INTRODUÇÃO
A lei n° 9.430/96, ainda em vigor, alterou a legislação do
imposto de renda da pessoa jurídica, instituindo, definitivamente, o
regime de apuração trimestral, em substituição ao anual, o qual
ainda poderá ser utilizado em situações bastante peculiares.
Antes, porém, legislações específicas tentaram
institucionalizar regimes de apuração diversos do anual, mas não
obtiveram êxito em seus propósitos. Portanto, de longa data, mais
precisamente com a Lei n° 7.450/85, que estabeleceu a
obrigatoriedade de apuração dos lucros reais semestrais, foi a
tentativa de implantar um regime de apuração do imposto de renda
inferior ao período anual.
Uma análise histórica da evolução dessa legislação foge ao
escopo do presente trabalho. A Lei n° 9.430/96, que está em vigor
há mais de uma década, fincou raízes em nosso sistema legal e
impera de forma impassível diante das críticas timidamente
esboçadas, sem que tenha sido questionada eficazmente em sua
funcionalidade e constitucionalidade, embora muitas vozes se tenham
levantado sobre a questão.
A doutrina, em grande parte e com as devidas razões, cerrou
fileiras para questionar a constitucionalidade de tal medida,
invocando os princípios constitucionais da anualidade, da
anterioridade, da capacidade contributiva e até mesmo do princípio
da periodização anual.
Estes princípios, da forma como foram manejados, embora
importantes para questionar isoladamente a constitucionalidade da
trimestralidade como período base de apuração, foram insuficientes
para um questionamento mais profundo da citada Lei, porque esta,
através do seu artigo 2°, § 3°, estabeleceu uma opção pela
declaração com base em período anual, que poderá ser exercida
pelo contribuinte, quando obedecidas determinadas exigências.
Portanto, é importante realçar que a norma da trimestralidade
não impera sozinha na Lei n° 9.430/96, mas em conjunto com a regra
da anualidade, pelo menos para as pessoas jurídicas sujeitas à
apuração pelo regime do lucro real.
Por este motivo, para um questionamento mais adequado da apuração
do imposto de renda com base em período trimestral, estabelecido
pela Lei n° 9.430/96, é necessário que se leve em consideração,
nas argumentações, a relevância e importância desta opção, sem
a qual não poderemos pretender grandes avanços.
A Profª Misabel de Abreu Machado Derzi, (Baleeiro, 2000), ao
atualizar o livro Direito Tributário Brasileiro, do Tributarista
Aliomar Baleeiro, percebeu esta grande modificação, mas, a nosso
ver, não tirou as devidas conclusões, preferindo acolher de forma
não crítica as novas regras, endossando a constitucionalidade da
trimestralidade dentro da Lei.
Na verdade, o que se quer dizer é que em razão desta opção de
anualidade, permitida ao contribuinte, a constitucionalidade só pode
ser avaliada se levarmos em consideração a constitucionalidade da
própria opção, mais especificamente de suas exigências, que são
o elo de ligação da trimestralidade para a anualidade.
Por outro lado, da relação e da coexistência dessas duas regras
de tributação do lucro real, numa mesma legislação, surgem
situações que vão permitir avaliar com maior pertinência a
questão da trimestralidade concebida pela própria Lei, em sua
constitucionalidade.
Antecipando sucintamente o que será mais bem esclarecido no
tópico apropriado, a coexistência destas duas regras de tributação,
admitidas pela legislação, porá em relevância e destaque a
questão do confisco, vedado pela Constituição Federal, bem como a
importância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e
razoabilidade, que permitem concluir que a trimestralidade não é o
meio e a forma mais adequada e necessária de tributação.
Assim, evidencia-se que determinadas características dessa Lei
não são visíveis quando a questão da trimestralidade é analisada
isoladamente.
Em resumo, o que pretendemos demonstrar é que está em xeque não
apenas a trimestralidade do período de apuração, mas o objetivo
da própria Lei, quanto a opção e a coexistência das duas formas
de tributação. Dentro do nosso propósito, pretendemos esclarecer
quais as razões que determinam coexistência dessas duas formas de
tributação.
1 A LEGISLAÇÃO COMERCIAL E A ANUALIDADE
O Código Comercial de 1850 estabelecia em seu artigo 10°, item
4°:
Art.
10. Todos os comerciantes são obrigados:
[...]
4. A formar anualmente o balanço geral do seu ativo e
passivo, o qual deverá compreender todos os bens de raiz móveis e
semoventes, mercadorias, dinheiro, papéis de crédito e outra
qualquer espécie de valores, e bem assim todas as dívidas e
obrigações passivas;
O artigo novo Código Civil, de 2002, que passou a regulamentar o
Direito das Empresas, revogando grande parte do Código Comercial,
estabelece nos seus artigos 1.020, 1.065 e 1.179:
Da Sociedade Simples:
Artigo 1020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios
contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o
inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de
resultado econômico.
Da Sociedade Limitada:
Artigo 1.065. Ao término de cada exercício social, proceder-se-á à
elaboração do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de
resultado econômico.
Da Escrituração:
Artigo 1.179: O empresário e a sociedade empresária são obrigados
a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na
escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a
documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço
patrimonial e o do resultado econômico.
Por sua vez, os artigos 87, §
único, letra b, 98, § único e 129, § 2° do Decre to Lei 2.627,
de 1940, que dispunha sobre as sociedades por ações estabeleciam:
Art. 87, § único. É da competência privativa da assembléia
geral:
b)
tomar, anualmente, as contas dos diretores e deliberar sobre o
balanço por eles apresentado.
Art. 98. Haverá anualmente uma assembléia geral que tomará
as contas da diretoria e discutirá o balanço e o parecer do
conselho fiscal sobre eles deliberando.
§
único. A assembléia geral ordinária realizar-se-á nos quatro
meses após a terminação do exercício social.
Art.
129. No fim de cada exercício social, proceder-se-á o
balanço geral, para verificação dos lucros e prejuízos.
[...]
§ 2°. As sociedades registradas em Bolsas de valores ficam
obrigadas a remeter às entidades junto às quais mantenham registro,
até 30 (trinta) dias após o encerramento do primeiro e segundo
semestres do seu exercício social um balanço econômico
financeiro provisório, demonstrativo dos resultados, com os
esclarecimentos necessários que serão afixadas pelas Bolsas.
Art. 175. O exercício social terá a duração de 1 (um) e a
data do término será fixada no estatuto.
Parágrafo único. Na constituição da companhia e nos casos de
alteração estatutária o exercício social poderá ter duração
diversa.
Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a companhia fará
elaborar com base na escrituração mercantil :
[...]
III.
demonstração do resultado do exercício social;
Deduz-se que a regra é
a duração do exercício social de um ano, mas o parágrafo único
admite exceções.
Comentando o artigo 1.065 do Código Civil de 2002 Fiuza (2008,
p.1.079) esclarece,
Constitui princípio fundamental
do direito societário que os administradores devem prestar contas
dos atos da administração em particular, no que tange aos
resultados anuais da sociedade para conhecimento dos demais
sócios. Assim, essa norma expressamente prevê a obrigatoriedade de
levantamento do balanço patrimonial no encerramento de cada
exercício social, devendo ser realizado o inventário físico dos
bens do ativo da sociedade e a elaboração das contas de resultado
econômico, representadas pelas demonstrações financeiras do
respectivo exercício.
Na mesma vertente são os comentários de Coelho (2008, p. 325),
sobre a legislação das sociedades por ações,
De acordo com a legislação
societária, cuja preocupação mais importante é definir a
periodicidade da distribuição dos lucros entre os acionistas, o
exercício social é o lapso de um ano, com datas de início e de
fim fixadas no estatuto. Qualquer período ânuo serve às
finalidades societárias, mesmo que não coincida com o ano civil.
A liberdade para a companhia
definir ela própria o seu exercício social é justificável em
vista da sazonalidade de determinadas atividades econômicas.
Mas, data vênia,
podemos acrescentar que a questão da anualidade não se resume à
fixação da data final do exercício social em razão da
sazonalidade das atividades de algumas empresas.
Todo ano, em cada período anual, independentemente do termo fixado
para o seu encerramento, se inicia um novo ciclo de atividades que teoricamente se repetem nas mesmas condições do ano
anterior e, por isso, permitem estabelecer entre eles uma base de comparação, de avaliação.
Com base em toda a legislação e nos
comentários citados, podemos facilmente concluir que, por força da
lei e da tradição, não restam dúvidas de que o período anual é
o de referência para a apuração dos resultados financeiros,
podendo prevalecer, diferentemente do que ocorre na legislação do
imposto de renda, na atualidade, um término que não coincida com o
final do ano, ou 31 de dezembro. O exercício social, na legislação
civil e comercial, sempre teve e ainda tem a duração de um ano.
Não foi por outro motivo que a legislação do imposto de renda
em “seus primórdios” estabeleceu que a base de cálculo do
imposto de renda seria o lucro real que correspondesse ao exercício
social da empresa, conforme expressamente dispunha os artigos 38 e 43
do Decreto Lei n° 5.844/43:
Art. 38. As pessoas jurídicas instruirão suas declarações com os
seguintes documentos, relativos a um período de doze meses
consecutivos de operações encerrado em qualquer data do ano
civil que anteceder imediatamente ao exercício financeiro em que
o imposto é devido.
Art. 43. A base de cálculo do imposto será dada pelo lucro real ou
presumido correspondente ao ano social ou civil anterior ao
exercício financeiro em que o imposto é devido.
Art. 6°. O lucro real é o lucro líquido do exercício
ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou
autorizadas na legislação tributária.
§ 1°. O lucro líquido do exercício é a soma algébrica [...] e
deverá ser determinado com a observância dos preceitos da lei
comercial.
Art. 7°, § 4°. Ao fim de cada período-base de incidência do
imposto o contribuinte deverá apurar o lucro líquido do
exercício mediante a elaboração, com observância da lei
comercial, do balanço patrimonial, da demonstração do resultado do
exercício e da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados.
Este entendimento não conflita
com o que dispõe o artigo 204, caput, e seu § 2°, da mesma Lei,
que preceituam:
Art. 204. A companhia que, por força de lei ou de disposição
estatutária, levantar balanço semestral, poderá declarar,
por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados
pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço.
[...]
§ 2°. O estatuto poderá autorizar os órgãos de
administração a declarar dividendos intermediários, à conta de
lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último
balanço anual ou semestral.
Ainda, o artigo 202 da mencionada Lei dispõe:
Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo
obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros
estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância
determinada de acordo com as seguintes normas:
Levando em consideração a importância que as instituições
financeiras adquiriram nas sociedades capitalistas modernas e visando
evitar riscos sistêmicos que afetariam toda a economia, o artigo 31
da Lei n° 4.595/64 estabeleceu que:
Art. 31. As instituições financeiras levantarão balanços gerais a
30 de junho e 31 de dezembro de cada ano, obrigatoriamente, com
observância das regras contábeis estabelecidas pelo Conselho
Monetário Nacional.
No mesmo sentido o Decreto Lei n° 2.627/40 (art. 129, § 2°,
supra) previa balanços provisórios semestrais e a Comissão de
Valores Mobiliários determinou a apresentação de relatórios
financeiros trimestrais para as sociedades anônimas de capital
aberto, que possuem valores mobiliários negociados na Bolsa de
Valores ou no mercado de balcão, conforme disposto no art. 16,
inciso VIII da Instrução CVM n° 202 de 06.12.1993:
Art. 16. A companhia deverá prestar, na forma do artigo 13, desta
Instrução, as seguintes informações periódicas, nos prazos
especificados:
[...]
VIII. Formulário de Informações Trimestrais – ITR, elaboradas em
moeda de capacidade aquisitiva constante, acompanhadas de Relatório
de Revisão Especial (inciso XVI do artigo 7° desta Instrução)
emitido por auditor independente devidamente registrado na CVM , até
quarenta e cinco dias após o término de cada trimestre do exercício
social, excetuando o último trimestre, ou quando a empresa divulgar
informações para acionistas, ou para terceiros, caso isso ocorra em
data anterior.
As medidas impostas visam dar maior transparência às operações,
facilitando o acompanhamento e a fiscalização das empresas.
Tratam-se, pois, inclusive, de medidas de caráter preventivo, de
longa data, que visam aprimorar e garantir o funcionamento do sistema
financeiro e do mercado de capitais e servem, antes de tudo, mais
para atender objetivos específicos, do que para medir a evolução
patrimonial.
São duas coisas distintas: uma refere-se a informações
adicionais que permitam um melhor acompanhamento e controle das
atividades financeiras e da sua fiscalização e, conseqüentemente,
do funcionamento do sistema, como um todo, centrando estas exigências
em determinados setores estratégicos; um outro se refere à forma de
avaliação da evolução patrimonial, decorrente de renda auferida.
Estes objetivos podem ser mais bem visualizados dentro das
competências atribuídas ao Banco Central do Brasil e à C.V.M.,
dispostas nas Leis n°s 4.595/64 e 6.385/76, respectivamente.
Dentre as competências do Banco Central, conforme disposto no
artigo 10 e 11, da Lei n° 4.595/64, estão:
Art.
10 – Compete privativamente ao Banco Central do Brasil:
[...]
VI –
exercer o controle do crédito sob todas as formas;
IX – exercer a fiscalização das instituições financeiras e
aplicar as penalidades previstas;
Art. 11 – Compete ao Banco Central do Brasil:
[...]
III- atuar no sentido regular do mercado de cambial, da estabilidade
relativa das taxas de câmbio e do equilíbrio do balanço de
pagamentos podendo para este fim comprar e vender ouro e moeda
estrangeira ;
[...]
VII – exercer permanente vigilância nos mercados financeiros
e de capitais sobre empresas que, direta, ou indiretamente interfiram
nesses mercados e em relação às modalidades ou processos
operacionais que utilizem;
III – fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do
mercado de valores mobiliários, de que trata o artigo 1°, bem como
a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que
dele participem, e aos valores nele negociados;
V – fiscalizar e inspecionar as companhias abertas, dada prioridade
às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de pagar
o dividendo mínimo obrigatório.
E o que fez a legislação do imposto de renda das pessoas
jurídicas? Copiou e generalizou uma regra destinada a empresas de
determinados portes e setores econômicos/ financeiros, que serve a
objetivos específicos, com vistas a reduzir as atividades
especulativas e prevenir os riscos sistêmicos, inerentes ao sistema
financeiro. Essas regras visam dar transparência e disponibilizar
mais rapidamente as informações dessas empresas, evitando o
contágio para outras atividades econômicas, através de uma
vigilância mais eficaz, possibilitando uma intervenção mais rápida
do Banco Central no sistema financeiro.
A generalização foi inoportuna, imprópria, despropositada,
desarrazoada porque nivela todas as empresas, ao contrário da
legislação das sociedades anônimas e da Comissão de Valores
Mobiliários, que estabelecem regras para pessoas jurídicas que
pretendem usufruir as vantagens de captação de recursos de
terceiros, através da Bolsa de Valores.
Uma vez mais se copiou e generalizou inadvertidamente e de modo
insensato o que é justificável para alguns, pois é do conhecimento
geral que a grande maioria das empresas brasileiras é de pequeno e
médio porte, constituídas sob a forma de Sociedades Limitadas. Além
disto, não satisfeitos, ampliaram as exigências estabelecendo
regras para a opção pela apuração anual, com levantamentos de
balancetes mensais.
Mas, antes disto, o contribuinte terá que fazer uma previsão de
suas atividades operacionais, financeiras e de seus resultados para
decidir sobre as duas formas de apuração do lucro real possíveis,
levando em conta ainda os custos de imobilizações financeiras,
decorrentes das antecipações, com o risco da restituição.
O que se pode inicialmente dizer é que a trimestralidade, como se
verá, não atende ao princípio da razoabilidade porque se baseia em
períodos que não são uniformes, no sentido em que eles não
possuem as mesmas variáveis que possam viabilizar uma comparação,
e, por isto, não serve para medir o acréscimo patrimonial de um
período em relação ao outro.
Em outras palavras, as atividades econômicas sempre foram
influenciadas por aspectos sazonais, pelas diferentes estações do
ano, sujeitas a eventos específicos, datas comemorativas e
religiosas, tais como Páscoa, Natal, carnaval, dia das mães,
período de férias escolares, para citar apenas algumas, que se
repetem com a regularidade anual e não trimestral e, por isto,
servem para dar uma maior consistência a uma comparação da
evolução patrimonial.
Citando Freitas Pereira, a Profª Derzi (2000, p. 325) esclarece:
Explica Freitas Pereira que
a regra anual foi universalmente adotada em razão dos seguintes
fatores:
• o período não pode ser tão
curto que seus resultados não sejam significativos, nem
tão longo que impeça sua renovação;
• a duração do período deve
permitir a comparação de exercícios sucessivos;
• o período deve integrar um
ciclo completo de estações de modo a neutralizar influências
sazonais. E conclui:
E reproduzindo na mesma página texto do referido autor:
A adoção de uma base anual
para elaboração das contas preenche estes requisitos e reflete o
juízo de uma longa experiência segundo a qual o ano não é
demasiado longo nem demasiado curto, e, além disso, projeta o ritmo
normal em que se desenvolve a vida econômica e social, toda ela
marcada pelo ciclo das estações.
As atividades econômicas das empresas são tipicamente sazonais
mesmo para aquelas que não parecem ter vínculos diretos com as
atividades agrícolas.
Portanto, o período anual é o que se ajusta ao princípio do
razoável porque o que melhor uniformiza os períodos em comparação.
2 O CONCEITO DE RENDA E A PERIODICIDADE
O artigo 43 da Lei n. 5.172/66, alçada a categoria de Lei
Complementar, estabelece:
Art. 43. “O imposto, de competência da União, sobre a renda e
proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da
disponibilidade econômica e jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou
da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os
acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.
Do enunciado acima se verifica que desde logo se coloca,
implicitamente, como condição da apuração do referido imposto a
periodização, ou, mais especificamente, o prazo e o momento em que
a renda poderá ser auferida.
Este fato, no entanto, foi relegado a segundo plano pela doutrina
que se preocupou em conceituar a renda, independentemente do período
em que a mesma se dava, num período em que a tradição, associada a
outros institutos constitucionais, tornavam desnecessário este
destaque.
Assim, seguindo a orientação do dispositivo legal, temos a
preocupação, por parte da doutrina, em fazer distinção de renda
como fluxo e renda como acréscimo patrimonial, diante de uma
pluralidade de concepções doutrinárias, que não servem ao nosso
propósito, mas que devem ser mencionadas em sua generalidade.
Em relação ao primeiro caso, temos, a título de exemplo, as
definições de Fisher, “valor monetário do fluxo de serviços
percebidos pelo indivíduo durante determinado período de tempo”,
ou de Hewett, “fluxo de bens e serviços percebidos por qualquer
indivíduo durante um período de tempo e disponível para a
utilização depois da dedução dos custos necessários de
aquisição”, citados por Pedreira (1971, 2.11).
Em relação à renda como acréscimo patrimonial, também
prevista no diploma legal, e nas palavras de Pedreira (1971, 2.11),
ela traduz “a influência da prática contábil de determinar o
lucro anual da empresa pela comparação dos balanços de abertura e
de fechamento do período considerado”, ou seja, “poder econômico
desse indivíduo que acresceu durante determinado período de tempo”.
Diante de uma pluralidade de concepções de ordem econômica,
financeira e mesmo jurídica, todas ao mesmo tempo se mesclando, fica
claro que o período é definido de forma genérica, “determinado
período de tempo”, ou, quando não, da forma ditada pela tradição,
sem nenhuma conotação conceitual, como em relação à prática
contábil de apuração anual, baseada na legislação comercial, que
estabeleceu como período de referência o anual.
Mas, é o próprio Pedreira (1971, 2.10.04) que, an
passan, em sua larga obra, afirma que “A idéia de um período
de tempo integra a noção de renda”, sem, no entanto, tecer
comentários adicionais e mais pormenorizados sobre o tema.
Em resumo, temos como evidente que a doutrina deu pouca relevância
à noção de tempo, estabelecendo como fato consumado, pelo menos no
direito brasileiro, que este tempo, para efeitos de apuração do
imposto de renda, seria o período anual.
Entretanto, com o advento da Lei n. 9.430/96, que estabelece o
período de apuração trimestral para as pessoas jurídicas, este
tema passa a ser de suma importância, para a legislação
brasileira, em virtude de tal princípio reverter toda uma tradição,
que jamais havia sido questionada.
Esta noção de tempo estava sedimentada na legislação
brasileira porque estava ancorada e, portanto, operava em consonância
com outros princípios constitucionais como o da anualidade, da
capacidade contributiva, da anterioridade e, para citar Derzi (2000),
o princípio da periodização anual, todos inerentes ao imposto de
renda e que formam um todo sistêmico, sob o qual deverão ser
analisados os institutos jurídicos tributários.
Não é despiciendo mencionar que sob o Título VI – DA
TRIBUTAÇÃO E DO ORÇAMENTO - a Constituição Federal alberga tanto
o SISTEMA NACIONAL TRIBUTÁRIO (Capítulo I) quanto as FINANÇAS
PÚBLICAS (Capítulo II).
Nas palavras de Derzi (Baleeiro, 2000, p. 292),
Entretanto, quer o princípio da
dotação orçamentária, quer o mais flexível da anterioridade,
ambos comprovam que a Constituição adota a regra da periodização
anual. Quando os tributos têm por pressuposto, não um ato ou
negócio jurídico isolados, mas a renda ou o patrimônio que, por
definição, são resultado de situações contínuas, a arrecadação,
necessariamente, se renova ano a ano para compor o orçamento
estatal, por imposição da Constituição. O corte no tempo,
artificialmente imposto, é dado antes pela Constituição Federal e
passa a integrar os direitos e garantias fundamentais.
E no parágrafo seguinte a autora cita textualmente a prática
brasileira, uma alusão à tradição, que sempre se pautou pela
periodização anual.
A anualidade também está prevista nos artigos 1° e 34° da Lei
Orçamentária n° 4.320/64, que dispõem:
Artigo 1°. Esta Lei estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o
disposto no artigo 5°, XV, b, da Constituição Federal.
Artigo 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil.
Daí porque quando do surgimento da Lei n. 9.430/66 serão estes
mesmos princípios que serão utilizados para questionar a
constitucionalidade da referida Lei no tocante à trimestralidade,
como período de apuração para o imposto de renda das pessoas
jurídicas.
Nesse mesmo sentido se pronuncia Amaro:
O período de formação da
renda tributável não pode ser muito curto, sob pena de prejudicar a
personalização do tributo e a adequação à capacidade
contributiva: o indivíduo que episodicamente tem um rendimento
elevado não possui a mesma capacidade contributiva de outro
indivíduo que perceba constantemente renda elevada. Feita apuração
após período mais longo, esses efeitos de pico de renda tendem a
ser neutralizados.
3 DO REGIME DE TRIBUTAÇÃO TRIMESTRAL E SUA CONSTITUCIONALIDADE
3.1 Comparativo entre as duas
formas de tributação – Imposto com base em período trimestral e
anual
A grande maioria dos tributaristas ressalta que o imposto de renda
das pessoas jurídicas apurado através do lucro real trimestral é
em tese, e em determinados casos, mais desvantajoso para as empresas
em relação à apuração anual.
Efetivamente em dois casos, quando em todos os períodos
trimestrais a pessoa jurídica apresenta lucros sem adicional, ou
lucros trimestrais com adicional, os impostos apurados por cada um
dos regimes se assemelham.
A discrepância é manifesta quando durante o período de
apuração, ano-calendário, as empresas apresentam em alguns
trimestres resultados negativos e em outros resultados positivos com
adicionais em alguns trimestres e em outros não.
Higuchi (2008, p. 25) comenta com pertinência estas diferenças,
O lucro real mensal ou
trimestral não traz uma só vantagem, mas traz muitas desvantagens,
como a da limitação na compensação de prejuízos fiscais e a
possibilidade de cometer mais infrações fiscais.
No mesmo trimestre, o lucro do
trimestre anterior não pode ser compensado com o prejuízo fiscal de
trimestres seguintes, ainda que dentro do mesmo ano-calendário. O
prejuízo de um trimestre só poderá reduzir até o limite de 30% do
lucro real dos trimestres seguintes.
Pode-se perceber que a preocupação do autor é somente em
relação ao quantum do imposto apurado e devido, comparativamente,
pelas duas formas de tributação, deixando em aberto, sem
comentários, a questão quanto ao custo de oportunidade das
antecipações mensais e outras exigências de obrigações
acessórias, para as empresas que necessitam optar pelo lucro real
anual.
Ora, para as empresas que se encontram em casos específicos, em
que a apuração dos lucros trimestrais se equipara com a do lucro
real anual, é vantajoso, em tese, que elas adotem o período
trimestral exigido em Lei, pois neste caso elas podem evitar, se
conveniente, o recolhimento mensal com base em estimativa e
necessariamente não se vêm obrigadas às outras exigências
acessórias. A comparação se resume a uma previsão financeira
entre o total a ser recolhido a título de antecipação mensal e a
título de apuração trimestral com base no lucro real.
A desvantagem em adotar a apuração trimestral se torna mais
aparente quando a pessoa jurídica apresenta resultados trimestrais,
no decurso do ano, com lucros ou prejuízos fiscais. Isto porque,
para o período de um ano ininterrupto, os resultados positivos são
absorvidos pelos negativos. Se apresentar resultado positivo no
primeiro trimestre e resultados negativos nos seguintes, que absorvam
o resultado positivo, a discrepância entre o que foi recolhido, que
não poderá ser recuperado, e o que deveria ser recolhido, com base
no regime anual, poderá ser substancial. O mesmo deverá ocorrer
quando tem prejuízos a compensar, apurado, por exemplo, no primeiro
trimestre, conforme salientou Higuchi.
Mas, é neste exato momento quando estes contribuintes
encontram-se em situações financeiras menos promissoras que a
legislação do imposto de renda entra e os penaliza, exigindo a
adoção de regras que lhes impõem maiores sacrifícios e
dificuldades financeiras, através dos recolhimentos mensais, ou de
apuração de balancetes, balanços e lucros reais mensais (22 ao
todo).
Ou seja, na realidade a legislação do imposto de renda, nos
moldes em que foi elaborada, tende a tratar de forma mais rigorosa
àqueles que necessitariam um tratamento contrário, menos rigoroso,
ou pelo menos igualitário frente aos demais contribuintes, e que
possibilitassem o mais rapidamente possível a recuperação dessas
empresas.
Mesmo para os casos em que se adote o lucro presumido poderão
acorrer divergências quanto ao adicional e também neste caso a
trimestralidade poderá ser questionada pelos mesmos motivos, no que
diz respeito à anualidade, capacidade contributiva, a periodização
anual, a anterioridade, já comentados, porque neste caso não temos
a opção com base na anualidade e sim a própria opção pelo lucro
presumido, que em tese favorece ao contribuinte. Aqui impera
exclusivamente o regime da trimestralidade.
Isto porque o lucro presumido em determinado trimestre poderá
estar sujeito ao adicional, enquanto que em relação ao ano ele se
dilui, excluindo-o do adicional em relação à receita anual. Neste
caso o adicional trimestralmente recolhido não poderá ser
recuperado e o contribuinte se verá mais uma vez prejudicado.
3.2 O Confisco
Na verdade trata-se muito mais de um confisco disfarçado de
legalidade, vedado pela Constituição Federal, que estabelece no seu
artigo 150, inciso IV, que é vedado à União, aos Estados, ao
distrito Federal e aos Municípios:
Art. 150, IV. Utilizar tributo com efeito de confisco.
A conceituação de CONFISCO
parece deveras problemática como nos faz ver Horvath (2002, p. 34),
De todo modo, “efeito de
confisco”, assim como dezenas de outras expressões que se nos
deparam pela frente ao lidarmos com o Direito, enquadra-se naquilo
que se convencionou denominar de “conceito vago”, “conceito
indeterminado” ou assemelhados.
Ou de acordo com Carlos A. Mersan
, apud Horvath (2002, p. 47),
É difícil estabelecer um
conceito de confisco, mas nos parece oportuno recordar que ele pode
quando se absorve a totalidade, a maior parte do capital ou da renda
tributária e assim deve entender-se que é confiscatório o ato que
em virtude de uma obrigação fiscal determina uma injusta
transferência patrimonial do contribuinte ao Fisco, injusta em seu
montante ou por falta de causa jurídica, ou finalmente porque
aniquila o ativo patrimonial.
No mesmo sentido Paulo de Barros Carvalho, apud Vargas (2004, p.
40): “A doutrina do confisco não fora elaborada, permanecendo em
solo estéril as construções que tomem esta figura em linha de
consideração”.
Também Machado (2008, p.41) comunga deste entendimento:
Não obstante seja problemático
o entendimento do que seja um tributo com efeito de confisco,
certo é que o dispositivo constitucional pode ser invocado sempre
que o contribuinte entender que o tributo, no caso, lhe está
confiscando os bens.
Ou, ainda,
De todo modo, resta a questão
de saber até que limite o tributo é tolerável, vale dizer, não
tem efeito de confisco.
A questão configura um daqueles
pontos nos quais o quadro ou a moldura que a Ciência do Direito
podem oferecer é muito vago (MACHADO, p.280).
Horvath (2002, p.83) comentando a dificuldade de se estabelecer o
momento em que se dá o confisco afirma,
É dizer: sendo a União, os
Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal entes
componentes para instituir e majorar seus próprios tributos, como se
poderá averiguar se a carga tributária passou a ser confiscatória
após a criação (ou aumento) de um tributo [...]? Ou seja, onde foi
despejada a gota d’água que fez transbordar o copo? Como aferir
isso?
É fato admitido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência que
os princípios constitucionais não devem ser analisados
isoladamente, mas fazendo parte de um sistema, em que coexistem
outros princípios relevantes, que lhes dão sustentação. Diante
desta lacuna a doutrina realça alguns princípios que devem ser
utilizados na avaliação do não-confisco.
Citando uma conferência do Ministro Moreira Alves no 25 Simpósio
Nacional de Direito Tributário, Vargas (2004, p. 33) comenta,
Acrescenta, após discorrer
sobre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que, a
seu ver, é da conjugação destes dois princípios que se pode
aferir quando haja confisco, estendendo o alcance desta vedação não
só ao patrimônio, mas à renda e às atividades comercial,
industrial e econômica das pessoas, [...].
Continuando, o mesmo autor (p. 37) esclarece,
Há também um consenso no
sentido de que este princípio, para ser entendido, há de ser
conjugado com outros princípios, como da capacidade contributiva,
pessoalidade, progressividade, dentre outros, como com os princípios
constitucionais de maneira ampla, como o da igualdade, liberdade
[...]. Há ainda uma forte identificação deste princípio com o
da razoabilidade.
Mas, particularmente para nós, o que, neste estágio,
verdadeiramente nos interessa é buscar na doutrina um elemento
específico que dê consistência à idéia de confisco, porque os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade serão analisados
em outro tópico. Em outras palavras, no caso concreto, para analisar
o confisco, temos que verificar se existe excesso e qual seria a
referência deste.
Segundo Vargas (2004, p.23): “A não-confiscatoriedade tributária
será identificada como a não interdição do arbítrio, proibição
de excesso, e também como explicitação constitucional do
princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade material no
sistema tributário”.
Ainda o mesmo autor (p. 85),
Conclui-se que o devido processo
legal substantivo permite que se faça um controle da
constitucionalidade da lei, a partir de seu conteúdo, vedando
qualquer excesso.
É nítida a identificação da
vedação dos efeitos confiscatórios da tributação com o
devido processo legal, ou com os princípios da razoabilidade,
proporcionalidade material ou proibição do excesso.
Ou seja, diante de um conceito vago realça um elemento sob o qual se
poderá analisar também o conceito relativo de confisco e a sua
aplicabilidade ao caso concreto.
Conforme já ficou esclarecido anteriormente, na legislação fiscal
coexistem duas formas de tributação do lucro real, uma baseada em
períodos trimestrais, que prevalece, e a outra com base em período
anual, desde que exercida a opção e cumpridas as exigências
impostas pela Lei.
Também ficou esclarecido, no tópico relativo à comparação entre
as duas formas de tributação, que o quantum do imposto apurado pela
trimestralidade, para o período de um ano, que coincida com o
período de apuração anual, será sempre igual ou maior que o
imposto apurado através da anualidade.
Ora, como a finalidade, o objetivo último, é sempre a quantificação
do imposto que irá ser recolhido aos cofres públicos, deduz-se que
a forma de tributação do lucro real por períodos trimestrais
impõe, via de regra, um plus, um adicional, em relação ao imposto
que será calculado com base no período anual.
Este ônus adicional, imposto por um sistema de tributação
inconstitucional, é uma espécie de confisco, no sentido literal da
palavra, porque onera mais o contribuinte sem qualquer necessidade,
posto que a Lei admite, como opção, a anualidade. Ou seja, se a Lei
admite a anualidade é porque ela preenche os requisitos necessários
para atender a finalidade.
Então, veja-se que o confisco, o excesso de tributação que traz a
apuração do tributo com base em período trimestral, é avaliado em
relação ao período de apuração anual, admitido pela própria
Lei. A Lei admitindo a opção pela anualidade deu o parâmetro para
avaliar o excesso posto pela forma de tributação trimestral.
3.3 O princípio da isonomia
A esta altura é importante registrar que o tratamento dispensado
às pessoas jurídicas contrasta com o que é adotado em relação às
pessoas físicas, no que se refere ao período de apuração.
Para estas, embora a Lei n° 8.134/90 determine que o imposto será
apurado em bases correntes, permite uma declaração de ajuste anual,
que se baseia na renda auferida no ano, dando ao contribuinte, pessoa
física, o direito de restituição ao imposto antecipado.
Artigo 2°: O imposto de renda das pessoas físicas será devido à
medida em que os rendimentos e ganhos de capital forem percebidos,
sem prejuízo do ajuste estabelecido no art. 11.
Artigo 9°: As pessoas físicas deverão apresentar anualmente
declaração de rendimentos, na qual se determinará o saldo do
imposto a pagar ou a restituir.
Artigo 11°: O saldo do imposto a pagar ou a restituir na declaração
anual (art. 9°) será determinado com a observância das seguintes
normas.
Portanto, encontramos mais uma grande distorção que acompanha o
nosso sistema tributário, no tocante ao imposto de renda das pessoa
físicas e jurídicas e entre as próprias pessoas jurídicas.
E o que já se pode dizer é que é no mínimo estranho, para não
dizer suspeito, este “tratamento isonômico” que se dá a
determinadas pessoas jurídicas, em razão de suas dificuldades
financeiras.
O princípio da isonomia está previsto no caput do artigo 5° da
Constituição Federal, constituindo-se num dos pilares que regem e
disciplinam as sociedades ditas democráticas. É um princípio
constitucional básico para se viver num regime democrático em que o
império da Lei deverá prevalecer sobre a vontade e a força dos
homens.
E é o próprio caput do artigo mencionado que destaca a igualdade
perante a Lei e também a segurança, segurança esta que poderá ser
compreendida a segurança jurídica, nas regras estabelecidas pela
legislação, fato não obedecido pela legislação do imposto de
renda das pessoas jurídicas.
Em um Estado Democrático de Direito presume-se que as regras
sejam justas, admissíveis, possíveis de serem cumpridas, viáveis
em sua execução, claras, inteligíveis. Leis que não
apresentam estes mínimos requisitos de viabilidade trazem em seu
bojo as marcas do arbítrio, da desconfiança, da desobediência e da
insegurança, no sentido lato do termo.
Pinto Ferreira, apud Machado (2008, p.244), comentando sobre a
imprecisão da lei, no caso das leis penais, que bem poderão ser
aplicáveis às leis tributárias, assim se expressa,
As leis penais devem também ser
precisas, pois a linha divisória entre o legal e o ilegal não pode
ser deixada ao arbítrio nem à conjectura. A Corte Suprema norte
americana decidiu várias vezes pela inconstitucionalidade da lei
penal viciada pela imprecisão. O espírito clarividente de
Montesquieu já observava no Espírito das leis: “É essencial que
as palavras da lei revelem em todos os homens as mesmas idéias.”
E o artigo 150, inciso II da Constituição Federal, fortalece o
espírito da isonomia em matéria fiscal, disciplinando que é vedado
à União:
Art. 150, II. Instituir tratamento desigual entre contribuintes que
se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção
em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida
[...].
Diante da sofisticação implementada pelo Governo na legislação
do imposto de renda o contribuinte, muitas vezes, se vê confuso e
indefeso, frente à presença ameaçadora do Estado que possui meios
mais eficazes para fazer cumprir a legislação, colocada
forçosamente sobre ele. Termina por prevalecer, pelo menos para os
contribuintes mais indefesos, a idéia de que é infrutífero
questionar a lei pelo Estado, porque ele possui, de uma certa forma,
o controle da máquina judiciária, que trabalha predominantemente a
seu favor. Sem falar no fato de que acionar a justiça de forma
preventiva continua sendo uma atividade cara, pelo grau de
profissionalismo que a matéria requer, que não está ao alcance da
grande maioria das empresas brasileiras.
Além disto, sabe-se e é de pleno conhecimento nos meios
jurídicos que existe uma grande defasagem entre o direito de acionar
o judiciário e o desgaste e o risco em fazê-lo, inclusive pela sua
lentidão, com a possibilidade de não se obter o devido sucesso
prático, razão que justifica em abrir mão de seus direitos
legítimos em favor de uma acomodação, que a logo prazo sufoca o
próprio contribuinte.
Cientes destas dificuldades, os órgãos do Governo se vêm
estimulados a adotar medidas e modificações constantes na
legislação, o mais das vezes com o simples propósito de aumentar a
arrecadação, mesmo que duvidosa a sua constitucionalidade. De
antemão, reconhecem que poucos terão meios efetivos de contestar as
medidas postas.
Por outro lado, por se tratarem de modificações técnicas que
sacodem todo o sistema jurídico e o seu arcabouço e que, na maioria
das vezes, só poderão ser percebidas e devidamente avaliadas
através de um trabalho doutrinário exaustivo e longo, só se
apercebendo das nuances com o passar do tempo, compensa o risco em
pô-las. Até lá, até que sejam absorvidos as alterações e
questionados os seus fundamentos, os objetivos foram preliminarmente
atingidos e poderão ser confirmados perante a inércia dos
prejudicados. E no momento oportuno, quando as anteriores já
cumpriram as suas finalidades, novas mudanças serão implementadas,
seguindo todo o caminho de dificuldades das anteriores.
Neste embate político e técnico o Estado encontra-se quase
sempre em vantagem porque possui um quadro de técnicos mais
homogêneo, mais bem equipado e estruturado, com todo o tempo
pensante para as alterações, visando sempre à modificação. Em
suma a batalha não é travada entre os hipoteticamente iguais, já
se percebendo de antemão quem provavelmente será o vencedor.
Diante deste festival de leis é de se colocar em dúvidas a
constitucionalidade das ações do governo, ou mais apropriadamente a
questão do abuso de poder. O governo não busca o
aprimoramento da legislação fiscal, com a adoção de medidas que
visem prioritariamente evitar a evasão fiscal. Também não legisla
em benefício da sociedade. Pelo contrário, trata o contribuinte
como adversário, desvirtuando o conceito de estado democrático de
Direito, previsto no artigo 1° da Constituição Federal, que
pressupõe uma sociedade mais justa e participativa, com uma maior
integração e colaboração de seus membros.
As constantes alterações na legislação do imposto de renda, as
constitucionalidades duvidosas, que serão questionadas pelas
interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que se desenvolvem
durante o período de absorção das novas regras implementadas, são
fontes de insegurança jurídica, impossibilitando o
contribuinte, principalmente na qualidade de empresário, de planejar
e ordenar as suas atividades empresariais de uma maneira mais
racional e constante, sem imprevistos.
A igualdade ou a isonomia que norteia os princípios democráticos
e que foram postos pelos filósofos gregos, diz respeito a dar o
tratamento igual aos iguais e desiguais aos desiguais, sendo
inconcebível dentro deste princípio que os menos favorecidos sejam
tratados com mais rigor, porque não favorecidos, exatamente o que
faz a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, quando
estabelece como regra a trimestralidade do período de apuração do
lucro real.
Foi seguindo esta trilha, dar tratamento desigual aos desiguais,
visando a justiça social, que a Constituição Federal optou em dar
tratamento juridicamente diferenciado às empresas de pequeno porte e
às microempresas, conforme disposto no artigo 179:
Art. 179. A União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios
dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim
definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a
incentivá-las pela simplificação de suas obrigações
administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias,
ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Ressalte-se a importância que o texto da
Carta Magna confere às obrigações administrativas e tributárias.
Esta regra de apuração do imposto com base no período
trimestral não faz justiça social porque não é condizente com as
atividades reais das empresas, tratando-se de uma arbitrariedade, que
encontra respaldo nos regimes não democráticos.
Para as empresas que necessitam optar pelo lucro real
anual, em razão dos motivos apontados, as que via de regra estão em
situação financeira delicada, com a liquidez comprometida, a
imposição de antecipações mensais, com base em presunção de
lucro, e outras obrigações acessórias adicionais, abusivas,
dificulta a viabilidade de seu acesso.
Já para aquelas empresas que se encontram financeiramente
saudáveis e apresentam lucros satisfatórios à questão da opção,
por qualquer uma das formas, é de somenos importância, ou, pelo
menos mais trivial, porque a trimestralidade se apresenta muito mais
como uma antecipação do imposto anual, que no fim das contas
coincidirá com os impostos trimestrais antecipados.
Por outro lado, o sistema de tributação adotado permite que
estas empresas saudáveis possam, de antemão, fugir das exigências
estapafúrdias de apurações de balancetes e lucros reais mensais,
porque nunca necessitarão fazer esta segunda opção, que poderá e
quase sempre será necessária para as empresas que se encontram em
dificuldades financeiras, caso estas últimas precisem e queiram
recolher menos imposto.
Ou seja, para as necessidades das empresas mais debilitadas a
legislação responde com mais exigências, quando deveria ser o
contrário ou, pelo menos, dispensar o mesmo tratamento.
Além disto, aquelas empresas possuem um corpo técnico permanente
e mais qualificado que permitem fazer previsões e avaliações mais
apuradas, quanto às vantagens das opções.
Dentro desta linha de raciocínio, fundamentada em princípios
constitucionais, a opção estabelecida pela Lei n° 9.430/96 é um
engodo, que visa onerar indevidamente os contribuintes, impondo-lhes
regras que dificultam o próprio exercício da opção declarada,
impondo sub-repticiamente uma forma de tributação que não lhes é
interessante.
Mas, é importante ressaltar que para viabilizar este procedimento
o legislador adotou um disfarce, que se chama opção pela
tributação em período anual, visando ofuscar o seu verdadeiro
intuito e com isto contornar as possibilidades de contestações, via
judicial.
Esta não é a opinião da Profª Derzi (Baleeiro, 2000, p. 331)
que nos seus comentários finais sobre o assunto arremata,
Assim, a aparente quebra
de periodização anual, única regra admitida pela Constituição,
por meio da incidência mensal ou trimestral, manteve-se entre nós,
um regime opcional de pagamento por estimativa, com apuração e
ajuste anual. Contornou-se, até certo ponto, a inadequação da
legislação aos ditames constitucionais. (grifo nosso)
O contorno, até certo ponto, está em sintonia com a relatividade
constitucional admitida pela autora.
3.4 Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade
Além da afronta aos princípios mencionados pelos autores já
citados a trimestralidade também ofende ao princípio da
razoabilidade, princípio este implicitamente previsto na
Constituição Federal.
Pode-se dizer que os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade não somente estão na Constituição, mas também
norteiam as suas próprias normas, porque é inconcebível uma
Constituição que não seja regrada por tais princípios. São
basilares a um Estado Democrático de Direito e são amplamente
reconhecidos e aplicados tanto pela doutrina quanto pela
jurisprudência, inclusive do Supremo tribunal Federal.
Nas palavras de Mello (2007, p.107): “as
competências administrativas só podem ser validamente exercidas na
extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado
para o cumprimento da finalidade de interesse público a que
estão atreladas”.
E mais adiante: “Logo o plus, o excesso acaso existente, não
milita em
benefício de ninguém. Representa um agravo inútil ao direito de
cada final”.
No mesmo sentido, para Cordeiro (2006, p. 67),
o princípio da proporcionalidade pode ser entendido em razão da
adequação, da necessidade e em sentido estrito.
Adequação: “prevê a
compatibilidade entre o fim e os meios por ela enunciados para
a sua consecução. A adequação dos meios aos fins traduz-se em uma
exigência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à
consecução da finalidade perseguida, pois se não for apta
para tanto, há de ser considerada inconstitucional”.
Necessidade: “Torna-se
obrigatória a verificação prévia da necessidade da admissão da
medida restritiva, bem como da falta de possibilidade de sua
substituição por outra medida menos gravosa, [...]”.
Em sentido estrito: consiste em
um “sistema de valoração no qual se busca analisar se o direito
juridicamente protegido por dada norma apresenta conteúdo
valorativo, superior ao restringido, ou seja, é utilizado para
indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção ao
fim almejado”.
Lúcia Valle Figueredo (Curso de Direito Administrativo. 2. ed. São
Paulo:
Malheiros, 1995, p. 47), citada pelo autor, assim se pronuncia sobre
o princípio constitucional da razoabilidade,
Não se pode conceber a função
administrativa, sem se inserir o princípio da razoabilidade. É por
meio da razoabilidade das decisões tomadas que se poderá contrastar
atos administrativos e verificar se estão dentro da moldura
comportada pelo direito.
Sobre o mesmo princípio discorre Celso Bandeira de Mello (obra
citada, p. 105):
Pretende-se colocar em claro que
não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e,
portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas
desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com
desconsideração às situações e circunstâncias por
quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição
de acatamento às finalidades da lei atributiva de discrição
manejada.
Prosseguindo: “é porque através dela visa-se à obtenção
da medida ideal, ou seja, da medida que, em cada situação,
atenda de modo perfeito à finalidade da lei”.
3.5 A trimestralidade à luz dos princípios da proporcionalidade e
da razoabilidade
É neste momento muito peculiar que invocamos uma vez mais o
princípio implícito da razoabilidade, admitido pela doutrina e pela
jurisprudência, conforme Celso Bandeira de Mello (obra já citada,
p.105):
Pretende-se colocar em claro que
não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e,
portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas
desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com
desconsideração às situações e circunstâncias por
quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e
disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva de
discrição manejada.
Ou, conforme Caio Tácito, apud Horvath (2002, p. 54),
A rigor o princípio da
razoabilidade filia-se à regra da observância da finalidade da lei,
que a seu turno, emana do princípio da legalidade. A noção de
legalidade pressupõe emana do princípio da legalidade. A noção de
legalidade pressupõe a harmonia perfeita entre os meios e os fins, a
comunhão entre o objeto e o resultado do ato jurídico. A vontade do
legislador, como da autoridade administrativa, deve buscar a
melhor solução e a menos onerosa para os direitos e liberdades,
que compõem a cidadania.
Ou, ainda, conforme o requisito da NECESSIDADE: “Torna-se
obrigatória a verificação prévia da necessidade da admissão da
medida restritiva, bem como da falta de possibilidade de
sua substituição por outra medida menos gravosa, [...]”.
O fato de o fisco admitir uma forma de tributação, mais simples e
menos
onerosa, que atende aos mesmos propósitos e finalidades,
utilizando-se dos mesmos métodos de apuração contábeis,
no caso, com base em período anual, demonstra que a trimestralidade
não é procedimento necessário e adequado, que preencha os
requisitos do princípio da proporcionalidade.
A forma de apuração do lucro real trimestral não é a mais
adequada para medir o acréscimo patrimonial, porque baseada em
períodos descontínuos. Por outro lado, esta forma também não é
necessária para atingir os fins colimados, porque a própria Lei
admite um modo mais adequado, menos oneroso (em termos do
quantum tributável), com menos riscos, menos trabalhoso.
Ao mesmo tempo não é razoável porque está em descordo com o
período de apuração do lucro que mais reflete a realidade da
evolução patrimonial do contribuinte, conforme os comentários que
já tecemos sobre a apuração anual, no tópico sobre a legislação
comercial.
O mais adequado é o mais justo, o que não excede e,
portanto, o mais proporcional e razoável.
Citando mais uma vez Vargas (2004, p.97): “O princípio da
proporcionalidade em sentido estrito por ter como objetivo a “justa
medida”, é o que melhor se identifica com o princípio da vedação
dos efeitos confiscatórios.”
Há de se ver que os princípios constitucionais se mesclam,
chamam uns aos outros para dar contorno ao sistema constitucional,
não havendo limites fixos para defini-los. Os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade são elásticos e determinam
conceitos mais específicos.
É bem verdade que a legislação tributária goza de relativa
independência em relação aos outros ramos de direito, podendo
estabelecer critérios próprios de apuração, não se submetendo,
conseqüentemente, às regras e aos padrões da legislação
comercial.
Esta relativa independência poderia ser manifesta em relação ao
término do período base, que poderia ser diferente do da lei
comercial, mas respeitando a anualidade do período de apuração da
renda e acréscimo patrimonial porque mais condizente com a realidade
das atividades econômicas das pessoas jurídicas.
É desarrazoado um sistema de tributação que estabelece duas
formas de apuração do imposto de renda, ambas baseadas em
procedimentos idênticos, mas que faz da forma inconstitucional a
regra e a constitucional a exceção. Esta coexistência de duas
regras só evidencia a incoerência do sistema, tornando evidente que
a forma de tributação trimestral pelo lucro real é inadequada e
desnecessária, porque a própria legislação legitima, de forma
secundária, uma forma de apuração mais coerente e adequada para
avaliar a evolução patrimonial.
O sistema como um todo não busca um equilíbrio sistêmico, não
pondera a adequação dos meios aos fins colimados, está ancorado em
um instituto jurídico inconstitucional (trimestralidade), figurando
o outro, a anualidade, apenas como suporte para que sejam perpetradas
as arbitrariedades. Daí as razões das exigências exorbitantes e
desproporcionais impostas ao contribuinte, como se verá
oportunamente no próximo tópico.
4 A QUESTÃO DA OPÇÃO À ANUALIDADE NA LEI N° 9.430/96
Muito embora todos estes princípios sejam importantes quando se
referem a periodização trimestral estabelecida pela Lei n.
9.430/96, eles não servem para questionar in
totum o sistema de tributação trimestral, tal como concebido
pela legislação brasileira.
Isto porque o § 3° do artigo 2° da mencionada Lei estabelece o
período anual como opção para a apuração do imposto de renda das
pessoas jurídicas:
Art. 2°, § 3°.“A pessoa jurídica que optar pelo pagamento do
imposto na forma deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de
dezembro de cada ano [...]”.
Ora, em outras palavras, isto significa dizer que o regime de
apuração do lucro do imposto de renda das pessoas jurídicas
legitimado pela legislação é o regime trimestral, mas a Lei
permite que o contribuinte opte pelo regime anual.
Dessa forma o problema da constitucionalidade da tributação
trimestral, instituída pela Lei n. 9.430/96, não se resume à
declaração da inconstitucionalidade dessa trimestralidade, mas
desloca-se para uma análise mais abrangente que envolve a própria
opção, ou, mais especificamente, as exigências impostas para o seu
exercício.
Seria como afirmar que se o contribuinte “opta” pela
trimestralidade ele não poderá alegar, para efeitos de se
beneficiar de outro critério, a inconstitucionalidade dessa
trimestralidade, que foi por ele escolhida.
Este problema foi perfeitamente captado pela professora Misabel
Abreu Machado Derzi, com os seguintes comentários:
Finalmente, pode-se dizer que a
redução drástica do período de incidência e de apuração do
imposto seria absolutamente inconstitucional se não fosse
opcional. Ou seja, o legislador ordinário, apesar de literal
mente afirmar a periodização mensal, e agora, com a Lei n.
9.430/96, trimestral, ofereceu a opção do contribuinte o pagamento
por estimativa, que embora denominado simplesmente de “forma de
pagamento”, sujeita-se a ajuste anual, em que o período anual
continua sendo o marco necessário, em que os prejuízos registrados
em determinados meses do ano são compensáveis com os lucros
apurados nos demais meses do ano (BALEEIRO, 2000, p. 330).
Com a devida vênia, discordamos da posição da autora que
absorveu acriticamente a questão da opção, sem questionar os seus
princípios de validade, dentro da ordem jurídica esboçada.
Em primeiro lugar, para todos os efeitos, questionamos se
efetivamente existe algo absolutamente inconstitucional. Se existe,
deverá existir também o relativamente inconstitucional. Mas, na
verdade o que significa ser absolutamente ou relativamente
constitucional? O período trimestral de apuração do imposto de
renda estabelecido de conformidade com a Lei é relativamente
constitucional?
Para nós, a autora peca pelo relativismo, sem situá-lo no
sistema jurídico que comenta. Assim sendo, o disposto na Lei é
constitucional ou não. Não existe, neste caso, o absolutamente
inconstitucional ou o relativamente constitucional.
Em suma, temos que analisar se a opção estatuída em Lei,
simplesmente,
legitima a constitucionalidade, pelo fato de ter sido posta, ou se
ela deverá ser questionada dentro dos mesmo princípios que regem a
legislação do imposto de renda.
O artigo 1° da Lei n° 9.430/96 assim prescreve:
Art. 1°. “A partir do ano-calendário de 1997, o imposto será
determinado com base no lucro real, presumido ou arbitrado, por
períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março,
30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário,
observada a legislação vigente, com as alterações desta Lei ”.
Está bastante claro, portanto, que, antes de tudo, o período
trimestral irá reger a tributação do imposto de renda das pessoas
jurídicas, sendo a opção mencionada uma exceção que poderá ser
utilizada pelas pessoas jurídicas que apurarem o imposto de renda
com base no lucro real anual.
Mas, para que esta opção seja legalmente exercida a própria Lei
estabelece condições, que deverão ser cumpridas por quem almeja
apurar o lucro real anual.
Estas exigências estão disciplinadas nos artigos 2° e 3° da
mesma Lei, a seguir transcritos:
Artigo 2°: A pessoa jurídica sujeita à tributação com base no
lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto e do
adicional, em cada mês determinados sobre a base de cálculo
estimada, mediante a aplicação, sobre a receita bruta auferida
mensalmente [...].
§ 3°: A pessoa jurídica que optar pelo pagamento do imposto na
forma deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de dezembro de
cada ano, exceto nas hipóteses de que tratam os §§ 1° e 2° do
artigo anterior.
Artigo 3°: A adoção da forma de pagamento do imposto prevista no
artigo 1°, pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime do lucro
real, ou a opção pela forma do artigo 2°, será irretratável para
todo o ano-calendário.
Artigo 35° da Lei n° 8.981/95 e artigo 2° 9.430/96: A pessoa
jurídica poderá suspender ou reduzir o pagamento do imposto devido
em cada mês, desde que demonstre através de balanços ou balancetes
mensais, que o valor acumulado já pago excede o valor do imposto,
inclusive o adicional, calculado com base do lucro real do período
em curso. (Artigo 230 do RIR/99, Decreto n° 3.000/99).
Pelos artigos acima transcritos está claro que, da forma como eles
foram
estabelecidos, dificultam o “acesso” ao regime anual, pelas
pessoas tributadas pelo lucro real, porque impõe procedimentos mais
onerosos, mais obrigações acessórias, para aqueles que por ele
optam.
Além disto, após adotar o regime de tributação por qualquer
dos regimes, o contribuinte não poderá alterar mais a forma de
tributação para àquela que lhe seja mais vantajosa, no curso do
período base. Caso opte pela tributação em base trimestral e no
curso do período base anual constate que esta lhe é mais favorável
não poderá modificá-la para o regime anual.
Este último fato revela que o contribuinte tributado pelo regime
do lucro real terá que prever, antecipadamente, o período de
tributação que lhe seja mais conveniente, trazendo uma insegurança
jurídica, porque também deverá prever o desenrolar de suas
atividades econômicas, para que possa escolher a forma que lhe for
menos onerosa, tanto financeiramente quanto a título de obrigações
acessórias.
Assim, a base de cálculo do tributo e o quantum a ser e recolhido
não serão mais determinados apenas pelos resultados econômicos e
financeiros auferidos no passado, mas também com base em uma
previsão de sua atividade futura, aleatória, que deverá ser
prevista com uma certa exatidão.
Na essência, o contribuinte ainda não adquiriu renda, mas será
obrigado a prever e “definir” antecipadamente a base de cálculo
do imposto, subvertendo o espírito dos artigos 43 e 44 do Código
Tributário Nacional e toda a lógica do sistema, porque se deduz do
disposto nesses artigos que a base de cálculo é definida quando
auferida a renda e não antecipadamente.
Artigo 43: O imposto, de competência da União, sobre a renda e
proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição de
disponibilidade econômica ou jurídica:
Artigo 44: A base de cálculo do imposto é o montante real,
arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
Nesse diapasão nos parece legítimo concluir que essas
exigências da Lei n° 9.430/96 conflitam com o que dispõe os
artigos 43 e 44 do C.T.N., infringindo Lei hierarquicamente superior,
porque o referido Código foi alçado à Lei Complementar, que
prevalece sobre Lei Ordinária ou Delegada.
A aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda,
conforme disposto no artigo 43 do C.T.N., não estaria
desassociada da definição da periodização e esta referida Lei
Complementar não contemplava outra periodização que não o anual.
Portanto, o Código Tributário Nacional não dá acolhida às
disposições da Lei n° 9.430/96 porque tinha como objetivo acolher
uma tributação anual. A tributação trimestral é invencionice
burocrática que visa penalizar o contribuinte, cerceando-lhe o
direito a uma tributação mais justa e impondo-lhe exigências não
menos absurdas.
Discorrendo sobre o valor hierárquico das leis, com base no artigo
59 da nossa Carta Magna, Zimmermann (2004. p. 484) arremata: “Por
outro lado, para a maioria dos juristas, a lei ordinária, a medida
provisória e a lei delgada estão sujeitas à lei complementar,
sendo inválidas quando a contradizem.”
De outra parte, com base no artigo 1° da mencionada Lei, o fisco
deverá adotar a tributação com base trimestral, caso o
contribuinte, por qualquer motivo, não faça a opção que lhe foi
permitida, porque o imposto passou a ser devido trimestralmente.
Particularmente, neste caso, a atuação do fisco será eivada de
inconstitucionalidade, podendo-se levar em consideração os diversos
argumentos sobre a inconstitucionalidade, ressaltados pelos mais
diversos tributaristas, com fundamento nos princípios da
anterioridade, da anualidade, da capacidade contributiva, da
periodização anual e também da razoabilidade.
O fisco não poderá adotar o regime de apuração trimestral,
através de procedimento próprio, quando o contribuinte não fez
qualquer opção, seja trimestral ou anual,
e, assim, deixou de apurar o imposto de renda. Quer o fisco que
também a falta de opção seja requisito para imposição de uma
tributação com base na trimestralidade.
Mas, quando levamos em conta a questão da opção, prevista em
Lei, estes argumentos tomados com base exclusivamente na
trimestralidade da apuração, não serão suficientes para declarar
a inconstitucionalidade do regime tributário posto em
questionamento, ou mesmo para invalidar ou fazer alterar um
procedimento já adotado pelo contribuinte. Neste caso, o que deverá
ser questionada é a constitucionalidade da própria opção, com os
seus critérios e as suas exigências.
Como já foi dito acima, inclusive com as transcrições dos
respectivos artigos, as condições impostas para que o contribuinte
possa optar pelo regime de tributação anual do lucro real são:
a) recolhimento mensal do imposto por estimativa, com base na
receita auferida, caracterizando uma espécie de antecipação do
imposto, mas com um ônus financeiro bastante elevado, principalmente
para aqueles que poderão se beneficiar da apuração anual;
b) possibilidade de suspensão ou redução do imposto de renda
apurado por estimativa, desde que o contribuinte demonstre, através
de balanços ou balancetes mensais de apuração (22 ao todo), que o
valor acumulado já pago (através da estimativa mensal) excede o
valor do imposto.
Ora, não precisa muito para perceber que o imposto recolhido com
base nas receitas mensais é por demais oneroso para um contribuinte
que está às voltas com dificuldades financeiras e que nem mesmo
sabe se poderá arcar com o imposto de renda que será apurado com
base no lucro, no final do período de apuração.
Ou seja, na verdade a legislação impõe ao contribuinte um ônus de
“imobili
zação” financeira, para que, no fim das contas, este possa
demonstrar que não tinha efetivamente nada a recolher ou o que tinha
a recolher era bem menos do que a Lei inicialmente lhe impunha.
Some-se a isto a dificuldade de restituição do imposto antecipado,
recolhido indevidamente, fato este que, notoriamente, deverá
afugentar o contribuinte por esta opção, anual. Na realidade é um
pavor ter imposto a restituir, porque com ele aparecem as diligências
fiscais que entravam os trabalhos administrativos e a espera de anos
a fio de ver restituído o que não é devido.
Sobre o assunto, Machado (2008, p. 203/4) comenta:
O mau exemplo dos governantes
revela-se de forma ainda mais evidente no que diz respeito aos
pagamentos de débitos pelo Poder Público. E especialmente no que
concerne ao dever de restituir o que indevidamente tenha sido pago.
Sabe-se que a administração Pública tem o dever de restituir
prontamente, de ofício, o tributo pago indevidamente. Na prática,
porém, geralmente isto acontece. E quando o contribuinte ingressa em
juízo com ação de repetição do indébito o Poder Público
utiliza todos os recursos, cabíveis ou não, para protelar o
desfecho final do processo. E a final, vencido, cria enormes
dificuldades para o cumprimento da sentença que o condena a
restituir o que recebeu indevidamente.
O exagero da Lei não para por aí e estabelece que mesmo em caso
de prejuízo fiscal com base na opção pelo balanço anual o
contribuinte, que não efetuar o levantamento dos 24 balancetes,
estará obrigado a recolher as antecipações com base nas receitas
mensais.
É o que dispõe o artigo 44, § 1°, inciso IV da Lei n°
9.430/96, que prevê “penalidade”em caso de descumprimento da
norma:
Artigo 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as
seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença do
tributo ou contribuição.
§ 1°. As multas de que trata este artigo serão exigidas[...]:
IV – isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento
do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido,
na forma do art. 2°, que deixar de fazê-lo, ainda que tenha apurado
prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição
social sobre o lucro líquido, no ano calendário correspondente.
Sobre o assunto, especificamente, se
pronunciou a Câmara Superior de Recursos Fiscais, Primeira Turma,
através do Acórdão n° CSRF/01-05.5881, sem, no entanto, se
aperceber da inconstitucionalidade que cerca o direito ao exercício
à opção anual, estabelecido através de exigências absurdas, que
ferem princípios constitucionais, como se verá posteriormente.
IRPJ – MULTA ISOLADA – FALTA DE RECOLHIMENTO DE ESTIMATIVA –
PREJUÍZO FISCAL – O artigo 44 da Lei n° 9.430/96 precisa que a
multa de ofício deve ser calculada sobre a totalidade ou diferença
de tributo, materialidade que não se confunde com o valor calculado
sob base estimada ao longo do ano. O tributo devido pelo contribuinte
surge quando é o lucro real apurado em 31 de dezembro de cada ano.
Improcede a aplicação de penalidade pelo não recolhimento de
estimativa quando a empresa apura prejuízo em sua escrita fiscal ao
final do exercício. Recurso especial negado.
No mesmo sentido são os Acórdãos
CSRF/01.05201 e 103-21.895, onde o relator destaca “que o valor
recolhido a título de estimativa não tem natureza de tributo” e
que, por conseguinte, a multa não é devida porque o artigo
mencionado estabelece que ela (a multa) será calculada sobre a
totalidade ou diferença do tributo ou contribuição.
Infelizmente, já não são raros os casos de
contribuintes às voltas com problemas graves de saúde, ou mesmo em
estados terminais, necessitando das restituições para poderem arcar
com as despesas de saúde e hospitalares, que não conseguem reaver,
a tempo, o que lhes é devido pelo Poder Público.
Quanto ao segundo item que na realidade se trata de uma segunda
opção para o contribuinte, ou seja, opção sobre opção, este, ao
escolher uma forma de tributação anual, que lhe seria mais
pertinente e justa, pelos motivos já comentados, terá que apurar
onze balancetes mensais e os respectivos lucros reais, ao todo 22
(vinte e dois) resultados, em apenas um ano. Percebe-se, claramente,
o risco de cometimento de mais infrações fiscais.
Terá, ainda, que elaborar uma
quantidade numerosa de cálculos mensais comparativos, efetuando os
cálculos mensais a título de estimativa e comparando-os com os
cálculos dos lucros reais mensais acumulados para o mesmo período.
Obrigatoriamente efetuará pelo menos um primeiro recolhimento com
base na receita mensal, mesmo que tenha detectado prejuízo no
primeiro mês do ano calendário. Tudo isto para, ao final, ver
reconhecido o seu direito de comprovar que nada tinha a recolher.
Mas, antes disso, terá ainda a incumbência de fazer previsão de
suas atividades operacionais e dos lucros que poderão ser apurados
pelas duas formas de tributação, comparando-os com os custos das
imobilizações financeiras e com o ônus da restituição. Uma
verdadeira loucura, uma via crucis.
Estas exigências são absurdas e desastrosas principalmente para
determinados ramos de atividade, como aqueles que se submetem às
regras dos contratos de curto e longo prazo, regulamentados pelos
artigos 407 a 409 do RIR/99, cujas empresas são geralmente
contratadas pelos governos para prestação de determinados serviços.
Estas pessoas jurídicas que constantemente se vêm às voltas com
problemas de pagamento por parte do órgão contratante têm o
direito de diferir ou excluir da base de cálculo do imposto a
parcela do lucro da atividade, correspondente às parcelas não
recebidas, incluindo-as quando do seu efetivo recebimento. (artigo
409 do RIR/99)
O que queremos dizer é que estas pessoas jurídicas ou terão que
se submeter ao recolhimento por estimativa ou levantar doze balanços
ou balancetes mensais, e doze lucros reais, com todas estas
peculiaridades e controles, para simplesmente fazer jus ao que lhe é
de direito, ou seja, recolher o imposto com base no resultado
financeiro de suas atividades passadas, sem que seja preciso recorrer
ao dispositivo de previsão de suas atividades futuras.
Mas estas exigências, em parte, explicam o aparente paradoxo
em que o regime de apuração trimestral continua a prevalecer mesmo
quando as pessoas jurídicas sabem de antemão que ele lhes menos
favorável financeiramente, em termos de imposto a recolher.
Vê-se, assim, que, diante destas exigências extravagantes e
absurdas, que ferem os direitos mais elementares dos contribuintes,
torna-se necessário se perquirir sobre os
princípios constitucionais infringidos, em complemento às
argumentações sobre a constitucionalidade, já expostas.
5 DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS EXIGÊNCIAS PARA O EXERCÍCO DA
OPÇÃO E DA IRRETRATABILIDADE DA OPÇÃO
Convém citar mais uma vez Horvath (2004, p. 55): “A garantia da
razoabilidade também é identificada, por ser ela sinônima, com a
proibição da arbitrariedade”.
A opção que foi permitida ao contribuinte, em calcular o imposto
pela
apuração do lucro real anual, foi o instrumento ou o meio pelo qual
o legislador procurou legitimar a forma de apuração trimestral,
através da própria opção. Dessa forma transferiu a
responsabilidade de escolha da forma de apuração para o
contribuinte, trimestral ou anual, afastando de certa forma os
questionamentos que poderiam advir da inconstitucionalidade da Lei,
ao mesmo tempo em que inviabilizava o exercício dessa opção.
Mas esqueceu o legislador que a opção (o não exercício da
opção pela anualidade não deixa de ser uma opção pela
trimestralidade) exercida por uma regra inconstitucional não tem o
condão de dar legitimidade a quem se utiliza desta regra, porque a
opção não tem validade jurídica, independentemente de quem a
escolheu. Não pode servir de pretexto para que se exija o
injusto, o desarrazoado, que por sua vez é imposto de forma
arbitrária, excessiva.
Também não é razoável e nem prudente impor ao contribuinte
obrigações acessórias descabidas, exorbitantes, arbitrárias e
excessivas, difíceis de serem cumpridas, impelindo-o e
induzindo-o a optar por uma forma de tributação que lhe seja menos
favorável, em relação ao quantum tributável, embora muitas vezes
mais vantajosa em razão das exigências.
Nas palavras de Vargas (2004, p. 98): “Na interpretação das
normas tributárias, como em qualquer outra, há de se levar em
conta, necessariamente, o princípio do não-excesso, pois é
através dele que se consegue ligar o aspecto meramente formal da
Constituição, com o aspecto material.”
O mesmo autor (p.97) arremata: “Canotilho (1995,
p.617-618) considera que o princípio da proibição do excesso
(art. 18° da Constituição Portuguesa) é o princípio da
proporcionalidade em sentido amplo [...]”.
O excesso posto através das exigências dificulta, para não
dizer que veda, o acesso ao que é legitimo e razoável.
Principalmente quando se sabe que a própria Constituição Federal
viabili-
zou, através do § 7° do artigo 150, a antecipação do imposto:
Art. 150, §7°. A lei poderá atribuir ao sujeito passivo de
obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento
do imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer
posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da
quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
O que queremos dizer é que a legislação do imposto poderia
estabelecer
uma antecipação trimestral do imposto de renda, baseada no lucro
real, permitindo que o contribuinte pudesse, após a apuração do
imposto pelo período anual, ajustar, como acontece com a legislação
do imposto de renda das pessoas físicas, o quantum que deveria ser
efetivamente recolhido aos cofres públicos.
Estes argumentos também são aplicáveis ao que dispõe o artigo
3° e o § único da Lei n° 9.430/96, que trata da irretratabilidade
da opção, os quais transcrevemos:
Art. 3°. A adoção da forma de pagamento do imposto prevista no
artigo 1°, pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime do lucro
real, ou a opção pela forma do art. 2° será irretratável para
todo o ano-calendário.
§ Único. A opção pela forma estabelecida no art. art. 2° será
manifestada com o pagamento do imposto correspondente ao mês de
janeiro ou de início da atividade.
Levando-se em consideração os princípios constitucionais
enumerados
e ainda que o regime de apuração que mais reflete o seu incremento
patrimonial do contribuinte e a percepção de sua renda, porque com
a realidade de suas atividades econômicas, é a apuração com base
em período anual, seria lícito perguntar:
a) é razoável que a Lei estabeleça um outro período de
apuração, no caso trimestral, impondo ao contribuinte regras que,
como ficou demonstrado, dificultam a sua opção pelo período que
mais reflete suas atividades econômicas?;
b) é razoável que a legislação ao impor estas regras impeça
que o contribuinte, após se certificar que os resultados econômicos
e financeiros não foram os esperados, ajuste o quantum do imposto
devido, obedecendo à periodização que mais se coaduna com os
princípios constitucionais e com a aferição de suas atividades?
Obviamente, as respostas a estas perguntas estão respondidas
quando confrontamos estas regras absurdas e arbitrárias com os
princípios constitucionais mencionados
ao longo deste trabalho.
Por tudo isto posto, não temos dúvidas em questionar a
constitucionalidade do sistema jurídico imposto pela Lei n°
9.430/96 que está viciada em sua constitucionalidade, porque impõe
e induz o contribuinte a assumir um ônus não condizente com a
efetividade de suas atividades, que deverão ser auferidas com base
em períodos anuais.
A recomposição do patrimônio do contribuinte diante das
investidas do fisco é um direito expressamente admitido pela
Constituição Federal, mesmo quando este, por livre iniciativa, se
engana quanto ao que é devido, principalmente quando esta
recomposição adota procedimentos compatíveis com os princípios
constitucionais aqui enumerados. O que dizer quanto ao que não é
efetivamente devido de acordo com as regras constitucionais?
Para finalizar este tópico não seria demasiado repetir que a
opção imposta ao contribuinte para ter acesso ao que lhe é de
direito, bem como as exigências legais impostas para o seu exercício
ferem o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, previstos
na Constituição Federal porque não são justas e adequadas à
finalidade a que se propõem, excedem em seu propósito e induzem o
contribuinte a não exercê-la, ou seja, a optar por uma forma de
tributação que vias de regra lhe é desfavorável.
Da mesma forma, ou mais ainda, a irretratabilidade da opção, uma
vez exercida a trimestralidade, fere também tais princípios, pois
obriga o contribuinte a permanecer no sistema de tributação
trimestral, inconstitucional, que não reflete adequadamente as suas
evoluções patrimoniais, que não se coaduna com as suas atividades,
que não é isonômico e sim confiscatório, pelos motivos que já
foram expostos.
Se, parafraseando Bobbio, “os meios contaminam os fins” os
instrumentos utilizados pelo legislador, que induzem e empurram o
contribuinte para a opção trimestral, já seriam suficientes para
“decretar” a inconstitucionalidade da lei. Nesse diapasão, a não
opção pela apuração anual foi o meio que o legislador encontrou
para atingir a inconstitucionalidade.
A situação se vê agravada quando estes mesmos instrumentos
forçam e induzem o contribuinte a optar por um regime de tributação,
em si, também inconstitucional, qual seja o regime de apuração
trimestral. Seria querer legalizar um regime de tributação
inconstitucional por instrumentos também inconstitucionais, que
ferem, ambos, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
pondo em xeque o arcabouço jurídico.
6 A JURISPRUDÊNICA QUANTO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE
A prova mais eloqüente da importância dos princípios
constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade pode ser
aferida pela recepção que o Supremo Tribunal Federal tem dado em
seus julgados.
Nesse sentido reproduzimos a ementa do julgamento pelo Tribunal
Pleno, da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade
1.407/DF, da relatoria do Ministro Celso de Melo, extraída de Vargas
(2004, p.90),
(...) O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade
legislati va está necessariamente sujeita à rígida observância
de diretriz fundamental , que, encontrando suporte teórico
no princípio da proporcionalidade, veda os excessos
normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.
O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação
dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente
daquela que veicula a garantia do substantive due process of law
- acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder
Público no exercício de suas funções, qualificando-se como
parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos
atos estatais.
A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de
irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade,
ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o
princípio do substantive due process of law (CF, Art. 5°,
LIV).
Esta cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes
do abuso do poder legislativo, enfatiza a noção de que a
prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição
jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrada
instauração normativa possa repousar em juízo meramente político
ou discricionário do legislador.
No corpo do acórdão encontramos:
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade
visa inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício
das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da
atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o
postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação
dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de
aferição da própria constitucionalidade material dos atos
estatais.
A essência do substantive do substantive due process of law
reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das
pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele
opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.
Seria despiciendo reproduzirmos as ementas dos diversos julgados
do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, abrangendo os diversos
ramos do direito, bastando, para o nosso caso, citá-los:
- AC-MC 1657/RJ. Medida Cautelar em Ação Ordinária. Interdição
de Estabelecimento Industrial pela Secretaria da Receita Federal.
Relator: Ministro Joaquim Barbosa;
- ADI 3112/DF. Ação Ordinária de Inconstitucionalidade. Estatuto
do Desarmamento. Direito de Propriedade. Invasão da Competência
Residual dos Estados. Relator: Ricardo Lewandowski;
- AC-AGR1091/GO. Ag. Reg. na Ação Cautelar. Relator: Ministra
Cármen Lúcia;
-ADI 551/RJ. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Fixação de
Valores Mínimos para Multas pelo Não Recolhimento e Sonegação de
Tributos Estaduais. Relator: Ministro Ilmar Galvão;
- ADI-MC-QO 2551/MG. Questão de Ordem na Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Taxa de Expediente do Estado de
Minas Gerais. Relator: Min. Celso Mello;
-ADI-MC 2010/DF. Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Contribuição de Seguridade Social. Relator:
Min. Celso Mello.
7 CONCLUSÃO
Demonstramos ao longo deste trabalho que o sistema de tributação
trimestral, atualmente em vigor, instituído pela Lei n° 9.430/96, é
inconstitucional, em suas diversas faces, porque fere princípios
constitucionais, entre eles o princípio da anualidade, da isonomia
e, principalmente os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade, tendo inclusive caráter confiscatório.
Além disto, ofende o disposto em Lei hierarquicamente superior,
qual seja a Lei Complementar n° 5.172/66 (Código Tributário
Nacional).
No entanto, as palavras e os argumentos esboçados seriam
desprovidos de maior significação e seriam infrutíferos se deles
não pudéssemos extrair conseqüências práticas imediatas, com
relação aos direitos do contribuinte.
Identificamos a irretratabilidade da opção como o ponto
nevrálgico de todo o sistema, aquela que questionada judicialmente
em sua constitucionalidade, com o apoio dos demais tópicos, poderá
abrir as portas ao contribuinte a um sistema mais justo de
tributação, que reflita de forma mais fidedígma a evolução do
seu patrimônio e que outrora prevaleceu na legislação do imposto
de renda. Com o seu questionamento quebra-se o veio que dá
sustentação a todo o atual sistema inconstitucional de tributação
e dá-se um passo para a apuração por período anual.
Quais seriam estes direitos?
- os agentes do governo, o fisco, não podem exigir nem cobrar imposto
de renda das pessoas jurídicas com base em período de apuração
trimestral em qualquer caso, principalmente por omissão do
contribuinte, porque, como ficou demonstrado, sendo a trimestralidade
inconstitucional, assim o fisco não poderá se respaldar nas letras
da lei para cobrar o imposto de renda trimestral;
2) para que o contribuinte não se veja momentaneamente
desamparado frente a atual legislação, quanto a questão das
antecipações, poderá recolher o imposto trimestral como uma forma
de antecipação, até que seja decidida a demanda judicial dando-lhe
provimento ao direito de optar por um ajuste no final do período,
com base na apuração do lucro real anual, pondo fim a
irretratabilidade da opção, à semelhança do que ocorre na
legislação do imposto de renda das pessoas físicas. Se o período
de apuração trimestral é inconstitucional, a escolha do
contribuinte por este período, não viabiliza a constitucionalidade
da regra. Uma regra inconstitucional não pode servir de suporte nem
de pressuposto para que a outra parte, no caso o fisco, dela se
beneficie e tire proveito, principalmente quando este agente induziu,
impôs esta primeira opção;
3) um segundo passo, ou segunda etapa, seria pleitear
judicialmente para que as apurações trimestrais, consideradas como
antecipações, sejam tomadas por balanços ou balancetes trimestrais
cumulativos, de forma a tentar ajustar tais antecipações ao imposto
com base no lucro real anual a recolher, evitando, na medida do
possível, os velhos e diversos incômodos das restituições; caso
se trate de imposto recolhido a maior, mesmo que em relação a
períodos anteriores, o contribuinte poderá também pleitear a
restituição do “indébito”, dentro do prazo previsto na
legislação tributária para tal fim.
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