terça-feira, 12 de agosto de 2014

ASPECTOS POLÊMICOS DA PERIODICIDADE NA APURAÇÃO DO IRPJ - MONOGRAFIA


INTRODUÇÃO



A lei n° 9.430/96, ainda em vigor, alterou a legislação do imposto de renda da pessoa jurídica, instituindo, definitivamente, o regime de apuração trimestral, em substituição ao anual, o qual ainda poderá ser utilizado em situações bastante peculiares.

Antes, porém, legislações específicas tentaram institucionalizar regimes de apuração diversos do anual, mas não obtiveram êxito em seus propósitos. Portanto, de longa data, mais precisamente com a Lei n° 7.450/85, que estabeleceu a obrigatoriedade de apuração dos lucros reais semestrais, foi a tentativa de implantar um regime de apuração do imposto de renda inferior ao período anual.

Uma análise histórica da evolução dessa legislação foge ao escopo do presente trabalho. A Lei n° 9.430/96, que está em vigor há mais de uma década, fincou raízes em nosso sistema legal e impera de forma impassível diante das críticas timidamente esboçadas, sem que tenha sido questionada eficazmente em sua funcionalidade e constitucionalidade, embora muitas vozes se tenham levantado sobre a questão.

A doutrina, em grande parte e com as devidas razões, cerrou fileiras para questionar a constitucionalidade de tal medida, invocando os princípios constitucionais da anualidade, da anterioridade, da capacidade contributiva e até mesmo do princípio da periodização anual.

Estes princípios, da forma como foram manejados, embora importantes para questionar isoladamente a constitucionalidade da trimestralidade como período base de apuração, foram insuficientes para um questionamento mais profundo da citada Lei, porque esta, através do seu artigo 2°, § 3°, estabeleceu uma opção pela declaração com base em período anual, que poderá ser exercida pelo contribuinte, quando obedecidas determinadas exigências.



Portanto, é importante realçar que a norma da trimestralidade não impera sozinha na Lei n° 9.430/96, mas em conjunto com a regra da anualidade, pelo menos para as pessoas jurídicas sujeitas à apuração pelo regime do lucro real.

Por este motivo, para um questionamento mais adequado da apuração do imposto de renda com base em período trimestral, estabelecido pela Lei n° 9.430/96, é necessário que se leve em consideração, nas argumentações, a relevância e importância desta opção, sem a qual não poderemos pretender grandes avanços.

A Profª Misabel de Abreu Machado Derzi, (Baleeiro, 2000), ao atualizar o livro Direito Tributário Brasileiro, do Tributarista Aliomar Baleeiro, percebeu esta grande modificação, mas, a nosso ver, não tirou as devidas conclusões, preferindo acolher de forma não crítica as novas regras, endossando a constitucionalidade da trimestralidade dentro da Lei.

Na verdade, o que se quer dizer é que em razão desta opção de anualidade, permitida ao contribuinte, a constitucionalidade só pode ser avaliada se levarmos em consideração a constitucionalidade da própria opção, mais especificamente de suas exigências, que são o elo de ligação da trimestralidade para a anualidade.

Por outro lado, da relação e da coexistência dessas duas regras de tributação do lucro real, numa mesma legislação, surgem situações que vão permitir avaliar com maior pertinência a questão da trimestralidade concebida pela própria Lei, em sua constitucionalidade.

Antecipando sucintamente o que será mais bem esclarecido no tópico apropriado, a coexistência destas duas regras de tributação, admitidas pela legislação, porá em relevância e destaque a questão do confisco, vedado pela Constituição Federal, bem como a importância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade, que permitem concluir que a trimestralidade não é o meio e a forma mais adequada e necessária de tributação.

Assim, evidencia-se que determinadas características dessa Lei não são visíveis quando a questão da trimestralidade é analisada isoladamente.

Em resumo, o que pretendemos demonstrar é que está em xeque não apenas a trimestralidade do período de apuração, mas o objetivo da própria Lei, quanto a opção e a coexistência das duas formas de tributação. Dentro do nosso propósito, pretendemos esclarecer quais as razões que determinam coexistência dessas duas formas de tributação.

































1 A LEGISLAÇÃO COMERCIAL E A ANUALIDADE


O Código Comercial de 1850 estabelecia em seu artigo 10°, item 4°:

                                   Art. 10. Todos os comerciantes são obrigados:

[...]

4. A formar anualmente o balanço geral do seu ativo e passivo, o qual deverá compreender todos os bens de raiz móveis e semoventes, mercadorias, dinheiro, papéis de crédito e outra qualquer espécie de valores, e bem assim todas as dívidas e obrigações passivas;



O artigo novo Código Civil, de 2002, que passou a regulamentar o Direito das Empresas, revogando grande parte do Código Comercial, estabelece nos seus artigos 1.020, 1.065 e 1.179:

Da Sociedade Simples:

Artigo 1020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico.



Da Sociedade Limitada:

Artigo 1.065. Ao término de cada exercício social, proceder-se-á à elaboração do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico.



Da Escrituração:

Artigo 1.179: O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o do resultado econômico.



Por sua vez, os artigos 87, § único, letra b, 98, § único e 129, § 2° do Decre to Lei 2.627, de 1940, que dispunha sobre as sociedades por ações estabeleciam:

Art. 87, § único. É da competência privativa da assembléia geral:

b) tomar, anualmente, as contas dos diretores e deliberar sobre o balanço por eles apresentado.



Art. 98. Haverá anualmente uma assembléia geral que tomará as contas da diretoria e discutirá o balanço e o parecer do conselho fiscal sobre eles deliberando.

§ único. A assembléia geral ordinária realizar-se-á nos quatro meses após a terminação do exercício social.



Art. 129. No fim de cada exercício social, proceder-se-á o balanço geral, para verificação dos lucros e prejuízos.

[...]

§ 2°. As sociedades registradas em Bolsas de valores ficam obrigadas a remeter às entidades junto às quais mantenham registro, até 30 (trinta) dias após o encerramento do primeiro e segundo semestres do seu exercício social um balanço econômico financeiro provisório, demonstrativo dos resultados, com os esclarecimentos necessários que serão afixadas pelas Bolsas.


Os artigos 175 e 176, inciso III, da Lei n° 6.404/76, que revogou em grande parte o D.L. anterior (n° 2.627) e que atualmente regula as sociedades por ações, dispõem sobre a duração do exercício social (regra) e suas exceções:

Art. 175. O exercício social terá a duração de 1 (um) e a data do término será fixada no estatuto.

Parágrafo único. Na constituição da companhia e nos casos de alteração estatutária o exercício social poderá ter duração diversa.



Art. 176. Ao fim de cada exercício social, a companhia fará elaborar com base na escrituração mercantil :

[...]

                                   III. demonstração do resultado do exercício social;



Deduz-se que a regra é a duração do exercício social de um ano, mas o parágrafo único admite exceções.
 
Comentando o artigo 1.065 do Código Civil de 2002 Fiuza (2008, p.1.079) esclarece,

Constitui princípio fundamental do direito societário que os administradores devem prestar contas dos atos da administração em particular, no que tange aos resultados anuais da sociedade para conhecimento dos demais sócios. Assim, essa norma expressamente prevê a obrigatoriedade de levantamento do balanço patrimonial no encerramento de cada exercício social, devendo ser realizado o inventário físico dos bens do ativo da sociedade e a elaboração das contas de resultado econômico, representadas pelas demonstrações financeiras do respectivo exercício.



Na mesma vertente são os comentários de Coelho (2008, p. 325), sobre a legislação das sociedades por ações,



De acordo com a legislação societária, cuja preocupação mais importante é definir a periodicidade da distribuição dos lucros entre os acionistas, o exercício social é o lapso de um ano, com datas de início e de fim fixadas no estatuto. Qualquer período ânuo serve às finalidades societárias, mesmo que não coincida com o ano civil.

A liberdade para a companhia definir ela própria o seu exercício social é justificável em vista da sazonalidade de determinadas atividades econômicas.



Mas, data vênia, podemos acrescentar que a questão da anualidade não se resume à fixação da data final do exercício social em razão da sazonalidade das atividades de algumas empresas.
 
Todo ano, em cada período anual, independentemente do termo fixado para o seu encerramento, se

inicia um novo ciclo de atividades que teoricamente se repetem nas mesmas condições do ano

anterior e, por isso, permitem estabelecer entre eles uma base de comparação, de avaliação.

Com base em toda a legislação e nos comentários citados, podemos facilmente concluir que, por força da lei e da tradição, não restam dúvidas de que o período anual é o de referência para a apuração dos resultados financeiros, podendo prevalecer, diferentemente do que ocorre na legislação do imposto de renda, na atualidade, um término que não coincida com o final do ano, ou 31 de dezembro. O exercício social, na legislação civil e comercial, sempre teve e ainda tem a duração de um ano.

Não foi por outro motivo que a legislação do imposto de renda em “seus primórdios” estabeleceu que a base de cálculo do imposto de renda seria o lucro real que correspondesse ao exercício social da empresa, conforme expressamente dispunha os artigos 38 e 43 do Decreto Lei n° 5.844/43:

Art. 38. As pessoas jurídicas instruirão suas declarações com os seguintes documentos, relativos a um período de doze meses consecutivos de operações encerrado em qualquer data do ano civil que anteceder imediatamente ao exercício financeiro em que o imposto é devido.



Art. 43. A base de cálculo do imposto será dada pelo lucro real ou presumido correspondente ao ano social ou civil anterior ao exercício financeiro em que o imposto é devido.


Este mesmo procedimento pode ser observado também nos artigos 6° e 7°  do Decreto - Lei   n ° 1598/77:

Art. 6°. O lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas na legislação tributária.

§ 1°. O lucro líquido do exercício é a soma algébrica [...] e deverá ser determinado com a observância dos preceitos da lei comercial.



Art. 7°, § 4°. Ao fim de cada período-base de incidência do imposto o contribuinte deverá apurar o lucro líquido do exercício mediante a elaboração, com observância da lei comercial, do balanço patrimonial, da demonstração do resultado do exercício e da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados.


De outra parte, dada a relativa independência do direito tributário frente a outros ramos do direito, as pessoas jurídicas poderão ter dois períodos de apuração dos resultados financeiros, um que atenda a legislação comercial e outro a legislação do imposto de renda, podendo também fazer coincidir estas “duas” apurações, desde que o término do período base seja 31 de dezembro.

Este entendimento não conflita com o que dispõe o artigo 204, caput, e seu § 2°, da mesma Lei, que preceituam:

Art. 204. A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço.

[...]

§ 2°. O estatuto poderá autorizar os órgãos de administração a declarar dividendos intermediários, à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral.


Em outras palavras, embora a Lei faça menção à apuração de balanço semestral, que já constava do artigo 129, § 2° do decreto Lei n° 2.627/40, a regra de apuração do resultado do exercício é a anualidade, imperando inclusive para a distribuição de dividendos, que obrigatoriamente deverão ser disponibilizados anualmente, com base no resultado anual, podendo ser distribuídos com base em período semestral.

Ainda, o artigo 202 da mencionada Lei dispõe:

Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas:



Levando em consideração a importância que as instituições financeiras adquiriram nas sociedades capitalistas modernas e visando evitar riscos sistêmicos que afetariam toda a economia, o artigo 31 da Lei n° 4.595/64 estabeleceu que:

Art. 31. As instituições financeiras levantarão balanços gerais a 30 de junho e 31 de dezembro de cada ano, obrigatoriamente, com observância das regras contábeis estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.


No mesmo sentido o Decreto Lei n° 2.627/40 (art. 129, § 2°, supra) previa balanços provisórios semestrais e a Comissão de Valores Mobiliários determinou a apresentação de relatórios financeiros trimestrais para as sociedades anônimas de capital aberto, que possuem valores mobiliários negociados na Bolsa de Valores ou no mercado de balcão, conforme disposto no art. 16, inciso VIII da Instrução CVM n° 202 de 06.12.1993:

Art. 16. A companhia deverá prestar, na forma do artigo 13, desta Instrução, as seguintes informações periódicas, nos prazos especificados:

[...]

VIII. Formulário de Informações Trimestrais – ITR, elaboradas em moeda de capacidade aquisitiva constante, acompanhadas de Relatório de Revisão Especial (inciso XVI do artigo 7° desta Instrução) emitido por auditor independente devidamente registrado na CVM , até quarenta e cinco dias após o término de cada trimestre do exercício social, excetuando o último trimestre, ou quando a empresa divulgar informações para acionistas, ou para terceiros, caso isso ocorra em data anterior.


As medidas impostas visam dar maior transparência às operações, facilitando o acompanhamento e a fiscalização das empresas. Tratam-se, pois, inclusive, de medidas de caráter preventivo, de longa data, que visam aprimorar e garantir o funcionamento do sistema financeiro e do mercado de capitais e servem, antes de tudo, mais para atender objetivos específicos, do que para medir a evolução patrimonial.

São duas coisas distintas: uma refere-se a informações adicionais que permitam um melhor acompanhamento e controle das atividades financeiras e da sua fiscalização e, conseqüentemente, do funcionamento do sistema, como um todo, centrando estas exigências em determinados setores estratégicos; um outro se refere à forma de avaliação da evolução patrimonial, decorrente de renda auferida.

Estes objetivos podem ser mais bem visualizados dentro das competências atribuídas ao Banco Central do Brasil e à C.V.M., dispostas nas Leis n°s 4.595/64 e 6.385/76, respectivamente.

Dentre as competências do Banco Central, conforme disposto no artigo 10 e 11, da Lei n° 4.595/64, estão:

                                   Art. 10 – Compete privativamente ao Banco Central do Brasil:

                                   [...]

                                   VI – exercer o controle do crédito sob todas as formas;

IX – exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas;


Art. 11 – Compete ao Banco Central do Brasil:

[...]

III- atuar no sentido regular do mercado de cambial, da estabilidade relativa das taxas de câmbio e do equilíbrio do balanço de pagamentos podendo para este fim comprar e vender ouro e moeda estrangeira ;

[...]

VII – exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta, ou indiretamente interfiram nesses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem;


Por sua vez, de acordo com o artigo 8° da Lei n° 6.385/76, compete à Comissão de Valores Mobiliários:

III – fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o artigo 1°, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores nele negociados;



V – fiscalizar e inspecionar as companhias abertas, dada prioridade às que não apresentem lucro em balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório.


E o que fez a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas? Copiou e generalizou uma regra destinada a empresas de determinados portes e setores econômicos/ financeiros, que serve a objetivos específicos, com vistas a reduzir as atividades especulativas e prevenir os riscos sistêmicos, inerentes ao sistema financeiro. Essas regras visam dar transparência e disponibilizar mais rapidamente as informações dessas empresas, evitando o contágio para outras atividades econômicas, através de uma vigilância mais eficaz, possibilitando uma intervenção mais rápida do Banco Central no sistema financeiro.

A generalização foi inoportuna, imprópria, despropositada, desarrazoada porque nivela todas as empresas, ao contrário da legislação das sociedades anônimas e da Comissão de Valores Mobiliários, que estabelecem regras para pessoas jurídicas que pretendem usufruir as vantagens de captação de recursos de terceiros, através da Bolsa de Valores.

Uma vez mais se copiou e generalizou inadvertidamente e de modo insensato o que é justificável para alguns, pois é do conhecimento geral que a grande maioria das empresas brasileiras é de pequeno e médio porte, constituídas sob a forma de Sociedades Limitadas. Além disto, não satisfeitos, ampliaram as exigências estabelecendo regras para a opção pela apuração anual, com levantamentos de balancetes mensais.

Mas, antes disto, o contribuinte terá que fazer uma previsão de suas atividades operacionais, financeiras e de seus resultados para decidir sobre as duas formas de apuração do lucro real possíveis, levando em conta ainda os custos de imobilizações financeiras, decorrentes das antecipações, com o risco da restituição.

O que se pode inicialmente dizer é que a trimestralidade, como se verá, não atende ao princípio da razoabilidade porque se baseia em períodos que não são uniformes, no sentido em que eles não possuem as mesmas variáveis que possam viabilizar uma comparação, e, por isto, não serve para medir o acréscimo patrimonial de um período em relação ao outro.

Em outras palavras, as atividades econômicas sempre foram influenciadas por aspectos sazonais, pelas diferentes estações do ano, sujeitas a eventos específicos, datas comemorativas e religiosas, tais como Páscoa, Natal, carnaval, dia das mães, período de férias escolares, para citar apenas algumas, que se repetem com a regularidade anual e não trimestral e, por isto, servem para dar uma maior consistência a uma comparação da evolução patrimonial.

Citando Freitas Pereira, a Profª Derzi (2000, p. 325) esclarece:

Explica Freitas Pereira que a regra anual foi universalmente adotada em razão dos seguintes fatores:

o período não pode ser tão curto que seus resultados não sejam significativos, nem tão longo que impeça sua renovação;

a duração do período deve permitir a comparação de exercícios sucessivos;

o período deve integrar um ciclo completo de estações de modo a neutralizar influências sazonais. E conclui:



E reproduzindo na mesma página texto do referido autor:

A adoção de uma base anual para elaboração das contas preenche estes requisitos e reflete o juízo de uma longa experiência segundo a qual o ano não é demasiado longo nem demasiado curto, e, além disso, projeta o ritmo normal em que se desenvolve a vida econômica e social, toda ela marcada pelo ciclo das estações.



As atividades econômicas das empresas são tipicamente sazonais mesmo para aquelas que não parecem ter vínculos diretos com as atividades agrícolas.

Portanto, o período anual é o que se ajusta ao princípio do razoável porque o que melhor uniformiza os períodos em comparação.
































2 O CONCEITO DE RENDA E A PERIODICIDADE



O artigo 43 da Lei n. 5.172/66, alçada a categoria de Lei Complementar, estabelece:

Art. 43. “O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica e jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.



Do enunciado acima se verifica que desde logo se coloca, implicitamente, como condição da apuração do referido imposto a periodização, ou, mais especificamente, o prazo e o momento em que a renda poderá ser auferida.

Este fato, no entanto, foi relegado a segundo plano pela doutrina que se preocupou em conceituar a renda, independentemente do período em que a mesma se dava, num período em que a tradição, associada a outros institutos constitucionais, tornavam desnecessário este destaque.

Assim, seguindo a orientação do dispositivo legal, temos a preocupação, por parte da doutrina, em fazer distinção de renda como fluxo e renda como acréscimo patrimonial, diante de uma pluralidade de concepções doutrinárias, que não servem ao nosso propósito, mas que devem ser mencionadas em sua generalidade.

Em relação ao primeiro caso, temos, a título de exemplo, as definições de Fisher, “valor monetário do fluxo de serviços percebidos pelo indivíduo durante determinado período de tempo”, ou de Hewett, “fluxo de bens e serviços percebidos por qualquer indivíduo durante um período de tempo e disponível para a utilização depois da dedução dos custos necessários de aquisição”, citados por Pedreira (1971, 2.11).

Em relação à renda como acréscimo patrimonial, também prevista no diploma legal, e nas palavras de Pedreira (1971, 2.11), ela traduz “a influência da prática contábil de determinar o lucro anual da empresa pela comparação dos balanços de abertura e de fechamento do período considerado”, ou seja, “poder econômico desse indivíduo que acresceu durante determinado período de tempo”.

Diante de uma pluralidade de concepções de ordem econômica, financeira e mesmo jurídica, todas ao mesmo tempo se mesclando, fica claro que o período é definido de forma genérica, “determinado período de tempo”, ou, quando não, da forma ditada pela tradição, sem nenhuma conotação conceitual, como em relação à prática contábil de apuração anual, baseada na legislação comercial, que estabeleceu como período de referência o anual.

Mas, é o próprio Pedreira (1971, 2.10.04) que, an passan, em sua larga obra, afirma que “A idéia de um período de tempo integra a noção de renda”, sem, no entanto, tecer comentários adicionais e mais pormenorizados sobre o tema.

Em resumo, temos como evidente que a doutrina deu pouca relevância à noção de tempo, estabelecendo como fato consumado, pelo menos no direito brasileiro, que este tempo, para efeitos de apuração do imposto de renda, seria o período anual.

Entretanto, com o advento da Lei n. 9.430/96, que estabelece o período de apuração trimestral para as pessoas jurídicas, este tema passa a ser de suma importância, para a legislação brasileira, em virtude de tal princípio reverter toda uma tradição, que jamais havia sido questionada.

Esta noção de tempo estava sedimentada na legislação brasileira porque estava ancorada e, portanto, operava em consonância com outros princípios constitucionais como o da anualidade, da capacidade contributiva, da anterioridade e, para citar Derzi (2000), o princípio da periodização anual, todos inerentes ao imposto de renda e que formam um todo sistêmico, sob o qual deverão ser analisados os institutos jurídicos tributários.

Não é despiciendo mencionar que sob o Título VI – DA TRIBUTAÇÃO E DO ORÇAMENTO - a Constituição Federal alberga tanto o SISTEMA NACIONAL TRIBUTÁRIO (Capítulo I) quanto as FINANÇAS PÚBLICAS (Capítulo II).

Nas palavras de Derzi (Baleeiro, 2000, p. 292),

Entretanto, quer o princípio da dotação orçamentária, quer o mais flexível da anterioridade, ambos comprovam que a Constituição adota a regra da periodização anual. Quando os tributos têm por pressuposto, não um ato ou negócio jurídico isolados, mas a renda ou o patrimônio que, por definição, são resultado de situações contínuas, a arrecadação, necessariamente, se renova ano a ano para compor o orçamento estatal, por imposição da Constituição. O corte no tempo, artificialmente imposto, é dado antes pela Constituição Federal e passa a integrar os direitos e garantias fundamentais.


E no parágrafo seguinte a autora cita textualmente a prática brasileira, uma alusão à tradição, que sempre se pautou pela periodização anual.

A anualidade também está prevista nos artigos 1° e 34° da Lei Orçamentária n° 4.320/64, que dispõem:

Artigo 1°. Esta Lei estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o disposto no artigo 5°, XV, b, da Constituição Federal.


Artigo 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil.



Daí porque quando do surgimento da Lei n. 9.430/66 serão estes mesmos princípios que serão utilizados para questionar a constitucionalidade da referida Lei no tocante à trimestralidade, como período de apuração para o imposto de renda das pessoas jurídicas.

Nesse mesmo sentido se pronuncia Amaro:



O período de formação da renda tributável não pode ser muito curto, sob pena de prejudicar a personalização do tributo e a adequação à capacidade contributiva: o indivíduo que episodicamente tem um rendimento elevado não possui a mesma capacidade contributiva de outro indivíduo que perceba constantemente renda elevada. Feita apuração após período mais longo, esses efeitos de pico de renda tendem a ser neutralizados.

























































3 DO REGIME DE TRIBUTAÇÃO TRIMESTRAL E SUA CONSTITUCIONALIDADE



3.1 Comparativo entre as duas formas de tributação – Imposto com base em período trimestral e anual



A grande maioria dos tributaristas ressalta que o imposto de renda das pessoas jurídicas apurado através do lucro real trimestral é em tese, e em determinados casos, mais desvantajoso para as empresas em relação à apuração anual.

Efetivamente em dois casos, quando em todos os períodos trimestrais a pessoa jurídica apresenta lucros sem adicional, ou lucros trimestrais com adicional, os impostos apurados por cada um dos regimes se assemelham.

A discrepância é manifesta quando durante o período de apuração, ano-calendário, as empresas apresentam em alguns trimestres resultados negativos e em outros resultados positivos com adicionais em alguns trimestres e em outros não.

Higuchi (2008, p. 25) comenta com pertinência estas diferenças,



O lucro real mensal ou trimestral não traz uma só vantagem, mas traz muitas desvantagens, como a da limitação na compensação de prejuízos fiscais e a possibilidade de cometer mais infrações fiscais.

No mesmo trimestre, o lucro do trimestre anterior não pode ser compensado com o prejuízo fiscal de trimestres seguintes, ainda que dentro do mesmo ano-calendário. O prejuízo de um trimestre só poderá reduzir até o limite de 30% do lucro real dos trimestres seguintes.



Pode-se perceber que a preocupação do autor é somente em relação ao quantum do imposto apurado e devido, comparativamente, pelas duas formas de tributação, deixando em aberto, sem comentários, a questão quanto ao custo de oportunidade das antecipações mensais e outras exigências de obrigações acessórias, para as empresas que necessitam optar pelo lucro real anual.

Ora, para as empresas que se encontram em casos específicos, em que a apuração dos lucros trimestrais se equipara com a do lucro real anual, é vantajoso, em tese, que elas adotem o período trimestral exigido em Lei, pois neste caso elas podem evitar, se conveniente, o recolhimento mensal com base em estimativa e necessariamente não se vêm obrigadas às outras exigências acessórias. A comparação se resume a uma previsão financeira entre o total a ser recolhido a título de antecipação mensal e a título de apuração trimestral com base no lucro real.

A desvantagem em adotar a apuração trimestral se torna mais aparente quando a pessoa jurídica apresenta resultados trimestrais, no decurso do ano, com lucros ou prejuízos fiscais. Isto porque, para o período de um ano ininterrupto, os resultados positivos são absorvidos pelos negativos. Se apresentar resultado positivo no primeiro trimestre e resultados negativos nos seguintes, que absorvam o resultado positivo, a discrepância entre o que foi recolhido, que não poderá ser recuperado, e o que deveria ser recolhido, com base no regime anual, poderá ser substancial. O mesmo deverá ocorrer quando tem prejuízos a compensar, apurado, por exemplo, no primeiro trimestre, conforme salientou Higuchi.

Mas, é neste exato momento quando estes contribuintes encontram-se em situações financeiras menos promissoras que a legislação do imposto de renda entra e os penaliza, exigindo a adoção de regras que lhes impõem maiores sacrifícios e dificuldades financeiras, através dos recolhimentos mensais, ou de apuração de balancetes, balanços e lucros reais mensais (22 ao todo).

Ou seja, na realidade a legislação do imposto de renda, nos moldes em que foi elaborada, tende a tratar de forma mais rigorosa àqueles que necessitariam um tratamento contrário, menos rigoroso, ou pelo menos igualitário frente aos demais contribuintes, e que possibilitassem o mais rapidamente possível a recuperação dessas empresas.

Mesmo para os casos em que se adote o lucro presumido poderão acorrer divergências quanto ao adicional e também neste caso a trimestralidade poderá ser questionada pelos mesmos motivos, no que diz respeito à anualidade, capacidade contributiva, a periodização anual, a anterioridade, já comentados, porque neste caso não temos a opção com base na anualidade e sim a própria opção pelo lucro presumido, que em tese favorece ao contribuinte. Aqui impera exclusivamente o regime da trimestralidade.

Isto porque o lucro presumido em determinado trimestre poderá estar sujeito ao adicional, enquanto que em relação ao ano ele se dilui, excluindo-o do adicional em relação à receita anual. Neste caso o adicional trimestralmente recolhido não poderá ser recuperado e o contribuinte se verá mais uma vez prejudicado.



3.2 O Confisco



Na verdade trata-se muito mais de um confisco disfarçado de legalidade, vedado pela Constituição Federal, que estabelece no seu artigo 150, inciso IV, que é vedado à União, aos Estados, ao distrito Federal e aos Municípios:

Art. 150, IV. Utilizar tributo com efeito de confisco.

A conceituação de CONFISCO parece deveras problemática como nos faz ver Horvath (2002, p. 34),



De todo modo, “efeito de confisco”, assim como dezenas de outras expressões que se nos deparam pela frente ao lidarmos com o Direito, enquadra-se naquilo que se convencionou denominar de “conceito vago”, “conceito indeterminado” ou assemelhados.



Ou de acordo com Carlos A. Mersan , apud Horvath (2002, p. 47),

É difícil estabelecer um conceito de confisco, mas nos parece oportuno recordar que ele pode quando se absorve a totalidade, a maior parte do capital ou da renda tributária e assim deve entender-se que é confiscatório o ato que em virtude de uma obrigação fiscal determina uma injusta transferência patrimonial do contribuinte ao Fisco, injusta em seu montante ou por falta de causa jurídica, ou finalmente porque aniquila o ativo patrimonial.



No mesmo sentido Paulo de Barros Carvalho, apud Vargas (2004, p. 40): “A doutrina do confisco não fora elaborada, permanecendo em solo estéril as construções que tomem esta figura em linha de consideração”.

Também Machado (2008, p.41) comunga deste entendimento:



Não obstante seja problemático o entendimento do que seja um tributo com efeito de confisco, certo é que o dispositivo constitucional pode ser invocado sempre que o contribuinte entender que o tributo, no caso, lhe está confiscando os bens.



Ou, ainda,



De todo modo, resta a questão de saber até que limite o tributo é tolerável, vale dizer, não tem efeito de confisco.

A questão configura um daqueles pontos nos quais o quadro ou a moldura que a Ciência do Direito podem oferecer é muito vago (MACHADO, p.280).



Horvath (2002, p.83) comentando a dificuldade de se estabelecer o momento em que se dá o confisco afirma,



É dizer: sendo a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal entes componentes para instituir e majorar seus próprios tributos, como se poderá averiguar se a carga tributária passou a ser confiscatória após a criação (ou aumento) de um tributo [...]? Ou seja, onde foi despejada a gota d’água que fez transbordar o copo? Como aferir isso?



É fato admitido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência que os princípios constitucionais não devem ser analisados isoladamente, mas fazendo parte de um sistema, em que coexistem outros princípios relevantes, que lhes dão sustentação. Diante desta lacuna a doutrina realça alguns princípios que devem ser utilizados na avaliação do não-confisco.

Citando uma conferência do Ministro Moreira Alves no 25 Simpósio Nacional de Direito Tributário, Vargas (2004, p. 33) comenta,



Acrescenta, após discorrer sobre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que, a seu ver, é da conjugação destes dois princípios que se pode aferir quando haja confisco, estendendo o alcance desta vedação não só ao patrimônio, mas à renda e às atividades comercial, industrial e econômica das pessoas, [...].



Continuando, o mesmo autor (p. 37) esclarece,


Há também um consenso no sentido de que este princípio, para ser entendido, há de ser conjugado com outros princípios, como da capacidade contributiva, pessoalidade, progressividade, dentre outros, como com os princípios constitucionais de maneira ampla, como o da igualdade, liberdade [...]. Há ainda uma forte identificação deste princípio com o da razoabilidade.


Mas, particularmente para nós, o que, neste estágio, verdadeiramente nos interessa é buscar na doutrina um elemento específico que dê consistência à idéia de confisco, porque os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade serão analisados em outro tópico. Em outras palavras, no caso concreto, para analisar o confisco, temos que verificar se existe excesso e qual seria a referência deste.

Segundo Vargas (2004, p.23): “A não-confiscatoriedade tributária será identificada como a não interdição do arbítrio, proibição de excesso, e também como explicitação constitucional do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade material no sistema tributário”.

Ainda o mesmo autor (p. 85),



Conclui-se que o devido processo legal substantivo permite que se faça um controle da constitucionalidade da lei, a partir de seu conteúdo, vedando qualquer excesso.

É nítida a identificação da vedação dos efeitos confiscatórios da tributação com o devido processo legal, ou com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade material ou proibição do excesso.



Ou seja, diante de um conceito vago realça um elemento sob o qual se poderá analisar também o conceito relativo de confisco e a sua aplicabilidade ao caso concreto.

Conforme já ficou esclarecido anteriormente, na legislação fiscal coexistem duas formas de tributação do lucro real, uma baseada em períodos trimestrais, que prevalece, e a outra com base em período anual, desde que exercida a opção e cumpridas as exigências impostas pela Lei.

Também ficou esclarecido, no tópico relativo à comparação entre as duas formas de tributação, que o quantum do imposto apurado pela trimestralidade, para o período de um ano, que coincida com o período de apuração anual, será sempre igual ou maior que o imposto apurado através da anualidade.

Ora, como a finalidade, o objetivo último, é sempre a quantificação do imposto que irá ser recolhido aos cofres públicos, deduz-se que a forma de tributação do lucro real por períodos trimestrais impõe, via de regra, um plus, um adicional, em relação ao imposto que será calculado com base no período anual.

Este ônus adicional, imposto por um sistema de tributação inconstitucional, é uma espécie de confisco, no sentido literal da palavra, porque onera mais o contribuinte sem qualquer necessidade, posto que a Lei admite, como opção, a anualidade. Ou seja, se a Lei admite a anualidade é porque ela preenche os requisitos necessários para atender a finalidade.

Então, veja-se que o confisco, o excesso de tributação que traz a apuração do tributo com base em período trimestral, é avaliado em relação ao período de apuração anual, admitido pela própria Lei. A Lei admitindo a opção pela anualidade deu o parâmetro para avaliar o excesso posto pela forma de tributação trimestral.



3.3 O princípio da isonomia



A esta altura é importante registrar que o tratamento dispensado às pessoas jurídicas contrasta com o que é adotado em relação às pessoas físicas, no que se refere ao período de apuração.

Para estas, embora a Lei n° 8.134/90 determine que o imposto será apurado em bases correntes, permite uma declaração de ajuste anual, que se baseia na renda auferida no ano, dando ao contribuinte, pessoa física, o direito de restituição ao imposto antecipado.

Artigo 2°: O imposto de renda das pessoas físicas será devido à medida em que os rendimentos e ganhos de capital forem percebidos, sem prejuízo do ajuste estabelecido no art. 11.



Artigo 9°: As pessoas físicas deverão apresentar anualmente declaração de rendimentos, na qual se determinará o saldo do imposto a pagar ou a restituir.



Artigo 11°: O saldo do imposto a pagar ou a restituir na declaração anual (art. 9°) será determinado com a observância das seguintes normas.

Portanto, encontramos mais uma grande distorção que acompanha o nosso sistema tributário, no tocante ao imposto de renda das pessoa físicas e jurídicas e entre as próprias pessoas jurídicas.

E o que já se pode dizer é que é no mínimo estranho, para não dizer suspeito, este “tratamento isonômico” que se dá a determinadas pessoas jurídicas, em razão de suas dificuldades financeiras.

O princípio da isonomia está previsto no caput do artigo 5° da Constituição Federal, constituindo-se num dos pilares que regem e disciplinam as sociedades ditas democráticas. É um princípio constitucional básico para se viver num regime democrático em que o império da Lei deverá prevalecer sobre a vontade e a força dos homens.

E é o próprio caput do artigo mencionado que destaca a igualdade perante a Lei e também a segurança, segurança esta que poderá ser compreendida a segurança jurídica, nas regras estabelecidas pela legislação, fato não obedecido pela legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas.

Em um Estado Democrático de Direito presume-se que as regras sejam justas, admissíveis, possíveis de serem cumpridas, viáveis em sua execução, claras, inteligíveis. Leis que não apresentam estes mínimos requisitos de viabilidade trazem em seu bojo as marcas do arbítrio, da desconfiança, da desobediência e da insegurança, no sentido lato do termo.

Pinto Ferreira, apud Machado (2008, p.244), comentando sobre a imprecisão da lei, no caso das leis penais, que bem poderão ser aplicáveis às leis tributárias, assim se expressa,

As leis penais devem também ser precisas, pois a linha divisória entre o legal e o ilegal não pode ser deixada ao arbítrio nem à conjectura. A Corte Suprema norte americana decidiu várias vezes pela inconstitucionalidade da lei penal viciada pela imprecisão. O espírito clarividente de Montesquieu já observava no Espírito das leis: “É essencial que as palavras da lei revelem em todos os homens as mesmas idéias.”


E o artigo 150, inciso II da Constituição Federal, fortalece o espírito da isonomia em matéria fiscal, disciplinando que é vedado à União:

Art. 150, II. Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida [...].


Diante da sofisticação implementada pelo Governo na legislação do imposto de renda o contribuinte, muitas vezes, se vê confuso e indefeso, frente à presença ameaçadora do Estado que possui meios mais eficazes para fazer cumprir a legislação, colocada forçosamente sobre ele. Termina por prevalecer, pelo menos para os contribuintes mais indefesos, a idéia de que é infrutífero questionar a lei pelo Estado, porque ele possui, de uma certa forma, o controle da máquina judiciária, que trabalha predominantemente a seu favor. Sem falar no fato de que acionar a justiça de forma preventiva continua sendo uma atividade cara, pelo grau de profissionalismo que a matéria requer, que não está ao alcance da grande maioria das empresas brasileiras.

Além disto, sabe-se e é de pleno conhecimento nos meios jurídicos que existe uma grande defasagem entre o direito de acionar o judiciário e o desgaste e o risco em fazê-lo, inclusive pela sua lentidão, com a possibilidade de não se obter o devido sucesso prático, razão que justifica em abrir mão de seus direitos legítimos em favor de uma acomodação, que a logo prazo sufoca o próprio contribuinte.

Cientes destas dificuldades, os órgãos do Governo se vêm estimulados a adotar medidas e modificações constantes na legislação, o mais das vezes com o simples propósito de aumentar a arrecadação, mesmo que duvidosa a sua constitucionalidade. De antemão, reconhecem que poucos terão meios efetivos de contestar as medidas postas.

Por outro lado, por se tratarem de modificações técnicas que sacodem todo o sistema jurídico e o seu arcabouço e que, na maioria das vezes, só poderão ser percebidas e devidamente avaliadas através de um trabalho doutrinário exaustivo e longo, só se apercebendo das nuances com o passar do tempo, compensa o risco em pô-las. Até lá, até que sejam absorvidos as alterações e questionados os seus fundamentos, os objetivos foram preliminarmente atingidos e poderão ser confirmados perante a inércia dos prejudicados. E no momento oportuno, quando as anteriores já cumpriram as suas finalidades, novas mudanças serão implementadas, seguindo todo o caminho de dificuldades das anteriores.

Neste embate político e técnico o Estado encontra-se quase sempre em vantagem porque possui um quadro de técnicos mais homogêneo, mais bem equipado e estruturado, com todo o tempo pensante para as alterações, visando sempre à modificação. Em suma a batalha não é travada entre os hipoteticamente iguais, já se percebendo de antemão quem provavelmente será o vencedor.

Diante deste festival de leis é de se colocar em dúvidas a constitucionalidade das ações do governo, ou mais apropriadamente a questão do abuso de poder. O governo não busca o aprimoramento da legislação fiscal, com a adoção de medidas que visem prioritariamente evitar a evasão fiscal. Também não legisla em benefício da sociedade. Pelo contrário, trata o contribuinte como adversário, desvirtuando o conceito de estado democrático de Direito, previsto no artigo 1° da Constituição Federal, que pressupõe uma sociedade mais justa e participativa, com uma maior integração e colaboração de seus membros.

As constantes alterações na legislação do imposto de renda, as constitucionalidades duvidosas, que serão questionadas pelas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais que se desenvolvem durante o período de absorção das novas regras implementadas, são fontes de insegurança jurídica, impossibilitando o contribuinte, principalmente na qualidade de empresário, de planejar e ordenar as suas atividades empresariais de uma maneira mais racional e constante, sem imprevistos.

A igualdade ou a isonomia que norteia os princípios democráticos e que foram postos pelos filósofos gregos, diz respeito a dar o tratamento igual aos iguais e desiguais aos desiguais, sendo inconcebível dentro deste princípio que os menos favorecidos sejam tratados com mais rigor, porque não favorecidos, exatamente o que faz a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, quando estabelece como regra a trimestralidade do período de apuração do lucro real.

Foi seguindo esta trilha, dar tratamento desigual aos desiguais, visando a justiça social, que a Constituição Federal optou em dar tratamento juridicamente diferenciado às empresas de pequeno porte e às microempresas, conforme disposto no artigo 179:

Art. 179. A União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.


Ressalte-se a importância que o texto da Carta Magna confere às obrigações administrativas e tributárias.

Esta regra de apuração do imposto com base no período trimestral não faz justiça social porque não é condizente com as atividades reais das empresas, tratando-se de uma arbitrariedade, que encontra respaldo nos regimes não democráticos.

Para as empresas que necessitam optar pelo lucro real anual, em razão dos motivos apontados, as que via de regra estão em situação financeira delicada, com a liquidez comprometida, a imposição de antecipações mensais, com base em presunção de lucro, e outras obrigações acessórias adicionais, abusivas, dificulta a viabilidade de seu acesso.

Já para aquelas empresas que se encontram financeiramente saudáveis e apresentam lucros satisfatórios à questão da opção, por qualquer uma das formas, é de somenos importância, ou, pelo menos mais trivial, porque a trimestralidade se apresenta muito mais como uma antecipação do imposto anual, que no fim das contas coincidirá com os impostos trimestrais antecipados.

Por outro lado, o sistema de tributação adotado permite que estas empresas saudáveis possam, de antemão, fugir das exigências estapafúrdias de apurações de balancetes e lucros reais mensais, porque nunca necessitarão fazer esta segunda opção, que poderá e quase sempre será necessária para as empresas que se encontram em dificuldades financeiras, caso estas últimas precisem e queiram recolher menos imposto.

Ou seja, para as necessidades das empresas mais debilitadas a legislação responde com mais exigências, quando deveria ser o contrário ou, pelo menos, dispensar o mesmo tratamento.

Além disto, aquelas empresas possuem um corpo técnico permanente e mais qualificado que permitem fazer previsões e avaliações mais apuradas, quanto às vantagens das opções.

Dentro desta linha de raciocínio, fundamentada em princípios constitucionais, a opção estabelecida pela Lei n° 9.430/96 é um engodo, que visa onerar indevidamente os contribuintes, impondo-lhes regras que dificultam o próprio exercício da opção declarada, impondo sub-repticiamente uma forma de tributação que não lhes é interessante.

Mas, é importante ressaltar que para viabilizar este procedimento o legislador adotou um disfarce, que se chama opção pela tributação em período anual, visando ofuscar o seu verdadeiro intuito e com isto contornar as possibilidades de contestações, via judicial.

Esta não é a opinião da Profª Derzi (Baleeiro, 2000, p. 331) que nos seus comentários finais sobre o assunto arremata,



Assim, a aparente quebra de periodização anual, única regra admitida pela Constituição, por meio da incidência mensal ou trimestral, manteve-se entre nós, um regime opcional de pagamento por estimativa, com apuração e ajuste anual. Contornou-se, até certo ponto, a inadequação da legislação aos ditames constitucionais. (grifo nosso)



O contorno, até certo ponto, está em sintonia com a relatividade constitucional admitida pela autora.



3.4 Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade



Além da afronta aos princípios mencionados pelos autores já citados a trimestralidade também ofende ao princípio da razoabilidade, princípio este implicitamente previsto na Constituição Federal.

Pode-se dizer que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não somente estão na Constituição, mas também norteiam as suas próprias normas, porque é inconcebível uma Constituição que não seja regrada por tais princípios. São basilares a um Estado Democrático de Direito e são amplamente reconhecidos e aplicados tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, inclusive do Supremo tribunal Federal.

Nas palavras de Mello (2007, p.107): “as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas”.

E mais adiante: “Logo o plus, o excesso acaso existente, não milita em

benefício de ninguém. Representa um agravo inútil ao direito de cada final”.

No mesmo sentido, para Cordeiro (2006, p. 67), o princípio da proporcionalidade pode ser entendido em razão da adequação, da necessidade e em sentido estrito.



Adequação: “prevê a compatibilidade entre o fim e os meios por ela enunciados para a sua consecução. A adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da finalidade perseguida, pois se não for apta para tanto, há de ser considerada inconstitucional”.



Necessidade: “Torna-se obrigatória a verificação prévia da necessidade da admissão da medida restritiva, bem como da falta de possibilidade de sua substituição por outra medida menos gravosa, [...]”.

Em sentido estrito: consiste em um “sistema de valoração no qual se busca analisar se o direito juridicamente protegido por dada norma apresenta conteúdo valorativo, superior ao restringido, ou seja, é utilizado para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção ao fim almejado”.



Lúcia Valle Figueredo (Curso de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo:

Malheiros, 1995, p. 47), citada pelo autor, assim se pronuncia sobre o princípio constitucional da razoabilidade,



Não se pode conceber a função administrativa, sem se inserir o princípio da razoabilidade. É por meio da razoabilidade das decisões tomadas que se poderá contrastar atos administrativos e verificar se estão dentro da moldura comportada pelo direito.



Sobre o mesmo princípio discorre Celso Bandeira de Mello (obra citada, p. 105):



Pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva de discrição manejada.



Prosseguindo: “é porque através dela visa-se à obtenção da medida ideal, ou seja, da medida que, em cada situação, atenda de modo perfeito à finalidade da lei”.



3.5 A trimestralidade à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade


É neste momento muito peculiar que invocamos uma vez mais o princípio implícito da razoabilidade, admitido pela doutrina e pela jurisprudência, conforme Celso Bandeira de Mello (obra já citada, p.105):



Pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas – e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis – as condutas desarrazoadas, bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva de discrição manejada.



Ou, conforme Caio Tácito, apud Horvath (2002, p. 54),



A rigor o princípio da razoabilidade filia-se à regra da observância da finalidade da lei, que a seu turno, emana do princípio da legalidade. A noção de legalidade pressupõe emana do princípio da legalidade. A noção de legalidade pressupõe a harmonia perfeita entre os meios e os fins, a comunhão entre o objeto e o resultado do ato jurídico. A vontade do legislador, como da autoridade administrativa, deve buscar a melhor solução e a menos onerosa para os direitos e liberdades, que compõem a cidadania.



Ou, ainda, conforme o requisito da NECESSIDADE: “Torna-se obrigatória a verificação prévia da necessidade da admissão da medida restritiva, bem como da falta de possibilidade de sua substituição por outra medida menos gravosa, [...]”.

O fato de o fisco admitir uma forma de tributação, mais simples e menos

onerosa, que atende aos mesmos propósitos e finalidades, utilizando-se dos mesmos métodos de apuração contábeis, no caso, com base em período anual, demonstra que a trimestralidade não é procedimento necessário e adequado, que preencha os requisitos do princípio da proporcionalidade.

A forma de apuração do lucro real trimestral não é a mais adequada para medir o acréscimo patrimonial, porque baseada em períodos descontínuos. Por outro lado, esta forma também não é necessária para atingir os fins colimados, porque a própria Lei admite um modo mais adequado, menos oneroso (em termos do quantum tributável), com menos riscos, menos trabalhoso.

Ao mesmo tempo não é razoável porque está em descordo com o período de apuração do lucro que mais reflete a realidade da evolução patrimonial do contribuinte, conforme os comentários que já tecemos sobre a apuração anual, no tópico sobre a legislação comercial.

O mais adequado é o mais justo, o que não excede e, portanto, o mais proporcional e razoável.

Citando mais uma vez Vargas (2004, p.97): “O princípio da proporcionalidade em sentido estrito por ter como objetivo a “justa medida”, é o que melhor se identifica com o princípio da vedação dos efeitos confiscatórios.”

Há de se ver que os princípios constitucionais se mesclam, chamam uns aos outros para dar contorno ao sistema constitucional, não havendo limites fixos para defini-los. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade são elásticos e determinam conceitos mais específicos.

É bem verdade que a legislação tributária goza de relativa independência em relação aos outros ramos de direito, podendo estabelecer critérios próprios de apuração, não se submetendo, conseqüentemente, às regras e aos padrões da legislação comercial.

Esta relativa independência poderia ser manifesta em relação ao término do período base, que poderia ser diferente do da lei comercial, mas respeitando a anualidade do período de apuração da renda e acréscimo patrimonial porque mais condizente com a realidade das atividades econômicas das pessoas jurídicas.

É desarrazoado um sistema de tributação que estabelece duas formas de apuração do imposto de renda, ambas baseadas em procedimentos idênticos, mas que faz da forma inconstitucional a regra e a constitucional a exceção. Esta coexistência de duas regras só evidencia a incoerência do sistema, tornando evidente que a forma de tributação trimestral pelo lucro real é inadequada e desnecessária, porque a própria legislação legitima, de forma secundária, uma forma de apuração mais coerente e adequada para avaliar a evolução patrimonial.

O sistema como um todo não busca um equilíbrio sistêmico, não pondera a adequação dos meios aos fins colimados, está ancorado em um instituto jurídico inconstitucional (trimestralidade), figurando o outro, a anualidade, apenas como suporte para que sejam perpetradas as arbitrariedades. Daí as razões das exigências exorbitantes e desproporcionais impostas ao contribuinte, como se verá oportunamente no próximo tópico.





























4 A QUESTÃO DA OPÇÃO À ANUALIDADE NA LEI N° 9.430/96



Muito embora todos estes princípios sejam importantes quando se referem a periodização trimestral estabelecida pela Lei n. 9.430/96, eles não servem para questionar in

totum o sistema de tributação trimestral, tal como concebido pela legislação brasileira.

Isto porque o § 3° do artigo 2° da mencionada Lei estabelece o período anual como opção para a apuração do imposto de renda das pessoas jurídicas:

Art. 2°, § 3°.“A pessoa jurídica que optar pelo pagamento do imposto na forma deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de dezembro de cada ano [...]”.



Ora, em outras palavras, isto significa dizer que o regime de apuração do lucro do imposto de renda das pessoas jurídicas legitimado pela legislação é o regime trimestral, mas a Lei permite que o contribuinte opte pelo regime anual.

Dessa forma o problema da constitucionalidade da tributação trimestral, instituída pela Lei n. 9.430/96, não se resume à declaração da inconstitucionalidade dessa trimestralidade, mas desloca-se para uma análise mais abrangente que envolve a própria opção, ou, mais especificamente, as exigências impostas para o seu exercício.

Seria como afirmar que se o contribuinte “opta” pela trimestralidade ele não poderá alegar, para efeitos de se beneficiar de outro critério, a inconstitucionalidade dessa trimestralidade, que foi por ele escolhida.

Este problema foi perfeitamente captado pela professora Misabel Abreu Machado Derzi, com os seguintes comentários:



Finalmente, pode-se dizer que a redução drástica do período de incidência e de apuração do imposto seria absolutamente inconstitucional se não fosse opcional. Ou seja, o legislador ordinário, apesar de literal mente afirmar a periodização mensal, e agora, com a Lei n. 9.430/96, trimestral, ofereceu a opção do contribuinte o pagamento por estimativa, que embora denominado simplesmente de “forma de pagamento”, sujeita-se a ajuste anual, em que o período anual continua sendo o marco necessário, em que os prejuízos registrados em determinados meses do ano são compensáveis com os lucros apurados nos demais meses do ano (BALEEIRO, 2000, p. 330).



Com a devida vênia, discordamos da posição da autora que absorveu acriticamente a questão da opção, sem questionar os seus princípios de validade, dentro da ordem jurídica esboçada.

Em primeiro lugar, para todos os efeitos, questionamos se efetivamente existe algo absolutamente inconstitucional. Se existe, deverá existir também o relativamente inconstitucional. Mas, na verdade o que significa ser absolutamente ou relativamente constitucional? O período trimestral de apuração do imposto de renda estabelecido de conformidade com a Lei é relativamente constitucional?

Para nós, a autora peca pelo relativismo, sem situá-lo no sistema jurídico que comenta. Assim sendo, o disposto na Lei é constitucional ou não. Não existe, neste caso, o absolutamente inconstitucional ou o relativamente constitucional.

Em suma, temos que analisar se a opção estatuída em Lei, simplesmente,

legitima a constitucionalidade, pelo fato de ter sido posta, ou se ela deverá ser questionada dentro dos mesmo princípios que regem a legislação do imposto de renda.

O artigo 1° da Lei n° 9.430/96 assim prescreve:

Art. 1°. “A partir do ano-calendário de 1997, o imposto será determinado com base no lucro real, presumido ou arbitrado, por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação vigente, com as alterações desta Lei ”.

Está bastante claro, portanto, que, antes de tudo, o período trimestral irá reger a tributação do imposto de renda das pessoas jurídicas, sendo a opção mencionada uma exceção que poderá ser utilizada pelas pessoas jurídicas que apurarem o imposto de renda com base no lucro real anual.

Mas, para que esta opção seja legalmente exercida a própria Lei estabelece condições, que deverão ser cumpridas por quem almeja apurar o lucro real anual.

Estas exigências estão disciplinadas nos artigos 2° e 3° da mesma Lei, a seguir transcritos:

Artigo 2°: A pessoa jurídica sujeita à tributação com base no lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto e do adicional, em cada mês determinados sobre a base de cálculo estimada, mediante a aplicação, sobre a receita bruta auferida mensalmente [...].



§ 3°: A pessoa jurídica que optar pelo pagamento do imposto na forma deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de dezembro de cada ano, exceto nas hipóteses de que tratam os §§ 1° e 2° do artigo anterior.



Artigo 3°: A adoção da forma de pagamento do imposto prevista no

artigo 1°, pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime do lucro real, ou a opção pela forma do artigo 2°, será irretratável para todo o ano-calendário.



Artigo 35° da Lei n° 8.981/95 e artigo 2° 9.430/96: A pessoa jurídica poderá suspender ou reduzir o pagamento do imposto devido em cada mês, desde que demonstre através de balanços ou balancetes mensais, que o valor acumulado já pago excede o valor do imposto, inclusive o adicional, calculado com base do lucro real do período em curso. (Artigo 230 do RIR/99, Decreto n° 3.000/99).


Pelos artigos acima transcritos está claro que, da forma como eles foram

estabelecidos, dificultam o “acesso” ao regime anual, pelas pessoas tributadas pelo lucro real, porque impõe procedimentos mais onerosos, mais obrigações acessórias, para aqueles que por ele optam.

Além disto, após adotar o regime de tributação por qualquer dos regimes, o contribuinte não poderá alterar mais a forma de tributação para àquela que lhe seja mais vantajosa, no curso do período base. Caso opte pela tributação em base trimestral e no curso do período base anual constate que esta lhe é mais favorável não poderá modificá-la para o regime anual.

Este último fato revela que o contribuinte tributado pelo regime do lucro real terá que prever, antecipadamente, o período de tributação que lhe seja mais conveniente, trazendo uma insegurança jurídica, porque também deverá prever o desenrolar de suas atividades econômicas, para que possa escolher a forma que lhe for menos onerosa, tanto financeiramente quanto a título de obrigações acessórias.

Assim, a base de cálculo do tributo e o quantum a ser e recolhido não serão mais determinados apenas pelos resultados econômicos e financeiros auferidos no passado, mas também com base em uma previsão de sua atividade futura, aleatória, que deverá ser prevista com uma certa exatidão.

Na essência, o contribuinte ainda não adquiriu renda, mas será obrigado a prever e “definir” antecipadamente a base de cálculo do imposto, subvertendo o espírito dos artigos 43 e 44 do Código Tributário Nacional e toda a lógica do sistema, porque se deduz do disposto nesses artigos que a base de cálculo é definida quando auferida a renda e não antecipadamente.

Artigo 43: O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica:



Artigo 44: A base de cálculo do imposto é o montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.



Nesse diapasão nos parece legítimo concluir que essas exigências da Lei n° 9.430/96 conflitam com o que dispõe os artigos 43 e 44 do C.T.N., infringindo Lei hierarquicamente superior, porque o referido Código foi alçado à Lei Complementar, que prevalece sobre Lei Ordinária ou Delegada.

A aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, conforme disposto no artigo 43 do C.T.N., não estaria desassociada da definição da periodização e esta referida Lei Complementar não contemplava outra periodização que não o anual.

Portanto, o Código Tributário Nacional não dá acolhida às disposições da Lei n° 9.430/96 porque tinha como objetivo acolher uma tributação anual. A tributação trimestral é invencionice burocrática que visa penalizar o contribuinte, cerceando-lhe o direito a uma tributação mais justa e impondo-lhe exigências não menos absurdas.

Discorrendo sobre o valor hierárquico das leis, com base no artigo 59 da nossa Carta Magna, Zimmermann (2004. p. 484) arremata: “Por outro lado, para a maioria dos juristas, a lei ordinária, a medida provisória e a lei delgada estão sujeitas à lei complementar, sendo inválidas quando a contradizem.”

De outra parte, com base no artigo 1° da mencionada Lei, o fisco deverá adotar a tributação com base trimestral, caso o contribuinte, por qualquer motivo, não faça a opção que lhe foi permitida, porque o imposto passou a ser devido trimestralmente.

Particularmente, neste caso, a atuação do fisco será eivada de inconstitucionalidade, podendo-se levar em consideração os diversos argumentos sobre a inconstitucionalidade, ressaltados pelos mais diversos tributaristas, com fundamento nos princípios da anterioridade, da anualidade, da capacidade contributiva, da periodização anual e também da razoabilidade.

O fisco não poderá adotar o regime de apuração trimestral, através de procedimento próprio, quando o contribuinte não fez qualquer opção, seja trimestral ou anual,

e, assim, deixou de apurar o imposto de renda. Quer o fisco que também a falta de opção seja requisito para imposição de uma tributação com base na trimestralidade.

Mas, quando levamos em conta a questão da opção, prevista em Lei, estes argumentos tomados com base exclusivamente na trimestralidade da apuração, não serão suficientes para declarar a inconstitucionalidade do regime tributário posto em questionamento, ou mesmo para invalidar ou fazer alterar um procedimento já adotado pelo contribuinte. Neste caso, o que deverá ser questionada é a constitucionalidade da própria opção, com os seus critérios e as suas exigências.

Como já foi dito acima, inclusive com as transcrições dos respectivos artigos, as condições impostas para que o contribuinte possa optar pelo regime de tributação anual do lucro real são:

a) recolhimento mensal do imposto por estimativa, com base na receita auferida, caracterizando uma espécie de antecipação do imposto, mas com um ônus financeiro bastante elevado, principalmente para aqueles que poderão se beneficiar da apuração anual;

b) possibilidade de suspensão ou redução do imposto de renda apurado por estimativa, desde que o contribuinte demonstre, através de balanços ou balancetes mensais de apuração (22 ao todo), que o valor acumulado já pago (através da estimativa mensal) excede o valor do imposto.

Ora, não precisa muito para perceber que o imposto recolhido com base nas receitas mensais é por demais oneroso para um contribuinte que está às voltas com dificuldades financeiras e que nem mesmo sabe se poderá arcar com o imposto de renda que será apurado com base no lucro, no final do período de apuração.

Ou seja, na verdade a legislação impõe ao contribuinte um ônus de “imobili

zação” financeira, para que, no fim das contas, este possa demonstrar que não tinha efetivamente nada a recolher ou o que tinha a recolher era bem menos do que a Lei inicialmente lhe impunha. Some-se a isto a dificuldade de restituição do imposto antecipado, recolhido indevidamente, fato este que, notoriamente, deverá afugentar o contribuinte por esta opção, anual. Na realidade é um pavor ter imposto a restituir, porque com ele aparecem as diligências fiscais que entravam os trabalhos administrativos e a espera de anos a fio de ver restituído o que não é devido.

Sobre o assunto, Machado (2008, p. 203/4) comenta:



O mau exemplo dos governantes revela-se de forma ainda mais evidente no que diz respeito aos pagamentos de débitos pelo Poder Público. E especialmente no que concerne ao dever de restituir o que indevidamente tenha sido pago. Sabe-se que a administração Pública tem o dever de restituir prontamente, de ofício, o tributo pago indevidamente. Na prática, porém, geralmente isto acontece. E quando o contribuinte ingressa em juízo com ação de repetição do indébito o Poder Público utiliza todos os recursos, cabíveis ou não, para protelar o desfecho final do processo. E a final, vencido, cria enormes dificuldades para o cumprimento da sentença que o condena a restituir o que recebeu indevidamente.



O exagero da Lei não para por aí e estabelece que mesmo em caso de prejuízo fiscal com base na opção pelo balanço anual o contribuinte, que não efetuar o levantamento dos 24 balancetes, estará obrigado a recolher as antecipações com base nas receitas mensais.

É o que dispõe o artigo 44, § 1°, inciso IV da Lei n° 9.430/96, que prevê “penalidade”em caso de descumprimento da norma:

Artigo 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença do tributo ou contribuição.

§ 1°. As multas de que trata este artigo serão exigidas[...]:

IV – isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 2°, que deixar de fazê-lo, ainda que tenha apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano calendário correspondente.



Sobre o assunto, especificamente, se pronunciou a Câmara Superior de Recursos Fiscais, Primeira Turma, através do Acórdão n° CSRF/01-05.5881, sem, no entanto, se aperceber da inconstitucionalidade que cerca o direito ao exercício à opção anual, estabelecido através de exigências absurdas, que ferem princípios constitucionais, como se verá posteriormente.



IRPJ – MULTA ISOLADA – FALTA DE RECOLHIMENTO DE ESTIMATIVA – PREJUÍZO FISCAL – O artigo 44 da Lei n° 9.430/96 precisa que a multa de ofício deve ser calculada sobre a totalidade ou diferença de tributo, materialidade que não se confunde com o valor calculado sob base estimada ao longo do ano. O tributo devido pelo contribuinte surge quando é o lucro real apurado em 31 de dezembro de cada ano. Improcede a aplicação de penalidade pelo não recolhimento de estimativa quando a empresa apura prejuízo em sua escrita fiscal ao final do exercício. Recurso especial negado.



No mesmo sentido são os Acórdãos CSRF/01.05201 e 103-21.895, onde o relator destaca “que o valor recolhido a título de estimativa não tem natureza de tributo” e que, por conseguinte, a multa não é devida porque o artigo mencionado estabelece que ela (a multa) será calculada sobre a totalidade ou diferença do tributo ou contribuição.

Infelizmente, já não são raros os casos de contribuintes às voltas com problemas graves de saúde, ou mesmo em estados terminais, necessitando das restituições para poderem arcar com as despesas de saúde e hospitalares, que não conseguem reaver, a tempo, o que lhes é devido pelo Poder Público.

Quanto ao segundo item que na realidade se trata de uma segunda opção para o contribuinte, ou seja, opção sobre opção, este, ao escolher uma forma de tributação anual, que lhe seria mais pertinente e justa, pelos motivos já comentados, terá que apurar onze balancetes mensais e os respectivos lucros reais, ao todo 22 (vinte e dois) resultados, em apenas um ano. Percebe-se, claramente, o risco de cometimento de mais infrações fiscais.

Terá, ainda, que elaborar uma quantidade numerosa de cálculos mensais comparativos, efetuando os cálculos mensais a título de estimativa e comparando-os com os cálculos dos lucros reais mensais acumulados para o mesmo período. Obrigatoriamente efetuará pelo menos um primeiro recolhimento com base na receita mensal, mesmo que tenha detectado prejuízo no primeiro mês do ano calendário. Tudo isto para, ao final, ver reconhecido o seu direito de comprovar que nada tinha a recolher.

Mas, antes disso, terá ainda a incumbência de fazer previsão de suas atividades operacionais e dos lucros que poderão ser apurados pelas duas formas de tributação, comparando-os com os custos das imobilizações financeiras e com o ônus da restituição. Uma verdadeira loucura, uma via crucis.

Estas exigências são absurdas e desastrosas principalmente para determinados ramos de atividade, como aqueles que se submetem às regras dos contratos de curto e longo prazo, regulamentados pelos artigos 407 a 409 do RIR/99, cujas empresas são geralmente contratadas pelos governos para prestação de determinados serviços.

Estas pessoas jurídicas que constantemente se vêm às voltas com problemas de pagamento por parte do órgão contratante têm o direito de diferir ou excluir da base de cálculo do imposto a parcela do lucro da atividade, correspondente às parcelas não recebidas, incluindo-as quando do seu efetivo recebimento. (artigo 409 do RIR/99)

O que queremos dizer é que estas pessoas jurídicas ou terão que se submeter ao recolhimento por estimativa ou levantar doze balanços ou balancetes mensais, e doze lucros reais, com todas estas peculiaridades e controles, para simplesmente fazer jus ao que lhe é de direito, ou seja, recolher o imposto com base no resultado financeiro de suas atividades passadas, sem que seja preciso recorrer ao dispositivo de previsão de suas atividades futuras.

Mas estas exigências, em parte, explicam o aparente paradoxo em que o regime de apuração trimestral continua a prevalecer mesmo quando as pessoas jurídicas sabem de antemão que ele lhes menos favorável financeiramente, em termos de imposto a recolher.

Vê-se, assim, que, diante destas exigências extravagantes e absurdas, que ferem os direitos mais elementares dos contribuintes, torna-se necessário se perquirir sobre os

princípios constitucionais infringidos, em complemento às argumentações sobre a constitucionalidade, já expostas.





























5 DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS EXIGÊNCIAS PARA O EXERCÍCO DA OPÇÃO E DA IRRETRATABILIDADE DA OPÇÃO



Convém citar mais uma vez Horvath (2004, p. 55): “A garantia da razoabilidade também é identificada, por ser ela sinônima, com a proibição da arbitrariedade”.

A opção que foi permitida ao contribuinte, em calcular o imposto pela

apuração do lucro real anual, foi o instrumento ou o meio pelo qual o legislador procurou legitimar a forma de apuração trimestral, através da própria opção. Dessa forma transferiu a responsabilidade de escolha da forma de apuração para o contribuinte, trimestral ou anual, afastando de certa forma os questionamentos que poderiam advir da inconstitucionalidade da Lei, ao mesmo tempo em que inviabilizava o exercício dessa opção.

Mas esqueceu o legislador que a opção (o não exercício da opção pela anualidade não deixa de ser uma opção pela trimestralidade) exercida por uma regra inconstitucional não tem o condão de dar legitimidade a quem se utiliza desta regra, porque a opção não tem validade jurídica, independentemente de quem a escolheu. Não pode servir de pretexto para que se exija o injusto, o desarrazoado, que por sua vez é imposto de forma arbitrária, excessiva.

Também não é razoável e nem prudente impor ao contribuinte obrigações acessórias descabidas, exorbitantes, arbitrárias e excessivas, difíceis de serem cumpridas, impelindo-o e induzindo-o a optar por uma forma de tributação que lhe seja menos favorável, em relação ao quantum tributável, embora muitas vezes mais vantajosa em razão das exigências.

Nas palavras de Vargas (2004, p. 98): “Na interpretação das normas tributárias, como em qualquer outra, há de se levar em conta, necessariamente, o princípio do não-excesso, pois é através dele que se consegue ligar o aspecto meramente formal da Constituição, com o aspecto material.”

O mesmo autor (p.97) arremata: “Canotilho (1995, p.617-618) considera que o princípio da proibição do excesso (art. 18° da Constituição Portuguesa) é o princípio da proporcionalidade em sentido amplo [...]”.

O excesso posto através das exigências dificulta, para não dizer que veda, o acesso ao que é legitimo e razoável.

Principalmente quando se sabe que a própria Constituição Federal viabili-

zou, através do § 7° do artigo 150, a antecipação do imposto:

Art. 150, §7°. A lei poderá atribuir ao sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento do imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.



O que queremos dizer é que a legislação do imposto poderia estabelecer

uma antecipação trimestral do imposto de renda, baseada no lucro real, permitindo que o contribuinte pudesse, após a apuração do imposto pelo período anual, ajustar, como acontece com a legislação do imposto de renda das pessoas físicas, o quantum que deveria ser efetivamente recolhido aos cofres públicos.

Estes argumentos também são aplicáveis ao que dispõe o artigo 3° e o § único da Lei n° 9.430/96, que trata da irretratabilidade da opção, os quais transcrevemos:

Art. 3°. A adoção da forma de pagamento do imposto prevista no artigo 1°, pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime do lucro real, ou a opção pela forma do art. 2° será irretratável para todo o ano-calendário.

§ Único. A opção pela forma estabelecida no art. art. 2° será manifestada com o pagamento do imposto correspondente ao mês de janeiro ou de início da atividade.



Levando-se em consideração os princípios constitucionais enumerados

e ainda que o regime de apuração que mais reflete o seu incremento patrimonial do contribuinte e a percepção de sua renda, porque com a realidade de suas atividades econômicas, é a apuração com base em período anual, seria lícito perguntar:

a) é razoável que a Lei estabeleça um outro período de apuração, no caso trimestral, impondo ao contribuinte regras que, como ficou demonstrado, dificultam a sua opção pelo período que mais reflete suas atividades econômicas?;

b) é razoável que a legislação ao impor estas regras impeça que o contribuinte, após se certificar que os resultados econômicos e financeiros não foram os esperados, ajuste o quantum do imposto devido, obedecendo à periodização que mais se coaduna com os princípios constitucionais e com a aferição de suas atividades?

Obviamente, as respostas a estas perguntas estão respondidas quando confrontamos estas regras absurdas e arbitrárias com os princípios constitucionais mencionados

ao longo deste trabalho.

Por tudo isto posto, não temos dúvidas em questionar a constitucionalidade do sistema jurídico imposto pela Lei n° 9.430/96 que está viciada em sua constitucionalidade, porque impõe e induz o contribuinte a assumir um ônus não condizente com a efetividade de suas atividades, que deverão ser auferidas com base em períodos anuais.

A recomposição do patrimônio do contribuinte diante das investidas do fisco é um direito expressamente admitido pela Constituição Federal, mesmo quando este, por livre iniciativa, se engana quanto ao que é devido, principalmente quando esta recomposição adota procedimentos compatíveis com os princípios constitucionais aqui enumerados. O que dizer quanto ao que não é efetivamente devido de acordo com as regras constitucionais?

Para finalizar este tópico não seria demasiado repetir que a opção imposta ao contribuinte para ter acesso ao que lhe é de direito, bem como as exigências legais impostas para o seu exercício ferem o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, previstos na Constituição Federal porque não são justas e adequadas à finalidade a que se propõem, excedem em seu propósito e induzem o contribuinte a não exercê-la, ou seja, a optar por uma forma de tributação que vias de regra lhe é desfavorável.

Da mesma forma, ou mais ainda, a irretratabilidade da opção, uma vez exercida a trimestralidade, fere também tais princípios, pois obriga o contribuinte a permanecer no sistema de tributação trimestral, inconstitucional, que não reflete adequadamente as suas evoluções patrimoniais, que não se coaduna com as suas atividades, que não é isonômico e sim confiscatório, pelos motivos que já foram expostos.

Se, parafraseando Bobbio, “os meios contaminam os fins” os instrumentos utilizados pelo legislador, que induzem e empurram o contribuinte para a opção trimestral, já seriam suficientes para “decretar” a inconstitucionalidade da lei. Nesse diapasão, a não opção pela apuração anual foi o meio que o legislador encontrou para atingir a inconstitucionalidade.

A situação se vê agravada quando estes mesmos instrumentos forçam e induzem o contribuinte a optar por um regime de tributação, em si, também inconstitucional, qual seja o regime de apuração trimestral. Seria querer legalizar um regime de tributação inconstitucional por instrumentos também inconstitucionais, que ferem, ambos, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pondo em xeque o arcabouço jurídico.










6 A JURISPRUDÊNICA QUANTO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE



A prova mais eloqüente da importância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade pode ser aferida pela recepção que o Supremo Tribunal Federal tem dado em seus julgados.

Nesse sentido reproduzimos a ementa do julgamento pelo Tribunal Pleno, da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.407/DF, da relatoria do Ministro Celso de Melo, extraída de Vargas (2004, p.90),



(...) O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislati va está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental , que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público.

O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, Art. 5°, LIV).

Esta cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso do poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrada instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador.



No corpo do acórdão encontramos:



Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A essência do substantive do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.



Seria despiciendo reproduzirmos as ementas dos diversos julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, abrangendo os diversos ramos do direito, bastando, para o nosso caso, citá-los:

- AC-MC 1657/RJ. Medida Cautelar em Ação Ordinária. Interdição de Estabelecimento Industrial pela Secretaria da Receita Federal. Relator: Ministro Joaquim Barbosa;

- ADI 3112/DF. Ação Ordinária de Inconstitucionalidade. Estatuto do Desarmamento. Direito de Propriedade. Invasão da Competência Residual dos Estados. Relator: Ricardo Lewandowski;

- AC-AGR1091/GO. Ag. Reg. na Ação Cautelar. Relator: Ministra Cármen Lúcia;

-ADI 551/RJ. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Fixação de Valores Mínimos para Multas pelo Não Recolhimento e Sonegação de Tributos Estaduais. Relator: Ministro Ilmar Galvão;

- ADI-MC-QO 2551/MG. Questão de Ordem na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Taxa de Expediente do Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Celso Mello;

-ADI-MC 2010/DF. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Contribuição de Seguridade Social. Relator: Min. Celso Mello.










































7 CONCLUSÃO



Demonstramos ao longo deste trabalho que o sistema de tributação trimestral, atualmente em vigor, instituído pela Lei n° 9.430/96, é inconstitucional, em suas diversas faces, porque fere princípios constitucionais, entre eles o princípio da anualidade, da isonomia e, principalmente os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tendo inclusive caráter confiscatório.

Além disto, ofende o disposto em Lei hierarquicamente superior, qual seja a Lei Complementar n° 5.172/66 (Código Tributário Nacional).

No entanto, as palavras e os argumentos esboçados seriam desprovidos de maior significação e seriam infrutíferos se deles não pudéssemos extrair conseqüências práticas imediatas, com relação aos direitos do contribuinte.

Identificamos a irretratabilidade da opção como o ponto nevrálgico de todo o sistema, aquela que questionada judicialmente em sua constitucionalidade, com o apoio dos demais tópicos, poderá abrir as portas ao contribuinte a um sistema mais justo de tributação, que reflita de forma mais fidedígma a evolução do seu patrimônio e que outrora prevaleceu na legislação do imposto de renda. Com o seu questionamento quebra-se o veio que dá sustentação a todo o atual sistema inconstitucional de tributação e dá-se um passo para a apuração por período anual.

Quais seriam estes direitos?

  1. os agentes do governo, o fisco, não podem exigir nem cobrar imposto

de renda das pessoas jurídicas com base em período de apuração trimestral em qualquer caso, principalmente por omissão do contribuinte, porque, como ficou demonstrado, sendo a trimestralidade inconstitucional, assim o fisco não poderá se respaldar nas letras da lei para cobrar o imposto de renda trimestral;

2) para que o contribuinte não se veja momentaneamente desamparado frente a atual legislação, quanto a questão das antecipações, poderá recolher o imposto trimestral como uma forma de antecipação, até que seja decidida a demanda judicial dando-lhe provimento ao direito de optar por um ajuste no final do período, com base na apuração do lucro real anual, pondo fim a irretratabilidade da opção, à semelhança do que ocorre na legislação do imposto de renda das pessoas físicas. Se o período de apuração trimestral é inconstitucional, a escolha do contribuinte por este período, não viabiliza a constitucionalidade da regra. Uma regra inconstitucional não pode servir de suporte nem de pressuposto para que a outra parte, no caso o fisco, dela se beneficie e tire proveito, principalmente quando este agente induziu, impôs esta primeira opção;

3) um segundo passo, ou segunda etapa, seria pleitear judicialmente para que as apurações trimestrais, consideradas como antecipações, sejam tomadas por balanços ou balancetes trimestrais cumulativos, de forma a tentar ajustar tais antecipações ao imposto com base no lucro real anual a recolher, evitando, na medida do possível, os velhos e diversos incômodos das restituições; caso se trate de imposto recolhido a maior, mesmo que em relação a períodos anteriores, o contribuinte poderá também pleitear a restituição do “indébito”, dentro do prazo previsto na legislação tributária para tal fim.









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