quinta-feira, 9 de julho de 2015

INDUSTRIALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL - ASPECTOS SOCIAIS


 

 

INDUSTRIALIZAÇÃO E DESNVOLVIMENTO NO BRASIL

ASPECTOS POLÍTICOS E SOCIAIS

(1930 – 1964)

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

No artigo “Desenvolvimento e livre comércio” tive a oportunidade de expressar o meu pensamento sobre a impossibilidade de se alcançar o desenvolvimento econômico através das forças de mercado, principalmente na fase atual do capitalismo, sem uma participação de um ente político que tivesse poder decisório sobre os rumos do processo.

 

Na mesma ocasião procurei demonstrar que o processo de substituição de importações também trazia obstáculo ao desenvolvimento, porque não atacava simultaneamente problemas referentes às sinergias, as potencialidades e as fragilidades, principalmente quando baseado em uma ideologia bastante liberal, na expectativa que os mecanismos de mercado suprissem as suas próprias deficiências. Este é um dos pontos que procuro aprofundar neste trabalho, com base no exemplo da realidade brasileira.

 

Faço proveito do artigo de Maurício Canêdo-Pinheiro, publicado em “Desenvolvimento econômico – uma perspectiva brasileira”, que me deu a oportunidade de aprofundar as minhas convicções a respeito do capitalismo brasileiro e o fracasso de sua política desenvolvimentista.

 

Outrossim, em tópico específico, aproveito para fazer comentários sobre a questão da “hostilidade em relação ao capital estrangeiro de risco”, assunto abordado em artigo de Renato Fragelli Cardoso, publicado no mesmo  livro,

 

Independentemente dos artigos a que me refiro, preferi abordar aspectos relevantes dos problemas do desenvolvimento econômico brasileiro, valendo ressaltar as diferenças de enfoque em relação aos trabalhos mencionados, principalmente no que tocante à intensidade de certos fatores.

 

Um exemplo é a abordagem sobre a importância do capital estrangeiro no processo de desenvolvimento brasileiro e a conclusão de que existia no país uma hostilidade a esse capital.

 

Conforme afirmei naquele trabalho, continuo com o ponto de vista que o processo de desenvolvimento é uma conquista social, que se dá no plano politico, ideológico, educacional, econômico, dos valores cotidianos arraigados, enfim cultural, no sentido mais amplo, não se submetendo aos aspectos estritamente econômicos, principalmente já naquela fase do capitalismo.

 

Durante o período o Brasil conviveu com a presença constante de 4fantasmas:

 

1)golpe militar: no tópico “Cenário político”, trago informações sobre as ameaças de golpe que rondaram os presidentes no período citado, antes, durante e depois de suas posses;

 

2) estrangulamento externo, decorrente de uma pauta de exportação de produtos primários bastante restrita e inelástica, com a necessidade de aquisição de divisas para a importação dos bens necessários à industrialização, e do próprio processo de substituição de importações. Na visão cepalina, criticada posteriormente, agravado também pela deterioração dos termos de intercâmbio, desfavoráveis aos países periféricos.

 

No artigo “Desenvolvimento e livre comércio” afirmei que, ao contrário do que supunham os economistas, o processo de substituição de importações não se esgota em cada fase, estimulando à passagem da fase imediatamente posterior, porque o processo de desenvolvimento é constante, com a crescente inovação de produtos e processos, que se concentram nas economias mais desenvolvidas, alicerçada na divisão internacional do trabalho, que realimenta o processo, na política de investimentos das empresas multinacionais, nos conflitos de interesses das empresas multinacionais com suas matrizes e outros fatores de ordem social, que serão mencionados no curso deste artigo.  

 

Fonseca cita essa tendência ao estrangulamento externo com base nas evidências fáticas:

 

“[...] quando, na verdade, para substituir algumas importações precisa-se partir para outras, fruto da demanda derivada, sem contar com os novos itens que vão aparecendo internacionalmente e que tendem a ingressar na pauta de importações dos países de industrialização tardia, pois sua industrialização não acompanha o mesmo ritmo da inovação dos países centrais” (p. 260).

 

“Dessa forma, pode-se dizer que no modelo de substituição de importações o problema da busca de divisas é constante, e o estrangulamento externo, antes de ser solucionado, reaparece em cada conjuntura, o que estimula que sejam implementadas novas ondas de substituição” (p. 260).

 

3) inflação, tendo como causa diversos fatores como: problemas no câmbio,  crise no BP, formas e métodos necessários para alavancar a industrialização, problemas e gargalos de infraestrutura não resolvidos, passando, evidentemente, pela conturbada conjuntura política, cuja instabilidade desestimula os investimentos de longo prazo e incentiva a especulação. Surge a concepção cepalina de uma inflação estrutural, decorrente de uma economia dual, baseada em um setor atrasado e um moderno;

 

4) divergências com o FMI para a obtenção de empréstimos externos, com exigências para a adoção de medidas necessárias para as suas liberações, de forma a aliviar os problemas do BP. 

 

Neste artigo, o leitor não encontrará comentários sobre os aspectos mais estritamente econômicos, tendo em vista que existe nos compêndios de economia um vasto material sobre o assunto. No que diz respeito à inflação, o debate não poderia deixar de lado a visão cepalina, que teve grande repercussão na política econômica do Brasil, à época, com a concepção de uma economia dual, representada por um setor arcaico e outro moderno, que criava obstáculos à modernização do país. A bibliografia selecionada auxiliará nesta empreitada. Consultar, em especial, Oliveira em “Economia brasileira: crítica à razão dualista”.    

 

Por fim, cabe uma ressalva: será humanamente impossível fazer uma retrospectiva apurada de um período tão rico em diversidades, com muitos fatores desencadeados por outros submersos e adormecidos, que não foram possíveis de serem detectados.

 

Informações não plenamente disponíveis e divulgadas para avaliarmos os lobbies, os acordos e conchavos políticos, práticas que não se coadunavam com os objetivos fixados, em benefício de grupos, setores e indivíduos. Até mesmo outros fatores que possam parecer irrelevantes, mas que podem ter desencadeado outros fenômenos.

 

O apadrinhamento, que sempre rondou a nossa herança cultural, prospera em um ambiente político instável e se torna o meio do caminho para a corrupção generalizada.

 

Nada matematizado. São apenas pontos de vista que não podem ser comprovados cientificamente, experimentalmente, mas que, no entanto, são indispensáveis para um melhor entendimento do processo de desenvolvimento.

 

Além da introdução, este artigo foi dividido nos seguintes tópicos: 1) Breves comentários sobre o artigo de Maurício Canhêdo; 2) O cenário político; 3) A hostilidade em relação ao capital de risco; 4) De onde vem o protecionismo e o que ele não explica?; 5) Planejamento, coordenação e execução; 6) O processo de substituição de importações (PSI); 7) Conclusão.

 

 

BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO DE MAURÍCIO CANÊDO

 

Logo na Introdução de seu artigo, o autor nos dá uma breve pista de qual será a orientação do seu trabalho, no tocante aos aspectos relevantes do processo de desenvolvimento brasileiro, com destaque à proteção excessiva em setores.

 

“Ao longo deste capítulo pretende-se mostrar que, em comparação com países do, leste asiático, a política industrial brasileira das décadas passadas teve várias falhas em sua concepção, em especial a proteção excessiva (e por tempo indeterminado) de vários setores” (grifo meu, p. 381).

 

No Resumo do trabalho, o autor volta a destacar o problema da proteção excessiva, entretanto com menos ênfase, mas dando-lhe ainda um papel de destaque:

 

“Nesse sentido, a diferença entre o sucesso e o fracasso está no modo como são construídos os incentivos para as empresas e setores comtemplados pela política industrial. Proteção excessiva por tempo indeterminado, ausência de metas e regras de saída, barreiras para a importação de insumos e adoção de novas tecnologias –características típicas da experiência brasileira – parecem ser a recita certa para o fracasso” (p. 402).

 

Outrossim, o autor parece depositar na no protecionismo excessivo toda a “responsabilidade” pelas tecnologias defasadas e pelo isolamento da competição internacional. Em outras palavras, faz derivar a defasagem tecnológica da proteção excessiva:

 

“No Brasil, ao contrário, o mercado doméstico se manteve durante muito tempo isolado da competição internacional e nenhuma sinalização de redução de proteção foi emitida. [...] Mais uma vez, trata-se de resultado previsto pela teoria econômica: mesmo quando as falhas de mercado justificam o uso de política industrial, setores excessivamente protegidos tendem a se desenvolver usando tecnologias defasadas” (grifo meu, p. 397).

 

“Nesse sentido, a proteção excessiva e por tempo indeterminado, além de dificultar o processo de absorção de tecnologia, reduz os incentivos para investimento em pesquisa e desenvolvimento e inovação” (grifo meu, p. 398).

 

Não deixa de ser verdade que a proteção econômica excessiva e indeterminada traz problemas na adoção de tecnologias mais modernas. No entanto, é bom frisar que iniciado o processo a defasagem tecnológica também demanda proteção. O processo é dialético e os dois momentos se auto-reforçam.

 

Um ponto a destacar, que será abordado no tópico específico, diz respeito à falta de referência das empresas multinacionais nos aspectos tocantes à defasagem tecnológica.

 

Enfim, o autor chega à conclusão que existiram semelhanças nas políticas implementadas tanto no Brasil quanto no Leste Asiático, perguntado e respondendo no tópico “Quais as diferenças, afinal?”: “o que explicaria a diferença de desempenho entre os países?”.

 

 

O CENÁRIO POLÍTICO

 

O objetivo deste tópico não é fazer um levantamento pormenorizado da situação política da época, mas apenas relatar alguns acontecimentos marcantes que permitem avaliar a instabilidade política durante o período.

 

Por este motivo, evito julgamentos e opiniões político partidárias, ideológicas ou morais, e procuro destacar os fatos que, de certa forma, permitem avaliar o clima de instabilidade política reinante, em virtude dos choques de interesses, que alcançaram o ápice no governo Goulart.

 

Em artigos anteriores tive a oportunidade de manifestar minha opinião sobre a questão do desenvolvimento, afirmando que ele, em seu aspecto global é uma conquista social e não exclusivamente econômica. Medidas econômicas ousadas são politicamente postas em prática, apoiadas e garantidas institucionalmente pelo poder político.

 

Não existe uma “economia” dissociada dos valores culturais, políticos e ideológicos como parecem crer os economistas clássicos. O desenvolvimento econômico é uma conquista social, fortemente alicerçada na política, que desempenha um papel de destaque. Não é possível implementar um projeto de desenvolvimento sem um respaldo político. O caos político sempre leva ao caos econômico.

 

Aspectos gerais

 

Parece não restarem dúvidas que todos estes aspectos levantados pelos autores mencionados contribuíram para estancar e desvirtuar o processo de desenvolvimento brasileiro.

 

Entretanto, cabe ressaltar que estes impasses não possuíram as mesmas intensidades nos diversos momentos históricos de nossa história. Cada um sofreu períodos de descontinuidade, tiveram impulsos, retrocederam dependendo das circunstâncias políticas, de formas diferentes.

 

Tento fazer um retrospecto, mesmo superficial, do período que começa em 1930 até o início dos anos de 1964, começando por identificar o cenário político desse período.

 

Visualizemos este cenário. Um setor exportador tradicional cafeeiro e açucareiro nordestino. Este último decadente, mas com forte representatividade política, inclusive a nível nacional, pleiteando benefícios e proteção; um setor agrário não desprezível, tendo em vista o lento processo de urbanização; uma burguesia e um proletariado urbanos em ascensão no eixo Rio-São Paulo; uma classe média intelectualizada, elitista, com grandes divergências ideológicas, que reivindicavam maior representatividade (tenentistas, integralistas e comunistas); divergências ideológicas quanto ao processo de desenvolvimento econômico (estruturalistas, tradicionalistas; assunto abordado em tópico específico); interesses estrangeiros associados a setores da burguesia nacional (Falleto & Cardoso); grandes disparidades regiões e regiões pouco exploradas (Amazônia, Acre, etc) que necessitavam de representatividade em vista do pacto federativo.

 

Some-se a isto uma “elite” intelectual militar politizada que esteve à frente ou participou dos diversos movimentos políticos importantes durante o período, com constantes ameaças de golpes militares, que, finalmente, se concretizou em 1964.

 

Em seu depoimento, Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, confessa:

 

“Naquele tempo, eu via os problemas do Brasil e da América Latina através das Ligas Camponesas, através do Nordeste, através da minha região conflitiva, atrasada e dominada pelas forças oligárquicas mais retrógadas”( www.geneton.com.br).

 

Nesse sentido, levando-se em consideração as grandes disparidades regionais, podemos dizer que a classe capitalista emergente, localizada principalmente em São Paulo, era “provinciana”. Não tinha e não teve um projeto de integração a nível nacional, deixando a cargo do Estado Federal esta responsabilidade. Preocupava-se em concentrar todo o poder econômico neste Estado, chegando a deter em torno de 40% da riqueza nacional.

 

Nenhum desses “setores” conseguiu uma ascendência inquestionável, política e ideológica, sobre os demais. O setor exportador, por sua tradição no poder, onde fincou raízes, e pela necessidade do país adquirir divisas para importação, continuou influente politicamente.

 

Diante deste quadro político social bastante explosivo, seria natural a alternância de poder, com pactos e concepções diferentes e, consequentemente, sem uma continuidade na política econômica.

 

Com um ambiente politico conturbado e alternâncias políticas “radicais” era difícil dar consistência e continuidade às políticas econômicas e sociais anteriores. A alternância de poder entre Partido Trabalhista Brasileiro e Partido Social Democrata não se resumiam a assunção temporária do cargo presidencial eletivo. Basta olhar para o suicídio trágico de Vargas e os discursos inflamados de Leonel Brizola.

 

A UDN, representada por setores conservadores, jogava abertamente contra todos e muito bem nos bastidores, ajuda na eleição de Jânio e contribui para a sua renúncia.

 

Políticos do Partido Social Democrata, da UDN e de outros com expressões estaduais, conspiravam a favor da “revolução”, esperando participação no butim político.

 

Seria bastante difícil levantar todos os pormenores deste período para avaliar os impasses políticos, mesmo porque muitos não são evidentes. Os planos podem estar legalmente previstos, mas necessita-se pô-los em prática. Eles podem ser bloqueados, desviados de suas metas, realizados com qualidade inferior ao previsto e, até mesmo, para eles não serem destinados os recursos previstos e necessários, ou simplesmente retardados.

 

Os parágrafos a seguir nos dão um panorama mesmo que superficial do ambiente político conturbado desse período, mas que servem aos nossos propósitos:

 

Getúlio Vargas (1930-1945):

 

Em outubro de 1930, o presidente Washington Luís é deposto por um golpe de estado liderado por Getúlio Vargas.

 

Nomeação de diversos integrantes do movimento tenentista, como Interventores nos Estados.

 

Revolução Constitucionalista de 1932, em virtude da insatisfação da oligarquia cafeeira e de setores da classe média de São Paulo, com a perda da autonomia estadual.

 

A Intentona Comunista e o “Plano Cohen”, este apoiado por integralistas, criam o ambiente propício para a instalação do Estado Novo, com o respaldo militar.

 

A Constituição de 1937 “suprimiu” a liberdade partidária, a independência entre os três poderes e o próprio federalismo existente no país, Vargas fechou o Congresso Nacional e criou o Tribunal de Segurança Nacional”.

 

Em razão da simpatia com os países do eixo, ou da “neutralidade”, houve conflito de interesses com os E.U.A., que chegou a cogitar a invasão do nordeste brasileiro.

 

“O Manifesto dos Mineiros foi um documento de 1943 que marcou o início da oposição aberta ao Estado Novo, criticando abertamente o regime ditatorial daquele período”.

 

“No dia 29 de outubro de 1945, Getúlio Vargas foi deposto por um golpe militar, sendo conduzido ao exílio na sua cidade natal, São Borja”.

 

Getúlio Vargas (1951-1954)

 

“Frases do escritor, político e jornalista Carlos Lacerda em Jornal da Imprensa , em 1 de junho de 1950, a respeito de Getúlio: “O senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato a presidente. Candidato não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

 

João Batista Lugardo “garantiu que foi Dutra que garantiu a posse de Getúlio, não permitindo que nenhuma conspiração militar fosse adiante”.

 

Carlos Lacerda, líder da UDN, e seu opositor mais ferrenho direcionava as suas baterias para a corrupção.

 

Outro momento tenso foi o Atentado da Rua Toneleros contra Lacerda que culminou com a morte do major Rubens Florentino Vaz, atribuído à guarda pessoal de Getúlio.

 

Em fevereiro de 1954, o Manifesto dos Coronéis, exigia a demissão do Ministro do Trabalho, João Goulart que pretendia estender os benefícios aos trabalhadores rurais e aumentar o salário mínimo aos níveis de 1940.

 

“O manifesto dos Generais, de 22 de agosto de 1954 pede a renúncia de Getúlio”.

 

Sobre a política de “conciliação” de Vargas, cito Fonseca:

 

“Pode parecer estranho que os segmentos agrários fizessem parte da aliança de sustentação a esse projeto, cuja prioridade à indústria era indiscutível. Mas é preciso, em primeiro lugar, ter presente que desde que assumiu o governo e 1930, Vargas, embora tenha tirado do centro do poder os antigos oligarcas e os seguimentos voltados à agroexportação, sempre manifestou a disposição de com eles pactuar, no sentido de que a base de sua força política e econômica – a propriedade da terra- não sofresse qualquer alteração” (p. 275).

 

Com o suicídio de Vargas, o vice-presidente conservador Café Filho, da oposição a Getúlio assumiu o poder, nomeando nova equipe econômica de ministros, com nova orientação de governo.

 

Juscelino Kubitschek

 

“Foi difícil o lançamento da candidatura de Juscelino, pois se acreditava um veto militar a ela: JK era acusado de ser apoiado pelos comunistas. Somente quando o presidente Café Filho divulgou a carta dos militares na Voz do Brasil foi que Juscelino se lançou candidato, alegando que a carta dos militares não citava o seu nome”.

 

“A UDN tentou impugnar o resultado da eleição, sob a alegação de que Juscelino não obteve vitória por maioria absoluta de votos. A posse de Juscelino e do vice-presidente eleito João Goulart só foi garantida com um levante militar liderado pelo Ministro da Guerra Henrique Teixeira Lott que, em 11 de novembro depôs o então presidente interino Carlos Luz”.

 

“Seu maior adversário político foi Carlos Lacerda, com o qual se reconciliou posteriormente. Juscelino não permitiu que Carlos Lacerda desse declaração a emissoras de televisão durante todo o seu governo. Juscelino confessou a Lacerda, depois, que se tivesse deixado Lacerda dar tais declarações, este o derrubaria”.

 

“Outro momento de tensão política do seu governo foi em 23 de novembro de 1956, quando JK ordenou prisão domiciliar do general Juarez Távora, que havia sido derrotado nas eleições de 1955”.

 

Rompe os entendimentos com o FMI, após solicitação de um empréstimo de 300 milhões de dólares, pois o órgão exigiu que o país “colocasse a casa em ordem antes de pedir ajuda financeira”.

 

Em dezembro de 1959, com a participação de alguns oficiais da Aeronáutica, do Exército e de civis ligados às ideias de Carlos Lacerda, com o sequestro de avião Constellation da Panair.

 

No final de seu governo a situação econômica já se agravava, com inflação alta e crise no balanço de pagamentos.

 

Jânio Quadros (01/1961 – 08/1961)

 

Durante as eleições recebeu apoio da UDN, liderada por Carlos Lacerda, que posteriormente conspirou para derrubá-lo. 

 

Em agosto de 1961, condecorou com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul o líder evolucionário Ernesto Che Guevara, trazendo repercussões negativas no Congresso e na caserna, antes da oficialidade do ato.

 

Política externa em desalinho com a política americana em virtude da distensão política aos países do bloco socialista, desencadeando descontentamento entre setores tradicionais e influentes da sociedade, num clima tenso de Guerra Fria. 

 

João Goulart (1961-1964)

 

Afiliado ao Partido Trabalhista Brasileiro ocupou o cargo de vice-presidente do Brasil, durante a presidência de Juscelino Kubitschek, no período de 1956 a 1960.

 

Em 1960, foi novamente eleito vice-presidente, concorrendo pela chapa oposicionista a Jânio Quadros.

 

Com a renúncia do presidente encontrou oposição dos ministros militares (Exército, Aeronáutica e Marinha) para assumir a presidência, sendo empossado o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Por outro lado, encontrava apoio em outros setores da sociedade, em parte do meio militar e do Congresso.

 

Diante do impasse, o Congresso aprova proposta conciliatória e adota o parlamentarismo, em setembro de 1961. Tancredo Neves assume como primeiro-ministro.

 

Em 1962, adota o Plano Trienal, com a colaboração do economista Celso Furtado, para combater a inflação e os problemas estruturais do país, com maior controle sobre os investimentos estrangeiros e as remessas de lucros e maior intervenção estatal, enfrentando forte oposição “social”.

 

Negocia acordo de empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

 

Em janeiro de 1963, após o plebiscito, o país retorna ao presidencialismo.

 

Estreitamento dos laços comerciais, com restabelecimento de relações diplomáticas com a União Soviética e a neutralidade com relação à expulsão de Cuba da OEA contribuíram para azedar as relações com os E.U.A.

 

No sul, Brizola radicalizava o discurso em favor da nacionalização de empresas estrangeiras, principalmente americanas, causando embaraço para o Governo Federal:

 

“Nessa ocasião, o jornalista Samuel Wainer assistiu Brizola pressionar Goulart para substituir Carvalho Pinto como Ministro da Fazenda. Goulart, espantado, disse que a sua nomeação para o cargo açularia a direita, que tramava o golpe de Estado. Brizola retrucou: “É preciso forçar a direita a botar a cabeça para fora, porque a esmagaremos”. Samuel Wainer então lhe perguntou: “E se houver o contrário?” Brizola não respondeu” (Bandeira, p. 287).

 

Com a crise política instalada, a economia desgovernada e a crise do balanço de pagamentos se agravando, Goulart, então, procura medida para evitar a drenagem de recursos estrangeiros, via remessa de lucros, que iria contrariar os interesses americanos:

 

“A mais importante medida de Goulart, que afetava as raízes dos interesses norte-americanos no Brasil, consisti, porém, na assinatura do decreto regulamentando a lei sobre a remessa de lucros para o exterior” (Bandeira, p. 289).

 

O decreto visava corrigir as distorções “irreparáveis” que a Instrução Sumoc nº 113 causara, ao permitir às empresas estrangeiras efetuarem a importações de bens de capital, sem cobertura cambial, pelo valor que lhes conviessem, permitindo-lhes em momento posterior efetuar as remessas com base nos valores declarados. Importações efetuados sem qualquer coordenação, atendendo, na realidade, “apenas” aos interesses das empresas estrangeiras que importavam bens obsoletos para setores que lhes interessavam, como ficou posteriormente evidenciado.

 

Outrossim, pretendia regulamentar novos critérios de transferência de lucros com base em valores reinvestidos, pelo capital estrangeiro, gerando objeções do embaixador Gordon.

 

Se no sul do país a liderança de Brizola trazia transtornos às relações com os E.U.A., no nordeste as ações das Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, assombravam setores políticos tradicionais e as classes dominantes, com conflitos a mão armada:

 

“Tanto isto é certo que, ao saber que eu iria a Havana, em julho de 1962, Mário Alves, do Comitê Central do PCB, procurou-me e pediu-me que advertisse os dirigentes cubanos sobre o comportamento de membros das Ligas Camponesas, que treinavam guerrilha em algumas fazendas compradas com recursos fornecidos pelo governo de Fidel Castro. Eles estavam ameaçando de fuzilamento os militantes do PCB, acusando-os de reformistas e contrarrevolucionários por serem contra a luta armada [...]” (Bandeira, p. 42).

 

“A orientação das Ligas Camponesas, radicalizando suas atividades, era de fato aventureira e irresponsável, e a ela os dirigentes do PCB se opuseram por considerar que a preparação de guerrilhas, àquela época, adquiria, objetivamente o caráter de provocação” (idem, p. 44).

 

Em UM DEPOIMENTO PARA A HISTÓRIA: O HOMEM QUE AGITOU OS CANAVIAIS, Julião nega a violência e revela, confessa e admite:

 

“A imprensa distorceu a minha imagem. Nunca saí da legalidade. Sempre utilizei o Código Civil e a Constituição para defender as minhas ideias”.

 

“A Constituição foi rompida. E, o que é incrível, em nome da Democracia e da legalidade romperam-se a Democracia e a legalidade”.

 

“Numa de minhas visitas a Cuba, recebi um convite para visitar Che Guevara no Ministério da Indústria. [...] e ele me chamou para falar sobre o Brasil e a América Latina. Só depois de alguns anos, quando ele já entrava na luta, é que eu percebi o sentido de suas perguntas. Ele perguntou um bocado sobre o Mato Grosso e sobre as fronteiras com a Bolívia” (geneton.com.br).

 

Em que pese a declaração duvidosa de Julião, parece não haver dúvidas que os vínculos das Ligas Camponesas com Cuba e a esquerda estimularam a infiltração de diversos agentes da CIA no nordeste, contribuindo para a perspectiva de acirramento da luta armada e outros atos de violência no campo. Por outro lado, a radicalização do movimento, de setores partidários da luta armada, apontam para as possibilidades de ações voltadas para a invasão de propriedades, através da violência.

 

A direita e os setores mais conservadores, inclusive seus intelectuais, se aglutinavam em torno do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e no Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD):

 

“O IPES era uma entidade sofisticada, pretensamente científica, e ligou-se à Escola Superior de Guerra, aliciando os generais Golbery do Couto e Silva, Heitor de Almeida Herrera e muitos outros, reformados ou na ativa” (Bandeira, p. 175).

 

“O decreto da Superintendência de Política Agrária (SUPRA), assinado no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, provocou forte reação nos setores mais conservadores e contribuiu para a derrubada de João Goulart” (Wiki...).

 

“Em 19 de março, em São Paulo, foi organizada a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, cujo objetivo era mobilizar a opinião pública contra o governo de Jango e a política que, segundo eles, culminaria com a implantação de um regime totalitário comunista no Brasil” (Wiki ...).

 

A queda da disciplina nas Forças Armadas gerava o descontentamento dos oficiais e acelerava os preparativos para o golpe militar. E o seu comparecimento ao Automóvel Clube do Brasil, atendendo homenagem dos sargentos, foi a gota d’água.

 

Os conflitos de interesses inconciliáveis e incontroláveis o empurraram, por último, a depositar esperanças no apoio das forças populares, estimulando a indisciplina e desagradando ainda mais os meios militares, os setores empresariais e os interesses estrangeiros, afastando, inclusive, os oficiais legalistas que o apoiavam.

 

Há quem diga que o seu comportamento político dúbio, decorrente de sua personalidade, pois se tratava de um homem de diálogo, contribuiu para o seu malogro. No entanto, é bom não esquecer que outros, com personalidades mais “fortes”, já tinham fracassado, ou estiveram à beira disto, diante da difícil composição dos interesses em jogo. 

 

Para se ter uma ideia da falta de comando e do descontrole geral, durante o seu governo assumiram a pasta do Ministério da Fazenda os seguintes ministros, de diferentes matizes ideológicas e diretrizes políticas: Moreira Salles, Francisco de Paula Brochado da Rocha, Miguel Calmon do Pin, San Tiago Dantas, Carvalho Pinto, Ney Neves Galvão.

 

A HOSTILIDADE EM RELAÇÃO AO CAPITAL ESTRANGEIRO DE RISCO

 

Um outro assunto de extrema importância diz respeito a importância e a contribuição das empresas estrangeiras para o desenvolvimento dos países, que não foi explicitamente abordado pelo autor em comento.  

 

No artigo “Politica econômica, reformas institucionais e crescimento: a experiência brasileira (1945-2010)”, mesma publicação, Cardoso argumenta:

 

“Embora a agressiva política de substituição de importações, levada a cabo entre 1947 e 1964, tenha logrado um acelerado crescimento, muitas distorções se acumularam ao longo do processo, dificultando a manutenção do modelo. Entre os principais problemas econômicos destacavam-se (P. 172):

 

1.Excessiva proteção elevou os custos e reduziu a competitividade;

 

7. Hostilidade em relação ao capital estrangeiro de risco. Apesar da baixa poupança nacional – em torno de 17% do PIB, na ocasião -, o nacionalismo tornou-se política oficial a partir da adoção do monopólio do petróleo em 1953” (p.174).

 

Penso que já existem muitas evidências de que não precisamos endeusar nem demonizar as empresas multinacionais e o capital estrangeiro de risco. Eles podem ser úteis dentro de determinadas circunstâncias e nocivos em outras, dependendo dos controles, das vigilâncias, das regras que devem cumprir, tendo em vista um projeto de desenvolvimento.

 

Deve-se ter em mente que o capital estrangeiro se desloca obedecendo também determinadas regras políticas, que lhes garantem a segurança em casos de politicas adversas. Partilham e não integram a produção de forma vertical, mantêm o controle administrativo nos centros dinâmicos e seguem as novas regras da divisão internacional do trabalho. As suas decisões não são exclusivamente econômicas.

 

A forma como se deu a internacionalização do trabalho e as formações sociais que lhes diziam respeito criaram obstáculos para o desenvolvimento posterior destas sociedades, impossíveis de serem superados, pelas leis do livre comércio. Sobre o assunto consultar “Desenvolvimento e livre comércio”, neste blog.

 

Além das forças dos interesses econômicos, políticos, ideológicos e sociais que geram a continuidade e a “inércia” das relações econômicas, existe a concorrência internacional entre empresas e países que finca interesses e vínculos, cria novos obstáculos e bloqueia o desenvolvimento das forças produtivas, necessárias aos que almejam o desenvolvimento. Ao contrário dos ideólogos da globalização as nações ainda existem e ainda têm papel relevante na vida social.

 

Para construir a Usina Siderúrgica de Volta Redonda, Getúlio Vargas solicitou apoio e colaboração dos E.U.A. e da U.S. Steel, que declinaram. Construiu com um empréstimo do Eximbank de U$ 300 MM. Posteriormente virou cabide de emprego e foi privatizada.

 

A história nos mostra que é comum nas relações internacionais países menos desenvolvidos se valerem da concorrência e dos choques de interesses estratégicos entre as nações mais adiantadas para barganhar vantagens em seus próprios interesses, não atendidos pelos países mais próximos e de maior influência. 

 

“Vargas [...], e atribuiu ao estado decisivo papel no desenvolvimento do país, explorando as contradições entre as grandes potências industriais para concretizar importantes empreendimentos, como a implantação da primeira usina siderúrgica nacional” (Bandeira, p. 111). Essa situação também se repetirá com Jânio Quadros de forma mais ousada e ambígua.

 

Por este motivo, as soluções e transformações sociais rumo ao desenvolvimento são aspirações das sociedades e dizem respeito a cada sociedade em particular. Pode-se buscar apoios e alianças externas, muitas vezes necessárias para viabilizar estas transformações, mas elas não podem ser um corpo estranho à própria sociedade, sob pena de ruir todo o arcabouço institucional.

 

Apesar dos discursos colaboracionistas, que aparecem de tempos em tempos, não seria novidade nem exagero afirmar que as propostas sempre são formuladas por um arcabouço teórico que nunca leva em consideração as peculiaridades de cada sociedade, geralmente com mandamentos e pressões políticas genéricas, que atendem aos interesses dos países desenvolvidos como desregulamentação, livre comércio, vantagens comparativas, abertura sem restrições aos investimentos estrangeiros, livre circulação do capital financeiro, etc.

 

Por isso, não seria exagero afirmar que na ordem econômica e política mundial interessa sim que alguns países ou regiões sejam satélites de outras mais desenvolvidas, supridoras de produtos primários.

 

Estes interesses quase nunca são postos de forma explícita, mas através de acordos e de medidas de caráter econômico, com fundamento em premissas e ideais tidas como verdades irrefutáveis, com base nas teorias clássicas, que não refletem os verdadeiros interesses e necessidades dos países subdesenvolvidos.

 

A quem possa enxergar uma dose de xenofobia, ou coisa que o valha, respondo que isto faz parte da concorrência entre indivíduos, grupos sociais e até mesmo nações, com ressalvas para os pactos e acordos políticos e econômicos. Os países não abriram mão de suas colônias por livre e espontânea vontade ou, simplesmente, por questões humanitárias, embora muitos deles fossem o berço da liberdade e a  propagassem abertamente. Um grande paradoxo.

 

Durante este período as políticas protecionistas (alíquotas, similaridade) nunca foram seletivas e albergava tanto o capital nacional quanto o estrangeiro. Na década de 70, o Conselho (Comissão) de Política Aduaneira colocou em prática um instrumento econômico, chamado “Preço de Referência”, que visava bloquear as práticas de dumping, adotadas, principalmente, por países asiáticos. Posteriormente, esse instrumento foi desvirtuado e passou a ser utilizado como medida protetiva, beneficiando capitais nacionais e estrangeiros indiscriminadamente.   

 

Respondo ainda com o receituário liberalizante do Consenso de Washington (1989), que serviu de política econômica oficial do FMI, para promover “o ajustamento macroeconômico”, alinhada com o pensamento neoliberal em voga, que favoreciam o expansionismo americano em escala planetária, sem levar em conta as especificidades de cada economia.  Consultar “Consenso de Washington – Wikipédia” em pt.wikipedia.org/wiki/Consenso _de _Washington.

 

Para o nosso interesse, entre os seus dez mandamentos sobrinho cinco: 1) abertura comercial; 2) investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; 3) desregulamentação; 4) câmbio de mercado; 5) direito à propriedade intelectual.

 

Não preciso ir muito longe para dizer, que é quase consenso, que este receituário, levado ao extremo, foi o responsável direto pelas crises financeiras internacionais mais recentes. Existe uma bibliografia vasta sobre o assunto. Sobre o assunto consultar “Desenvolvimento e livre comércio” e “Direito, economia e mercados racionais”, neste site.

 

Particularmente, não conheço um país que tenha se desenvolvido sem uma dose de nacionalismo ou patriotismo. E embora não se possa confundir patriotismo com xenofobia o limite entre os dois é muito tênue, difíceis de serem identificados. Em alguns momentos da história todos foram mais ou menos xenófobos.

 

O nacionalismo/patriotismo pode ter várias vertentes. Algumas baseadas em superioridades étnicas, outras dependendo dos valores culturais, que fazem parte da história de cada sociedade em particular.

 

Em alguns casos, são manifestações de desagravo ou uma resposta a uma ameaça externa, real ou imaginária, aos valores culturais ou interesses econômicos. Pode ser também uma reação aos obstáculos criados que prejudicam os interesses em alcançar determinados objetivos fixados. E pode ser uma combinação de tudo isto.

 

A Instrução Sumoc nº 113, permitia que as empresas estrangeiras importassem equipamentos industriais sem cobertura cambial, permitindo o registro do investimento por valores em dólares, por elas declarados.

 

Por isto, sou levado à conclusão de que não existiu durante todo o período uma hostilidade ao capital estrangeiro, mas momentos históricos, políticos, sociais, e econômicos pontuados por tais sentimentos e até mesmo ideologias protecionistas.

 

Este sentimento de “hostilidade” ao capital estrangeiro, a que se refere o autor, não pode ser generalizado para toda a sociedade e período, pois ficou restrito a determinados setores da classe média, do proletariado e dos camponeses, ligados, de certa forma, ao movimento e às influências da esquerda, mas nunca atingiu as classes “dominantes” (burguesia, oligarquia, setor exportador) da sociedade e até mesmo políticas.

 

Ficou, da mesma forma, limitado a determinados períodos da história, quando a convulsão política e social abriu espaço para que estes setores se manifestassem de forma mais contundente. Foi um momento conturbado, no qual encontraram expressão.

 

Na opinião de Fonseca:

 

“Logo que assumiu o governo, Vargas estabeleceu um plano de cooperação com os Estados Unidos no qual técnicos dos dois países fariam um diagnóstico da economia brasileira, que resultou em 41 projetos setoriais de desenvolvimento, os quais contariam, para a sua implementação, com o capital norte-americano. Da equipe da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos participaram técnicos da CEPAL, e o diagnóstico inspirava-se fortemente nas teses desta instituição, detectando pontos de estrangulamento e reafirmando a prioridade de inversões em infra-estrutura, como transporte e energia elétrica ” (p. 276).

 

“Nesse contexto, a Campanha do Petróleo viria a contribuir para ainda mais acirrar os ânimos. Embora inicialmente Vargas e sua Assessoria Econômica – da qual faziam parte reconhecidos defensores do planejamento e da industrialização, como Ignácio Rangel e Rômulo de Almeida – tenham se inclinado pela participação da iniciativa privada, nacional ou estrangeira, na criação encarregada da pesquisa, lavra e produção do petróleo, sob a alegação de que não havia internamente condições de levantar capital para obra de tamanha envergadura, a campanha, radicalizando-se, teve como resultado a criação de uma estatal – a Petrobrás” (p. 276).

 

Até mesmo, amplos setores da classe média intelectualizada admitiam a presença do capital estrangeiro como fator de progresso, como se pode observar das concepções cepalinas que tinham um viés industrializante, assunto que volto a comentar em tópico específico em “O processo de substituição de importações”.

 

Por outro lado, o vocábulo “hostilidade” tem uma amplitude vasta, dependendo tanto do contexto histórico quanto da ideologia que lhe dá suporte e uso. Até que ponto as restrições à atuação do capital estrangeiro podem ser consideradas como hostilidade?

 

Conforme Fonseca:

 

“Apesar de contar com um discurso muitas vezes nacionalista radical, principalmente quando a crise econômica se aprofundava, a partir de 1953, o nacional desenvolvimentismo não pode ser considerado xenófobo: ao contrário aceitava o capital estrangeiro, desde que viesse participar do projeto de industrialização acelerada e de modernização agrícola encampado pelo governo” (p. 275).

 

E, posteriormente, com o golpe militar de 1964 e os governos civis que lhe sucederam, não teria mais sentido em falar em “hostilidade” ao capital estrangeiro.

 

 

DE ONDE VEM O PROTECIONISMO E O QUE ELE NÃO EXPLICA?

 

É verdade que existiu a cultura do protecionismo e o autor tem inteira razão ao dizer que a proteção excessiva e indeterminada não estimula a inovação e as pesquisas científicas, mas o uso de tecnologias defasadas.

 

Entretanto, este reconhecimento não encerra o assunto. O problema é que a importação de tecnologia defasada também gera a busca de proteção, porque a concorrência direta torna-se impossível. Cria-se um círculo vicioso em que cada fator interage com outro, estimulando e, ao mesmo tempo, sendo estimulado.

 

Segundo Furtado, citado no artigo “Desenvolvimento e livre comércio”, neste site:

 

"No período que se seguiu a segunda guerra mundial essa industrialização             dirigida exclusivamente ao mercado interno teve o concurso crescente das empresas transnacionais. Utilizando tecnologia e, em muitos casos, equipamentos já amortizados, essas empresas puderam contornar as dificuldades criadas pela estreiteza dos mercados, que então começava a apresentar-se. Se é verdade que as transnacionais tiveram que realizar um esforço de adaptação a mercados estreitos e ainda em formação, não o é menos que elas em seu natural empenho em maximizar a rentabilidade de seus investimentos fizeram de tudo para que os mercados em que se instalavam se adaptassem o mais possível aos padrões de consumo que prevaleciam nos países centrais. Vimos que nestes as empresas transnacionais operavam no sentido de homogeneizar os mercados nacionais, pois isso lhes permitia maximizar as vantagens derivadas das economias de escala e do controle da inovação.  Nos países periféricos a homogeneização era condição necessária para o uso de tecnologia e/ou equipamentos amortizados" (grifos meus, p. 122).

 

Num mesmo sentido advoga Goldenstein, apud Soares:

 

“Em 1950 inicia-se um processo de substituição de importações viabilizado pela empresa multinacional que, tendo consolidado a sua expansão nos países centrais, deslocou-se para a periferia, transferindo plantas indusriais para os países então chamados subdesenvolvidos” (idem p. 287). Sobre o assunto consultar “Desenvolvimento e livre comércio”, neste site.

 

Tudo isto com a benevolência da Instrução Sumoc nº 113, já citado no tópico anterior, mas segundo Cardoso:

 

“Antes da Instrução nº 113, impotações sem cobertura cambial dependia, de conselhos sujeitos a pressões políticas” ( Rodapé 3, p. 168). 

 

A Instrução Sumoc nº 113 foi um verdadeiro tiro no pé. Atendia aos interesses internacionais e também aos setores nacionais, inclusive os responsáveis pela política econômica, comprometidos com a ideologia do livre câmbio. Deu margem para a importação de equipamentos tecnologicamente defasados, com possibilidades de registrarem a entrada por valores irreais (superfaturados), posto que a isenção das remessas de lucro incidiam sobre estes valores, gerando possibilidades de agravamento no balanço de pagamentos, através do incremento das remessas de lucros, num momento posterior. 

 

“Do outro, não apenas Kubitschek lhes concedia vantagens, isenções e privilégios, facultando a formação de monopólios e oligopólios, como a Instrução 113, revitalizada pela Lei de Tarifas, permitia que elas importassem máquinas e equipamentos obsoletos, valorizados como se novos fossem, sem cobertura cambial ou restrição de qualquer espécie quanto aos similares de fabricação nacional, ao mesmo tempo que negava o mesmo direito às firmas nacionais” (grifos meus, Bandeira, p. 114).

 

A instabilidade política e consequentemente a econômica incentiva à aversão ao risco empresarial, porque o sucesso do empreendimento não depende mais do próprio negócio ou da capacidade administrativa negocial e do feeling do agente econômico, mas de circunstâncias políticas “externas”, voláteis e aleatórias.

 

Em tais situações entram em cena o oportunismo, o apadrinhamento e associações políticas que podem trazer vantagens imediatas, sem risco. O clima de insegurança alimenta a busca de proteção e vantagens em todos os sentidos. E isto significa estar sob as asas dos políticos, mesmo que temporariamente. E se for temporário mais rápido e maior deve ser o benefício.

 

Dessa forma, não pode haver clima para investimentos em inovações e pesquisas e desenvolvimento de produtos e métodos de produção, porque o prazo de retorno é elevado e a instabilidade inviabiliza esta via.

 

Assim, diante destes percalços, parece razoável e lógico que os agentes econômicos não mais acreditassem no sucesso empresarial através de seus próprios esforços e capacidades. E respondessem a isto com um oportunismo atrelado aos benefícios do Estado “protetor”. Associa-se a isto a nossa herança cultural de colonizados e teremos uma imagem do caldo cultural que nos persegue até hoje.

 

Além da fragilidade do capital autóctone em sua fase inicial, existia e foi sedimentada uma “cultura” com aversão ao risco que contribuíram para o protecionismo. Admitia-se a superioridade do capital estrangeiro, sob todos os aspectos, além do razoável. A cultura do subdesenvolvimento se arraiga nas entranhas da sociedade e ensina que temos que copiar e imitar, porque não temos capacidade de criar e competir.

 

Sempre existiu, por parte de alguns dos mais importantes economistas brasileiros e até mesmo em alguns estruturalistas, a ideia de que as empresas multinacionais eram fonte de progresso e que por isso a liberdade e mobilidade do capital seriam fundamentais. Apesar disto, elas também foram beneficiadas pelo “protecionismo”, tanto pela forma como se instalaram no país (equipamentos tecnológicos defasados), como pelo conflito de interesses, já que detinham os canais de distribuição e comercialização a nível internacional. (Ver o tópico “As divergências ideológicas”).

 

As empresas estrangeiras se interessavam sim pelo protecionismo, porque as qualidades de seus produtos eram inferiores, eram defasados e, assim, evitavam os conflitos de interesse com suas matrizes, que detinham os controles dos canais de distribuição e comercialização. Portanto, a viabilidade de exportação dos produtos fabricados no país estava condicionada e limitada por estes fatores.

 

O que o protecionismo econômico não explica

 

No entanto, se o protecionismo justifica algumas situações não justifica outras. Não existe teoria econômica que explique o descaso, a displicência no trabalho, a indolência, a falta de interesse em fazer o melhor com os “compromissos do dever” (ou como diria um americano: “I did my best”), que prejudica a todos. Não existe a cultura do self made man, que pode ser uma farsa, não discuto, que incentiva o empreendedorismo, mas sim do oportunismo e do apadrinhamento, que dão a singularidade de cada cultura.

 

A corrupção, assunto bastante comentado nos compêndios e nas conversas do dia a dia, deve ser vista de uma forma mais genérica, inclusive em relação à nossa cultura herdada dos colonizadores. No Brasil, o “bem público” não pertence a ninguém, assim pode ser apossado pelo mais esperto, por quem tiver condições de chegar primeiro, ou depredado.

 

Quais as razões econômicas que justificam que as rodovias brasileiras que ligavam os grandes e principais centros urbanos fossem de péssima qualidade, até chegarem às fases de concessões, causando riscos aos cidadãos e aumentando o custo-brasil (ex:  Dutra, Régis Bettencourt, Florianópolis - Tubarão). Como se justifica que as estradas de diversos países latino americanos são de melhor qualidade, quando se supunha que éramos mais ricos e “desenvolvidos economicamente”. E quanto às condições das estradas vicinais?

 

Se existem e permanecem dúvidas, basta acompanhar os noticiários que relatam as condições dos ônibus intermunicipais e dos locais menos favorecidos das grandes cidades, que não possuem as mínimas condições de rodagem, colocando em risco a segurança dos passageiros. Cadeiras e janelas quebradas, péssimas condições de higiene, etc. Ver reportagem “Passageiros da agonia”, Jornal O Globo, de 28.06.2015, p.12. E aeroportos internacionais com ar condicionados e elevadores que não funcionam.

 

Da mesma forma, as condições precárias dos hospitais públicos e privados, sem possibilidades de atender as necessidades básicas da população, onde não se encontram os produtos mais elementares e básicos (falta de papel higiênico, gases, etc). Ambulâncias cujas portas não funcionam, onde os pacientes têm que sair pela janela (Globo News, Conta Corrente, 25.06.2015). Ao mesmo tempo em que se importavam equipamentos sofisticados, muitas vezes desnecessários, em virtude das prioridades e da falta de capacitação técnica dos operadores (ex: Hospital dos Servidores, Rio de Janeiro).



"Eu poderia realizar uma operação por dia, mas tenho feito uma por mês, pois não há anestesistas nem técnicos para dar suporte", diz um cirurgião com dezessete anos de casa, (Veja Rio).


"O sucateamento do Inca é tão sério  que chamou a atenção da Comissão de Trabalho, Legislação Social da ALERJ", em "Um Hospital na UTI - Retrato de um hospital doente ", sobre a crise do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Problemas de suprimentos de itens hospitalares - ataduras, roupas de cama , higiene precária, equipamentos sem manutenção.  (Veja Rio, 1º julho de 2015).


"Entre os problemas da ilha, chama a atenção a precariedade da infraestrutura sanitária. A única estação de esgoto existente não trata um mililitro dos efluentes e serve apenas para bombear os resíduos da rede para um emissário submarino. [...] Com isso, os dejetos vazam para os três córregos que serpenteiam entre os hotéis e as pousadas, desembocando in natura na orla" (em "A depredação do paraíso", Veja Rio, 22 de abril de 2015). 

 

Segundo reportagem “Obstáculos ao conhecimento – PESQUISA EM RISCO”, do jornal “O Globo”, de 08.07.2015:

 

- “Este valor de R$ 50 mil, por exemplo, é o preço de um carro. E é com esse nível de dinheiro que a gente faz pesquisa no Brasil, enquanto nossos colegas estrangeiros trabalham com milhões – afirma ela que, cogita, inclusive, sair do país para conseguir dar continuidade ao seu trabalho” (Trata-se da neurocientista Suzana Herculano-Houzel).

 

“O pesquisador conta que diversos de seus projetos estão parados, entre eles um sobre a síndrome de Dravet – uma rara doença genética epiléptica. DE acordo com Rehen, essa situação ainda tem sido agravada pela tradicional burocracia para a importação de insumos e para o uso de recursos privados dentro das universidades” (grifos meus).

 

“Pesquisador há sete anos na University of Ontário, no Canadá, o neurocientista Marco Antônio Prado afirma que trocou a UFMG pela instituição estrangeira após se cansar das frustrações burocráticas e da falta de condições de infraestrutura adequadas para a prática científica no Brasil” (grifos meus).

 

“A notória dificuldade financeira e burocrática enfrentada por pesquisadores brasileiros foi o principal motivo para que Dietrigh, ainda cedo, buscasse, ainda cedo, buscasse abrir portas no exterior”

E a reportagem ainda afirma que o pesquisador há um ano coordena um laboratório na Universidade de Yale, num grupo de seis pesquisadores, no qual apenas um não é brasileiro. Na “Conclusão” do trabalho comento sobre a política de educação e o fenômeno conhecido como “fuga de cérebros”.

 

Condições carcerárias precárias, superlotação, com ofensa aos direitos humanos mais elementares, que demonstram os preconceitos sociais e raciais e que perduram nos dias atuais.

 

Ainda hoje, o saneamento básico atrasado não alcança grande parte da população, mesmo nos grandes centros urbanos, com desrespeito e ofensa aos direitos e garantias constitucionais. Na década de 80 esperava-se anos por uma linha telefônica.

 

Os problemas de infraestrutura não foram resolvidos e ainda hoje continuam precários. Os Órgãos Públicos eram preenchidos por apadrinhados políticos que não tinham compromisso com os ideais fixados, trazendo improdutividade e desvirtuamento de suas funções.

 

No ranking sobre a “qualidade de vida”, que mede o Índice de Progresso Social (IPS), o Brasil ocupou a 46ª posição, entre 136 países, atrás de diversos países sul americanos e da América Central como Costa Rica (25ª), Uruguai (26ª), Chile (30ª), Panamá (38ª) e Argentina (42ª).  Em relação às necessidades básicas ocupou a 74ª, assim dividida: 1) nutrição e atendimento à saúde (63ª); 2) abastecimento e saneamento (67ª); 3) moradia (53ª); 4) segurança (122ª). Em relação ao item “oportunidade” – acesso à educação superior ocupou a 76ª posição.  Fonte: G1 – Brasil fica em 46ª lugar no novo índice que mede a, em g1.globo.com/mundo/notícia/2014/04/brasil-fica-em-46.... .

 

Segundo a mesma fonte: “Outro indicador que mede a qualidade de vida dos países é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2012, o Brasil ficou em 85º lugar entre 187 países”.

 

Qualquer que seja o índice ou o órgão que o elabore, o Brasil sempre figura em posição não muita cômoda. O que existe de errado no reino do “Brasil”? Será que somente a economia responde por isto?

 

No artigo “A ideologia das vantagens comparativas”, postado neste site, esposei a ideia de que Portugal já nos primórdios do século XVII era um país sem expressão política e econômica internacional, que caminha a passos largos para a decadência, e estes aspectos tiveram repercussões na vida social de sua população, nos seus ideais, e perspectivas, autoestima, empreendedorismo.

 

No século XVI a Holanda controlava a produção e comercialização da cana de açúcar do Brasil:

 

“Para edificação dessa atividade contou-se com capital holandês, uma vez que parte significativa dos investimentos originava-se dos Países Baixos. Esse capital participou das várias etapas, financiou o comércio e a refinação, assim como a importação de mão- de-obra africana” (Borges, p.10).

 

Portugal nem mesmo tinha controle sobre as técnicas de produção, o que demonstra a fraqueza de sua economia sobre o que seria mais tarde evidenciado como um dos aspectos do desenvolvimento econômico.

 

“Celso Furtado (2005) conta que no século XIV e XV, o fabrico do açúcar era conhecido em todo o Mediterrâneo, mas nesse caso, os genoveses e venezianos eram os principais conhecedores dessas técnicas e na produção de equipamentos, logo possuíam um certo monopólio sobre as técnicas de fabrico do açúcar. É interessante também salientar que no século XV e XVI os holandeses, flamengos e belgas se especializaram no refinamento do açúcar, pois os engenhos não faziam este refinamento. As elites não queriam consumir um açúcar denso, escuro e duro; queriam um açúcar branco, fino e cristalino, logo da necessidade dele ser refinado” (grifo meu, Seguindo os passos....).

 

“A contribuição dos flamengos - particularmente dos holandeses- para a grande expansão do mercado do açúcar, na segunda metade do século XVI, constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil. Especializados no comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa época o único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de grandes dimensões para um produto praticamente novo, como era o açúcar” (grifo meu, idem). 

 

Estima-se que em 1640 existiam mais de 40 refinarias de refino em Amsterdã. E quando os holandeses foram expulsos do nordeste do Brasil iniciaram a produção nas Antilhas com um know how e técnicas mais avançadas, compartilhando o mercado com o açúcar brasileiro. 

 

Por volta do final do século XVII, os ingleses, considerados os descobridores, controlam o comércio (75%) e a produção do Vinho do Porto. Em 1703 é assinado o Tratado de Methuen, que, segundo muitos historiadores, contribuiu para a decadência definitiva de Portugal, como expressão econômica. Entretanto, ao contrário do que imaginam diversos historiadores, este Tratado não inicia nem consolida o processo de decadência, que possui raízes mais profundas, apenas acentua e evidencia este processo.

 

Com o ciclo do ouro no Brasil, Portugal afundou-se em uma nação inoperante, que não traçava o seu próprio destino, preocupando-se apenas em manter o “status quo” de colonizador, canalizando o ouro extraído para a Inglaterra, inibindo ainda mais o surgimento de uma indústria manufatureira, aspecto acentuado por Furtado.

 

Enfim, uma nação inerte, sem perspectiva, sem visão do futuro, que aceitou “passivamente” o domínio e a hegemonia inglesa, acomodando-se em resolver os seus problemas econômicos, da forma mais simples e estúpida possível, canalizando o ouro para a Inglaterra.

 

Faço uso das palavras de Holanda, para caracterizar a mentalidade dos portugueses e suas influências sobre a cultura brasileira:

 

“Sucede que justamente a repulsa firme a todas as modalidades de racionalização e, por conseguinte, de despersonalização tem sido, até os nossos dias, um dos traços constantes dos povos de estirpe ibérica” (p. 159).

 

“Por isso, porque não teve excessivas dificuldades a vencer, por lhe faltar apoio econômico onde se assentasse de modo exclusivo, a burguesia mercantil não precisou adotar um modo de agir e pensar absolutamente novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre os quais firmasse permanentemente seu predomínio. Procurou, antes de associar-se às antigas classes dirigentes, assimilar muitos de seus princípios, guiar-se pela tradição, amis do que pela razão fria e calculista” (p. 42).

 

“Foi essa mentalidade, justamente, que se tornou o maior óbice, entre eles, ao espírito de organização espontânea, tão característica dos povos protestantes, e sobretudo calvinistas” (p. 42).

 

“Um, fato que não se pode deixar de tomar em consideração no exame da psicologia desses povos é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho” (p. 42/3).

 

“A esse mesmo observador e fino psicólogo que é Alfred Ruhl chamou a atenção, entre os espanhóis, o fato de julgarem perfeitamente normal a aquisição e certo gênero de vantagens pessoais por intermédio de indivíduos com os quais travaram relações de afeto ou camaradagem, e não compreenderem que uma pessoa, por exercer determinada função pública, deixe de prestar a amigos e parentes favores dependentes de tal função” (grifo meu, p. 160).

 

“Por outro lado, não foi possível consolidarem-se ou cristalizarem-se padrões éticos muito diferentes dos que já preexistiam para a nobreza, e não se pôde completar a transição que acompanha de ordinário as revoluções burguesas para o predomínio de valores novos” (p. 134).

 

“Assim, raramente se tem podido chegar, na esfera dos negócios, a uma adequada racionalização; o freguês ou cliente há de assumir de preferência a posição de amigo” (p. 160).

 

“O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente energética do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente” (p. 71).

 

“O contraste com a chamada mentalidade capitalista não é recente” (p. 161).

 

A nova e necessária mentalidade que surgia com o advento do mercantilismo e posteriormente do capitalismo, a qual a sociedade portuguesa não se adaptou, pode ser extraída das palavras de Japiassu:

 

“Já afirmamos que a ciência moderna não surgiu pronta da cabeça de alguns sábios. Ela é um produto da cultura. Seu lugar de nascimento e sua morada não se situam num céu qualquer das idéias. Tampouco se encontram instaladas em um vago mundo das “verdades científicas”. Pelo contrário, enraízam-se na própria sociedade , num solo irrigado por múltiplas e variadas determinações” (p. 115). 

 

“Os banqueiros e os comerciantes desempenham um papel central na inovação social. De modo especial, vemos surgir um novo realismo. Por sua vez, aparece um novo racionalismo. Eis o indício da “atividade” moderna (lucro, crescimento, produção, eficácia, etc).

 

Tornava-se possível, porque novos esquemas, socialmente preparados, passavam a adquirir consistência. Por exemplo, os esquemas quantitativos e experimentais” (A revolução..., p.116).

 

“Portanto, a evolução da sociedade europeia, sobretudo a partir do século XIV, não somente criou as condições favoráveis ao surgimento de um novo saber, mas a necessidade desse saber” (p. 117).

 

“Se os homens se ajudam uns aos outros, notou um observador setecentista, fazem-no “mais animados pelo espírito da caninha do que pelo amor ao trabalho”” (Holanda, p. 70).

 

“A isso cumpre acrescentar outra face bem típica de sua extraordinária plasticidade social: a ausência completa, ou praticamente completa, entre eles, de qualquer orgulho de raça. Ao menos do orgulho obstinado e inimigo de compromissos, que caracteriza os povos do norte. Essa modalidade de seu caráter, [...] explica-se muito pelo fato de serem os portugueses, em parte, e já ao tempo do descobrimento do Brasil, um povo de mestiços” (grifo meu, p. 61).

 

 

PLANEJAMENTO, COORDENAÇÃO E IMPLANTAÇÃO (EXECUÇÃO)

 

Vou tentar resumir em poucas palavras as diversas fases de um projeto de desenvolvimento. Alerto que o meu objetivo não é descrever com precisão as características de cada fase, pois me falta experiência sobre o assunto.

 

Planejamento: refere-se aos trabalhos que identificam e analisam as situações concretas da realidade social e econômica, procurando traçar medidas que acredita-se possam modificar a realidade com relação ao que almeja. Economicamente falando um planejamento deveria analisar a exploração das sinergias e das externalidades e enfrentar as fragilidades, principalmente a infraestrutura, para que se obtenha o sucesso.

 

Coordenação: importante no que diz respeito à relação entre os diversos setores responsáveis pelo planejamento e a correção dos rumos, a avaliação, reavaliação e a ligação entre o planejamento e a implantação, adequando os diversos momentos de execução.

 

Implantação: diz respeito à execução do projeto. Das atividades práticas dos agentes responsáveis para alcançar os objetivos. Muitas vezes dará subsídios para que a coordenação avalie as distorções e tomam as medidas necessárias para a correção dos rumos, adequando o planejamento a uma nova realidade.

 

É fácil entender que estas diversas fases não estão necessariamente coesas, ou melhor, que a execução se dará conforme o planejado.  Os planos podem não ser tão realistas, podem não levar em consideração ou relegar fatores importantes e podem encontrar dificuldades não previstas, que precisam ser reavaliadas de acordo com as novas realidades.

 

Por outro lado, os agentes responsáveis pelas diversas fases não são os mesmos e podem divergir, por formação ou convicção, por razões politicas, e assim “boicotar” aspectos das fases anteriores ou posteriores. Na realidade existem possibilidades de que as diversas fases se desalinhem, ameaçando a continuidade e a harmonia do conjunto.

 

Diante deste quadro político conturbado, para não dizer caótico, era de se esperar que as medidas e planos econômicos sofressem interrupções, tivessem continuidade duvidosa, embora muitas vezes permanecessem no papel.

 

Observa-se que este processo, no seu todo, é bastante complexo, de difícil execução em suas diversas fases e por isto requer a colaboração e coordenação de diversos setores e áreas técnicas, não podendo ficar a cargo unicamente de economistas. Requer a colaboração de todos os setores sociais, incluído também os “cientistas” sociais.

 

As divergências ideológicas

 

De certa forma, este tópico estaria incompleto se eu não dedicasse algumas palavras sobre as divergências ideológicas dos principais agentes econômicos, nas atividades e engajamentos no Estado. 

 

Sempre existiu, por parte de nossa elite intelectual, principalmente economistas, o pressuposto de que a liberdade “ilimitada” do capital era o motor que levava ao progresso e ao desenvolvimento, capaz de transpor quaisquer obstáculos. O problema seria coordenar as diretrizes estabelecidas pelo Estado com as liberdades dos agentes econômicos.

 

Esta mentalidade arraigada tinha um forte apelo histórico. Afinal, supunha-se que o desenvolvimento do capitalismo inglês se deu com base neste pilar.

 

Por outro lado, as teorias (seria melhor chamar de ideologias) econômicas tradicionais forneciam os combustíveis para estas concepções. Muitos economistas importantes tinham estudado no exterior, principalmente nos E.U.A. Este viés pode ser percebido até mesmo nos economistas da Cepal, que durante este período tentaram se opor teoricamente ao pensamento tradicional. Até hoje, a mão invisível de Smith e a custos comparativos de David Ricardo permanecem em nossas mentes e corações. Estes dogmas sempre fizeram parte do histórico das faculdades brasileiras e eram seguidos à risca por seus representantes mais ilustres.

 

Estabeleciam metas (Plano de Metas), criavam-se incentivos econômicos e financeiros e os agentes econômicos, movidos por interesse próprios e racionais, se encarregavam de resolver o resto. Os demais elementos da vida social, como o fortalecimento das instituições, eram irrelevantes, frente ao economicismo. Marx dizia que “a ideologia do capitalismo é a economia”.

 

Ainda nos meados da década dos anos 1970, os economistas neoliberais, apesar dos elevados graus de concentração de renda, uma das piores do mundo, ainda argumentavam que em primeiro lugar era preciso crescer para depois distribuir. Mas, “esqueceram” de estabelecer qual seria o momento ideal para distribuir a renda e desprezaram os fatos de que países mais pobres possuem melhores indicadores.

 

Mas, na prática, ideologias ou teorias econômicas a parte, como funciona o filho pródigo do liberalismo inglês?

 

Cito parágrafos do livro de Mazzucato, rico em detalhes:

 

“APESAR DA PERCEPÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS como o epítome da criação da riqueza liderada pelo setor privado, na verdade foi o Estado que se envolveu em escala maciça com os riscos do empreendedorismo para estimular a inovação” (p. 109).

 

“O papel do Estado na Agência de Projetos e Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA) vai muito além do mero financiamento da ciência básica. Trata-se de direcionar recursos para áreas e orientações específicas; trata-se de abrir novas janelas de oportunidades; intermediar as interações entre agentes públicos e provados envolvidos no desenvolvimento tecnológico, incluindo aqueles entre o capital de risco público e privado; e facilitar a comercialização (Block, 2008; Fuchs, 2010)”. ( p. 110/1).

 

“Indo muito além do simples financiamento das pesquisas, a DARPA financiou  a formação de departamentos de ciência da computação, deu apoio a start-ups com pesquisas iniciais, contribuiu para a pesquisa de semicondutores, apoiou a pesquisa da interface homem-computador e supervisionou os estágios iniciais da internet” (p. 112/3).

 

“Os funcionários da DARPA se envolveram na intermediação comercial e tecnológica, ligando pesquisadores das universidades a empresários interessados em começar uma nova empresa, promovendo o contato de start-ups com investidores, encontrando empresas maiores para comercializar a tecnologia, ou ajudando a conseguir o contrato com o governo para auxiliar no processo de comercialização” (p.114).

 

“O financiamento é dado a um mix de pesquisadores de universidades, start-ups, empresas estabelecidas e consórcios industriais. Não existe uma linha divisora entre “pesquisa básica” e “pesquisa aplicada”, uma vez que as duas estão profundamente interligadas. Além disso, os funcionários da DARPA são estimulados a cortar o financiamento de grupos que não estão fazendo progresso e realocar os recursos para outros mais promissores” (p. 116).

 

“O capital de risco é escasso nos estágios iniciais de uma empresa que está começando porque o grau de risco é muito mais alto nessa fase, quando o potencial da nova ideia e suas condições tecnológicas e de demanda são completamente incertas. Nas fases posteriores esse risco cai drasticamente” (p. 80).

 

“Assim o governo foi protagonista não apenas no estágio inicial da pesquisa, ilustrado no quadro 2, como também no estágio de viabilidade comercial” (p. 81).

 

Existem outros órgãos e programas que possuem funções semelhantes como: SBIR, a National Nanotechnology Initiative  e a própria NASA.

 

Economistas influentes e suas concepções

 

Inicio este tópico alertando que os comentários não têm quaisquer conotação de cunho ofensivo aos personagens no que diz respeito à competência e inteligência, ao caráter, à honestidade pessoal e de propósitos. Apenas procuro acentuar as divergências ideológicas e como essas diferenças dificultavam a formulação e a coordenação de políticas que almejavam alcançar os objetivos visados.

 

1)    Eugênio Gudin (1886-1986)

 

Formado em engenharia civil, dedicou-se à economia.

 

Redigiu o Projeto de Lei que institucionalizou o curso de economia.

 

Participou da Conferência de Breton Woods, juntamente com Roberto Campos.

 

Ministro da Fazenda durante sete meses, no governo de Café Filho.

 

Considerado o mais importante economista conservador brasileiro no período de 1930 a 1964.

 

“Armado de um sistema analítico engenhosamente adaptado para enfrentar as questões da economia política brasileira, Gudin foi o grande adversário teórico dos desenvolvimentistas brasileiros de orientação nacionalista. Um adversário aguerrido, sem dúvida, porque politicamente era um liberal e um conservador dos mais fervorosos. Talvez por isso mesmo, sua discussão relativa à questão do planejamento econômico seja algo incompleta se comparada a outras questões essenciais. Predominou nessa questão sua obsessiva oposição política a intervenções do Estado na economia, que considerava corresponderem a perigosas concessões ao socialismo”.

 

“Ou seja, seu raciocínio econômico, por um lado, assentava-se sobre o princípio clássico de que a economia capitalista tenderia a um equilíbrio de máxima eficiência sempre que os mecanismos de mercado pudessem funcionar livremente”.

 

“Fez um esforço de recuperação do princípio fundamental da economia clássica, isto é, uma defesa qualificada do princípio da não-intervenção do estado na economia, através de uma rica problematização analítica de sua aplicação ao caso dos países subdesenvolvidos”.

 

“Essa questão de relação ente desemprego e industrialização sempre recebeu alguma atenção da parte de Gudin. Pensador neoliberal coerente e consistente. Ele reconhecia que o “princípio das vantagens comparativas só começa a funcionar depois que o pleno emprego é atingido” (Gudin, 1963b:25”).

 

2)    Celso Furtado (1920-2004)

 

Em 1946 ingressou no curso de doutorado em economia da Universidade de Sorbone, concluindo-o em 1948.

 

Considerado por muitos o mais proeminente pensador da Cepal, tornando-se diretor da Divisão de Desenvolvimento no período de 1949-1957.

 

Autor do livro “Formação econômica do Brasil”, que repensa a economia brasileira em termos históricos, abandonando as concepções a-históricas da economia clássica. Defensor fervoroso da intervenção estatal na economia, como partícipe do processo de desenvolvimento.

 

Segundo Oliveira:

 

“Puxando para o Brasil, o programa de metas do governo Juscelino Kubitschek na metade dos anos 1950 é decalcado, quase por inteiro, de um trabalho que o próprio Furtado havia feito para a Cepal e o então BNDE” (grifo meu, p. 47).

Conclui-se que compartilhou com Roberto Campos na elaboração do Plano de Metas, muito embora tivessem concepções totalmente diferentes a respeito do processo de desenvolvimento econômico e da participação do Estado. 

 

Diretor do BNDE em 1953. Em 1959, a pedido de Juscelino criou a SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). Ocupou o cargo de diretor do BNDE no governo de Juscelino Kubitschek.

 

Em 1962, é nomeado Ministro do Planejamento do governo João Goulart. Idealizador do Plano Trienal.

 

3)    Otávio Gouveia de Bulhões (1906-1990)

 

Formou-se bacharel em ciências jurídicas e sociais d fez curso de especialização em economia na American University (Washigton).

 

Ingressou no Ministério da Fazenda em 1926, na Seção Diretoria-Greral do Imposto de Renda.

 

Membro do Conselho Nacional de Economia de 1950 a 1954.

 

Durante o governo de Café Filho foi nomeado diretor da Sumoc, permanecendo no cargo até 1955.

 

Ministro da Fazenda no governo militar no período de 1964 a 1967.

 

Após deixar o Ministério da Fazenda em 1967 tornou-se presidente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas.

 

“No campo econômico defendia a corrente liderada por Eugênio Gudin, preocupando-se principalmente com a estabilidade da moeda e o combate à inflação. É classificado como neoliberal no pensamento econômico brasileiro” (cpdoc.fgv.br).

 

“Nesse sentido, Bulhões difere de Eugênio Gudin, o mais influente membro do grupo a que esteve permanentemente ligado e que se envolveu na célebre polêmica com o industrial paulista Roberto Simonsen na década de 40. Uma breve observação da vasta obra de Gudin confirmaria que o seu foco esteve sempre permeado da defesa dos postulados da economia clássica e neoclássica, e em permanente polêmica com as visões econômicas divergentes, principalmente quando estas estavam centradas no intervencionismo estatal, afora outras referências à estabilidade econômica e inflação” (www.scielo.br).

 

“A despeito das diferentes matizes existentes entre os economistas que compunham esta corrente de pensamento, há um ponto forte que os liga. Assim, se Gudin perfila entre os que defendiam a vocação agrícola brasileira e eram contrários a qualquer medida industrializante, Bulhões já não era contrário ao avanço indústria, embora não advogasse medidas de suporte direto a este setor, e defendesse principalmente a estabilidade monetária” (idem).

 

4)    Roberto Campos (1917 – 2001)

 

Ingressou no serviço diplomático em 1939. Fez pós- graduação em economia pela Universidade George Washington e iniciou tese de doutoramento (Ph.D) na Universidade de Columbia de Nova York, sem concluir.

 

Participou com Eugene Gudin da Conferência de Breton Woods .

 

Um dos criadores do BNDS (Banco de Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, no governo Vargas, ocupando a presidência de agosto de 1958 a julho de 1959.

 

Rompeu com Vargas e teve participação importante no Plano de Metas (governo de Juscelino) sendo um dos coordenadores dos grupos de trabalho.

 

Apoiou o golpe militar de 1964, tornando-se ministro do Planejamento no governo Castelo Branco até 1967.

 

Economista de formação liberal assim como Eugene Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões.

 

Defendeu a intervenção estatal na economia “desde que ligada ao desenvolvimento conjunto do setor privado capitalista e sem preconceito contra o capital estrangeiro”.

 

“Ex-keynesiano, mais tarde discípulo de Friedrich August von Hayek e lamentava ter perdido tempo com outros autores”.

 

“Em 1994 diria que sua defesa do dirigismo estatal havia sido um erro de juventude, “como uma gonorreia””.

 

Apelidado de “Bobby Fields” por seu alinhamento com o pensamento econômico tradicional e político norte–americano.

 

 

Para melhor situar o leitor sobre a importância e a influência das concepções econômicas no processo de desenvolvimento e suas prováveis repercussões no planejamento da economia brasileira do período em questão cito Oliveira:

 

“A economia neoclássica-marginalista, hegemônica desde o final do século XIX, tampouco elaborou qualquer teoria do desenvolvimento econômico, façanha praticamente impossível com o absoluto reinado de teorias do equilíbrio. No máximo, difundiu amplamente a teoria ricardiana do comércio internacional para explicar as diferenças entre países, com o que, na verdade, obscureceu o caráter subordinado das desigualdades para transformá-las em atributos dos próprios países “atrasados.

 

[...] A concepção ricardiana das vantagens comparativas, que sustentava a tese do desenvolvimento equilibrado, foi contestada com a discussão do que chamei “A navegação venturosa” de “desvantagens reiterativas” (grifos meus, p. 110/1). Consultar também “A ideologia das vantagens comparativas”, neste site.

 

 

O PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES

 

No artigo “Desenvolvimento e livre comércio”, plotado neste blog, comentei alguns aspectos do processo de substituição de importações, apontando que uma de suas falhas foi confundir industrialização com desenvolvimento, assunto este já comentado por diversos economistas.

 

“O remédio – a teorização cepalino-furtadiana faz-se em função da proposição de políticas – para sair do círculo vicioso do subdesenvolvimento é industrializar-se.

 

Com a proposta de industrialização, Furtado pretende solucionar todos os problemas por um lado, corta o nó górdio da relação que deteriora continuamente os preços de intercâmbio , pois supõe – uma de suas falhas – que , se os países latino-americanos passassem agora a exportar produtos manufaturados em vez de bens primários, a relação de intercâmbio se modificaria favoravelmente a eles; por outro lado, põe fim à inflação estrutural que advém da insuficiência dinâmica do setor externo, derivada precisamente da relação de intercâmbio desfavorável”  (Oliveira, p. 14).

 

Naquele artigo, também mencionei que todos os economistas, inclusive os cepalinos, nunca abandonaram as raízes econômicas mais tradicionais, acreditando que os incentivos econômicos e a fixação de metas seriam suficientes para se chegar ao desenvolvimento. Enfim, aos agentes econômicos caberia o desenlace final. Era o resultado da concepção histórica do espírito empresarial “livre” e inovador, independente de qualquer contexto, como promotor do desenvolvimento, também um dos aspectos da ideologia tradicional.

 

As concepções teóricas industrializantes dos cepalinos estãvam alicerçadas na “premissa” da deterioração dos termos de troca entre os países produtores de produtos primários (países subdesenvolvidos) e produtos acabados, com valor agregado, ou industrializados (países desenvolvidos), em desfavor dos primeiros, fato que estruturalmente acarretava problemas no balanço de pagamentos.

 

Conforme Oliveira:

 

“É dentro deste vazio teórico, das duas correntes principais, não só na economia, mas na interpretação real do mundo, que o pensamento da Cepal emerge. Seu próprio campo teórico é muito eclético, e se constitui tomando empréstimos de vários campos teóricos, tanto do neoclassicismo quanto sobretudo do keynesianismo e mesmo do marxismo, mas os empréstimos são redefinidos em uma globalidade que é inteiramente original” (p. 42).

 

Embora Furtado aponte para a importância das instituições e do Estado na formação do capitalismo americano, contrariando a ideologia liberal americana, os estruturalistas ainda permaneciam atrelados às concepções, “nos mesmos moldes”, do Estado mais protetor e não articulador, herança de um passado histórico, que já se fora.

 

Na etapa de um capitalismo monopolista e oligopolista, ou como queiram do “imperialismo”, o problema passa a ser de ênfase, importância e redefinição do papel do Estado e do empresariado como motor do desenvolvimento nacional, num novo contexto, com destaque para a atuação das empresas internacionais e a nova divisão internacional do trabalho.

 

Ao Estado caberia dar o pontapé inicial estabelecendo metas e estímulos econômicos e financeiros. Aos agentes econômicos caberia o resto. Por isso, a coordenação era falha, se é que existia.

 

Depositaram demasiada importância e esperança nas empresas estrangeiras, pelo fato delas possuírem e controlarem a tecnóloga de produtos e processos, os meios de distribuição e comercialização internacionais e serem financeiramente fortes.

 

Acreditaram que elas seriam o “polo” dinâmico do PSI, sem levar em consideração os seus interesses mais específicos, os choques de interesses, suas políticas de investimentos e produção, que nunca estiveram motivadas a verticalização da produção, inclusive por uma questão de risco.

 

É “natural” que durante um momento de grande instabilidade política as movimentações de capital sejam mais intensas, mas na fase final do governo de Juscelino, talvez pela perspectiva de agravamento dos conflitos sociais, o déficit se agravou:

 

“O déficit da conta-corrente do balanço de pagamentos pulou de US$ 266 milhões, em 1958, para US$ 410 milhões, em 1960, uma vez que as empresas estrangeiras, ultrapassada a fase de implantação, incrementaram as transferências de recursos para suas matrizes. E essa crescente evasão de divisas, por vias legais (remessas de lucros, juros, dividendos, etc) e clandestinas (subfaturamento, sobrefaturamento, etc) debilitou enormemente a economia da país, ao acanhar-se a capacidade de importar e de reinvestir” (grifos meus, Bandeira, p. 115).

 

Ao mesmo tempo que trilhavam a via do PSI, com enfoque na base, atingiram ainda mais a autoestima de um “povo”, que já continha os vícios de uma sociedade arcaica, não afeita aos novos desafios econômicos e ideológicos (e mesmo morais) de uma sociedade capitalista, em vista do tipo de nossa colonização e a mentalidade dos colonizadores, conforme análise de Sérgio Buarque de Holanda.

 

Talvez, a crítica mais contundente ao pensamento cepalino seja “A economia brasileira: crítica à razão dualista, de Francisco de Oliveira, Cebrap, Brasiliense, 1975.

 

Indo um ponto mais longe Maria da Conceição Tavares levantou um outro problema na construção teórica cepalina, na sua “consagrada metáfora”, citado por Fonseca:

 

“é praticamente impossível que o processo de industrialização se dê da base para o vértice da pirâmide produtiva, isto é, partindo de bens de consumo menos elaborados e progredindo lentamente até atingir bens de capital. É necessário – para usar uma linguagem figurada – que o edifício seja construído em vários andares simultaneamente, mudando apenas o grau de concentração em cada um deles de período para período” (p. 260).

 

Em suma, o processo é mais complexo e uma fase não se esgota e impulsiona o processo para uma fase seguinte.

 

 

CONCLUSÃO

 

O debate sobre o desenvolvimento econômico e os métodos para alcança-lo persistem sem que haja um consenso. O mesmo se diga do processo de industrialização seguido pelo Brasil, como base no modelo de substituição de importações.

 

Neste artigo, procurei focar outros fatores não estritamente econômicos que a meu ver bloquearam as possibilidades de desenvolvimento. Isto, porque parto da hipótese que o processo de desenvolvimento é uma conquista social e que o econômico, embora relevante, não é suficiente para romper todos os obstáculos encontrados. Acredito que o panorama político foi de fundamental importância para o “fracasso” de nossos objetivos.

 

Soma-se a isto um “planejamento” falho, baseado no modelo de substituição de importações, com políticas e ideologias econômicas discrepantes, que não conseguiram dar uma direção de continuidade ao processo.

 

Faltou planejamento, controle e coordenação política e econômica porque a nossa elite intelectual, além dos interesses, mais imediatos, estava vinculada, de uma forma ou de outra, por sua formação intelectual, aos ideais do liberalismo econômico e político, dando importância demasiada ao espírito empreendedor dos agentes econômicos, inclusive dos agentes estrangeiros. Fixavam-se metas e estímulos financeiros sem quaisquer outros compromissos. Também, conforme salientou Oliveira, existiu um erro de avaliação dos atores políticos e econômicos, de seus interesses e de suas alianças, que interferiu no próprio planejamento, inviabilizando o processo. 

 

Faltou disciplina e vontade, indispensáveis nas fases de coordenação e execução, “qualidades” que não são condizentes com a cultura e o espírito do povo brasileiro.

 

Não conseguiram captar os estímulos e os interesses adversos do capital estrangeiro, que importou equipamentos defasados e ao contrário do que se imaginava, usou e abusou dos mecanismos protecionistas.

 

O modelo de substituição de importações trouxe ainda efeitos adversos na autoestima dos agentes econômicos que não se sentiram estimulados ao empreendedorismo e inovação, o que já existia por influência dos nossos colonizadores.  E, frente aos grandes conglomerados internacionais não eram ninguém. Apenas esperavam uma oportunidade para ocupar um espaço supostamente vazio, até que chegasse um capital alienígena para adquiri-lo.  

 

Além disso, os fracassos obtidos no tocante à qualidade de vida e aos serviços de infraestrutura não podem ter explicações eminentemente econômicas, pois se referem à cultura de um povo, colonizado por um país decadente, que não tinha qualquer expressão internacional. A cultura do apadrinhamento sempre esteve presente através do coronelismo e se perpetuou em nossa cultura, trazendo um sentimento de impotência, fragilidade e falta de autoestima.

 

O subdesenvolvimento não é apenas esse estágio econômico, mas também o sentimento do povo em suas expectativas e conquistas. É o sentimento de poder se superar, como sociedade e de transpor os obstáculos impostos tanto pela natureza quanto pelas adversidades politicas e sociais. É a falta de autoestima, de se sentir incapaz, dando aos outros a condição de traçar o seu destino.

 

Todos estes elementos estiveram presentes no processo de industrialização brasileira, contribuindo uns com os outros e se reforçando em um feedback difícil de ser interrompido.

 

Existiram erros? Por certo, sim. Erros de planejamento e de concepções econômicas.  Erros em não levar em consideração os aspectos culturais da nação, partindo de premissas de que os estímulos econômicos e financeiros seriam suficientes para superar os obstáculos sócio/culturais, desencadeando um processo que se reforçasse e se autoalimentasse cada vez mais. Não existiu um programa com o objetivo de adequar a mentalidade do povo às novas exigências, mesmo porque a elite política, intelectual e econômica estava contaminada pelos mesmos vícios culturais.

 

No momento atual, o foco volta-se para a educação, como se ela fosse capaz de resolver, por si só, os problemas que se encrustaram na sociedade. A educação, sem um enfoque sistémico, está fadada ao fracasso, porque a sociedade tem que prover os meios para por em prática os conhecimentos adquiridos.

 

Caso contrário, se dará o fenômeno conhecido como “fuga de cérebros”, como se pode observar no relato da neurocientista Suzana Herculano-Houzel que “já cogita até deixar o Brasil e continuar suas pesquisas em alguma instituição fora do Brasil”:

 

“A vontade cada vez maior é ir embora do país, pois aqui não levam a gente a sério – reclama. – Temos conhecimento internacional, como mostra esta publicação na “Science”, mas nenhum dinheiro” (Reportagem de O Globo, 03.07.2015, p. 24).

 

Em relação ao assunto, no tópico “O que o protecionismo econômico não explica”, reproduzo parágrafos do artigo “PESQUISA EM RISCO”, que aborda as dificuldades dos pesquisadores brasileiros, em reportagem do jornal “O Globo”, datado de 08.07.2015.

 

Tal fenômeno implica em uma drenagem “invisível” de recursos em desfavor das economias menos desenvolvidas, tendo em vista que efetuaram gastos com o ensino básico e superior, que não serão recuperados posteriormente, quando da profissionalização dos cientistas.

 

 A educação, neste caso, também terá de ser direcionada para setores onde possam existir estímulos às atividades econômicas necessárias ao desenvolvimento econômico, condizentes com suas potencialidades e sinergias.

 

E, por sinal, educação não se refere apenas à aquisição de conhecimentos técnicos específicos. Educa-se também, e principalmente, mudando-se a mentalidade, adequando-a aos novos desafios e necessidades, ou aos objetivos desejados. Incide-se nos mesmos erros do passado.

 

Este processo (planejamento, coordenação, execução), por ser uma questão de extrema importância e complexidade, de “vida ou morte”, não pode ser deixado sob a direção e responsabilidade “apenas” de economistas, principalmente aqueles adeptos das correntes neoliberais.

 

Outrossim, não existiu um líder, um grupo, um setor ou uma classe social que conseguisse imprimir uma liderança “inconteste”, despertando um ideário, com propostas e atitudes que levassem ao desenvolvimento econômico. Como classificar esta situação histórica concreta como erro? Um erro político? Erro histórico?

 

Por fim, criticar o protecionismo sem contextualizá-lo e identificar as suas causas e, paralelamente, sem atacar a doutrina do livre comércio, não significa um grande avanço teórico.

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

 

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz, “O governo João Goulart – as lutas sociais no Brasil – 1961-1964”, Editora Unespe, 8ª ed, 2010.

 

BORGES, Maria Angélica, “Estrutura e Sentido da Formação Colonial Brasileira”, em Formação econômica brasileira, org. Rego, José Marcio e, Ed. Saraiva, 2003.

 

CARDOSO, Renato Fragelli, “Politica econômica, reformas institucionais e crescimento: a experiência brasileira (1945-2010”, em “Desenvolvimento Brasileiro-uma perspectiva brasileira”, Org. Veloso, Fernando e outros, Elsevier Ed. ,  2013.

 

FONSECA, Pedro Cezar Dutra, “O Processo de Substituição de Importações”, em Formação econômica brasileira, org. Rego, José Marcio e ..., Ed. Saraiva, 2003.

 

FURTADO, Celso:

 

            - “A nova dependência”, Paz e Terra, 5ª ed, 1983;

 

- “Formação econômica do Brasil”, disponível em afoiceeomartelo.com.br.

 

HOLANDA, Sérgio Buarque de, “Raízes do Brasil”, Ed. Companhia das Letras, 27ª ed, 2014.

 

JAPIASSU, Hilton:

 

            - “A revolução científica moderna”, Imago, 1984;

 

            - “Com o nasceu a ciência moderna”, Imago, 2006;

 

            - “Cortes epistemológicos”, Imago, 1981.

 

 

OLIVEIRA, Francisco de:

 

- “A economia brasileira-crítica à razão dualista”, Seleções Cebrap, Brasiliense, 2ª ed, 1976;

 

- “A navegação virtuosa – ensaios sobre Celso Furtado”, Boitempo editorial, 2003.

 

PINHEIRO, Maurício Canêdo, “Experiências comparadas de política industrial no pós-guerra: lições para o Brasil”, em “Desenvolvimento Brasileiro-uma perspectiva brasileira”, Org. Veloso Fernando e outros, Elsevier Ed. ,  2013.

 

SABOIA, João & Carvalho, Fernando J. Cardim, organizadores em “Celso Furtado e o século XXI, Editora Manole Ltda , 2007.

 

SOARES, Paulo de Tarso P.L, “A propósito do chamado processo de substituição de importações”, em Formação econômica brasileira, org. Rego, José Marcio e, Ed. Saraiva, 2003.

 

Seguindo os passos da história: o engenho e o fabrico do ..., em www.seguindopassos história.blogspot.com /2013/12/o-engenho-e.

 


 

            -‘A ideologia das vantagens comoarativas”;

 

            -“Desenvolvimento e livre comércio”.

 

 

SOBRE A BIOGRAFIA DOS PERSONAGENS CITADOS

 

www.scielo.br/scielo.php?  - Estudos Avançados – Eugênio Gudin –sciELO - .

 

www.geneton.com.br/archives/000209, GENETON.COM.BR: Francisco Julião: Um depoimento ......

 

pt.wikipedia.org/wiki/Eugênio_gudin – Eugênio Gudin –Wikipédia, a enciclopédia livre.

 

pt.wihipedia.org/wiki/ Getúlio_Vargas – Getúlio Vargas.

 

pt.wikipedia.org/wiki/Juscelino_Kubitschek – Juscelino Kubitschek – Wikipédia, a enciclopédia livre.

 

Otávio Gouveia de Bulhões:

 

            pt.wikipedia.org/wiki/Otavio_de_Bulhões ;

 

            cpdoc.fgv.br/.../biografias/otavio_gouveia_de_bulhões;

 

            www.scielo.br/pdf/ea/v15n41/v15n41a10pdf.

 

pt.wikipedia.org/wiki/Roberto_Campos – Roberto Campos – Wikipédia, a enciclopédia livre.

 

 

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