e posteriormente em “A poupança,
investimento, a falácia da poupança externa e outros aspectos do
subdesenvolvimento”, procurei, contrariamente a crença geral, destacar como a
Instrução Sumoc nº 113 trouxe reflexos negativos
tanto no plano econômico quanto no psicossocial. No mesmo sentido, as
divergências ideológicas que se refletiam no plano político e econômico.
Entretanto, o que o autor não nos contou foi que a
Coréia também beneficiou-se da guinda “geopolítica” dos E.U.A. após o término
da 2ª Guerra Mundial, conforme nos conta Fiori em “História, Estratégia e
Desenvolvimento – Os Milagres da Guerra Fria”.
“A
despeito das diferenças históricas e políticas, Alemanha, Japão, Itália e
Coréia foram derrotados e
destruídos – na Segunda Guerra Mundial ou na Guerra da Coréia e depois foram ocupados e transformados em “protetorados
militares” dos Estados Unidos. Logo
depois da guerra, a ideia americana era desmontar as antigas estruturas
econômicas destes países, mas após o começo da Guerra Fria e o fim da Guerra da Coréia, esse projeto
inicial foi substituído por uma política diametralmente oposta de estímulo ao crescimento
econômico, com forte apoio e intervenção dos governos locais e dos
próprios agentes econômicos e instituições privadas do pré-guerra. Por isso,
pode-se dizer com toda a certeza que a lógica da guerra fria pesou decisivamente na origem dos milagres econômicos
e na transformação d’aqueles países em peças centrais da engrenagem econômica
do poder global dos Estados Unidos, …....”
(p.83).
Muitos
angolanos amedrontados, traumatizados e atormentados com os reflexos das brutalidades
(torturas, assassinatos, miséria, insegurança) da guerra civil (1976-2002), que
varou o país após a sua independência, preferem a viver em paz, à margem da
sociedade, sem reivindicarem seus direitos e as melhorias de padrão de vida,
que as rendas do petróleo possibilitam, mas que são desviadas e apropriadas
pela alta cúpula do partido-estado (MPLA) e seus comparsas. Em 2002,com a morte
de Savimbi deu-se por fim a guerra civil.
Metade
da população vive abaixo do nível de pobreza (Burgis), o país ocupa a 150ª
posição no IDH (ano 2014), num rol de 168 países, sendo considerado um dos
treze países mais corruptos do mundo (ano 2016). A filha do presidente é
considerada a mulher mais rica da África e uma das mais ricas do mundo.
Diversos
líderes e altas personalidades do governo e da sociedade destes países “subdesenvolvidos”
adquirem formação acadêmica nos países desenvolvidos, mas voltam a dirigir e
administrar os seus países de acordo com os valores nativos, prevalecendo na
elite o ethos social hedonista,
do dinheiro fácil, da devassidão (Oliveira).
Conforme foi salientado no tópico anterior, fatores
históricos, geopolíticos e socioculturais (preconceitos étnicos, visão do
mundo) concorrem para estas distorções.
Fato é que as transformações que se desejam se dão “quase
sempre” por uma “liderança” política e ideológica e nunca pelas bases da
pirâmide social. Este fato mostra sim que as tradições podem frear o desenvolvimento
se as lideranças não tiverem força, persuasão e apoio suficiente para implantar
tais transformações, muitas vezes a contragosto de diversas camadas da
população e isso está associado aos fatores socioculturais, à “cultura”. Foi
assim na Alemanha com Bismark, nos E.U.A. com os “The Founding Fathers” e no Japão
com o Imperador Meiji, que derrubou o Xogunato.
Não devemos esquecer que a forma como estas “lideranças”
conduzem o processo diz muito sobre os aspectos socioculturais do país,
inclusive a sua “história”. Um país
que tenha fortes tradições históricas de conflitos marcantes tanto internos quanto
externos deverá ter maiores dificuldades de trilhar este caminho de forma
pacífica. Por este motivo é que as transformações implantadas pela Noruega e Finlândia
foram diferentes das da Coréia do Sul e as transformações na China estão
acontecendo sob um regime de força.
Segundo Chang:
“Em outubro de 1979, quando eu era um estudante do ensino secundário, o
presidente Park foi assassinado inesperadamente pelo chefe de seu próprio
Serviço de Inteligência por descontentamento popular crescente relativamente à
sua ditadura e à crise econômica após o segundo choque do petróleo. Seguiu-se
uma breve <<primavera de Seul>>, com esperança democrática a
florescer. Mas ela foi brutalmente eliminada pelo governo militar seguinte,
liderado pelo general Chun Doo-Hwan, que tomou o poder após duas semanas [...]”
(As nações ..., p. 24).
Após o término da 1ª Guerra Mundial o antigo Império Otomano
foi desmembrado e o Oriente Médio dividido entre as nações vencedoras.
Criaram-se, em função de seus interesses,
nações fictícias, artificiais, sem respeitar as peculiaridades socioculturais
da região. Esses fatores voltaram a influenciar a região de forma bastante dramática
após a insurgência da Primavera Árabe. Diversos países encontram-se divididos
entre facções adversas, cada qual colaborando e impondo a sua desordem.
Os conflitos na região continuam intensos, a ponto de dizerem
que a “única coisa em que os árabes concordam é que não concordam em nada”.
“Contudo, o amálgama de etnias dificultou a criação de uma identidade
nacional que sobrepujasse o clã, o espírito tribal e a solidariedade familiar.
Conforme observou T.E. Lawrence, que organizou a revolta dos árabes contra o
Império Otomano e despertou-lhes o nacionalismo na Primeira Guerra Mundial, os
povos que habitavam o Oriente Médio eram dogmáticos, desprezavam a dúvida, não
viam meios-tons, senão as cores primárias, o preto e o branco, nos seus
instintos profundos e extremos ...” (Bandeira, A Segunda Guerra Fria, p. 246).
“E conquanto existissem diferenças históricas, sociais e políticas e suas
estruturas de Estado e instituições fossem distintas, nunca houve consciência
nem tradição democrática em nenhum dos países árabes, tal como se desenvolveu
no Ocidente. [...]. Suas raízes históricas, políticas e culturais eram diversas
das que determinaram o desenvolvimento da democracia na Europa e Américas”
(idem, p. 244).
Em sentido contrário, a Noruega com a descoberta do petróleo
no Mar do Norte na década de 60 promoveu um desenvolvimento econômico e social
invejável. Mesmo com o petróleo representando 35% de suas exportações,
diversificou sua economia, educou sua população, fez mudanças na infraestrutura
do país de forma a dar aos seus cidadãos um nível de vida muito acima de todos
os outros países que são também ricos em petróleo, medidos em pelo Índice de
Progresso Social, tais como: Kuwait (45º), Arábia Saudita (65º), Venezuela
(81º) e todos os demais países africanos ricos em petróleo, com baixíssimos
índices.
Da mesma forma as mudanças econômico-sociais da Finlândia depois
de sua libertação da Rússia em 1917 se deram sem tomadas de poder, golpes,
ditaduras, mas por mudanças na legislação como a limitação a propriedade
estrangeira nas empresas (fato frisado por Chang).
No capítulo IX – O Oriente e o Ocidente – e no capítulo X –
Escravo, animal e máquina – de seu livro, Freire descreve de forma bastante
minuciosa como a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, sob a proteção inglesa,
e a consequente mudança nas relações comerciais entre os países “abarrotou”
(relativamente) o mercado brasileiro de produtos ingleses, com grandes transformações
na vida sociocultural.
Estando o país vivendo sob o regime econômico escravocrata as
novas mercadorias não eram largamente acolhidas pelos senhores de escravos,
cujos hábitos, tradições e demais situações culturais e econômicas travavam as
mudanças que se anunciavam.
Por fim, o autor afirma que, não por uma questão sociológica,
o medo da febre amarela afastou a imigração de ingleses e outros europeus para
o Brasil:
“Foi como se a febre amarela tivesse tomado por si a tarefa de retardar,
no Brasil, a vitória sobre o patriarcalismo rústico, encarnado nos homens de
mais de sessenta anos – raramente atingidos pelo mal – do capitalismo ou do
tecnicismo burguês representado principalmente por estrangeiros ainda jovens:
por ingleses, franceses, portugueses de sobrado ou de loja; (p. 688).
No artigo “Industrialização e desenvolvimento no Brasil: 1930
– 1964”, mais precisamente no tópico “O que o protecionismo não explica”,
comento aspectos da vida cotidiana do país que não são explicados por razões
econômicas, mas por fatores socioculturais: infraestrutura sanitária
deficiente, estradas esburacadas, hospitais sem recursos, sucateamento do
Incra, ônibus municipais sem cadeiras, criminalidade, fuga de cérebros, etc.
Insisto no que afirmei na Conclusão do mesmo artigo:
“Além disso, os fracassos obtidos no tocante à qualidade de vida e aos
serviços de infraestrutura não podem ter explicações eminentemente econômicas,
pois se referem à cultura de um povo, colonizado por um país decadente, que já
não tinha qualquer expressão internacional. A cultura do apadrinhamento sempre
esteve presente através do coronelismo (acrescento “populismo”) e se perpetuou
em nossa cultura, trazendo sentimentos de impotência, fragilidade e falta de
autoestima”.
O desvirtuamento e o inchaço nos quadros do Partido Comunista
Soviético por pessoas sem quaisquer vínculos ideológicos, uma burocracia com
poder paralelo, foi uma das preocupações de Lenin após a “consolidação” da
Revolução (Ver Leôncio Martins Rodrigues
– “Lenin: o partido, o Estado e a burocracia”, em www.scielo.br>scielo e Bettelheim, Charles “A luta de classes
na U.R.S.S.”). E ao que tudo indica o Brasil padeceu com o “populismo”.
Há que se destacar que no Índice de Progresso Social de 2016
o Brasil se situa na 46ª posição, com boas avaliações no tocante “Tolerância e
inclusão” e “Liberdade individual e de escolha”. Mas, em relação ao item
“Segurança Pessoal”, sua posição é sofrível e dramática, 123º no total de 133
países. Em “Disponibilidade de moradia adequada” ocupa a 96ª posição e em
“Acesso a banheiros adequados” a 72ª.
Isso é mais intrigante quando se verifica que a Índia, um
país mais pobre que o Brasil, ocupa a 98ª posição, tem uma renda per capita de
1/3 da brasileira e uma taxa de criminalidade sete vezes menor (taxa de 21 versus
3,4). “G1 – Brasil é o 11º país mais inseguro do mundo conforme o (IPS) - Índice
de Progresso Social” - em g1-globo.com>notícia>2014/04. O mesmo se diga quanto
à criminalidade na China, cuja taxa se situa em 1%. Para maiores esclarecimentos o leitor deve
consultar “Lista de países por taxa de homicídio intencional” em https://pt.wikipedia.org>wiki>lista _de... .
Isoladamente estes índices e aspectos da vida social podem
nos dizer muito pouco sobre o desenvolvimento econômico e social de um país,
mas são significantes quando considerados em conjunto com outros aspectos
culturais e por isso não podem ser descartados.
4) CONCLUSÃO
Ao longo destas páginas, acredito que ficou bastante claro a
importância dos aspectos socioculturais, geopolíticos e históricos no que tange
ao problema do desenvolvimento dos países ou regiões, muitos deles não
abordados pelo economista.
Estes fatores se entrelaçam, se combinam e se opõem de
diversos modos sendo impossível estabelecer um critério que sirva para todos
indiscriminadamente. Em cada país haverá um peso diferente e a forma como devem
ser abordados, visando um mesmo propósito; inclusive, deverá também ser diferenciada nos diversos momentos históricos com que se defronta cada nação ou região.
Outrossim, por isso mesmo, que não existe uma receita de bolo
a ser aplicada indistintamente aos países que almejam o desenvolvimento, muito embora possamos realçar
certos aspectos dignos de destaque, como bem frisou o autor. Mas estes exclusivos e nem são
garantias de sucesso.
O pragmatismo do economista Há-Joon está muito associado a um
viés típico dos economistas, que desprezam outros estatutos "científicos", mas, conforme vimos, cada região geográfica tem as suas
peculiaridades. Elas se combinam e se entrelaçam
de diversas maneiras, daí porque ser impossível destacar somente alguns poucos elementos, sendo o assunto bem mais complexo.
Em determinados casos, ou momentos históricos, tornam-se muito relevantes os aspectos
geopolíticos, em outros os fatores históricos tornam-se mais importantes e outros
casos os aspectos socioculturais são determinantes.
No Prefácio ao livro major-general Carlos Branco encontramos
uma abordagem de rara felicidade em relação à história e a cultura, que
gostaria de reproduzir, para que os leitores possam fazer uma maior reflexão sobre a importância do assunto:
“De alguns países se diz que têm “demasiada História”, querendo-se com
isso significar que o peso obsessivo de memória atrapalha o presente e
condiciona demasiado o futuro. Juntamente com o Oriente Médio, os Balcãs são,
muito provavelmente, das regiões do mundo onde esse fardo excede a
razoabilidade, carreando para os dias de hoje expressões identitárias em
conflito, que estão muito longe de se esbaterem e virem a facilitar amanhã
quaisquer compromissos. São terrenos onde às etnias se cumulam as ideologias e
as religiões, com nacionalismos doentios a adubarem as emoções, onde as
lideranças políticas se reforçam pela execução zelosa da agenda primária dos
populismos, ou do revanchismo, sem a menor propensão para pedagogias
apaziguadoras dessas mesmas tentações radicais”.
Neste ensaio, confesso que abusei em citações, mas não com
outro intuito senão de colocar ao alcance do leitor alguns trabalhos que podem não
estar totalmente disponíveis, evitando dar a minha opinião sobre e fatos e
assuntos que não presenciei, mais específicos
para aqueles que vivenciaram e se dedicaram a uma análise mais aprofundada, com
entrevistas e outros métodos de pesquisa que lhes foram acessíveis. Desta forma dei mais credibilidade à importância dos assuntos
que foram relegados pelo economista Há-Joon Chang.
Entretanto, as medidas propostas pelo economista Ha-Joon Chang, embora importantes, estão muito longe de serem garantias de sucesso, porque o processo de desenvolvimento econômico tem uma característica eminentemente política, passando por questões geopolíticas internacionais, históricas, socioculturais, ideológicas, profundamente arraigadas, em determinados casos, conforme frisei.
Bem demonstram os problemas do Oriente Médio fatiado em
estados-nação artificiais pelas nações ocidentais, após a queda do Império
Otomano. Os seus problemas internos são alimentados por questões geopolíticas
internacionais, ambivalentes, em nome de uma realpolitiks, que ferem os princípios éticos, morais e jurídicos, com apoios a regimes teocráticos em alguns
casos e invasões em nome de uma ideologia democrática em outros, trazendo um
caos para a população civil local.
A contradição chega a tal ponto que podemos questionar se os Estados
Unidos e seus aliados têm realmente interesses em terminar com os conflitos na
região, onde os pactos atendem aos interesses espúrios do complexo
militar-industrial, sempre sob uma roupagem ideológica democrática.
Como bem colocou Reginaldo Nasser em apresentação ao livro “A
origem do Estado Islâmico”:
“Sim, é possível e provável que erros de análise e de compreensão de fenômenos
sociais e políticos sejam cometidos, mas será que é razoável supor que o aparato
diplomático-militar dos Estados Unidos seja tão despreparado a ponto de cometer,
reiteradamente, erros grosseiros? Ou podemos ter também como hipótese que talvez
o fracasso da guerra possa ser de fato o seu sucesso?” (Cockburn, p. 24).
Jamais podemos esquecer que foi durante o período da Guerra Fria,
com a eclosão da Guerra da Coréia, que alguns países da Ásia tiveram uma relação
política e econômica diferenciada comparativamente a diversas outras nações do
globo. Essa política almejava alavancar o crescimento dos países da região,
frente as “ameaças” ideológicas que a proximidade da União Soviética, da China maoista e da Coréia do Norte representavam.
Conforme comentei em artigos anteriores, foi durante a Guerra
da Coréia que a empresa automobilística japonesa Toyota foi salva da falência
em virtude dos contratos de fornecimento de equipamentos firmados com os
americanos. E foi em decorrência dessa mudança de eixo na política
internacional, que os acordos alinhavados com o Brasil foram relegados pelo
presidente Eisenhower.
Não tenho informações precisas sobre as políticas de cooperação
dos países ocidentais com a Coréia do Sul, mas, num primeiro momento, custa-me
crer que somente os esforços internos deste país, sem um apoio internacional
das nações desenvolvidas, foram suficientes para lançar o país no caminho do
desenvolvimento.
Por outro lado, não devemos subestimar a importância de diversos
outros aspectos socioculturais e históricos, muitos dos quais se encontram invisíveis, mas que surgem com grande
força em determinadas circunstâncias socioculturais não previsíveis.
Os dois bons livros de Ha-Joon Chang, escritos para não
economistas, sem qualquer rigor para com conceitos econômicos, que muitas vezes
mais obscurecem que esclarecem, e este é um dos seus méritos, relativamente enriquecidos
com fatos históricos, trazem importantes temas quebrando, de forma simples e
objetiva, ideologias e crenças comuns sobre as razões das diferenças econômicas
das nações e, de certa forma, como superá-las.
Acredito, entretanto, que a sua concepção de cultura está
muito ligada à “tradição”, além da preocupação em conceitua-la, conforme:
“É muito difícil definir o que é a cultura de um país. A questão torna-se
mais complicada pelo fato de tradições culturais muito diferentes poderem
existir num único país, mesmo em países supostamente <<homogêneos>>
como a Coréia” (p. 233).
E mesmo que o autor reconheça que a cultura (tradição) é
mutável, isto não resolve o problema. Será que as transformações “pacíficas”,
sem golpes e ditaduras que ocorreram na Noruega e Finlândia foram simplesmente
obras do acaso, ao contrário do que se sucedeu na Coréia do Sul, com um golpe
militar que perdurou 19 anos, com o general Park, seguido de outro golpe
militar? Seria possível um golpe militar nos dois países citados e uma
transformação pacífica na Coréia? Seria possível a adoção de certas medidas
econômicas na China atual sem a centralização de poder? Porque países que
adotam planejamentos econômicos parecidos alcançam resultados distintos e
alguns não conseguem se desenvolver?
Como observei acima, diversas são as formas políticas em que
estas transformações econômico-sociais se dão, e isto nos diz muito sobre as tradições, as relações socioculturais e a
história de cada país.
Pergunta-se: Porque os Estados Unidos da América se
interessam tanto em divulgar e incutir em outras nações os seus diversos valores
culturais, através dos meios de comunicação, mesmo quando alguns estão na
contramão de sua própria realidade?
O mesmo se diga dos cursos de mestrado e doutoramento das
principais Universidades de Economia e Finanças, notadamente Chicago, que
divulgam e doutrinam os estrangeiros sobre a importância da teoria dos
“mercados racionais” e do “livre comércio” para alavancar o desenvolvimento.
Será apenas por diletantismo ou humanismo? E porque nossas elites
e a classe média copiam, aceitam e propagam?
Também, seria bem vinda uma contribuição mais aprofundada
sobre a importância da empresa multinacional tanto para o desenvolvimento econômico
quanto ao seu bloqueio, sua estratégia, seu
“modus operandi”, por questões
econômicas, políticas e sociais. E como
elas travam o desenvolvimento através da padronização de produtos e processos
produtivos.
Simplesmente dizer que “O capital tem nacionalidade” e que os
países centrais concentram a investigação e definição de estratégias de alto
nível não me parece ser suficiente. Trata-se de um fato concreto, empírico, mas
sem relevância teórica.
Nos artigos mencionados, principalmente no artigo “Poupança, investimento e a falácia da
poupança externa”, mencionei como sob a proteção da Instrução Sumoc nº 113,
as empresas multinacionais se beneficiaram da importação de máquinas e
equipamentos obsoletos, com consequências muito importantes sobre a
industrialização brasileira.
Com isto e sob forte proteção tarifária produziam bens
obsoletos que não competiam com os bens de suas matrizes, agravando os problemas do Balanço de Pagamentos, através
das remessas de lucros, abrindo espaços para uma exagerada política
protecionista e contribuindo para abater
os ânimos e a autoestima do empresariado brasileiro, relegando-o para uma
posição secundária, que por sinal permanece.
Por outro lado, a falta de uma definição mais clara entre
desenvolvimento e desempenho econômico permite afirmações como esta:
“Depois há as situações da Coréia do Sul, Taiwan, Singapura e Brasil nas
décadas de 60 e 70, ou a China de hoje que tem progredido muito bem em termos
econômicos debaixo da ditadura”(em “As nações hipócritas”, tópico “Democracia e
desenvolvimento econômico”, p. 208).
E outra, ao que tudo indica, um pouco precipitada:
“A ascensão da empresa simboliza o milagre econômico do Moçambique
moderno. [...] Desde então, porém, o milagre econômico transformou numa das
economias mais ricas da África, situando o país solidamente entre os países de rendimento
médio-elevado. Com um pouco de sorte e suor, Moçambique poderá inclusivamente
conseguir juntar-se às fileiras das economias mais avançadas nas próximas duas
ou três décadas” (“As nações...”, p.16).
A afirmativa do autor se baseia no sucesso da empresa Três
Estrelas ao descobrir uma nova tecnologia “à base de hidrogênio que substituirá
o álcool como principal fonte energética” (p.15).
Ora, convenhamos que, por mais que a invenção seja tão relevante,
é muito pouco para se apostar no desenvolvimento econômico do país, sem que se
tenham outros indicadores econômicos e socioculturais relevantes, como, por
exemplo, a sinergia entre as empresas, os índices de alfabetização, a
qualificação, a qualidade dos ensinos técnicos superiores, o apoio governamental
à pesquisa, à invenção e inovação, etc.
Suas expectativas concentram-se na exploração de petróleo e gás
natural e sobre isto nada podemos dizer, no momento em que se vislumbram
grandes transformações no setor energético.
No momento em que escrevo este artigo Moçambique passa por
uma crise política, econômica, financeira e cambial em decorrência da queda dos
preços internacionais de matérias-primas e um período de seca (“A situação
atual de Moçambique”, em www.mercados estrategias.com>news).
Além disto, está em trégua (até quando?) de uma crise
político-militar, entre as forças governamentais e a adeptos da Resistência
Nacional Moçambicana.
Ou seja, todos os ingredientes que podem obstruir o processo
de desenvolvimento e até crescimento econômico sólido. Pelo andar da carruagem
o país precisará de muita, muita sorte mesmo, para alavancar o desenvolvimento.
Segundo a analista Charlotte King, do instituto de pesquisa
Economic Intelligence Unit, Londes:
“Uma parte da dificuldade em implantar estas medidas é a elevada resistência de políticos e setor
privado, habituados a um Estado despesista” (grifo meu)
Em 2016, o país situava-se na 117ª posição em relação ao
Índice de Progresso Social, num total de 133 países. Com relação ao IDH
situa-se em 165º, atrás de Haiti, Congo, Libéria, Guiné-bissau, estando entre “Os
“top-10” países mais pobres do mundo”, conforme podemos constatar em www.verdade.com>nacional.47892.
Por outro lado, pelo menos com relação ao Brasil e possivelmente
à China de hoje, sabe-se que eles conseguiram um bom desempenho econômico, mas
não alcançaram o patamar de países desenvolvidos.
E o Brasil, na realidade, não avançou em direção ao
desenvolvimento econômico durante o chamado “milagre”, na época já muito criticado por diversas
correntes econômicas, pelo crescente grau de endividamento externo, da
composição da pauta de importação e exportação, da produção e financiamento de “bens
de consumo duráveis” para a classe média, da dependência externa.
Já no ano de 1974 grassou a crise econômica em decorrência da
crise do petróleo e na década seguinte (denominada a década perdida) enfrentou
a crise da dívida externa. Decorridos 32 anos da extinção do regime militar o
país não alavancou nem decolou rumo ao desenvolvimento.
As generalizações são sempre perigosas. Países de tradições
milenares, arraigadas, e diversas etnias terão maiores empecilhos culturais
mesmo que desenvolvam relações capitalistas em alguns setores.
A Constituição da Índia (1947) proíbe a discriminação por
castas, idade, sexo. Também o país editou leis que aprovam o sistema de cotas
nas universidades para os “dalits”, classe mais desfavorecida. Entretanto, a grande
maioria dos casamentos ainda se dá entre pessoas da mesma casta e nas relações
de emprego a contratação ainda leva em consideração, mesmo informalmente, a casta (“O sistema de castas
na Índia – Wikipédia” em https: pt.wikipedia.org>wiki>sistema_).
É bem verdade que este fato não impede que as relações
capitalistas sobrevivam e avancem, mas conjugado com diversos outros fatores
socioculturais inibe o desenvolvimento das potencialidades da economia, de uma
economia que precisa correr mais depressa para alcançar as outras.
Como o conceito de desenvolvimento é relativo os obstáculos
que retardam o desenvolvimento econômico podem aumentar o GAP entre desenvolvidos
e subdesenvolvidos, ou seja, estes continuariam subdesenvolvidos.
Este desenvolvimento econômico que estamos a falar e a
procurar não é simplesmente um melhoramento ou evolução das condições
econômicas da sociedade, um desenvolvimento qualquer, mas um conceito medido
relativamente em relação às nações líderes, que reduza o mais possível o GAP
econômico e sociocultural entre as nações, reduzindo a excessiva dependência e
as relações adversas entre elas. E segundo diversos autores, embora tenha
havido melhoras este GAP tem se acentuado.
Poderíamos a esta altura fazer uma distinção entre
crescimento e desenvolvimento. Tomando a realidade brasileira como parâmetro,
não podemos negar que as condições de vida de grande parte da sociedade
melhoraram comparativamente ao passado. O país se industrializou, possui um
grande parque industrial, entretanto não se desenvolveu no sentido que aqui
procuramos dar. Ele também não se confunde com a riqueza de um país.
O desenvolvimento econômico se dá quando o país está de certa
forma na vanguarda tecnológica, inventando e inovando bens e processos de
produção, adequando-os às suas potencialidades. Quando a tecnologia traz e possibilita melhores condições de vida
para a população. Ele permite que o
país tenha também um desenvolvimento sociocultural, mas não significa que os
dois corram pari passu.
O desenvolvimento sociocultural se dá quando o país consegue
oferecer à sua população condições dignas de sobrevivência, boas condições de
salubridade, acesso à educação e à saúde, emprego, segurança, liberdades
políticas, religiosas, etc., em níveis socialmente mais equânimes.
Por outro lado, para o autor dos livros, em termos teóricos, o
desenvolvimento social, em diversos aspectos torna-se apenas um apêndice do
desenvolvimento econômico, sem muito destaque para as peculiaridades entre os
dois e o fato de que o desenvolvimento social não ocorre pari-passu com o desenvolvimento econômico. O que não deixa de ser uma contradição, porque esta ideia está mais associada à político liberal.
No entanto, creio, que os seus exemplos superam em grande
parte este lapso teórico, pois o economista procurou salientar mais os aspectos
práticos, evitando celeumas desnecessárias.
Entretanto abriu espaços para críticas de oposicionistas. Os
capítulos “O mercado livre não existe” e “É necessário que os mercados
financeiros se tornem menos eficientes”, que constam do livro “23 coisas ...” são
dignos de nota, com argumentos inovadores.
Se o desenvolvimento econômico é um pré-requisito para o desenvolvimento sociocultural (este parece ser
o dilema) existem descompassos entre os dois “conceitos”. Daí porque alguns
países menos desenvolvidos economicamente apresentam um maior grau de desenvolvimento
social.
O nível de renda per capita embora seja mais um indicador não
nos diz suficientemente sobre o desenvolvimento econômico se não for
relativizado e não estiver acompanhado também por outros parâmetros, como uma
melhor distribuição de renda, nível de alfabetização, infraestrutura eficiente
(compatível com os outros setores produtivos), grande maioria da população
incorporada às relações de trabalho, elevada produtividade do trabalho e da
economia, economias que não sejam altamente dependentes de tecnologia, instituições
voltadas para dinamizar a economia e dar estabilidade aos negócios (inclusive
legais e jurisprudenciais), baixa inflação em períodos de médio e longo prazo,
pauta de exportação diversificada (com produtos de valor agregado).
De certa forma, ainda podemos identificar alguns aspectos que
levam os países economicamente desenvolvidos a serem considerados líderes e
para isto não podemos deixar de lado a vanguarda nas indústrias de alta tecnologia,
a contribuição para a ciência e tecnologia, para a inovação, o lançamento e
difusão de novos produtos e consequentemente uma padronização dos consumos e
dos métodos de produção.
São os países que de alguma forma comandam o desenvolvimento
tecnológico, que incorporam melhor as mudanças sem enormes distorções, embora a
“globalização” e o “neoliberalismo” tenham nos jogado para limites perigosos.
Veja o leitor que assim como a cultura o conceito também é um
tanto vago porque além de comparativo (entre os diversos países) as sociedades
evoluem, com mudanças econômicas, políticas, tecnológicas e culturais.
Portanto, trata-se de um conceito histórico, pois mesmo um
país considerado desenvolvido no passado poderia ser considerado não
desenvolvido no presente, ao perder competitividade. É lógico que este fato é
difícil de ser verificado porque os países que primeiro se lançaram no modo de
produção capitalista mantiveram esta liderança. No entanto, ocorreram mudanças de posição
entre as nações e algumas passaram ao bloco dos desenvolvidos deslocando a
posição de outras.
E quanto ao desenvolvimento social que não necessariamente acompanha
pari-passu o econômico, e muitas vezes inverte o processo da relação entre os
dois conceitos?
Para este conceito, conta não só o desenvolvimento econômico como:
a distribuição e concentração de renda (índice Gini) mais igualitária,
assistência e acesso à saúde e à educação, apoio aos desamparados e
desempregados, direitos políticos, liberdade de expressão, criminalidade (índice de presidiários),
corrupção, conscientização ecológica (ex: indústrias poluidoras e esforços para
suplantá-la), pré-conceitos e conflitos raciais, estabilidade política,
garantias legais efetivas ao direito dos hipossuficientes.
Levando estes aspectos em consideração podemos constatar que
muitos países europeus podem ser considerados socialmente mais desenvolvidos
que os Estados Unidos da América, embora este país seja a potência econômica
mundial. Reconheço a difícil tarefa de sopesar todos estes aspectos para obter-se
uma classificação ao nível de país. E isto não é o objetivo deste artigo.
Nisto peca a classificação do Índice de Desenvolvimento
Humano, mundialmente difundido, que além de apresentar poucos elementos em sua
composição também peca em não tentar qualifica-los, o que por sua vez se torna
uma tarefa hercúlea.
Exemplifiquemos: o nível de renda per capita não mostra a
distribuição de renda e o índice de alfabetização não avalia a qualidade do
ensino, muito menos por áreas específicas.
Para um melhor esclarecimento, cito uma passagem do livro de
Chang sobre o Índice de Percepção de Corrupção:
“O índice deve ser considerado com cuidado. Como a sua designação indica,
mede apenas a “percepção” revelada por inquéritos a técnicos e empresários, que
têm seus próprios preconceitos e conhecimentos limitados....Por exemplo, em
mitos países a prática de atribuir cargos públicos a membros do partido seria
considerada corrupta, mas não é assim nos EUA. Aplicar, por exemplo, a
definição finlandesa de corrupção tornaria os EUA mais corruptos do que indica
o índice (os EUA foram classificados em 17º lugar. Além disso, muita da
corrupção ocorrida nos países em desenvolvimento passa pelo pagamento de
subornos por empresas de países ricos (por vezes até mesmo governos), o que não
é captado na percepção de corrupção de países ricos" (Chan” em “As nações
...”, p. 197, rodapé).
Explorando um pouco mais o assunto, cito Moniz Bandeira:
“Outrossim, o professor Nouriel Roubini, da Stern School of Business da
New York University, durante o encontro de Davos (Suiça), em janeiro de 2015,
comentou, em entrevista ao jornalista Tom Leene, da rede Bloomberg News,
que muito dificilmente os Estados Unidos poderiam superar a enorme desigualdade
social porque seu sistema político foi baseado na “legalized corruption”, o que
significa que os ricos, bilionários, com maiores recursos, podiam subornar
políticos, e era o que geralmente faziam”.
“O economista Thomas Piketty, autor da obra LE Capital aux XXI, ressaltou
que “a igualdade proclamada dos direitos do cidadão contrasta com a
desigualdade real das condições de vida [...]” (Bandeira, e “A desordem
mundial”, p. 57).
Poderíamos ir adiante, com várias citações, preenchendo todo
este artigo. Diga-se, de passagem, que este sempre foi o meu ponto de vista,
motivo pelo qual escrevi um artigo postado neste site sobre a corrupção nos
Estados Unidos, que em breve pretendo enriquecê-lo com novos fatos.
Mas, é interessante observar como este país, um dos mais
corruptos que se tem história, consegue, com todos os seus mafiosos, através de
filmes que conquistam o mundo, passar a mensagem de que foram e continuam a ser
o país onde a justiça sempre prevaleceu.
Não faz muito que John Kennedy para se eleger presidente
angariou, através de seu pai, apoio de Sam Giancana, mafioso que controlava o
sindicato dos trabalhadores de Chicago. Os vínculos da família Kennedy com o
crime organizado pode ser encontrado em: “John Kennedy: sexo, escândalos, poder
e corrupção – Jornal Opção - www.jornalopção.com.br>.. ...>imprensa” e em inúmeros livros e artigos sobre
o assunto.
Quando falamos em desenvolvimento nos referimos ao que se entende
na atualidade, sob uma ótica do mundo ocidental capitalista, porque este
“conceito” e seu oposto surgem com o capitalismo.
Países ricos, como outrora fora a Argentina (citado por
Chang), estavam longe de serem desenvolvidos, conforme hoje se entende. Da
mesma forma, países de hoje que possuem enormes reservas de petróleo ou minerais
podem ser ricos, mas “não desenvolvidos”.
Quais foram os problemas teóricos e práticos enfrentados pelo
Brasil em relação ao desenvolvimento econômico-social?: instabilidade política;
divergência ideológica na concepção dos projetos de desenvolvimento econômico; falta
de coordenação entre os setores econômico e sociocultural; ideologia
desenvolvimentista com foco apenas na industrialização por empresas nacionais e
estrangeiras; favorecimento às empresas internacionais na importação de
tecnologia defasada com produção de produtos também defasados tecnologicamente e
sem acesso ao mercado internacional, em decorrência dos interesses das empresas
multinacionais, na expectativa de que elas trariam o desenvolvimento
tecnológico; mudanças nas relações internacionais com dificuldades de acesso ao
crédito internacional; estrangulamento do Balanço de Pagamentos decorrente do
modelo de modelo de substituição de importações (MSI); falta de coordenação
entre os setores públicos e privados na pesquisa e desenvolvimento científico e
tecnológico, disputa política e ideológica nas instituições responsáveis a dar
suporte ao desenvolvimento econômico (exemplo BNDS).
Ora, a simples importação de tecnologia (lembrem-se que foi
defasada) não cria de forma espontânea e automática cientistas e técnicos e
muito menos centros de pesquisa e tecnologia, principalmente quando estão a
cargo de empresas internacionais que mantinham os seus controles nos países de
origem, de acordo com suas estratégias econômicas e políticas específicas.
A pesquisa científica e tecnológica nos tempos modernos se dá
com o apoio e a colaboração entre setores públicos e privados, em razão dos
interesses de longo prazo dos países, das incertezas dos frutos a colher, dos
níveis de investimentos necessários, da necessidade de créditos. Por isso,
deixar a cargo de empresas multinacionais o desenvolvimento tecnológico de um
país é um suicídio. Em regra, os seus interesses a nível internacional “se
limitam” à difusão e padronização de produtos e processos produtivos, concebidos nas matrizes e em países desenvolvidos.
E foi isto que o Brasil fez. Acreditou-se que a simples
industrialização, designando e beneficiando as empresas multinacionais com
esperanças que elas fossem os motores do desenvolvimento, seria suficiente para
o salto qualitativo do desenvolvimento econômico.
Já no plano cultural, muito comum hoje no Brasil, o assunto
se limita a considerar como solução para o desenvolvimento o enfoque “estritamente”
educacional. Ou seja, com mais educação o problema automaticamente se resolve.
Já tratei deste assunto em artigos anteriores, comentando sobre “A fuga de
cérebros”, que ocorre no país, embasados em diversos artigos publicados em
jornais e revistas. Diga-se de passagem que este assunto já era comentado pelos
autores marxistas na década dos 70.
É importante que se frise que não existe esta educação
genérica, o elixir que resolverá todos os problemas do desenvolvimento
econômico.
Para surtir os efeitos desejados e auxiliar no
desenvolvimento econômico ela deverá ser dirigida para setores técnicos específicos,
condizentes com os objetivos. Os obstáculos ao desenvolvimento não serão
superados se o país concentra a educação em filosofia, história, sociologia,
economia, letras, direito e similares, muito embora estas “pseudociências”
continuem ter importância para a sociedade e sua cultura.
A mudança “educacional” deverá ocorrer em direção às ciências
e tecnologias, compatíveis com os objetivos almejados porque o desenvolvimento
econômico capitalista requer transformações tecnológicas, sem as quais ele não
ocorrerá. O capitalismo “se alimenta”
das transformações científicas e tecnológicas, sendo eminentemente uma
sociedade científica e tecnológica.
Queiramos ou não a autoestima, a perseverança, a abdicação do
presente em relação ao futuro e um pouco de patriotismo também fazem parte do
caldo cultural, da matéria prima que deverá ser moldada para pavimentar o
caminho do desenvolvimento.
Termino aqui este artigo com a esperança de ter trazido
alguma contribuição para o debate sobre o papel da cultura no desenvolvimento
econômico-social.
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