INCONSTUTUCIONALIDADE E
ILEGALIDADE NA APURAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL NA ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS POR PESSOA
FÍSICA
Objetivo
Algum tempo atrás, um famoso tributarista cunhou a frase de
que no Brasil existia um verdadeiro “carnaval fiscal”, em virtude das inúmeras
leis, decretos, instruções normativas que eram promulgadas e editadas em exíguo
espaço de tempo, que também se conflitavam.
Podemos aí imaginar a dificuldade que tinham os profissionais
da área para acompanhar a legislação fiscal interpretando com exatidão os
textos das “leis”.
De uma certa forma, já não podemos afirmar que a situação
continua como antes em alguns seguimentos, tendo em vista que também houve uma
contribuição da economia com a sua relativa estabilidade. No entanto, se
verifica um “aprimoramento” e sofisticação fiscal com o intuito de penalizar
mais o contribuinte.
Este, por sinal, foi o objetivo dos meus artigos “O confisco
nas aplicações financeiras” e
Neste artigo procuro demonstrar que a atual legislação que
trata da apuração do lucro tributável dos ganhos de capital da pessoa física,
relativos a imóveis, em determinadas situações, infringe o conceito de renda,
fundamento para a cobrança do imposto do mesmo nome.
Para tanto, será necessário fazer um comparativo com a
legislação que vigorava antes da atual legislação, com o objetivo de fornecer
ao contribuinte os elementos que possam auxiliá-lo em uma tomada de posição que contrarie os
interesses mais imediatos da Fazenda.
Escolhi como base de comparação a Lei 7.713/88 porque ela
ainda mantinha os mesmos fundamentos e critérios das leis anteriores que
tratavam do assunto, ou seja, a correção monetária do custo do imóvel e o
benefício de desconto do lucro inicialmente apurado de 5% (cinco) por ano, para
efeitos de apuração do lucro tributável.
Este trabalho será dividido nos seguintes tópicos: 1)
objetivo; 2) comentários sobre a legislação; 3) comparativo entre os
dispositivos da Lei nº 7.713/88 e a legislação atual; 4) conclusão.
BREVES COMENTÁRIOS
SOBRE OS GANHOS DE CAPITAL
Começamos este tópico reproduzindo artigos da Lei nº 7.713/88.
Art. 15. Para o cálculo do ganho de capital, todos os
direitos e bens pertencentes ao contribuinte e dependentes legais, qualquer que
seja a sua natureza e independentemente de seu emprego ou localização, a partir
de 1988deverão er registrados na declaração de bens em quantidade de OTN.
Art. 17. O valor de aquisição de cada bem ou direito,
expresso em cruzados novos, apurado de acordo com o artigo anterior, deverá ser
corrigido da seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 7.959, de 1989)
I - até janeiro de 1989, pela variação da OTN;
II – nos meses de fevereiro de fevereiro a abril de 1989,
pelas seguintes variações: em fevereiro, 31,2025; em março, 30,5774; e em abril
9,2415;
III – a partir de maio de 1989, pela variação da BTN.
Durante este período de elevada inflação foram editadas as
Leis nºs 7.799/89, 7.959/89 e Medida Provisória nº 114/89, regulamentando a
matéria.
Por seu turno, o artigo 18 trata do benefício fiscal,
relativo à redução de 5% ao ano, sobre o ganho de capital apurado, para o
cálculo do lucro tributável.
Art. 18. Para a apuração do valor a ser tributado, no caso de
alienação de bens imóveis, poderá ser aplicado um percentual de redução sobre
os ganhos do capital apurado, segundo o ano de aquisição ou incorporação do bem,
de acordo com a seguinte tabela: (art. 139 do RIR/99)
Parágrafo único: Não haverá redução, relativamente aos
imóveis cuja aquisição venha a ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1989.
Portanto, o valor do bem de aquisição ou incorporação
continuou a ser atualizado para efeitos do cálculo do lucro tributável,
eliminando-se o benefício de 5% anual, a partir de janeiro de 1989.
Para que o leitor tenha uma ideia da evolução, porém sem a
necessidade de adentrarmos nos pormenores do “carnaval fiscal”, foram editadas
as Leis nºs 8.383/91 e 8.981/95, conforme consta da redação do artigo 128 do
RIR/99, para os bens adquiridos entre 1º de janeiro de 1992 até 31 de dezembro
de 1995:
Art. 128. O custo dos bens ou direitos adquiridos, a partir
de 1º de janeiro de 1992 até dezembro de 1995, será o valor de aquisição.
§ 9º. Para os bens adquiridos até 31 de dezembro de 1995, o
custo de aquisição poderá ser corrigido até essa data, observada a legislação
aplicada ao período, não se aplicando qualquer correção após essa data (Lei nº
9.249, de 1995, arts 17 e 30).
Art. 131. Não será atribuída qualquer atualização monetária
ao custo dos bens e direitos adquiridos após 31 de dezembro de 1995 (Lei nº
9.249, de 1995, art. 17, inciso II).
Portanto, durante um certo período o contribuinte se viu
despojado de seu histórico direito de corrigir o custo de aquisição do bem para
efeitos de cálculo do lucro tributável, bem como do percentual de redução de 5%
anual sobre o ganho de capital apurado.
Evidente, que com estas medidas a Secretaria da Receita
Federal se via exposta a uma enxurrada de questionamentos judiciais sobre a
legalidade de tais dispositivos, pois tratava-se de um verdadeiro avanço sobre
o patrimônio do contribuinte, desfigurando o conceito de renda (art. 43 do
CTN), um verdadeiro confisco (art. 150, IV, da CF).
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
IV-utilizar tributo com efeito de confisco;
Mais uma vez sem querer acompanhar as nuances do “carnaval
fiscal”, decorrido algum tempo o Governo editou a Lei nº 11.196, de 2005,
permitindo um fator de redução do ganho do capital apurado, nestes termos que
nos interessa:
Art. 40. Para a apuração da base de cálculo do imposto de
renda incidente sobre de capital por ocasião da alienação, a qualquer título de
bens imóveis realizada por pessoa jurídica residente no país, serão aplicados
fatores de redução (FR1 E FR2) do ganho de capital apurado.
I - ...............;
II – FR2=1/1,0035, elevado o denominador em m2, onde m2
corresponde ao número de meses-calendário ou fração decorridos entre o mês
seguinte ao da publicação desta Lei ou o mês de aquisição do imóvel, se
posterior, e a sua alienação.
No site da Receita Federal, Perguntas e Respostas IRPF 2016,
pergunta 609, “Redução sobre ganho de capital”, está “decorridos entre o mês de
dezembro de 2005, ou o mês ...”
Portanto, ocorrido um lapso de tempo o contribuinte volta a
ter o direito a um fator de redução sobre o ganho de capital apurado, (redutor FR2), para efeitos do cálculo do
lucro tributável, sem, entretanto, ter direito a atualização monetária do custo
de aquisição.
Pelo fator de redução RF1, que aqui não nos interessa, a
redução opera a partir de janeiro de 1996, para imóveis alienados após novembro
de 2005.
Se o contribuinte passou ou recuperou o seu direito, o que
nos interessa é a qualidade deste direito, ou a sua dimensão, comparativamente
ao que vigorava na Lei nº 7.713/88, e anteriores, que disciplinavam a apuração do
lucro tributável dos ganhos de capital de imóveis.
COMPARATIVO ENTRE A
APURAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL NA ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS ENTRE AS LEIS nºs 7.713/88
E 11.196/2005
Conforme foi informado na introdução o objetivo deste
trabalho é apurar se as novas regras sobre a apuração do lucro tributável na
alienação de imóveis fere algum preceito legal ou constitucional.
Para isto, temos que verificar se o benefício de redução
compensa o antigo direito à correção ou atualização do custo de aquisição do
bem, que por motivos óbvios diminuía a base tributável.
Para isto abrimos mão do percentual de redução de 5% ao ano,
por se tratar de um benefício que era concedido gratuitamente.
Chamo de ponto de equilíbrio a condição em que o lucro tributável
pela nova legislação se iguala ao lucro tributável apurado pela Lei nº 7.713,
com a simples atualização.
Legislação atual:
LT1= (R - C) – FR (R - C)
Onde:
LT1 é o lucro tributável
FR é o fator de redução (Lei nº 11.196/05)
R e C, são respectivamente valor de venda a vista e custo de
aquisição.
Lei nº 7.713/88:
LT2= R – C – mC
Onde: LT2 é o lucro tributável apurado pela regra da
permissibilidade da dedução da atualização monetária e “m” é o índice de
atualização monetária.
Então:
R – C – mC = R – C -
FR (R – C)
Donde:
mC = FR (R – C),
C = FR (R – C)/ m
Ora, se FR = m
C = R – C, ou 2C = R
Em resumo, quando m = FR, o custo de aquisição tem que ser a
metade do valor da venda.
Deduz-se também que se o custo de aquisição for maior do que
50% do valor da venda o índice de atualização “m” (inflação) deverá ser menor
que o FR para que a igualdade permaneça.
Inversamente, quando o custo de aquisição é menor do que 50%
do valor da venda a inflação “m” deverá superar o FR.
Ora, dificilmente, ou, as vezes por um pequeno espaço de
tempo “m” é igual FR.
Apenas para exemplificar, o FR para 12 meses é 4,105990% e o
IGP – M (FGV), um dos índices que mede a inflação, para 12 meses é de 11,63%.
Neste caso, o custo de aquisição deveria ser 35,3052% do
lucro apurado (L – C).
O leitor poderá perguntar quando ocorre uma situação
desfavorável a ele aplicando o RF. Uma das respostas é: quando o custo de
aquisição for maior que 50% e o índice de atualização monetária for superior ao
FR.
E em que situação ocorre uma situação desta. Em crises como a
que estamos vivendo, cujos preços dos imóveis subiram absurdamente em passado
recente, estão estagnados ou em queda, e a inflação continua maior que o FR. Ou
quando a venda se der em curto espaço de tempo, sem que haja especulação, por
que a inflação no Brasil é sempre acima do FR.
Entretanto, a questão não para por aí. O tópico seguinte
aborda a questão.
O FR NAS SIMULAÇÕES
PARA VENDA DE IMÓVEIS
Não bastassem os prejuízos materiais que poderão ocorrer com
a utilização do novo FR (fator de redução) a simulação que fizemos para a venda
de um imóvel com o mesmo preço de venda e o mesmo custo de aquisição, para
diferentes prazos, mostrou também um prejuízo para o contribuinte à medida que
o prazo aumenta.
Isto porque de acordo com a fórmula do FR, à medida que se
alonga o prazo entre a aquisição e a venda o FR diminui.
Este fato agrava mais a situação do contribuinte porque o
índice de inflação tenderá superar com mais facilidade o percentual do FR.
Fazendo simulações com o aplicativo dos “Ganhos de Capitais”,
programa da SRF, encontramos os seguintes índices para os seguintes prazos:
Prazo entre compra e venda FR
6 meses 2,074513
12 “ 4,105990
24
“ 8,043389
7 anos (84 meses) 25,434086
10 anos (120 meses) 34,476452
O contribuinte poderá ver que são pequenas perdas, mas a
questão não é esta. Isto mostra apenas que hoje a SRF está cercada por um
cabedal de técnicos que impõem ao contribuinte uma situação desfavorável,
imperceptível ao cidadão comum e mesmo aos técnicos.
VENDA DE IMÓVEIS POR
NÃO RESIDENTES
A situação é mais escandalosa quando se trata da tributação
dos ganhos de capital de imóveis alienados por não residentes, ou seja,
estrangeiros.
De acordo com o livro de “PERGUNTAS E RESPOSTAS DO IRPF DE
2017”, encontramos:
117) NÃO RESIDENTES – RECEBIMENTO NO BRASIL
“A alienação de bens e direitos situados no Brasil por não
residente está sujeita à tributação definitiva sob a forma de ganho de capital,
à alíquota de 15%.
Na apuração do ganho de capital por não residente não se
aplicam as isenções e reduções do imposto previstas para os residentes no
Brasil”.
559) CUSTO DE AQUISIÇÃO
“O custo dos bens ou direitos adquiridos das parcelas pagas a
partir de 01/01/1996 não está sujeito à atualização”.
608) NÃO RESIDENTE – BENS NO BRASIL
“Dessa forma, o ganho de capital auferido nas operações com
bens situados no Brasil sujeita-se à legislação tributária brasileira, sofrendo
incidência do imposto à alíquota de 15% (art. 18 da Lei nº 9.249/95) ou na
hipótese de haver acordo entre o Brasil e o país de residência do alienante, o
determinado neste ato internacional, se essa hipótese estiver expressa no
acordo.
O ganho de capital é determinado pela diferença entre o valor
de alienação e o custo de aquisição do bem ou direito atualizado até 31/12/95,
com base nos índices da Tabela de Atualização do Custo de Bens e Direitos anexa
a IN SRF nº 84/2001. O custo dos bens e
direitos adquiridos a partir de 01/01/1996 não está sujeito a atualização”.
Claro está que o não residente sofrerá uma tributação sobre a
parcela não atualizada, quer seja ela de atualização propriamente dita, de
acordo com a desvalorização da moeda nacional, quer de atualização cambial, que
seria o mais correto.
Ou seja, com esta legislação, o não residente que investisse
uma certa quantia em dólar ao vender o seu imóvel, dependendo das condições de
mercado nos atos espaçados de compra e venda, provavelmente, poderá não reaver
a quantia investida, correspondente ao seu valor em moeda estrangeira,
aplicado.
E mesmo que consiga reaver o valor originalmente investido no
imóvel, estará pagando um valor de imposto de renda incidente sobre o
patrimônio.
Um verdadeiro confisco, conforme o inciso IV do artigo 150 da
Constituição Federal, tendo em vista que
o não residente também é também em “tese” um contribuinte.
Nesta altura me pergunto qual o alcance do disposto no caput
do artigo 5º da Constituição Federal, com a interpretação dada pelo Supremo
Tribunal Federal.
Art. 5º - “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e a propriedade, nos seguintes termos:”.
Cito Pedro Lanza em Direito Constitucional Esquematizado,
2014:
“O caput do artigo
5º faz referência expressa somente aos brasileiros (natos ou naturalizados, já
que não os diferencia) e a estrangeiros residentes no País. Contudo, a esse
destinatários expressos, a doutrina do STF vêm acrescentando, mediante
interpretação sistemática, os estrangeiros não residentes (por exemplo,
turistas), os apátridas e as pessoas jurídicas”(p.1061).
CONCLUSÃO
A história da tributação no Brasil está eivada de
ilegalidades em todos os sentidos.
Seja através da simples falta de correção da tabela de rendimentos,
a manipulações dos índices de correção (atualização) monetária, das ORTN’s
(Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional) que serviam de índices de
correção tanto nos cálculos das operações de ganhos de capitais das pessoas
físicas, quanto nas correções das demonstrações financeiras das pessoas
jurídicas.
A falta de previsão legal para que os bens e direitos sejam
atualizados (tanto para brasileiros ou estrangeiros) significada a tributação
desta atualização, e isto configura, conforme procurei demostrar, uma
tributação sobre o patrimônio do contribuinte, pois não se está a tributar a
renda.
Além de não ser renda, o que caracteriza uma ilegalidade,
pois não prevista em lei, ainda não existe no Brasil um imposto sobre o
patrimônio. E se este viesse a ser previsto não seria uma tributação sobre
qualquer valor, devendo haver uma tributação sobre o que a lei irá
considerar grandes fortunas.
Para efeitos de imposto de renda da pessoa física, a correção monetária somente pode ser
considerada renda quando o principal
também estiver sujeito à tributação.
No caso presente, de alienação de bens e valores, os bens
adquiridos não constituem renda, pois, em tese, os rendimentos que os
adquiriram já foram tributados, ou foram rendimentos isentos, previstos em lei.
Houve apenas uma “troca” de ativos, moeda (dinheiro) por imóvel, não havendo
acréscimo no patrimônio do contribuinte.
É de se concluir, portanto,
que as suas respectivas correções monetárias ou cambiais (para os
estrangeiros) dos bens imóveis deverão ser isentas de tributação do imposto de
renda pessoa física, por não se tratarem de renda.
Já de longa data que a jurisprudência e a doutrina reconhecem
que as atualizações monetárias em casos como este não representam ganhos de
capital, passíveis de tributação, como pretendem os técnicos do governo. Na
verdade, eles sabem disto e por isso utilizam de meios escusos para avançar no
patrimônio do contribuinte.
O problema é que estas manipulações estão ficando mais
sofisticadas. Uma delas se verifica na tributação das operações de aplicações
financeiras de renda fixa, que foi objeto de um artigo neste mesmo site.
Dá-se um benefício, no caso uma redução do lucro tributável,
para encobrir uma outra forma de tributação ilegal e inconstitucional, que no
final das contas sempre beneficiará o fisco.
E até que os técnicos se debrucem sobre o assunto, quando se
defrontam com situações reais, muito já não poderá ser feito, porque já perdeu
o direito de questionar judicialmente.
Diante desta situação qual seria o remédio legal para frear
estas ilegalidades.
Se o contribuinte efetuar uma venda e a apuração do ganho de
capital for prejudicial a ele, de acordo com a legislação em vigor:
1) recolher o tributo na forma que lhe é favorável;
2) caso a legislação atual lhe seja desfavorável, entrar com
uma ação declaratória de inexistência de tributo ou do fato gerador, da parte
questionável;
3) fazer um depósito judicial em consignação, referente a
diferença entre o imposto apurado na forma da legislação atual e outro com base
na atualização monetária do custo de aquisição, com fundamento nos artigos 156,
VIII e §2º do 164.
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